Roberto Campos, crítico do
Patrimonialismo. Esse constitui um dos pontos fortes da meditação filosófica e
política do nosso autor. Roberto Campos foi, ao meu ver, um dos críticos mais
sistemáticos e radicais das práticas patrimonialistas que estabeleceram, nos
governos petistas, o fenômeno da “Corrupção Sistémica” na administração
republicana, que outra coisa não é do que gerir a coisa pública como negócio
privado, com exclusão de todos aqueles que se contraponham a essa modalidade de
política típica do Patrimonialismo.
Durante décadas, a figura de Roberto
Campos tentou ser riscada pelo establishment no interior do Itamaraty,
porquanto representava um perigo para os que tinham se encastelado no regime de
sesmarias ao redor de uma opção pelo “socialismo real”, após a derrota dos
alemães na Segunda Guerra Mundial.
Inicialmente, quando nosso autor optou
por se habilitar em concurso para trabalhar no Ministério das Relações
Exteriores em pleno Estado Novo, no ano de 1938, a maior parte dos nossos
diplomatas se colocava no contexto dos interesses do Eixo. Mas, quando as
forças de Hitler começaram a ser detonadas pelos Aliados na Segunda Guerra
Mundial, os diplomatas correram céleres para se arrumarem em torno aos
representantes das democracias ditas “populares”, chefiadas pela antiga União
Soviética. Guinada de 180 graus que deixou intacto, contudo, o dogmatismo e o
gosto pelo “poder total”.
Entre os Aliados, os itamaratianos
fizeram a sua escolha: os Russos, que representavam a nova força que se
estabelecia no mundo, contrária aos Americanos. A respeito do clima que se
vivia no Ministério das Relações Exteriores no contexto dessa arrumação
ideológica, escreve Roberto Campos: “O Itamaraty, situado na avenida Marechal
Floriano (a antiga rua Larga de São Joaquim), era comumente apelidado de Butantã da rua Larga. – São cobras, mas
fingem que são minhocas – dizia-me de seus colegas o admirável Guimarães Rosa,
que depois se tornaria o meu escritor preferido”.
Roberto Campos e um grupo minoritário
representaram a opção por um conceito de diplomacia afinado com a democracia
ocidental e alheio à busca do “democratismo” que terminou vingando no mundo
comunista. Como ele mesmo destacava, virou uma espécie de “profeta da
liberdade”, à maneira, aliás, de Tocqueville, que se descrevia a si próprio
como um “João Batista que prega no deserto”. A respeito da opção liberal,
frisava Roberto Campos na sua obra autobiográfica, A lanterna na popa: “Em
nenhum momento consegui a grandeza. Em todos os momentos procurei escapar da
mediocridade. Fui um pouco um apóstolo, sem a coragem de ser mártir. Lutei
contra as marés do nacional-populismo, antecipando o refluxo da onda. Às vezes
ousei profetizar, não por ver mais que os outros, mas por ver antes. Por muito
tempo, ao defender o liberalismo econômico, fui considerado um herege
imprudente. Os acontecimentos mundiais, na visão de alguns, me promoveram a
profeta responsável”.
O nosso autor definia o seu compromisso
intelectual com a defesa de duas variáveis: opulência e liberdade, que deveriam
estar estreitamente ligadas para não degenerarem em populismos irresponsáveis.
A respeito, Campos frisava: “Neste fim de século ressurgem tendências liberais
sob a forma do capitalismo democrático.
Este se baseia na convicção de que somente através do mercado se alcança a
opulência, enquanto que para a preservação da liberdade o instrumento
fundamental é a democracia. Ambos, opulência e liberdade são valores
desejáveis. O mercado pode gerar opulência sem democracia, e a democracia, sem
o mercado, pode degenerar em pobreza. Conciliar o mercado, que é o voto
econômico, com a democracia, que é o voto político, eis a grande tarefa da era
pós-coletivista – o século XXI”.
Talvez o traço mais marcante da
personalidade intelectual de Roberto Campos tenha sido a capacidade de rir de
si próprio, estabelecendo uma saudável relatividade nos seus pontos de vista.
Definiu-se a si mesmo, no primeiro capítulo de sua autobiografia, como o
“analfabeto erudito”. Analfabeto em matéria de especialidades cartoriais que o
habilitariam para um concurso público. Mas erudito por uma inegável formação
humanística haurida no Seminário, onde cursou os estudos completos de Filosofia
e Teologia, além de ter recebido as “Ordens Menores” (hostiário, leitor,
exorcista, acólito). Lia com familiaridade o grego e o latim. E, forçosamente,
para quem viveu anos a fio em meio às exigências celibatárias, a iniciação
sexual começou bastante tarde, já na casa dos vinte e tantos anos.
Dessas peripécias dá notícia, com humor, Roberto Campos na sua obra
autobiográfica.
A
formação humanística no Seminário fez com que o nosso autor tivesse como pano
de fundo da sua vivência intelectual, a compreensão da complexidade das
relações sociais, ancorando o estudo destas na meditação aprofundada sobre o
ser humano. Algo semelhante ao que motivou o pai do liberalismo, John Locke, a
entender as relações políticas sobre o pano de fundo mais largo das exigências
morais, a partir do imperativo, de inspiração medieval, do controle moral ao
poder. Não em vão o maior vulto do liberalismo inglês frequentou os estudos
humanísticos preparatórios para a clerezia no Christ Church College, antes de
passar pelos estudos da Medicina em Oxford que o levaram, jovem praticante, a
tratar do conde de Shaftesbury e virar, pelo seu intermédio, o principal
assessor da liderança parlamentar no desmonte do absolutismo monárquico.
