O filósofo inglês John Locke e a capa da primeira edição do seu Ensaio sobre o entendimento humano (1690). |
O grande filósofo inglês elaborou a sua Teoria do
Conhecimento nos Dois ensaios sobre o entendimento humano, publicados em 1690. Locke
tentou realizar uma síntese acerca do conhecimento, do ângulo do empirismo
inglês, que deu sequência à crítica às metafísicas tradicionais no ciclo do
Nominalismo de William Ockham (1285-1347) e Duns Scot (1266-1308). O seu
intuito era apresentar uma visão empirista do mesmo, que servisse de fundamento
à concepção filosófica, mais ampla, sobre o homem e a política.
Não era Locke, certamente, um filósofo especulativo como Thomas
Hobbes (1588-1679) ou Immanuel Kant (1724-1804). A sua filosofia era de caráter
prático (o pensador antecipou o espírito teórico-prático dos Doutrinários
franceses), e visava a deitar as bases racionais que justificassem as recentes
conquistas da burguesia diante do absolutismo monárquico, que tinha se
solidificado ao longo das dinastias Tudor e Stuart.
Locke se familiarizou com as filosofias continentais, tendo
passado, na sua juventude, uma temporada na França, o que lhe permitiu conhecer
notadamente as obras de Pierre Gassendi (1592-1655) e René Descartes
(1596-1650). Do primeiro, influenciado fortemente por Epicuro de Samos (341 -
270 a. C.), adotou a simpatia pela dimensão empirista do conhecimento num
contexto dominado pela mecânica, em termos de cosmologia; do segundo, tomou a
perspectiva de valorização da experiência interna e a tentativa de identificação
da atividade do sujeito cognoscente a partir daquela, valorizando o ponto de
partida empirista da atividade da mente.
Do ângulo da filosofia política, a reflexão de Locke se
refere à progressiva conquista do poder político por parte da burguesia e da
classe média aristocrática, a gentry,
que tinha mudado a equação do poder na Inglaterra, abrindo espaço para o
domínio do Legislativo sobre a Monarquia absolutista. Diferente era, portanto,
a índole da reflexão lockeana, em face da filosofia de Hobbes, estando esta situada,
ainda, na defesa sistemática do absolutismo monárquico. Hobbes viu-se obrigado
a recorrer ao expediente de defesa do governo absoluto, pois estava ciente de
que só mediante a aliança entre a burguesia e a monarquia absolutista seria
possível salvaguardar os interesses daquela. O absolutismo hobbessiano
revelou-se, assim, como algo essencialmente tático, o que nos levaria a mitigar
uma interpretação antiliberal do autor do Leviatã.
Continuando na linha de defesa dos interesses burgueses e da gentry, Locke dá um passo à frente: a
burguesia inglesa, para a época em que escreve a sua obra fundamental, Dois
tratados sobre o governo civil (1689), já não precisava da tutela
absolutista do monarca, tendo-se revelado capaz de governar por si só. Tal é o
sentido da “Gloriosa Revolução” (1688) que marca a queda definitiva do
absolutismo na Inglaterra e a consolidação decisiva da burguesia e da nobreza
rural no poder, através da instauração plena do governo representativo de tipo
parlamentarista.
Se bem é certo que a obra lockeana não é um modelo de sistema
especulativo lógico, ela goza, contudo, de uma unidade sistêmica entre as
partes epistemológico-antropológica e política. Assim como não se dá, no plano
do conhecimento, a existência de ideias inatas no seio do espírito humano,
tampouco se dá um poder absoluto, fora do terreno do consenso entre os
indivíduos. No estado natural, o homem nasce livre, de forma semelhante a como
nasce racional. A concepção lockeana do indivíduo, centrada na ideia da
produção de bens mediante o trabalho e que aponta à propriedade privada,
corresponde à concepção política do poder como exercício da representação por
parte dos proprietários. A sociedade lockeana é concebida em torno aos
conceitos de propriedade e produção que, por sua vez, completam a concepção do
indivíduo.
O filósofo português Eduardo Abranches de Soveral (1927-2003)
destacou, da seguinte forma, a contribuição fundamental de Locke no terreno da
teoria do conhecimento, numa perspectiva definitivamente moderna porquanto
aberta ao universo das ciências, que fez dele um dos precursores do pensamento
de Immanuel Kant (1724-1804) e de Edmund Husserl (1859-1938): “Preocupado, como
era já corrente na época, com problemas de ordem gnoseológica, não foi,
todavia, relativamente à Física e à Matemática, como em geral, que equacionou
tais problemas. Daí o valor que desde logo atribuiu ao sujeito, no
conhecimento, e as longas e minuciosas investigações psicológicas sobre o
entendimento humano a que se dedicou; daí também que tenha sido pequena a
influência recebida dos seus pares na recém-criada Royal Society, designadamente, de R. Boyle e de Newton. Kant virá a
reconhecer mais tarde que John Locke entreviu algumas das principais
descobertas críticas, apesar das contaminações empíricas inerentes ao seu psicologismo
e afigura-se-nos de real interesse a
influência lockeana na própria fenomenologia de Husserl (...)”. [1]
A limitação fundamental de Locke no terreno do conhecimento
radicava, segundo Kant, em que o pensador inglês, embora fiel à concepção empirista
que herdara de Aristóteles (384-322 a. C.), afastara-se de forma paradoxal da
experiência ao abarcar, sob sua abrangência, questões que escapavam a ela, como
a existência de Deus e a imortalidade da alma. Como frisa Kant: “(...) Locke
(...) depois de ter derivado da experiência todos os conceitos e princípios,
estendia-lhes tão longe o uso ao ponto de afirmar poder demonstrar-se a
existência de Deus e a imortalidade da alma de uma maneira tão evidente como
qualquer teorema matemático (embora ambos os objectos estejam completamente
fora dos limites da experiência possível)”. [2]
Em que pese essa falha decorrente da inserção de Locke na Perspectiva
Realista ou Transcendente, Kant não deixou de se inspirar na gnosiologia
lockeana ao formular a sua dedução transcendental das categorias, a partir dos
juízos possíveis que aumentam o conhecimento. O modelo, seguido por Locke, de
pesquisa acerca dos juízos possíveis como roteiro para entender o conhecimento,
foi seguido também por David Hume (1711-1776) e retomado por Kant.
Indiretamente, portanto, Kant continua na trilha assinalada por Locke,
corrigida pela adoção da Perspectiva Transcendental, já presente, de forma
pioneira, na filosofia de Hume.
Pretendemos elaborar uma visão sintética do Ensaio
sobre o entendimento humano de Locke. Seguiremos, passo a passo, o
desenvolvimento dos vários capítulos, a fim de destacar a progressão do
pensamento do autor. Nos seguintes 16 itens pretendemos abarcar os aspectos
fundamentais: 1 – Acerca das ideias em geral e da sua origem. 2 – As ideias
simples. 3 – As ideias provenientes de um só sentido. 4 – As ideias
provenientes de vários sentidos. 5 – As ideias provenientes da reflexão. 6 – As
ideias provenientes da sensação e da reflexão. 7 – Outros arrazoados acerca das
nossas ideias simples. 8 – A percepção. 9 – A retentiva. 10 – O discernimento e outras operações da
mente. 11 – As ideias complexas. 12 – As ideias complexas das substâncias. 13 –
As ideias coletivas de substâncias. 14 – A relação. 15 – Causa e efeito e
outras relações. 16 – Identidade e diversidade.
