Não é de hoje que a corrupção endêmica ameaça as Nações. Da segunda metade do século XX para cá, além da nossa Operação Lava Jato, mais quatro grandes operações foram deflagradas em diversos países, com a finalidade de esconjurar o mostrengo: a operação "Mãos Limpas" na Itália, a reação do partido comunista contra a "Máfia dos quatro" na China, o reconhecimento de que tudo era inviabilizado pela onda de corrupção da burocracia corrupta (denominada de O Lamaçal) na ex-União Soviética, e a denúncia fulminante da imprensa acerca das maquinações corruptas de Nixon contra o Partido Democrata nos Estados Unidos. De comum a todas essas operações ressalta a insatisfação crescente da sociedade em face da corrupção escancarada.
1 - Itália e a Operação "Mãos Limpas".
Na Operação "Mãos Limpas" na Itália, a sociedade reagiu contra as práticas de corrupção corriqueiras no seio dos partidos políticos que se acostumaram à distribuição do butim, se apropriando de parcelas significativas de dinheiro público como "compensação" pelos serviços prestados à Nação em obras públicas e serviços essenciais. A reação de juízes e promotores foi saudada pelos cidadãos que se sentiam espoliados pelos corruptos. Com sucesso marcante nos primeiros anos, os juízes e promotores foram, aos poucos, perdendo apoio da sociedade, em decorrência da falta de uma moral social firme que desse continuidade à ação encetada no início com sucesso. Ao que tudo indica, a Igreja Católica, tradicionalmente majoritária no país, não conseguiu difundir no seio da sociedade italiana esse tipo de moral social. Tradicionalmente dividida em círculos de clientelismo corrupto, a sociedade italiana terminou se esquecendo da tarefa heroicamente empreendida por funcionários públicos honestos e terminou abrindo a porta para que novos líderes aparecessem, retomando a tendência corrupta. Foi assim como se tornou possível a aparição de um líder como Berlusconi, que terminou estabelecendo elos de continuidade mafiosa entre as suas empresas da área de comunicação e setores da sociedade italiana que passaram a apoia-lo. Se bem é certo que os antigos chefes políticos surpreendidos "com as mãos da massa" das práticas corruptas perderam a vez, surgiram novos rebentos do mesmo espírito que legislaram em causa própria. Resultado: a volta da doença atingiu a eficiência econômica do sistema, a Itália perdeu pontos no desenvolvimento da sua economia, novos centros do cancro corrupto foram abertos pela ação das tradicionais máfias (como ficou demonstrado por Roberto Saviano nas suas obras de denúncia política) e as coisas se acomodaram de forma periclitante para a sobrevivência do sistema, em face de novos e agressivos reptos como os decorrentes das ondas massivas de imigrantes cuspidos nas praias italianas pelos regimes terroristas do Oriente Médio e da Africa, com a espada da Dámocles do terrorismo sobre a testa do governo e da sociedade civil, como ocorre hodiernamente.
2 - A China comunista e a "Máfia dos Quatro".
Na China comunista, após a morte de Mao-Tse-Tung, ficou exposto o trabalho em surdina desenvolvido pela mulher do líder, que organizou, com membros da burocracia partidária fiéis a ela, a denominada "Máfia dos Quatro" que passou a se enriquecer estupidamente a partir das expropriações efetivadas ao longo do período da "Revolução Cultural" maoista. No entanto, setores não contaminados do PC chinês reagiram à sombra da ética do mandarinato, neutralizaram a onda corrupta e reformularam o sistema à luz do princípio pragmático formulado por Den Xiao Ping de que "Não importa a cor do gato, conquanto cace o rato". Os chineses descobriram as práticas de gestão do capitalismo, abriram as suas fronteiras aos dinheiros do Ocidente e deram ensejo à onda de renovação da China contemporânea. Não é de hoje que a secular burocracia chinesa descobre esse caminho de abertura ao oeste. Isso já vinha sendo praticado em ondas que se repetiam, desde os velhos tempos das dinastias Han (202 a.C-265 d.C), Yuan (1279-1368), Manchu (1644-1912), etc., até a contemporaneidade. O conceito estratégico hodierno da liderança chinesa de "Mundo Murado" preserva a atitude de um pé atrás nas reformas modernizadoras, que devem preservar, antes de tudo, a estabilidade do sistema e a ortodoxia da burocracia inspirada no confucionismo. Xi Jinping, o atual mandatário chinês, emergiu justamente do lado conservador dessa burocracia confuciana, com raízes no seio das famílias, do atual mandarinato. O PC chinês conseguiu dar continuidade à onda de crescimento econômico graças ao investimento maciço em formação de lideranças empresariais e tecnológicas, as primeiras provenientes da elite empreendedora da "diáspora chinesa" que tinha emigrado para os denominados "Tigres Asiáticos" nas épocas duras da revolução maoista, tendo desenvolvido no exterior a sua criatividade mediante a prática do comércio intensivo, a poupança e a derivação para atividades empresariais e bancárias que a tornaram extremadamente rica, ao ponto de poder voltar para a Mãe Pátria no momento de pragmatismo de Den Xiao Ping, tendo feito florescer grandes conglomerados empresariais, incluindo Bancos. Esse processo de renovação econômica sobre bases éticas confucianas foi estudado pelo professor Peter Berger, da Universidade de Boston, ao longo das últimas duas décadas.