A formação humanística recebida por Roberto
Campos o habilitou para, sobre esse legado, entender em profundidade o mundo
econômico, ao ensejo dos estudos feitos em nível de pós-graduação em Economia, na
Escola de Governo da George Washington University, sob a rigorosa orientação de
Edward Champion Acheson. Na mencionada Universidade o nosso autor teve contato
com os maiores vultos do pensamento econômico da época como John Donaldson,
Arthur F. Burns, Gottfried Haberler, Fritz Machlup, Joseph Alois Schumpeter
(que considerou que o montante das pesquisas feitas por Campos para a tese de
mestrado “era suficiente para uma tese doutoral”), John Maynard Keynes e o papa
da Escola Austríaca, Friedrich A. Hayek.
Assim, a passagem de Roberto Campos
pela divisão de “secos e molhados” (nome jocoso dado pelo nosso autor à área de
Assuntos Econômicos do Itamaraty) foi bastante profícua, tendo-o colocado,
junto com Eugênio Gudin, na linha de frente da formulação das políticas
econômicas, que se tornariam, após a Conferência de Bretton Woods em 1944, a
peça forte das relações diplomáticas. (Da mencionada Conferência, Roberto
Campos participou como assessor da equipe brasileira chefiada pelo professor
Gudin).
Duas etapas podem ser reconhecidas na
formação do liberalismo econômico no nosso autor: a primeira, onde a influência
maior veio de Keynes e a segunda, já derrubado o Muro de Berlim, com uma
aproximação maior ao pensamento da Escola Austríaca. Mas sempre mantendo atenta
a vista na construção de instituições que conduzissem o Brasil ao pleno
desenvolvimento econômico com preservação da liberdade.
Desenvolverei o tema da crítica de
Roberto Campos ao Patrimonialismo em três itens: 1 – Um retrospecto melancólico
do fracasso para obter o desenvolvimento sustentado. 2 – Um caso de cegueira
patrimonialista: a política de reserva de informática. 3 – Um caso de hybris patrimonialista: o monopólio da
Petrobrás.
1
– Um retrospecto melancólico do fracasso para obter o desenvolvimento
sustentado.
A despedida de Roberto Campos da vida
parlamentar, depois de 16 anos como congressista (8 no Senado e 8 na Câmara dos
Deputados), ocorreu em discurso pronunciado na quinta-feira 28 de janeiro de
1999, dois anos e meio antes do seu falecimento, em outubro de 2001. Esse
discurso pode ser considerado, portanto, como o seu testamento político.
Poderia comparar essa circunstância com
a vivida por Tocqueville quando da escrita das suas Memórias de 1848,
terminadas poucos meses antes da sua morte, em 1859. Em ambos os escritos (o
discurso de Campos e as Memórias de Tocqueville), os autores
foram partícipes da história política dos seus respectivos países, tendo sido
ministros de Estado e parlamentares. Em ambas as peças caem os véus das
contemporizações e os seus autores se revelam críticos profundos das suas
respectivas realidades. Em ambos os contextos, a proximidade do fim faz com que
a análise de fatos e pessoas se torne mais despiedada e objetiva e se enxergue,
como única meta, a sorte da Nação.
Campos inicia o seu discurso
identificando-o como um retrospecto melancólico. A propósito frisa: “(...). É
tempo de balanço. Balanço tornado oportuno pela confluência de três eventos:
fim de século, começo de milênio e, proximamente, 500 anos da fundação da
brasilidade. Minha melancolia não provém de saudades antecipadas de Brasília,
cidade que considero um bazar de ilusões e uma usina de déficits. A melancolia
provém do reconhecimento do fracasso de toda uma geração – a minha geração
- em lançar o Brasil numa trajetória de
desenvolvimento sustentado. Continuamos longe demais da riqueza atingível e
perto demais da pobreza corrigível. A melancolia vem também da constatação de
nossa insuportável mesmice. Quando
cheguei ao Congresso, em 1983, eleito senador por Mato Grosso, os temas
candentes do momento eram a moratória e a recessão. Dezesseis anos depois,
quando me despeço de dois mandatos de deputado pelo Rio de Janeiro, os temas
inquietantes voltam a ser a recessão e a crise cambial. Isso demonstra que o
Brasil, conquanto capaz de saltos de desenvolvimento, não aprendeu a tecnologia
do desenvolvimento sustentado. É um saltador de saltos curtos e não um corredor
de resistência”.
O Brasil, como a Rússia, provoca
perplexidade. Porque tanto um país quanto o outro apresentam-se ligados à
modernidade, mas sem quebrar as amarras que os atam indefectivelmente ao
passado de atraso. A respeito, frisa Campos: “Na análise internacional
comparativa do desempenho das nações neste fim de século, dois países provocam
geral perplexidade pela enorme brecha entre seu potencial, que é cintilante, e
seu desempenho, que é fosco: a Rússia e o Brasil. A Rússia foi uma
superpotência que depois submergiu, descobrindo afinal que era apenas um país
do terceiro mundo com um exército de primeiro mundo. O Brasil é uma potência
emergente que ainda não emergiu e que se surpreende ao descobrir que continua
sendo um pais com um grande futuro no seu passado. Tendo chegado a produzir o
oitavo PIB do Planeta, deixou-se ultrapassar pela China e a Espanha, declinando
para o 10º lugar. Em termos de renda por habitante, estamos na casa dos
quadragésimos e no índice de desenvolvimento humano da ONU, que mede a
qualidade de vida, ficamos no 62º lugar (dados de 1995). Nosso problema não é
só de iniquidade distributiva, mas também de debilidade produtiva”.