Na Conclusão,
destacaremos os aspectos mais marcantes da Teoria do Conhecimento de Locke no
que tange à teoria da certeza, destacando o importante lugar que o pensador
inglês assinalava às ciências morais e políticas, que gozavam, para ele, de uma
certeza forte.
1 – Acerca das ideias
em geral e da sua origem.
Locke inicia a obra destacando que a ideia é o objeto
imediato da percepção. Supondo que as ideias existem de fato na mente humana, a
questão que se coloca é acerca da origem das mesmas. Ora, tendo sido descartado
o caráter inato daquelas no Primeiro Ensaio sobre o entendimento Humano,[3]
o autor propõe-se esclarecer, aqui, de onde elas provêm. Uma vez formulada a
questão, Locke dá, de forma categórica, a sua resposta: elas provêm da
experiência, frisando: “As observações que fazemos acerca dos objetos sensíveis
exteriores, ou acerca das operações internas da nossa mente, que percebemos, e
sobre as quais nós mesmos refletimos, é o que provê ao nosso entendimento de
todos os materiais do pensar. Estas são as duas fontes do conhecimento de onde
emanam todas as ideias que temos ou que podemos naturalmente ter”. [4]
Locke faz alusão às duas fontes das que se nutre a
experiência humana e que constituem, por sua vez, as duas vias por onde se
originam as ideias: os objetos da sensação e as operações da nossa mente.
Quanto aos primeiros, Locke considera que são os responsáveis pela maior parte
das ideias que temos “pois dependem totalmente dos nossos sentidos e deles são
transmitidos ao entendimento”. [5]
A essa “grande fonte” Locke denomina de sensação. Quanto às segundas, o autor
afirma que se constituem em fonte das nossas ideias, quando a mente humana tem
como objeto da sua atenção ou “a percepção das operações interiores da nossa
própria mente, ao estar ocupada com as ideias que possui”, [6]
ou quando se centra em “certas paixões que às vezes surgem delas”. Assim
originar-se-iam respectivamente, por exemplo, as ideias de percepção, de
pensar, de duvidar e as de satisfação ou desassossego, ideias que são
diferentes das que provêm diretamente de objetos exteriores, através dos
sentidos, como as ideias das cores.
Os processos interiores da mente ou as suas paixões são
denominados, genericamente, por Locke, com o nome de “operações”. O processo de
observação dessas operações e de onde provém a segunda classe de ideias já
mencionada, é chamado de “reflexão”, e ela exprime esse ato de a alma se voltar
sobre si mesma, que é necessário para a obtenção dessas ideias, e que é
diferente da sensação.
Do anterior podemos ver claramente como todas as ideias que
temos provêm de uma ou de outra fonte, não havendo, em última instância,
nenhuma outra origem das mesmas. A mente poderá, é certo, efetivar combinações
variadíssimas das ideias que adquiriu, mas sempre as suas ideias apontarão para
as origens explicadas. A observação das crianças pode fornecer-nos uma prova
acerca do afirmado anteriormente. Pois não há criança nenhuma que tenha nascido
com todo o cabedal das suas ideias já completo, mas a sua mente vai se povoando
com elas na medida em que entra em contato com a realidade circundante, através
dos sentidos, ou na medida em que observe os processos interiores que surgem no
interior de si mesma. Dessa forma, a mente infantil vai se enriquecendo em
ideias por esses dois caminhos, embora, de fato, não sejam ensinadas aquelas à
criança, de forma direta. Ainda mais: se mantivermos uma criança afastada do
contato com algum setor da realidade sensível, como por exemplo, se a
afastarmos de todo contato com qualquer cor que não seja o branco ou o preto, a
sua mente permanecerá alheia às ideias das demais cores.
Levando em consideração que tanto para as ideias que provêm
do exterior, quanto para as que se originam da observação das operações da
mente, é necessário que ela dirija a sua atenção ao objeto do seu conhecimento.
Depreende-se daqui que o cabedal das ideias de cada homem variará de acordo ao
fato de que a sua atenção tenha se concentrado em tal setor da realidade
exterior, ou das operações interiores da mente, e em tanto haverá ideias mais
claras e distintas enquanto que a atenção da mente for maior em relação a um ou
a outro setor. Em virtude do anterior, depreende-se também que é mais difícil
obter aquelas ideias que exigem concentrar maior atenção e que, portanto,
aquelas advêm mais tardiamente, como é o caso das ideias provenientes da
observação das operações interiores da mente, a qual é, sem dúvida, mais
difícil, porquanto a atenção da criança – e ainda da pessoa adulta – projeta-se
mais facilmente para fora.
Locke analisa, a seguir, uma teoria que entra em colisão com
os seus princípios acerca da origem das ideias, ou seja, a dos que afirmam que
“(...) a alma sempre pensa e que, enquanto existe, possui constantemente em si
mesma uma percepção atual de certas ideias, e que esse pensar atual é tão
inseparável da alma como a extensão atual é em relação ao corpo”. [7]
Se isso for certo, frisa Locke, “(...) inquirir pelo começo
das ideias de um homem equivale a perguntar pelo começo da sua alma; porque,
nesse caso, a alma e as suas ideias, assim como o corpo e a sua extensão,
começarão ambos a existir ao mesmo tempo”. [8]
O autor rejeita esta doutrina, alicerçado em dois argumentos:
de um lado, a alma não pensa sempre, posto que isto não pode ser provado. De
outro, se a alma pensa sempre, então pensa enquanto o homem dorme. Ora, se um
homem que dorme pensa sem sabê-lo, o homem dormido e o homem acordado são duas
pessoas. Vejamos as linhas fundamentais de uma e outra argumentação.
No desenvolvimento do primeiro argumento, Locke destaca, no
início, o campo em que vai desenvolver a sua discussão. Já a partir da primeira
linha descarta um tratamento metafísico para essa problemática: “Mas que se
suponha que a alma exista com anterioridade a, ou simultaneamente com, ou em
algum tempo posterior aos primeiros rudimentos ou organização, ou nos começos
da vida no corpo, é assunto que deixo à discussão dos que o tenham meditado
melhor do que eu”. [9]
Argumentando, então, do ponto de vista da experiência, Locke afirma
que, a partir desta, unicamente podemos saber, com certeza, que algumas vezes
pensamos, para concluir infalivelmente “que há algo em nós que possui o poder
de pensar”. Mas considera, a seguir, que
a discussão em torno a se a alma pensa ou não constantemente, não se pode
esclarecer além da experiência. Efetivamente, afirmar que o pensar atual é
essencial à alma, equivale a formular uma petição de princípio, pois se formula
uma hipótese como prova de um fato. Afirma a respeito: “Sem dúvida, se eu
pensei ou não ao longo de toda a noite anterior, como é um assunto de fato,
incorre-se em petição de princípio ao aduzir como prova uma hipótese acerca da
coisa mesma que se discute”. [10]
Para não se enganar numa discussão, Locke considera que é
preciso formular as hipóteses “(...) sobre fatos e demonstrá-los pela via da
experiência sensível, e não estabelecer uma presunção de fato em prol da
hipótese, ou seja, supor que assim é o fato”. [11]
Quanto à segunda argumentação, o nosso autor destaca, em primeiro lugar, um
princípio que vai lhe servir de base para o desenvolvimento do seu pensamento
neste ponto: ninguém pode pensar, em nenhuma circunstância, sem que isso seja
sensível. A respeito frisa: “Este ser sensível não é necessário com relação a
nenhuma coisa, salvo com relação aos nossos pensamentos, para os quais é e
sempre será necessário, porquanto não podemos pensar sem termos consciência de
que pensamos”. [12] A
razão de fundo para isso radica em que “(...) Se privarmos completamente as
nossas ações e sensações de toda consciência acerca delas, especialmente do
prazer, da dor e da cura que sempre as acompanha, será difícil saber em que
parte radica a identidade pessoal”. [13]
A seguir, Locke desenvolve a argumentação propriamente dita.