As elites tecnológicas, por sua vez, vêm sendo preparadas mediante acertada política de "ciência sem fronteiras" direcionada, ao longo das últimas três décadas, a formar os melhores estudantes nos melhores centros tecnológicos dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Hoje a China sabe o que fazer com essa onda modernizadora, como mantê-la neste mundo convulsionado. Para isso, segundo revelam estudos de cientistas políticos alemães, a China conta hoje com mais de 1400 centros de estudos estratégicos financiados generosamente pelo governo, a fim de estudar todas as variáveis que se abrem pelo mundo afora em face da manutenção da segurança e da prosperidade do país. Uma invejável perspectiva estratégica de que estamos longe, certamente, no Brasil, onde o Estado não conta sequer com um centro de prospecção estratégica de nível internacional. Hoje a China, para 500 milhões de chineses, chegou ao Primeiro Mundo. Basta dar uma olhada para o turismo que essa elite econômica pratica, sendo praticamente multitudinárias as ondas de turistas chineses que percorrem os boulevards parisienses e demais roteiros "Elizabet Arden" do jet-set internacional.
Na China, efetivamente, ocorreu uma mudança de rumo, mas o país ainda não saiu da tradição patrimonialista: o poder continuará a ter "donos". O abandono do comunismo maoísta pela atual elite dirigente não significou um rompimento com a tendência à privatização do poder por parte de uma elite ou de uma casta. O mandarinato chinês se modernizou. Tornou-se gestor de uma nova "sociedade limitada" capitalista. Porém, o capitalismo chinês não é uma economia aberta às sociedades anônimas. É um modelo de capitalismo dirigido desde o Estado. Quem não se ajustar - como aconteceu com o Google - , tem de arrumar as malas e ir embora.
3 - "O Lamaçal" na União Soviética.
Na antiga União Soviética, a corrupção correu por conta do poder total desempenhado pelo Partido Comunista, que varreu a inteligência e se apropriou da riqueza. De forma semelhante a como Hitler destroçou a intelectualidade alemã, a fim de erguer à liderança do país as mediocridades de que se compunha a elite do Partido Nacional Socialista alemão, Lenine e Stalin fizeram outro tanto na Rússia: simplesmente eliminaram todos aqueles que fossem capazes de pensar ou elaborar uma visão da União Soviética e do mundo diferente da que eles professavam. A mentalidade que tomou conta do poder era unilinear, o que fez com que ficasse comprometido o processo de consolidação da Rússia como nação moderna. Isso se viu agravado com a perpetuação, sob Stalin, das erráticas políticas agrícolas de Lenine, que conduziram ao desaparecimento dos empresários rurais. Lenine tinha, aliás, uma visão bastante ingênua do que era a economia industrial, imaginando que esta se reduzia ao simples controle cartorial, pelo Estado, sem maiores preocupações técnicas (como lembra Antônio Paim na sua obra Marxismo e descendência, de 2009). Desaparecido Stalin, o centro do sistema foi ocupado por burocratas pertencentes à antiga nomenklatura, formados na mentalidade de enriquecer a partir do Estado, passando rasteira em todos quantos se opusessem às suas tacanhas ambições. Era como se tivesse sido organizada uma Igreja com bispos "orçamentívoros" (bem ao gosto do que imaginava fazer, no Brasil, o PT). No seio dessa cultura de enriquecimento privado às custas dos bens públicos, os nomenklaturistas passaram a se considerarem superiores à lei. Os estatutos legais valiam para os outros, não para eles. Podiam praticar, sem risco, qualquer tipo de desvio de dinheiros públicos. Ninguém, na cúpula, via nada nem sabia de nada. O pacto era para que cada aprelho se enriquecesse, sugando a parcela de riqueza nacional por ele administrada. Nesse cinismo em que o público confundiu-se com o privado, os interesses pessoais e familísticos passaram a valer mais do que a preocupação com o bem do país.
Essa burocracia corrupta passou a ser chamada pelo povão de "O Lamaçal", nome que se poderia aplicar hoje, perfeitamente, à caterva de petistas chefiados por Lula e aglutinados no sindicalismo barulhento e improdutivo da CUT que só pensa na "greve geral". Esse foi o pano de fundo em que ocorreu a queda do Muro, sem ser disparado um único tiro. O sistema soviético caiu de podre. Como de podre caiu o petismo no Brasil. Gorbatchev, representante da geração nova de tecnocratas cansados com a corrupta burocracia do partido, esse estadista decidiu pôr em marcha um movimento de contestação às antigas estruturas, partindo de dentro do próprio sistema, numa espécie de "autoritarismo instrumental" que lembra a frase do general Figueiredo: "Juro fazer deste país uma democracia e prendo e arrebento quem se opuser". O Capítulo hodierno de Putin, novo czar emergido do serviço de inteligência da antiga URSS não rompeu definitivamente com o passado, mas passou a agir como autêntico "dono do poder", que gerencia estrategicamente a grande máquina de guerra que restou da antiga URSS. Mas a produção de bens e serviços em benefício da população não chegou a decolar como esperado. Do ângulo da formulação de uma moral social de tipo consensual que reforce a posição da sociedade russa em face do Estado, a inserção desse país no contexto do cristianismo ortodoxo, na tradição de subserviência da religião ao Kremlin, certamente de pouco tem ajudado para conter o despotismo dos donos do poder.