Quais seriam os fatores explicativos
para essa complicada realidade? No sentir do nosso autor, três seriam os pontos
que explicam a paradoxal situação brasileira: em primeiro lugar, as deformações
culturais; em segundo, os erros comportamentais e, em terceiro lugar, a
armadilha do meio-sucesso.
A
– As deformações culturais.
Quanto a este fator, frisa Roberto Campos: “As deformações culturais podem ser
encapsuladas no que costumo chamar de doença dos ismos: o nacionalismo temperamental, que reduz a absorção de
tecnologia e investimentos; o populismo, que é a arte de distribuir riquezas
antes de produzi-las; o estruturalismo, que subestima o papel da desordem
monetária na inflação; o estatismo, que leva o Estado a fazer mais do que pode
no econômico, e menos do que deve, no social; o protecionismo, que castiga o
consumidor sem exigir eficiência do produtor”.
B
– Os erros comportamentais.
No que tange ao segundo fator, Roberto Campos destaca: “(...) vieram em safra
abundante na década dos 80, que não por outra razão foi chamada de década perdida. Os militares concluíram
seu longo reinado com dois erros: o primeiro foi não terem feito a abertura
econômica antes da abertura política; o segundo, foi a política de reserva de
mercado na informática, que atrasou em pelo menos 15 anos nossa modernização
tecnológica. A partir de 1985, paradoxalmente, a civilinização do regime pela redemocratização, ao mesmo tempo que
ampliava as liberdades políticas, comprimia as liberdades econômicas. Houve os planos heterodoxos de combate à inflação
– o Plano Cruzado, o Plano Bresser, o Plano Verão, todos os quais
desorganizaram o sistema de preços, seguidos do Plano Collor, que desorganizou
as poupanças. Proclamou-se, em 1987, uma moratória unilateral da dívida
externa, comicamente apelidada de moratória
soberana, que destruiu o crédito internacional do país e é até hoje marca
negativa em nosso prontuário financeiro. Houve, finalmente, a Constituição de
1988, que documenta os perigos de uma doença frequente na América Latina – a constitucionalite”.
Esse vício da constitucionalite foi sofregamente copiado pelos congressistas
brasileiros das obras Direito constitucional e Teoria da
Constituição (1977) e Constituição dirigente e vinculação do
legislador (1982)
de autoria do professor português José Gomes Canotilho, que viraram coqueluche
na época. Segundo o mencionado autor, se pode implantar o socialismo pela via
constitucional. Tal vício, pensa Campos, “(...) excita utopias individuais.
Nossa atual Carta Magna é intervencionista no econômico, utópica no social e
híbrida no político (...). No fundo, é mais um ensaio de democratice e demoscopia do
que de democracia. De democratice,
porque acentua as liberdades políticas, mas priva o cidadão de liberdades
econômicas ou de opções sociais. É que os monopólios estatais são uma cassação
do direito de produzir enquanto que a legislação trabalhista inibe o direito de
contratar, e a legislação previdenciária, ao tornar obrigatória a previdência
pública, priva o cidadão do direito de escolher o administrador de suas
poupanças. Nossa Constituição é também um ensaio de demoscopia, ao facilitar um pluripartidarismo caótico, pela
ausência de instrumentos de compactação partidária, como o voto distrital, a
fidelidade partidária e a cláusula de
barreira. Nascida em outubro de 1988, um ano antes da dramática
transformação ideológica pós Muro de Berlim, nossa Carta Magna é um bebê
anacrônico. Levamos 17 meses para pari-la e estamos gastando uma década para
desconstruí-la”.
C
– A armadilha do meio-sucesso. Este empecilho se revela, segundo o nosso autor, em dois
aspectos: na tolerância para com a inflação e no fato de não terem sido
equacionados os passos para garantir o pleno sucesso do Plano Real que buscava,
em última instância, modernizar de vez o nosso arcabouço produtivo.
No relativo à tolerância inflacionária,
Roberto Campos frisa: “Entretivemos (...) anormal tolerância para com a
inflação – essa fonte de injustiças sociais -, porque durante muito tempo
logramos a façanha aparentemente impossível de conciliarmos alta inflação e
rápido crescimento. E [adotamos] anormal resistência à privatização, porque
criamos estatais que, ineficientes pelos padrões mundiais, e de inexpressiva
rentabilidade para o Tesouro Nacional, pareciam bem melhor instrumentadas que
suas congêneres latino-americanas”.
O meio-sucesso também esteve presente
na adoção do Plano Real, que Campos define como uma “(...) esplêndida ginástica
financeira, com êxito surpreendente na queda da inflação e insucesso crescente
no câmbio e no fisco”. Isso em decorrência do fato de que o Plano não foi
acompanhado das reformas necessárias para que se conseguisse a plena
racionalidade econômica. Essas reformas seriam as estruturais, para dar
embasamento firme à economia, exorcizando os vícios do estatismo e da inflação.