Pressupondo que a identidade da pessoa não se alicerça no fato de que “(...) a
alma esteja unida a um mesmo número de partículas de matéria”, [14]
(posto que se tornaria impossível conservar uma identidade, dada a
instabilidade e contínua mutação dos nossos corpos), mas que se alicerça na
consciência que a alma tem acerca das nossas ações e sensações, pode-se afirmar
que para cada unidade de consciência há uma identidade pessoal; se
pressupormos, pois, que no homem comum a alma sempre pensa, mesmo quando aquele
está dormindo, isso equivale a afirmar que o homem não é consciente de tudo
quanto sua alma pensa. Pois somente é consciente daquilo que pensa em vigília,
permanecendo inconsciente com relação ao que pensa a sua alma enquanto ele
dorme. Portanto, frisa nosso autor, “(...) aqueles que acreditam que a alma
pode pensar separadamente algo de que o homem não é consciente, fazem da alma e
do homem duas pessoas diferentes (...)”. [15]
Locke apela novamente para a experiência como meio para
conhecer verdadeiramente qual é a origem das nossas ideias e qual o papel
representado pela mente humana diante delas. [16]
Afirma que a observação das crianças nos ensina claramente como as ideias vão
aparecendo de forma progressiva na mente, na medida em que é cada vez mais
amplo o seu contato com a realidade exterior, através dos sentidos, e na medida
em que a mente vai voltando sobre as operações que as ideias originais suscitam
nela. A respeito afirma: “(...) Se (...) se perguntar quando começa a haver
ideias num homem?, creio que a verdadeira resposta é que começa quando tem por
primeira vez uma sensação. Porque, ao que parece, não há ideias na mente antes
de que os sentidos lhe comuniquem alguma, penso que as ideias no entendimento
são simultâneas à sensação, que é uma impressão ou moção feita em alguma parte
do corpo, de tal índole que produz alguma percepção no entendimento”. [17]
Primeiro aparecem na mente as ideias surgidas a partir das
sensações. Logo, na medida em que aquelas vão se projetando sobre as operações
suscitadas nela pelas primeiras ideias, vão surgindo novas ideias, provenientes
da reflexão. Tal é o primeiro passo em qualquer descobrimento que o homem faça
no plano do conhecimento, como a base primeira para futuras elaborações da
mente. Em relação a este ponto, Locke frisa: “Todos esses pensamentos sublimes
que se levantam por cima das nuvens e que chegam até as alturas do mesmo céu,
possuem o seu ponto de partida e a sua base naquele fundamento, e em toda essa
vasta extensão que a mente percorre ao se entregar a essas apartadas
especulações que, ao parecer, tanto a enlevam, a razão não excede nem num ápice
o alcance dessas ideias que a sensação e a reflexão lhe ofereceram, como
objetos de sua contemplação”. [18]
O entendimento, pensa nosso autor, comporta-se passivamente,
à maneira de um espelho, na recepção das ideias simples, de tal forma que nem
as pode criar à vontade, nem apaga-las uma vez impressas.
2 – As ideias simples.
Para aprofundar no sentido do nosso conhecimento, Locke
considera que é necessário observar o tipo de ideias presentes na nossa mente.
Algumas delas são simples e outras complexas.
Apesar de que as qualidades dos objetos que afetam os nossos
sentidos estejam nas coisas, a apreensão que temos daquelas é clara e distinta,
de forma tal que a nossa mente pode discernir claramente umas de outras. Por
exemplo, é tão diferente a ideia que temos da frieza do gelo em relação à sua
dureza, como a que temos da brancura do lírio em face do sabor do açúcar, ou em
relação ao aroma de uma rosa. As ideias simples são as representações que temos
dessas sensações primordiais e constituem as percepções mais claras e distintas
que o homem pode ter, porquanto são irredutíveis umas às outras e delas não
podemos extrair mais ideias.
As ideias simples chegam à mente só por dois caminhos: a
sensação e a reflexão. Uma vez adquiridas tais ideias, o entendimento pode
compará-las, uni-las e repeti-las “numa variedade quase infinita”, sem que
tenhamos, não obstante, a capacidade para gera-las prescindindo da sensação ou
da reflexão. Essa tentativa seria tão falha como se tratássemos de substituir
uma partícula de matéria só pela força da nossa imaginação ou de fazer
desaparecer um átomo da realidade existente, pela força da nossa vontade. O
máximo que podemos fazer é organizar de forma diferente, na mente, a realidade
apreendida.
Desse fato, o nosso autor tira a seguinte conclusão: ninguém
pode se formar uma ideia das qualidades materiais senão através dos cinco
sentidos. Se somente possuíssemos quatro sentidos, as possíveis representações
através de um quinto sentido ser-nos-iam absolutamente desconhecidas. O
anterior princípio não pode ser invalidado pela hipótese de que Deus pode criar
seres com outros sentidos diferentes dos humanos, como tampouco pela suposição
de que o ser humano está dotado de mais de cinco sentidos. Locke acolhe-se,
neste ponto, à opinião comum.
3 – As ideias
provenientes de um só sentido.
A fim de considerar melhor as ideias simples, Locke considera
que é conveniente estuda-las em relação aos “diferentes modos pelos quais
chegam à nossa mente”. O plano de desenvolvimento deste ponto é o seguinte: “Em
primeiro lugar, portanto, há algumas (ideias) que penetram na nossa mente por
um só sentido. Em segundo lugar, há outras que entram na mente através de mais
de um sentido. Em terceiro lugar há outras que são obtidas somente pela
reflexão e, em quarto lugar, há algumas que abrem passagem e se insinuam à
mente por todas as vias da sensação e da reflexão. Considerá-las-emos em
separado e em itens diferentes”. [19]
Há algumas ideias que penetram na mente através de um único
sentido, que está apto especificamente para recebê-las. Tais ideias são as
correspondentes à luz e a todas as cores, que penetram só pelos olhos. Além
disso, temos todos os tipos de ruídos, de sons e de tons, que se tornam
presentes à mente somente pelos ouvidos. De outro lado, temos todos os sabores
e odores, que penetram pelo nariz e o paladar. Temos, de outro lado, as
sensações de calor, de frio ou de solidez, que “(...) são as mais importantes
daquelas que penetram pelo tato”. [20]
Quanto às demais ideias pertencentes a este último sentido, “(...) que quase
consistem totalmente na configuração sensível, como o liso e o áspero, ou bem
(que se traduzem) na adesão mais ou menos firme das partes, como são o duro e o
suave, o resistente e o frágil”, [21]
o autor limita-se a assinalar que são “óbvias o suficiente”.
Locke considera que é praticamente impossível enumerar todas
as ideias simples que se referem a cada um dos sentidos. São tão numerosas que
não haveria nomes para designá-las. Os termos de que dispomos são limitados em
número. Por exemplo, para nos referirmos às ideias simples relacionadas ao
olfato, contamos unicamente com os nomes de: fragrância / fedor, enquanto em
matéria de fragrâncias há um sem número de matizes, como também no relacionado
com os odores ruins. O mesmo pode-se afirmar das ideias relacionadas ao gosto e
das pertencentes ao campo das cores e dos sons. [22]
4 – As ideias
provenientes de diversos sentidos.