4 - Nixon, o bisbilhoteiro, nos Estados Unidos.
O momento Nixon, protagonizado pelo presidente americano ao redor do famoso affaire Watergate nos anos 70 do século passado, em que informações sigilosas foram roubadas por agentes secretos a serviço do poder da sede do Partido Democrata em Washington e que, revelado amplamente pela imprensa, conduziu à queda do presidente, é bastante lembrado no Brasil, notadamente pelo papel decisivo que a imprensa livre teve em todo esse processo. Numa sociedade aberta como a estadunidense, os inimigos da democracia são exorcizados pela imprensa livre e pelas instituições que funcionam, sem que se decante o veneno da elite que se considera "dona do poder". Nixon foi jogado na lata de lixo da história e a democracia americana continuou a marchar rumo a novos desafios.
5 - O Brasil da Operação "Lava-Jato".
Já no nosso combalido Brasil da era "Lava-Jato", os criminosos se acham no direito de questionar as instituições, comandados pelo ladrão-mor, Lula. A proposta de uma lei contra o abuso do autoridade que circula no Parlamento e que, embora modificada, acaba de passar no Senado, encaminhada pelos aliados do Lularápio, mostra até que ponto cresceu a desfaçatez dos arquitetos do caos. É de se esperar que a sociedade brasileira reaja em face de mais essa tentativa de destruir as instituições, em que Lula et caterva são especialistas. O pior crime cometido por Lula foi tentar desmontar as instituições republicanas. Ele já deveria estar preso "pelo conjunto da obra".
O dramático de tudo isso é que não se consolidou, no Brasil, uma moral social consensual, independente das instâncias de governo, que blinde a sociedade contra as arremetidas dos poderosos encastelados em instituições patrimonialistas. A moral contrarreformista que ainda tem vigência foi reforçada pela conversão esdrúxula da máxima instituição da Igreja Católica no Brasil, a CNBB, em partido político, já há mais de três décadas, desde quando o padre português José Narino de Campos escreveu, em 1981, a obra intitulada: Brasil, uma Igreja diferente (São Paulo, T. A Queiroz), em que denunciava com dor a tomada, por ativistas marxistas, da alta cúpula da organização eclesial, tendo-a convertido em aparelho de ação e propaganda política simpatizante dos comunistas. Na ausência de uma moral social consensual decididamente voltada para a modernidade e que acelere a democratização das instituições preservando as liberdades, talvez fiquemos patinando, ainda durante muito tempo, no chão movediço dos interesses privados que tomam conta do Estado, com a nomenclatura patrimonialista de séculos enquistada no poder.
Parece que alguma coisa, no entanto, está mudando no seio da sociedade brasileira. A "Revolução do Smartphone" que está ocorrendo por trás da Operação Lava-Jato, certamente é uma novidade no horizonte. Já não sobrevivem, como antigamente, nas eleições, aqueles que foram identificados pela sociedade como beneficiários do Estado Patrimonial. Será que vai continuar essa tendência? A julgar pelo que dizem conhecedores profundos da estrutura patrimonialista do Estado, como por exemplo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, parece que há chances de mudança. Quem tiver sido identificado pelo eleitorado como vinculado à onda de corrupção denunciada pela Lava-Jato, dificilmente se elegerá, seja do Partido que for. Isso já começou a se tornar realidade nas eleições municipais de outubro de 2016. Os petistas foram literalmente varridos do mapa.
Em entrevista recente à imprensa portuguesa ("O sistema político partidário brasileiro acabou", jornal Público, Lisboa, 22/04/2017), Fernando Henrique falou: "Precisamos de lideranças. Hoje as pessoas já não se mobilizam em função de interesses partidários e políticos em sentido estrito, mobilizam-se eventualmente por causas: a paz, a participação das mulheres, a ecologia, a moral - esse vai ser um fator grande na situação brasileira, 'eu sou a favor de um comportamento mais transparente, eu não quero mais saber de político que enrole'. O político de modo geral enrola no modo de falar. Os que estão a ganhar no mundo de hoje, inclusive no Brasil, são aqueles que vão cara a cara, dizem o que querem, o que pensam, o que são. Não dizem que são uma coisa e fazem outra, isso desmoraliza. (...) Vou dizer como o [prefeito de São Paulo] João Dória ganhou a eleição. Ele é um empreendedor, é rico. Foi para a campanha e disse o que ele era isso, mas que também era joão trabalhador. Há um modo de comunicação com o povo que é diferente. O próprio Lula tinha uma capacidade de se comunicar pelo que ele era. Agora estão a mostrar, na Lava-Jato, que ele não era o que ele dizia que era".
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