Em relação a este contexto das reformas
necessárias, frisa Campos: “Quando (o Plano Real) foi lançado, argumentei que
houvera uma inversão de sequencias. A lógica política prevalecera sobre a
lógica econômica. Isso era inevitável à época, mas também perigoso. Segundo a
lógica econômica, a reforma do padrão monetário seria a cumeeira do edifício,
cujo alicerce e colunas de sustentação seriam as reformas estruturais. Tal como
se fez na criação do Euro, na União Europeia. Os critérios severos de
disciplina fiscal foram fixados no Tratado de Maastricht de 1992, enquanto a
moeda única se criou em 1999, após confirmado o saneamento fiscal. A lógica
política exigia, ao contrário, resultados imediatos na decapitação da hidra
inflacionária. Até mesmo para conferir, ao governante, credibilidade para
lancetar mitos e executar reformas de estrutura. O Plano Real nasceu assim como
uma esplêndida ginástica aeróbica num corpo de frouxa musculatura. Trouxe
resultados rápidos e surpreendentes. Seus componentes foram a âncora cambial, a
política monetária restritiva de juros altos, a abertura às importações e
apenas um mini ajuste fiscal – o Plano Social de Emergência”.
Em termos gerais, ficou faltando
desestatizar mais a economia, pois é da presença orçamentívora do Estado que
surge a inflação, o pior dos males sociais. “Procurei ser, – confessa Roberto
Campos – por assim dizer, a consciência liberal do PPB, partido do qual nunca
me afastei, acompanhando-o em todas as suas metamorfoses, exemplo comovente de
fidelidade partidária”.
Na última parte da sua fala, o
ex-parlamentar identifica quais são os grandes inimigos do Brasil. A respeito,
escreve: “ (...). Sempre achei que um dos mais graves problemas dos
subdesenvolvidos é a sua incompetência na descoberta dos verdadeiros inimigos.
Assim, por exemplo os responsáveis pela nossa pobreza não são o liberalismo,
nem o capitalismo, em que somos noviços destreinados, e sim a inflação, a falta
de educação básica, e um assistencialismo governamental incompetente, que faz
com que os assistentes passem melhor que os assistidos. Os inimigos do
desenvolvimento não são os entreguistas que, aliás, só poderiam entregar
miséria e subdesenvolvimento, e sim os monopolistas, que cultivam ineficiências
e criaram uma nova classe de privilegiados – os burgueses do Estado. Os
promotores da inflação não são a ganância dos empresários ou a predação das multinacionais
e sim esse velho safado, que conosco convive desde o albor da República – o
déficit do setor público”.
E conclui Roberto Campos, centrando as
baterias da sua diatribe parlamentar no verdadeiro inimigo: o mercantilismo
patrimonialista. Frisa a respeito: “É mais fácil dizer o que o Brasil não deve
temer do que o que o Brasil deve fazer. O Brasil não deve temer as ameaças do
neoliberalismo, já que, segundo análise comparativa de graus de liberdade por
vários institutos econômicos internacionais, ainda somos um país de baixo grau
de liberdade comparativamente não só a vizinhos da América Latina como Chile,
Argentina e Peru, mas até mesmo a ex-membros da Cortina de Ferro como Hungria e
República Tcheca. Temos ainda graves resquícios dirigistas, com limitações à
ação empresarial, um regime tributário complexo e punitivo, uma legislação
trabalhista minudente e tutelar e até recentemente profusos controles cambiais.
Nem sequer se pode dizer que o país seja vítima do capitalismo selvagem, pois
não saímos ainda do mercantilismo patrimonialista (...). No máximo poderíamos
dizer que estamos num estágio pós-dirigista e pré-liberal, numa lenta transição
de um capitalismo de estado para um capitalismo competitivo”.
Nas várias globalizações que a
Humanidade conheceu desde o Império Romano, a atual, centrada na
universalização comercial, tecnológica e financeira, pode ser encarada de forma
positiva pelo Brasil, desde que as suas elites façam o dever de casa. Os países
vítimas da volatilidade são aqueles que não se prepararam e que “(...) tinham
desequilíbrios fundamentais, seja no setor privado, como na Ásia, seja no setor
público, como na América Latina. No continente asiático escaparam do vendaval
Cingapura, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia. Em nosso continente, Chile e
Argentina, que tinham razoável equilíbrio fiscal e orientação exportadora. No
Brasil, os desequilíbrios eram evidentes, quer no tocante à taxa cambial, quer
no tocante à desordem no setor público. Os descontentes com a globalização se
esquecem de que nunca na história humana tanta gente conseguiu escapar da
miséria, sobretudo na Ásia (...)”.
2
– Um caso de cegueira patrimonialista: a política de reserva de informática.
Um ataque coletivo de burrice vinculada
a uma opção pelo atraso: assim se pode descrever o clima que tomou conta da
alta cúpula do Estado brasileiro, quando das discussões ensejadas pelo projeto
de criação da Secretaria Especial de Informática, ao longo do período que se
estende de 1975 até 1986. Em tumultuadas deliberações, que mais pareciam
sessões inquisitoriais contra o progresso da tecnologia, num terreno tão
sensível como a informática, o Brasil fez uma opção clara pelo atraso.