Locke se contenta, aqui, com a enumeração dessas ideias, pois
tratará mais adiante deste aspecto. [23]
A respeito, frisa nosso autor: “As ideias que adquirimos através de mais de um
só sentido são as de espaço ou extensão, da forma, do repouso e do movimento.
Porque produzem impressões perceptíveis pelos olhos e também pelo tato, de
forma que podemos receber e comunicar à nossa mente as ideias de extensão,
forma, movimento e repouso dos corpos, tanto vendo quanto tocando”. [24]
5 – As ideias
provenientes da reflexão.
Segundo Locke, estas ideias provêm da observação, por parte
da mente, das suas operações, que versam sobre as ideias que previamente tirou
do exterior. Do ponto de vista da experiência, não haveria uma prelação das
ideias que o entendimento elabora pela via da sensação sobre as que formata
pela via da reflexão. Estas últimas são, para Locke, “(...) tão capazes de
serem objeto de (...) contemplação (para o entendimento), como quaisquer
daquelas que recebeu de coisas exteriores”. [25]
As mais importantes ideias que obtemos pela via da reflexão,
pelo fato de corresponderem às duas principais ações da mente, são as relativas
à potência de pensar (entendimento) e à potência da volição (vontade). Essas
duas potências da mente recebem o nome de faculdades. Em capítulos posteriores
Locke analisa alguns dos modos dessas ideias simples conhecidos pela via da reflexão,
tais como recordar, discernir, arrazoar, julgar, conhecer, crer, etc. [26]
6 – As ideias simples
provenientes da sensação e da reflexão.
O autor enumera as ideias simples acerca das quais trata
aqui: “Há outras ideias simples que se comunicam à mente por todas as vias da
sensação e da reflexão, a saber: o prazer e o deleite e o seu contrário, a dor
e a inquietação; o poder, a existência, a unidade”. [27]
O deleite e a inquietação, segundo Locke, encontram-se
vinculados a todas as sensações, bem como a todas as nossas reflexões. Não há,
portanto, nenhuma realidade exterior, nem nenhuma operação da nossa mente que
não nos cause prazer ou dor. Porque sempre falamos em satisfação, deleite,
prazer, felicidade, etc. e, de outro lado, de inquietação, pena, dor, tormento,
angústia, miséria, etc., quando somos conscientes de algo. Tudo quanto se torna
presente à nossa mente não nos é indiferente: ou nos agrada, ou nos desagrada.
E todos os matizes do prazer e da dor que foram mencionados, e os demais, cabem
sob as denominações de prazer e de dor, de deleite ou inquietação. “O infinitamente sábio Criador do nosso ser” –
frisa Locke – “deu-nos a capacidade de agir por intermédio dos nossos corpos e
das nossas mentes”. Mas essa capacidade não é cega, pois junto com ela o
Criador colocou determinados objetos da sensação e determinadas ideias
provenientes da reflexão, uma espécie de percepção do deleite, a fim de que
procuremos por aquele objeto deleitável, ou busquemos aquela ideia que nos
atrai. Só assim agimos. Pois se isto não acontecesse ficaríamos sumidos na
absoluta indiferença, “num preguiçoso e letárgico sono”, já que não teríamos
estímulo para nenhuma ação.
De forma semelhante, a dor foi vinculada pelo Criador “(...)
à aproximação de muitas coisas em relação ao nosso corpo, a fim de nos advertir
acerca do dano que podem nos produzir e como aviso para que estejamos alerta em
face delas”. [28]
Além disso, como Ele não se propôs unicamente a conservação do nosso corpo em
geral, mas de cada um dos seus órgãos também, anexou a ideia de dor às ideias
mesmas que nos causam deleite. Por exemplo: o calor que, num grau moderado é
muito agradável e conveniente à nossa saúde, levado ao extremo, torna-se
doloroso e prejudicial. Um caso análogo podemos observar em relação à luz para
os olhos.
Além disso, frisa Locke, há outra razão que nos explica por
que o Criador misturou a ideia de prazer à de dor, a fim de que, percebendo a
limitação dos prazeres que Ele nos oferece aqui embaixo, vejamo-nos
impulsionados a busca-los naquele “em quem fartura
de alegrias há e deleites na tua destra para sempre”. [29]
A seguir, frisa que todas essas considerações não devem ser entendidas como se
a experiência deixasse de ser a única via para o conhecimento do prazer e da
dor. Simplesmente, afirma Locke, “(...) semelhante consideração não deixa de
ser pertinente para o propósito principal destas pesquisas, já que o
conhecimento e a veneração desse Ser Supremo é o principal fim de todos os
nossos pensamentos e a verdadeira finalidade de todo o entendimento”. [30]
A existência e a unidade são outras duas ideias que se
revelam ao entendimento, tanto pela via da sensação quanto pela da reflexão.
Efetivamente, junto com a ideia da morte ou com a certeza das coisas
exteriores, somos conscientes de que todas essas realidades estão aí realmente,
ou na nossa mente ou fora dela, segundo o caso. Além disso, “(...) tudo quanto
podemos considerar como uma só coisa, já seja um ser real, já uma ideia, sugere
ao entendimento a ideia de unidade”. [31]
A ideia de poder é
adquirida ao observarmos que podemos pensar e movimentar o nosso corpo, assim
como percebermos os efeitos que podem produzir entre si os corpos naturais, que
apreendemos continuamente através dos nossos sentidos.
A ideia de sucessão
surge, basicamente, no terreno da reflexão, embora também se nos apresente
pelos sentidos. No seio da nossa mente, efetivamente, as ideias continuamente
vão e vêm, num contínuo fluir.
Locke conclui lembrando que essas são as mais importantes
ideias simples e que somente a partir delas é constituído todo o conhecimento
humano. E volta novamente à experiência para fundamentar o seu arrazoado, no
sentido de que assinalemos, a partir daquela, qual é a ideia complexa que não
provém, em última instância, das ideias simples, adquiridas pelos caminhos da
sensação e da reflexão. Destas, efetivamente, provêm todas as ideias complexas.
Não deveria estranhar, frisa nosso autor, que o conhecimento
que atinge tanta altura quanto amplitude parta de um princípio tão simples. Não
são, por acaso, infinitas as palavras que se podem construir somente a partir
de vinte e quatro letras? E não é, por acaso, infinita, também, a série que
pode provir de uma só ideia das mencionadas, o número? “E que dizer do imenso
campo que aos matemáticos oferece a ideia de extensão?” [32]
7 – Outros arrazoados
acerca das nossas ideias simples.
Tudo quanto na natureza está disposto de tal forma que pode
causar uma percepção na nossa mente, através dos sentidos, produz uma ideia
simples. A mente humana vai recebendo, de forma indiscriminada, todas as percepções
assim produzidas, sem se deter para considerar a causa de onde elas provêm,
seja aquela positiva ou negativa. Todas as ideias simples são recebidas como
ideias positivas pelo entendimento, embora talvez a sua causa, no objeto
exterior, não seja mais do que uma privação para o sujeito. Assim, frisa Locke,
“(...) As ideias de calor e de frio, de luz e de escuridão, de branco e de
preto, de movimento e de repouso, são ideias igualmente claras e positivas na
mente; embora, talvez, algumas das causas que as produzem sejam simples
privações nos sujeitos de onde os nossos sentidos derivam essas ideias”. [33]
A razão dessa discriminação por parte do entendimento
alicerça-se, segundo Locke, no fato de que a consideração das causas positivas
ou negativas refere-se “à natureza da coisa que existe fora de nós”, não sendo
da alçada, portanto, do campo das ideias no entendimento, que é o que
imediatamente interessa à mente humana. A propósito, escreve: “Estas são duas
coisas diferentes que devem ser distinguidas cuidadosamente, já que uma coisa é
perceber e conhecer a ideia do branco e do preto, e outra coisa muito diferente
é examinar que classe de partículas deveriam ser e como deverão estar dispostas
na superfície, para que qualquer objeto apareça como branco ou como preto”. [34]
Efetivamente, as ideias de branco ou de preto podem ser mais
claras para um tintureiro que não saiba nada a respeito da natureza das cores,
do que para o filósofo que aprofundou muito nela. Locke não se interessa em
aprofundar no aspecto que tange às condições objetivas da privação na natureza.
Interessa-lhe, simplesmente, de momento, aquilo que implique uma relação direta
com o estudo das ideias.
A fim de contra restar o excesso daqueles que afirmam “que as
ideias são exatamente as imagens e semelhanças de algo inerente ao sujeito que
as produz”, [35]
Locke propõe distinguir as ideias em dois aspectos: enquanto “são ideias ou
percepções na nossa mente”, e enquanto “são modificações da matéria nos corpos
que causam em nós essas percepções”. [36]
O primeiro aspecto constitui o que o autor entende propriamente por ideia, que é “(...) Tudo aquilo que a
mente percebe em si mesma, ou tudo aquilo que é objeto imediato de percepção,
de pensamento ou de entendimento”. [37]
O segundo aspecto olha para as condições objetivas segundo as quais a ideia é obtida e que são
chamadas por Locke de qualidades
(“do sujeito em que reside esse poder”), que equivalem à “potência para
produzir qualquer ideia na mente”. [38]
A seguir, o nosso autor centra a atenção no estudo das qualidades.
As mais importantes são as denominadas de “qualidades primárias”, que recebem
esse nome porque acompanham os corpos em qualquer estado em que se encontrem, e
sempre são percebidas quando se dá a sensação. São qualidades que a própria
mente considera como inseparáveis de cada partícula de matéria. Essas
qualidades são a solidez, a extensão a forma e a mobilidade, e produzem em nós
as ideais simples da solidez, da extensão, da forma, do movimento, do repouso e
do número. Em segundo lugar, temos as qualidades secundárias, que se
caracterizam porque não são realmente objetivas, mas simples potências para
produzir diversas sensações em nós, através das qualidades primárias como, por
exemplo, as cores, os sons, os gostos, etc.[39]
A questão que logo a seguir preocupa ao autor é a relacionada
à forma em que os corpos produzem ideias em nós. Supondo que não há contato
imediato entre os corpos e a mente, é evidente que há algum movimento, nos
corpos, que afete os sentidos e que se projete até a sede da sensação – o
cérebro –, para produzir na mente as ideias específicas que temos acerca das
coisas. O sentido da visão, para Locke, claramente dá testemunho desse
movimento, pois nele acontece um deslocamento de corpos “individualmente imperceptíveis”
que chegam até os olhos e que comunicam algum movimento ao cérebro, que por sua
vez produz as ideias que temos na mente acerca dos objetos percebidos.
Esta explicação é válida fundamentalmente para a ação das
qualidades primárias sobre os nossos sentidos. Mas também é válida para
entender a ação das qualidades secundárias, de tal forma que as diversas
percepções das cores explicar-se-iam pela diferença entre movimentos das
partículas provenientes dos corpos. Locke considera que não nos deve causar
estranheza o fato de que a movimentos diferentes estejam associadas ideias
diferentes, já que isso acontece (num campo mais próximo da nossa experiência
cotidiana) com o movimento da espada que penetra em nossa carne, à qual está
associada a ideia de dor. Se Deus conseguiu unir tal ideia a tal movimento,
apesar da sua aparente disparidade, também pode fazer o mesmo no caso da
percepção das qualidades secundárias dos corpos.
Devemos ter presente, no entanto, no sentir do nosso autor, a
sujeição das qualidades secundárias às primárias. Estas, efetivamente, são a
base daquelas e a sua percepção corresponde a qualidades objetivamente
existentes nas coisas (como a extensão, a forma, o número e o movimento),
enquanto que aquelas não existem como tais nas coisas, mas são produzidas por
“diferentes movimentos e formas, volume e número”[40] das partículas em movimento. A propósito,
frisa: “(...) As ideias das qualidades primárias nos corpos são semelhanças
dessas qualidades, e (...) seus modelos realmente existem nos corpos mesmos;
mas (...) as ideias produzidas em nós pelas qualidades secundárias em nada se
assemelham a elas. Nada há que exista nos corpos mesmos que se assemelhe a
essas ideias nossas. Nos corpos que denominamos em conformidade com essas
ideias, há somente um poder para produzir em nós essas sensações. E o que na
ideia é doce, azul ou quente, não é assim chamado nos corpos, mas [recebe a
caracterização de] certo volume, forma e movimento das partes insensíveis dos
corpos mesmos”. [41]
Locke ilustra detalhadamente, com vários exemplos, a
diferente natureza das qualidades primárias e das secundárias. Considerando,
por exemplo, o caso do fogo, diz que habitualmente chamamos a uma chama de
quente e cremos que essa qualidade é, em tal corpo, o mesmo que a ideia que
está em nós. No entanto, para ver a diferença entre essa qualidade enquanto
ideia e enquanto realmente é algo no corpo em questão, o autor considera que
ela varia na medida em que apreendamos mais de perto ou mais de longe o
movimento das partículas de matéria do fogo. Conclui a respeito: “O volume, o
número, a forma e o movimento particulares das partes do fogo e da neve estão
realmente nesses corpos, sejam ou não percebidos pelos sentidos de alguém, e
por isso podemos chama-los de qualidades reais, pois realmente existem nesses
corpos. Mas a luz, o calor, a brancura ou a frieza não estão mais realmente
nesses corpos do que estão a doença ou a dor no açúcar. Suprimamos a sensação
dessas qualidades; façamos com que os olhos não vejam a luz ou as cores, que os
ouvidos não escutem os sons; façamos com que o paladar não goste, com que o
nariz não cheire, e todas as cores, sabores e sons, enquanto são tais ideias
particulares, desaparecem e cessam totalmente para ficarem reduzidos às suas
causas, ou seja, a volume, forma e
movimento das partes dos corpos”. [42]
Poder-se-ia concluir que as qualidades primárias
fundamentam-se numa variável ontológica, enquanto que as secundárias encontram
apenas o seu fundamento numa entidade relacional, constituída pela localização
e o movimento das partículas de matéria em face dos nossos sentidos.
8 – A percepção.
Assim como a percepção é a primeira faculdade da mente
porquanto se ocupa das ideias, ela é, também, a primeira ideia simples que
obtemos mediante a reflexão. Alguns a denominam de pensar, mas esse nome não
parece a Locke muito acertado, porquanto destaca o aspecto dinâmico da mente
que, na realidade, não se dá ainda na percepção, na qual a mente é, de modo
geral, somente passiva. A respeito frisa nosso autor: “embora (a mente)
perceba, não pode menos do que perceber”.