Gilberto Paim, economista e jornalista
que acompanhou Roberto Campos nessas jornadas na qualidade de secretário-parlamentar,
descreve assim o clima de xenofobia monopolística que se instalou no alto
escalão do governo, em 1975, lembrando a arcaica mentalidade de patrimonialismo
pombalino: “Por mais que sejam proclamados como reflexo do interesse nacional,
certos atos administrativos se acham tão distanciados da realidade, que
acabarão colidindo com esse interesse imaginário. Assim pode ser descrita a
trajetória da política nacional de informática, oficialmente lançada em 1975,
mas sem uma clara definição das linhas principais da política do setor. Essa
definição não demoraria a aparecer, ganhando a marca da intolerância e
intransigência, impregnada de fanatismo. Na residência de um jovem ministro do
governo Geisel, reuniram-se, em 1976, algumas figuras do primeiro escalão, para
deliberar a respeito da intenção da IBM de produzir no país um microcomputador
que fazia sucesso no mercado externo. Era o IBM-32, que acabou sendo rejeitado
pela maioria dos presentes àquele encontro. Em busca de conciliação, a empresa
propôs que o computador fosse fabricado no Brasil, apenas para a venda no
mercado externo, assumindo compromisso por escrito de que nenhuma de suas
unidades seria colocada no país. Nova rejeição, apesar de a proposta, se
aceita, render divisas em uma fase em que enfrentávamos sérios problemas de
balanço de pagamentos. A IBM foi produzi-lo no Japão, onde o mini ganhou o nome
de IB-36, vendido no mercado interno japonês e no resto do mundo. Foi um
tremendo sucesso de vendas. O mesmo ocorreu com a proposta da Hewlett Packard
de fabricar aqui o seu HP 3000, cuja produção foi finalmente transferida para o
México, a Coreia do Sul e a China comunista. Estava consagrada a rejeição.
Nenhuma das grandes empresas mundiais de informática conseguiu autorização para
fabricar aqui micro ou minicomputadores. Estava firmado o grande princípio da
autonomia tecnológica a ser alcançada por meios próprios terminantemente
excluída a colaboração estrangeira. Seus iniciadores foram ministros civis. Os
militares se encantaram com essa decisão e assumiram o comando da política,
criando, em 1978, a Secretaria Especial de Informática (SEI), órgão
caracterizado pela sua intransigência na condução dos mais variados assuntos da
infinita área da eletrônica”.
Roberto Campos e Gilberto Paim
defendiam claramente um ponto de vista liberal: sim à livre empresa! Não ao
protecionismo e ao obscurantismo patrimonialista! O seu ponto de vista
representava a sensatez e a modernidade, em meio à maré de ignorância e
protecionismo que se levantava contra as liberdades econômicas. O sensato seria
colocar o Brasil num nicho de mercado possível, na dura competição que se
estabelecia nos quatro cantos do planeta, no terreno da informática.
A respeito, escrevia Gilberto Paim:
“Como secretário-parlamentar do senador Roberto Campos pude acompanhar de perto
a luta que a clarividência do pensador brasileiro o levou a travar contra o
obscurantismo. Na essência, defendia o senador a instauração de uma política de
estímulo à produção de software, deixando
livre a fabricação de computadores, pequenos ou grandes. Aproveitando e
enriquecendo a capacidade nacional de operar no desenvolvimento de soft, abreviaríamos o tempo necessário
no domínio da parte principal da computação. O país dispunha de massa crítica
de nível universitário para ocupar lugar privilegiado na produção mundial de
programas de computador. Fabricar as máquinas representaria um espaço em que
fabricantes brasileiros deveriam disputar com concorrentes estrangeiros os mercados
interno e externo, ganhando terreno, certamente, as empresas nacionais que
fossem mais ágeis na busca de associação com empresas estrangeiras de vanguarda
na aplicação de tecnologias de ponta. Nos países desenvolvidos, o computador já
era peça obrigatória nas escolas de todos os níveis Nos Estados Unidos até
crianças nos cursos de alfabetização aprendiam a lidar com essas máquinas. No
Brasil dos anos 1980, não havia computador em nenhuma escola primária ou
secundária”.
Gilberto Paim recordava a fina ironia
do senador Campos, quando, comentando a recusa do governo brasileiro à entrada
da indústria cibernética, assinalava os “(...) benefícios que o fechamento do
mercado brasileiro trazia a várias nações, por terem um concorrente a menos.
Pois a Escócia, a Irlanda, a Espanha e outras nações chegavam a subvencionar a
implantação de indústrias de alta tecnologia, sem se preocuparem com a origem
dos capitais”.
O problema, certamente, não era apenas
do governo brasileiro. Era também das elites pensantes. Associações de
profissionais liberais, de docentes e de pesquisadores fecharam com as
propostas retrógradas do governo. Parece como se a consigna do dia fosse: “O
atraso é nosso”.