A percepção unicamente acontece quando ocorre o processo
completo da sensação. Se esse processo permanece no plano da simples impressão
externa dos órgãos, sem que o seu movimento chegue até o cérebro e não produza
a sensação, não há percepção. Isso acontece, por exemplo, quando concentramos a
nossa atenção numa leitura e não prestamos atenção aos ruídos que há ao nosso
redor. Estes, certamente, estão sendo produzidos; mas não os percebemos por
falta de atenção. Em outros termos, frisa Locke, “(...) sempre que haja
sensação ou percepção é porque se tem produzido realmente alguma ideia, que
está presente no entendimento”. [43]
Ora, isso somente é claro para quem reflita, já que a própria experiência é o
único meio para se ter notícia exata do que seja a percepção.
A seguir, o autor trata de dois pontos: em primeiro lugar, se
nas crianças acontece a percepção. Em segundo término, em que casos a percepção
é modificada pelo juízo. Locke não duvida em reconhecer que as crianças, no
ventre materno, possam ter alguma percepção derivada das sensações que o feto
sofre, as de calor ou fome, por exemplo. No entanto, não insiste muito para
fundamentar esta hipótese, por se tratar de uma matéria que não é fácil de ser
examinada. Supondo, pois, que as crianças ainda não nascidas tenham algumas
percepções, estas precederiam às percepções ulteriores simplesmente no tempo e
não à maneira de princípios inatos, os quais o autor supõe serem “(...) de uma
natureza bem diversa, já que não penetram na mente por efeito de alguma
alteração acidental no corpo e por alguma operação sobre o mesmo, sendo, por
assim dizer, caracteres originários impressos na mente, exatamente a partir do
primeiro momento do seu ser e da sua constituição”. [44]
Em segundo lugar, Locke considera os casos em que a percepção
é modificada pelo juízo: acontece isso quando a sensação é modificada por força
de um costume habitual, como, por exemplo, na contemplação de uma esfera que, a
primeira vista, aparece como um plano circular diversamente colorido e
sombreado, mas cuja forma nós reelaboramos em virtude de experiências
anteriores, para formarmos a ideia da convexidade daquela. Isso nos mostra, frisa o autor, o peso e a
importância que têm, para a percepção mesma, “(...) a experiência, a educação e
as noções adquiridas”. Esse caso não é habitual em relação às nossas ideias,
salvo para as recebidas pela visão, a qual, pelo fato de ser o sentido mais
amplo, abarca realidades muito diferentes. Efetivamente, esse sentido transmite
à mente as ideias de luz e calor e, de outro lado, as de espaço, forma e
movimento, que são de uma categoria diferente das primeiras e “cujas diversas
variedades mudam a aparência dos objetos que lhes são próprios, ou seja, a luz
e as cores”, [45]
chegando, assim, a nos acostumarmos a tomar umas pelas outras.
Que a mente, pelo juízo, realize essa modificação da
percepção sem que o percebamos, é patente para quem tenha presentes dois fatos:
de um lado, a rapidez com que se efetivam as operações mentais, as quais são
instantâneas em comparação com as ações do corpo (gastamos, de fato,
relativamente mais tempo para explicitar em palavras aquilo que a nossa mente
captou de forma instantânea, por exemplo, numa demonstração). De outro lado, o
fato de que certos hábitos, especialmente os que adquirimos na infância, nos
levem a executar ações das que poucas vezes somos conscientes. Por último, o
autor destaca, à maneira de conjectura, que a percepção é a que estabelece a
diferença entre os animais e os seres inferiores e repete o princípio assentado
nos primeiros capítulos, de que a percepção é “(...) o primeiro passo e o
degrau em relação ao conhecimento, e a porta de entrada de todos os seus
materiais” (grifo do autor). [46]
9 – A retentiva.
Esta consiste na conservação das ideias simples que a mente
recebeu por via da sensação e da reflexão. Essa conservação, segundo Locke,
efetiva-se de dois modos: em primeiro lugar, “(...) conservando por algum tempo
à vista a ideia que foi trazida à mente”, [47]
recebendo essa operação o nome de contemplação.
Em segundo lugar, revivendo “(...) outra vez, na nossa mente, aquelas
ideias que, depois de terem ficado impressas, desapareceram ou foram, como se
diz, postas de lado e fora da vista”, [48]
constituindo isso a memória. Esta se
torna necessária porquanto não podemos ter sempre presentes, na nossa mente, as
sucessivas ideias que vamos percebendo; a memória se constitui, então, numa
espécie de armazém das nossas ideias.
No entanto, frisa Locke, “(...) como as nossas ideias não são
senão percepções efetivadas na mente, deixando de ser algo quando não houver
percepção delas”, [49]
esse armazenamento deve ser entendido, não no sentido de uma presença atual de
todas as ideias anteriores, mas como uma capacidade da mente para torna-las a
desenhar, de tal forma que ela tenha “(...) o poder de reviver percepções já
havidas, mas com esta percepção adicional unida a elas, a saber: que as tenha
tido antes”. [50]
Há, destarte, uma dupla percepção no exercício da memória.
Em relação à forma em que se fixam as ideias na memória,
Locke considera que isso ocorre por quatro caminhos: a atenção, a repetição, o
prazer e a dor. Destacam-se estes dois últimos, porquanto são os que mais
diretamente se encontram vinculados à preservação dos nossos corpos de forma
tal que, tanto em crianças quanto em velhos, levam à rejeição rápida de tudo
aquilo que for nocivo e conduzem a buscar o que é proveitoso, antes de qualquer
raciocínio e fixando na memória as ideias correspondentes.
As ideias se apagam na memória por várias causas: a idade, a
falta de atenção, algum defeito da mente ou a percepção muito rápida ou
superficial das mesmas. No entanto, o autor não pretende aprofundar nessas
causas, especialmente naquelas que se relacionam com a saúde. A respeito,
frisa: “Até que ponto tudo isto depende da constituição de nossos corpos e da
obra dos nossos espíritos animais, e se o temperamento do cérebro explica a
diferença de que em algumas pessoas retenha os caracteres ali gravados como se
fosse em mármore, em outras, como se fosse em pedra calcária e em outras apenas
melhor do que na areia, são questões que não me tomarei o trabalho de averiguar
aqui, embora parece provável que a constituição do corpo influencia, sim,
algumas vezes na memória”. [51]
De modo contrário, as ideias que mais permanecem e se fixam
melhor na memória são aquelas que amiúde se apresentam à mente e são,
fundamentalmente, as qualidades primárias dos corpos (solidez, extensão, forma,
movimento e repouso), aquelas que constantemente afetam nossos corpos (calor,
frio) e as que constituem afecções de todos os seres (existência, duração,
número). O nosso autor assinala, de
outro lado, que os dois defeitos principais da memória são o esquecimento e a
lentidão. Discute, por último, acerca da memória dos brutos e afirma que esta
deve estar presente em alguns animais como, por exemplo, nos pássaros que
cantam.
10 – O discernimento e
outras operações da mente.