A respeito, escrevia Gilberto Paim:
”Roberto Campos parecia uma voz solitária em meio à fanfarra do nacionalismo
tecnológico. A Secretaria Especial de Informática está atrasando o
desenvolvimento nacional de forma criminosa, dizia ele. Mas quem abafava o seu
discurso? Não eram uns poucos militares, mas, pasmem, a Associação Nacional dos
Docentes em Ensino Superior, de braços dados com a União Nacional dos
Escritores e a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de
Comunicação! Como fora criada por decreto inconstitucional, a SEI precisava de
uma lei para sancionar seus atos antediluvianos, todos formando um modelo de
intransigência hitlerista. Cerca de duas centenas de entidades profissionais
suplicavam ao Congresso Nacional a urgente aprovação do projeto de lei que dava
amplos poderes aos coronéis que dominavam a Secretaria, agindo como verdadeiros
proprietários de um feudo administrativo. Entre essas entidades, além das já
supracitadas, estavam a Associação Brasileira de Imprensa, a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, a Sociedade Brasileira de Computação, a
Federação Nacional dos Engenheiros, a Coordenação Nacional dos Geólogos, a
Sociedade Brasileira de Genética, a Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisas em Ciências Sociais, a Federação Nacional dos Médicos, a Federação
Nacional dos Jornalistas e muitas e muitas outras entidades altamente
representativas de segmentos da sociedade. Eram inumeráveis os sindicatos de
trabalhadores de todo o país que aplaudiam os atos do nacionalismo eletrônico”.
A decisão errática do governo, dos
parlamentares e das agremiações profissionais e sindicatos foi tanto maior,
quanto que não se viu sinal algum de arrependimento em face dos resultados
negativos que advieram, para o progresso tecnológico e educacional do país. A
respeito, escreveu Gilberto Paim: “(...) O Brasil estava diante de uma campanha
de porte igual à do petróleo é nosso. Durante a tramitação do projeto de lei da
informática, proposição de todo obscurantista, em 1984, centenas de organizações
de todo tipo fizeram chover sobre o Congresso Nacional memoriais de apoio à
política retrógrada da SEI. O atraso cultural brasileiro pode também ser
demonstrado com o fato de que nenhuma das entidades referidas jamais deu um
balanço no rol de prejuízos que a alucinada política de informática trouxe ao
país, como prova de arrependimento por ter contribuído para causa-los. Os
brasileiros provocaram o atraso e, apesar de comprovado esse fato, os Estados
Unidos foram muitas vezes acusados de não desejarem o progresso do Brasil na
área da eletrônica digital”.
Exceção gloriosa ao lado de Roberto
Campos e Gilberto Paim, foi o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, o “Maneco”, carinhosamente chamado assim pelos seus discípulos da
Universidade de São Paulo. O cerne do arrazoado jurídico que considerava
inconstitucional a lei de informática foi sintetizado assim por Gilberto Paim:
“Observava esse respeitado especialista (...) que, em todas as Constituições
brasileiras está consagrada a liberdade de trabalho, indústria e comércio, ou o
livre exercício de qualquer espécie de atividade socialmente útil, ou, enfim, a
liberdade de iniciativa. Como primeiro princípio na ordem econômica, acrescentava,
a liberdade de iniciativa significa liberdade de trabalhar em um determinado
campo ou de se associar para trabalhar em determinada atividade. O primado da
iniciativa privada sobre a atuação econômica do Estado é um preceito
constitucional (...). No entanto, dizia
o constitucionalista, o projeto de lei mandado pelo Poder Executivo ao
Congresso, sobre informática, procedia de uma inspiração oposta à decorrente
dos princípios constitucionais apontados”.
O senador Roberto Campos leu o parecer
do jurista Ferreira Filho perante a Comissão Mista do Congresso que examinou o
projeto de lei de informática. Foi boicotado pelos próprios congressistas que
se recusavam a escutar as razões bem ponderadas por Campos. Gilberto Paim
sintetizou assim a triste circunstância: “Acreditando, não obstante, que os
deputados e senadores, membros da Comissão, ainda poderiam colher o benefício
de algum esclarecimento com a leitura que se fizesse do parecer, o senador
Campos pediu e obteve permissão para ler o documento. Foi instintiva e
instantânea a resposta dos congressistas presentes: os 16 que votaram contra a
proposição anterior fizeram o possível para provar o seu desinteresse pela
leitura feita pelo senador mato-grossense. Todos passaram a falar em voz alta,
ou a produzir ruídos propositais, de costas para o orador. Alguns se movimentavam
na direção dos parelhos telefónicos, com isso tornando ostensivo o desinteresse
pela leitura penosa das 48 laudas em que se exauria Roberto Campos. Ninguém
quis ouvir uma frase sequer (...). O
projeto ganhou força de lei, dando cobertura plena aos insensatos da SEI”.
Não foi por acaso que na obra
intitulada: Guia para os perplexos Roberto Campos deixou registrada esta
definição de informática: “Aliança entre militares, esquerdistas e empresários
antidarwinianos. Estes acreditam que deve sobreviver não o mais apto, e sim o
mais protegido da concorrência alheia. Artifício usado para induzir a maioria - centenas de milhares de
usuários – e se subordinar aos interesses de uma minoria – poucas dezenas – de industriais do setor. Também usado
para garantir privilégios aos que copiaram equipamentos estrangeiros antes dos
outros. Segundo a seita, produzir no país só é bom se o produtor tiver
certificado de batismo local, sendo, em caso contrário, preferível importar”.
3
– Um caso de hybris patrimonialista:
o monopólio da Petrobrás.
Roberto Campos, no prefácio que
escreveu para a obra do seu secretário-parlamentar e amigo Gilberto Paim
intitulada: Petrobrás: um monopólio em fim de linha, afirmou acerca da
natureza obsoleta da empresa petrolífera brasileira: “Atrasada em quase tudo, a
América Latina foi precoce na criação de monopólios estatais de petróleo. A primeira
foi a Argentina, em 1922, que é também hoje a mais radical na privatização. Seguiu-se
lhe o México, em 1938. A Petrossauro só foi criada em 1953. Um fato curioso é
que, tanto na Argentina quanto no Brasil, os ideólogos principais do estatismo
foram generais: lá o general Mosconi e aqui, o general Horta Barbosa.
Partilharam, ambos, duas qualidades encontradiças nos militares
latino-americanos – nacionalismo raivoso e incompetência treinada. Ambos esses
cidadãos viam no petróleo não uma commodity
econômica, e sim um misto de símbolo político e unguento religioso. Se os
dinossauros biológicos foram destruídos por um meteoro cósmico, os dinossauros
burocráticos entram em extinção pelo impacto de dois meteoritos e um meteoro
econômico. Os meteoritos foram os dois choques do petróleo (1973 e 1979). O
meteoro, que mudou o clima mundial em desfavor do estatismo, foi o colapso do
socialismo, em 1989. Os meteoritos tiveram dois efeitos: deslanchar a busca de
novas fontes de petróleo, flexibilizando-se para isso as restrições
nacionalisteiras, e promover a conservação de energia, reforçada esta por
preocupações ecológicas”.
Para o nosso pensador, de nada vale um
país ter recursos naturais se as suas lideranças não possuem inteligência para
geri-los e se as pessoas que integram a Nação não têm disposição para agir e
produzir riquezas, a partir das benesses recebidas da Natureza. Roberto Campos
lembra o princípio formulado pelo empresário japonês Akio Morita, presidente da
SONY, que conheceu em 1964: “O que conta no desenvolvimento são três coisas:
matéria cinzenta no cérebro, portos profundos no mar e (...) ameaças à
sobrevivência (...)”.
Às vésperas do movimento militar que
depôs Goulart em 1964, Campos considerava que a grande crise nacional decorria
do viés estatizante impingido na gestão do Estado a partir do ciclo getuliano,
vício que tinha sido exacerbado por Goulart, com os agravantes do descaso para
com as contas públicas e da gestão irracional do Estado, que fez proliferarem
os conflitos no seio deste.
Frisava a respeito o nosso autor no
balanço que intitulou: “A crise brasileira e diretrizes de recuperação
econômica”, publicado às vésperas da derrubada, pelos militares, do governo
populista: “Entre os fatores político-institucionais, notem-se os seguintes: a
– A constante tensão política, criada pela desarmonia entre o Executivo Federal
de um lado, e o Congresso Nacional e governos estaduais de outro, suspeitando
estes intenções continuístas e anticonstitucionais do presidente Goulart; b – A
propensão estatizante, criando contínuo desestímulo e ameaça aos investidores
privados; c – Infiltração comunista, gerando apreensões quanto à subversão da
ordem econômica e social; d – As paralisações sucessivas de produção pelos
comandos de greve, frequentemente com objetivos claramente políticos”.
Acrescentava-se a esses entraves ao
desenvolvimento, “(...) O clima de xenofobia, estatismo e regulamentação
restritiva da Lei de Remessa de Lucros [que] fez cessar virtualmente o ingresso
de capitais estrangeiros de investimento, com dois efeitos depressivos: de um
lado, retraíram-se também os capitais de empréstimo, que tendem a se mover na
mesma direção dos capitais de investimentos, dificultando assim o acesso dos
próprios investidores nacionais a financiamentos estrangeiros; de outro,
deixaram de surgir indústrias nacionais ou atividades de distribuição
complementares dos investimentos estrangeiros (...). O vácuo deixado pela
retração de investimentos privados, nacionais e estrangeiros, não podia ser
preenchido por investimentos governamentais, devido à falta de planejamento e à
exaustão dos recursos financeiros governamentais no simples atendimento do
custeio da administração central e dos déficits de empresas do Estado, ou no
atendimento do acréscimo inflacionário dos projetos em andamento”.
O mal radicava, para Campos, no clima
de estatismo herdado por Goulart dos governos de Getúlio Vargas. Uma das piores
manifestações desse mal foi o ambiente nacionalisteiro
(mistura de dois vícios: nacionalismo exacerbado e populismo) em que o
getulismo embalou, desde o começo, o projeto da Petrobrás. Roberto Campos, à
luz da experiência tida nos foros internacionais, achava que o caminho para
dotar um país de recursos energéticos não era necessariamente o da criação de
estatais improdutivas e monopolísticas. O que uma grande potência mundial (como
os Estados Unidos) fazia era dinamizar uma política clara e objetiva de
exploração de recursos naturais, com abertura para capitais internacionais.
“Convenci-me, então, - frisa o nosso autor – da extrema urgência do
desenvolvimento do petróleo nacional no prazo mais curto possível, pouco
importando a origem dos capitais”.