As ideias adquiridas pela mente através da sensação e da
reflexão seriam irrelevantes para o conhecimento, se carecêssemos da
possibilidade de distingui-las umas das outras. A faculdade de discernir e
distinguir entre as várias ideias que a mente tem é considerada, por Locke,
como fundamento da evidência e da certeza de várias proposições, inclusive de
algumas que possuem um caráter tão geral que gozam do status de verdades
inatas. Não se trata, certamente, de que estas existam. O que acontece é que os
homens, simplesmente, “(...) não se fixando na verdadeira causa de por que
essas proposições recebem assentimento universal, tudo atribuem a impressões
uniformes e nativas, quando na verdade tudo depende do fato de essa faculdade
da mente discernir com claridade suficiente, que lhe permita perceber quando
duas ideias são as mesmas, ou se são diferentes”. [52]
O autor estabelece uma distinção entre os conceitos de
“engenho” e “juízo”. O primeiro consiste em “ter à mão as ideias que estão na
memória”. Graças a este, as pessoas engenhosas caracterizam-se porque fazem
obras ricas em imaginação, mas nas quais – como na metáfora ou na alusão –
coexistem ideias e verdades pertencentes a níveis bem diferentes, que agradam à
imaginação. O “juízo”, pelo contrário, “é o oposto, porque consiste em separar
cuidadosamente umas (representações) das outras, privilegiando aquelas ideias
em que se pode achar a menor diferença, a fim de evitar o engano da semelhança,
tomando, por afinidade, uma coisa por outra”. [53]
Do anterior deduz-se que não devemos avaliar as obras do engenho do ângulo do
juízo, e vice-versa. Somente distinguindo, a mente chega a ter ideias claras e
determinadas.
Paralela à função de distinguir
ideias, a mente possui a de compará-las em
relação a vários pontos: a abrangência, os graus, o tempo, o lugar e qualquer
outra circunstância. Dessa operação provém toda essa série de ideias que é
abarcada sob o termo “relação”. [54]
Além das operações mencionadas anteriormente, a mente possui também outra
operação relativa às suas ideias: a “composição”. A respeito dela, o nosso
autor escreve: “Graças a ela, a mente reúne várias daquelas ideias simples que
recebeu pelas vias da sensação e da reflexão, e as combina para formar ideias
complexas”. [55]
No contexto dessa mesma operação de compor, Locke arrola
outra, mais particular, a de “ampliação”, que consiste em que a mente reúne várias
ideias da mesma classe (por exemplo, a ideia de dúzia, formada pela soma de
várias unidades).
Os animais não são capazes, propriamente, nem de comparar,
nem de compor ideias “senão com relação a certas circunstâncias sensíveis
relacionadas aos objetos mesmos”. [56]
Não podem ultrapassar o campo da sensibilidade imediata, estabelecendo alguma
generalização.
Quanto ao processo de uso das palavras para comunicar as
ideias, Locke considera que quando as crianças, por repetidas sensações,
fixaram algumas ideias na sua memória, começam a aprender a usar os signos. O
processo fica completo quando as crianças adquirem a habilidade de utilizar os
órgãos da fala; então começam a usar palavras, com a finalidade de comunicar a
outros as suas ideias. Nesse esforço, valem-se do que ouvem dos outros,
repetindo nas suas incipientes significações as palavras aprendidas, ou
simplesmente inventando por conta própria nomes “novos e estranhos” para
designar as coisas.
A “abstração” ocorre, segundo Locke, no seio do processo de
comunicação das ideias pelas palavras. Para poder comunicar as ideias no plano
da linguagem, é necessário ter um número determinado de palavras; ora, como a
cada coisa particular que percebemos corresponde uma ideia particular, e se a
cada uma delas correspondesse um nome diferente, teríamos um número infinito de
nomes, com o qual a linguagem tornar-se-ia impossível. Portanto, é necessário
que a mente realize uma generalização no terreno das ideias, o que se realiza
considerando-as tal como se encontram na mente, ou seja, prescindindo de “toda
outra existência” e das condições concretas da vida real. Dessa forma, as
ideias que foram percebidas pela mente a partir dos entes particulares,
tornam-se representativas de todas as pertencentes a uma mesma essência e os
seus nomes, portanto, convertem-se em nomes gerais e podem, então, ser
aplicados a todas elas. Essas “precisas
e nuas aparências da mente” são constituídas pelo entendimento como padrões
para organizar, em diversas classes, as existências reais e para lhes dar, no
plano das palavras, nome de acordo aos mesmos.
O nosso autor ilustra da seguinte forma esse processo:
“Assim, ao advertirmos hoje no gesso ou na neve a mesma cor que ontem receberam
da mente ao perceber o leite, somente consideramos essa aparência, a
convertemos em representativa de toas as da sua classe e, tendo lhe dado o nome
de brancura, significamos por esse som a mesma qualidade onde quer que possa
ser imaginada ou encontrada; e é assim como formamos universais, sejam ideias,
sejam os termos que utilizamos para exprimi-las”. [57]
Quanto à questão sobre se os animais abstraem, o autor é
enfático em negar essa possibilidade, por duas razões: em primeiro lugar, pela
sua dependência do meio sensível imediato, que lhes impede realizar qualquer
generalização no plano das ideias. Em segundo lugar, porque não notamos, neles,
nenhum signo de generalização, no contexto de um processo de comunicação de
ideias universais.
Já nos seres humanos as carências fundamentais, no que tange
à capacidade de generalização, ficariam por conta dos casos de idiotia e
loucura. Locke caracteriza da seguinte forma cada uma dessas falhas: “(...) o
defeito dos imbecis parece proceder da carência de prontidão, de atividade e de
movimento nas faculdades interiores, de onde resulta que estão privados de
razão. Os loucos, pelo contrário, parecem padecer do extremo contrário, porque
não vejo que tenham perdido a faculdade de raciocinar, mas que, tendo unido
muito fora de propósito algumas ideias, tomam-nas como verdades, e erram como
os homens que raciocinam corretamente, mas que partiram de princípios
equivocados”. [58]
Em relação ao método de exposição seguido até aqui, Locke
esclarece que a maioria dos exemplos por ele trazidos na explicação dessas
faculdades da mente, relaciona-se com as ideias simples e não com as complexas.
O autor justifica isso frisando, em primeiro lugar, que assim há mais
possibilidade de entender o processo de cada uma das faculdades, que trabalham
na sua origem com as ideias simples, para passar daí a operações mais complexas
e, em segundo lugar, lembrando que o fundamento das ideias complexas são as
ideias simples, havendo, de outro lado, o perigo de criar obscuridades, se
houvesse a mente realizado a sua explicação a partir das ideias complexas, sem
antes ter aprofundado nas simples.
O nosso autor faz um novo apelo à experiência, no contexto de
uma síntese acerca do que foi anteriormente tratado, com as seguintes palavras:
“(...) e é assim como apresentei uma breve e, creio eu, verdadeira história
das primeiras origens do conhecimento humano, que mostra de onde a mente
tira os seus primeiros objetos e por quais passos progressivos obtém e acumula
as suas ideias, das quais se compõe todo o conhecimento de que é capaz. Nesse
terreno devo apelar novamente à experiência e à observação, para que fique
claro se eu tenho razão ou não. Porque a melhor maneira de se chegar à verdade
consiste em examinar as coisas tal e como realmente são, e não concluindo que
são como as imaginamos nós mesmos, ou segundo outros nos ensinaram a
imaginá-las” (o grifo é do autor). [59]
11 – As ideias
complexas.
O processo de recepção das ideias simples ocorre sem que a
mente assuma uma atitude ativa: efetivamente, como Locke mostrou nos capítulos
anteriores da sua obra, perante as ideias transmitidas pela sensação ou a
reflexão, a mente só pode recebê-las e fixa-las no seu seio, “(...) de forma
que não pode produzir por si só uma só dessas ideias, nem tampouco pode ter
nenhuma ideia que não se estruture inteiramente a partir delas”. [60]
Mas é igualmente certo que a mente é ativa em relação à forma
como organiza e compõe as ideias simples que recebeu. Os atos da mente pelos
quais exerce a sua ação sobre as ideias simples são fundamentalmente estes
três: A – combinação, numa ideia composta, de várias ideias simples (dessa
forma a mente produz as ideias complexas).