Ora, o clima de nacionalismo barato em
que o varguismo naufragou era o menos apropriado para equacionar o problema de
suprimento de petróleo. A respeito, escreve Campos: “A experiência de
Washington vacinou-me assim contra o nacionalismo
petrolífero que seria mais tarde objeto de passionais debates, ao longo de
trinta anos da história brasileira. Para mim, a substituição do petróleo
importado era tarefa prioritária, mas dentro de um modelo de mobilização, e não de restrição. Em outras palavras,
dever-se-iam mobilizar todos os capitais – nacionais e estrangeiros –
parecendo-me ridícula a ideia do monopólio estatal, que implicaria, na
realidade, em monopolizar riscos. Em conferência proferida em São Paulo, em
1955, pouco depois da implantação da Petrobrás, e que se intitulada ‘As
falácias do momento brasileiro’, eu defendia a tese de que o nacionalismo
petrolífero, levado ao extremo de vedar a participação de capitais de risco
estrangeiro, era insensato. A tese correta era apoiarmos a Petrobrás, pois
nunca poderíamos ter certeza de que as empresas estrangeiras conferissem
adequada prioridade à pesquisa de petróleo nacional, de custo notoriamente alto
em comparação ao do petróleo do Oriente Médio, mas sem excluir capitais
estrangeiros que desejassem participar da tarefa. Estatal sem monopólio, era o meu lema da época. Os modelos de
mobilização restritiva nunca foram, aliás, de minha simpatia. Lutei contra o
monopólio da Petrobrás por julga-lo um modelo de mobilização restritiva. Lutei
depois contra a Lei de Informática, de 1984, porque se baseava no mesmo
princípio de rejeição de capitais estrangeiros numa pretensão irrealista de
autonomia tecnológica. Descambamos para uma espécie de isolacionismo
tecnológico extremante detrimentoso. Lutei também, na Constituinte de 1988,
contra o terceiro modelo excludente – a exigência de maioria de capitais
nacionais na exploração mineral. Essa exigência é particularmente irrealista em
face de pesquisa, extremamente arriscada e pouco atraente”.
Conclusão.
Concluo estas páginas destacando um
fato inquestionável: se Roberto Campos pareceu ter sido derrotado pelos seus
contemporâneos, no entanto venceu o seu ponto de vista liberal de crítica ao
patrimonialismo e de defesa dos ideais liberais da livre empresa e da
responsabilidade na gestão do Estado, abrindo caminho para a democracia
econômica que, somada à reformulação das instituições políticas, garantirá às
próximas gerações ver concretizado o ideal da modernização plena do Brasil.
O professor Reginaldo Teixeira Perez
sintetizou de forma correta, a meu ver, o legado imorredouro de Roberto Campos,
quando escreveu as seguintes linhas pouco depois do desaparecimento do grande
pensador liberal: “As ideias de Campos tiveram pouca ressonância em um momento
de grande comoção pública com o retorno da democracia. Mas a persistência da
crise na segunda metade da década de 80, já estando o país em mãos civis,
propiciou aos novos controladores do Estado brasileiro um olhar menos
preconceituoso ao receituário ortodoxo do economista. A adoção pelo governo
Collor, no início dos anos 90, de parte das ideias de Campos foi, segundo o
próprio, catastrófica; para ele, o neoliberalismo teria sido desacreditado –
devido às carências éticas do referido governo – sem ter sido praticado.
Entretanto, dos anos 80 aos 90 houve uma verdadeira revolução ideológica: a
crise do bloco socialista levou à hegemonia do ideário liberal. Agora, não
apenas a direita defendia a sociedade
de mercado, mas também os partidos de centro.
Campos foi um vencedor. Sua morte, aos 84 anos, talvez auxilie – agora de modo
menos estereotipado – na definição da qualidade do seu estadismo”.
A atual crise do Mensalão e do
Petrolão, que nos jogou na vala comum da corrupção sistêmica, ensejou a
resposta corajosa de segmentos da sociedade brasileira e a volta aos ideais
liberais de controle do gasto público, de seriedade fiscal e de valorização da
livre iniciativa, aliados às urgentes reformas ora em curso, que visam a
colocar definitivamente o Estado a serviço da sociedade, abandonando a prática secular de se servir das instituições republicanas
para enriquecimento próprio. Nesse magno esforço voltam a brilhar, por entre as
névoas destes tempos confusos e tumultuados, as ideias de Roberto Campos como a
“lanterna na popa” que nos guia nas águas tempestuosas deste milênio.
BIBLIOGRAFIA
CAMPOS, Roberto. A despedida de
Roberto Campos. O Estado de São Paulo, 31/01/1999, p. A8.
CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa – Memórias.
Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.
CAMPOS, Roberto. Guia para os perplexos. Rio de
Janeiro: Nórdica, 1988.
CAMPOS, Roberto. Prefácio. In: PAIM, Gilberto.
Petrobrás:
um monopólio em fim de linha. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.
TOCQUEVILLE, Alexis de. Lembranças
de 1848 – As jornadas revolucionárias em Paris. (Introdução de Renato
Janine Ribeiro; prefácio de Fernand Braudel; tradução de Modesto Florenzano).
São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
PAIM, Gilberto. Computador faz política.
Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos Econômicos, 1986.
PAIM, Gilberto. O filósofo do pragmatismo – Atualidade de
Roberto Campos. (Prefácio de Francisco de Assis Grieco. Rio de Janeiro:
Editorial Escrita, 2002.
PEREZ, Reginaldo Teixeira. O legado
de Roberto Campos. In: Informativo do Instituto Liberal do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, vol. VII, nº 18 (novembro de 2001).
Sinto-me irmanado com o grande pensador
nestes aspectos da sua biografia, pois percorri todas essas etapas clericais,
tendo inclusive recebido, além da tonsura, as “Ordens Menores”. Pulei fora
quando chegou a hora do subdiaconato, com a renúncia definitiva ao casamento.