B – União de duas ideias, simples ou complexas, “para pô-las uma cerca da
outra”, não para reduzi-las a uma, mas para considera-las juntas (assim a mente
obtém as ideias de relações). C –
Separação de todas as demais ideias que acompanham uma ideia na sua existência
real (essa é a abstração, pela qual a mente obtém as ideias gerais).
Isso mostra, frisa Locke, qual é o verdadeiro poder do homem,
tanto no plano material quanto no intelectual. Porque em nenhum deles o homem
pode criar nem aniquilar nada. A sua ação se reduz a unir, a juntar ou a
separar completamente os elementos que encontra. Nas páginas seguintes Locke
estuda a primeira operação, deixando para mais adiante a análise das outras
duas.
Assim como a mente registra que as ideias simples aparecem
unidas em combinações diversas, ela também pode considerar várias ideias unidas
como uma única ideia. As ideias constituídas dessa forma são chamadas por Locke
de “complexas” (como, por exemplo, a beleza, a gratidão, um homem, um exército,
o universo). Essas ideias, “embora compostas de várias ideias simples, ou de
ideias complexas formadas a partir de ideias simples”, [61]
podem ser consideradas pela mente “como uma coisa inteira significada por um
nome”. Embora as ideias complexas que a mente pode produzir sejam
numerosíssimas, Locke considera que elas podem ser agrupadas em três grandes
classes: A – Os modos. B – As substâncias e C – As relações.
Os “modos” são definidos pelo pensador como “(...) ideias
complexas que, embora compostas, não possuem em si o pressuposto de que subsistam
em si mesmas, mas são consideradas como dependências ou afecções das
substâncias”. [62]
São “modos”, por exemplo, as ideias significadas pelas palavras triângulo, gratidão, assassinato, etc.[63]
Há duas classes de “modos”: os “simples”, que “(...) somente são variantes ou
combinações diferentes de uma ideia simples, sem mistura de nenhuma outra”
(como, por exemplo, uma dúzia, uma
vintena, etc.) e os “mistos”, que são “compostos de ideias simples de
diversas espécies, que foram unidas para produzir uma única ideia complexa”
(como, por exemplo, a beleza, o roubo,
etc.). [64]
Quanto às “substâncias”, Locke apresenta a seguinte
definição: “(...) São aquelas combinações de ideias simples que (...) representam
diferentes coisas particulares que subsistem por si mesmas, nas quais a suposta
e confusa ideia de substância, tal como é, aparece sempre como a primeira e
principal”. [65]
Teremos a ideia de chumbo, por
exemplo – frisa Locke - se à ideia básica de substância adiciona-se algumas
ideias simples como “de certa cor esbranquiçada fosca, com certos graus de
peso, de dureza, de ductilidade e de fusibilidade”. Teremos, de outro lado, a
ideia de homem, se à ideia de
substância se juntam ideias simples da categoria de certa forma, com as de um
ser vivo que pode se movimentar, pensar e arrazoar.
O nosso pensador distingue duas classes de substâncias: as singulares,
ou seja, as que se referem a existências separadas, como a ideia de um homem ou
uma ovelha. As coletivas, que
implicam várias substâncias reunidas, como um exército ou um rebanho de
ovelhas. Essas ideias coletivas têm uma unidade que não é inferior à da ideia
de um homem ou de uma unidade. Referindo-se à relação, frisa o autor: “(...) A última espécie de ideias complexas
é a que chamamos de relação, que consiste na consideração e comparação
de uma ideia com outra” (grifo de Locke). [66]
12 – As ideias
complexas das substâncias.
Levando em consideração que a mente é abastecida com ideias
simples que em grande número se tornam presentes a ela, tanto pela via da
sensação como da reflexão, Locke fixa a atenção numa série de ideias simples
que sempre se apresentam juntas. A nossa mente, pressupondo que elas pertencem
a uma única coisa, denomina-as com um só nome, pois a função das palavras
consiste em tornar fácil o caminho para a comunicação das ideias, se acomodando
à apreensão comum. Daí provém o fato, no sentir de Locke, de que inadvertidamente
nos inclinemos a considerar e a exprimir como uma ideia simples, o que na
realidade é um complexo de ideias. Assim, frisa o pensador, “(...) nos
acostumamos a supor algum substractum em que [elas] subsistem e de onde provém
aquilo que é chamado por nós de substância” (grifo de Locke). [67]
Se averiguarmos pelo sentido último da noção de substância
pura em geral, observamos que ficamos com uma mera suposição de algum suporte
das qualidades que são capazes de produzir na nossa mente ideias simples. Dessa
forma, se perguntarmos a alguém acerca de qual é o sujeito em que estão
inerentes qualidades como a cor e o peso, responder-nos-á que são as partes
sólidas extensas. E se tornarmos a perguntar qual é o suporte destas,
colocaremos o nosso interlocutor numa verdadeira saia justa, sendo ele levado a
afirmar que essas qualidades se apoiam na substância. Mas que se trate da
substância em si é algo que fica obscuro. Precisamos, de outro lado, assinalar
um substrato às qualidades que produzem em nós ideias simples (qualidades que
comumente são chamadas de acidentais). Mas, ao mesmo tempo, fica difícil
aprofundarmos muito na essência desse substrato. Assim, frisa o filósofo,
“(...) a ideia (...) que temos e à qual damos o nome geral de substância,
como é apenas um pressuposto (mas desconhecido), que age na qualidade de
suporte daquelas qualidades que encontramos existentes e das quais imaginamos
que não podem subsistir sine re substante, sem alguma coisa que as
sustente, chamamos então esse suporte de substância, a qual, de acordo
com o verdadeiro sentido da palavra, significa em idioma claro aquilo que está
por baixo, ou aquilo que suporta” (grifo do autor). [68]
Uma vez que a nossa mente tem formado a ideia obscura e
relativa de substância em geral, procede a elaborar, também, as ideias de
classes particulares de substâncias, reunindo essas combinações de ideias
simples “(...) que emanam da constituição particular interna ou da essência
desconhecida dessa substância”. [69]
Assim formamos, por exemplo, as ideias de um homem, de um cavalo, do ouro, etc.
Locke considera que se para essas substâncias alguém tem outra ideia que não
seja a da reunião de todas as ideias simples que apareceram juntas e que se
reúnem em tal ideia complexa, apela para a experiência pessoal. Porque, a
partir desta, não aparecem mais elementos. Contudo, é necessário levar em
consideração que em nossas ideias complexas de classes particulares de
substâncias, a mente junta a ideia vaga de substância pura em geral às ideias
simples que se encontram naquelas. Assim se explica o nosso modo de falar das
substâncias, quando dizemos, por exemplo, que “(...) o corpo é uma coisa
extensa, com formas e capaz de movimento, que o espírito é uma coisa
capaz de pensar” (grifos do autor). [70]
Locke conclui o seu arrazoado da seguinte forma: “(...) Esses e outros modos
semelhantes de falar sugerem que sempre se supõe que a substância é alguma
coisa além da extensão, da forma, da solidez, do movimento, do pensamento e
de outras ideias observáveis, embora não saibamos o que é que seja” (grifo do
autor). [71]
O que acaba de ser exposto pode-se observar claramente nas
ideias que temos acerca do corpo e do espírito. Como as operações da mente
(pensar, raciocinar, temer, etc.) sempre se apresentam como não subsistentes em
si mesmas, supomos um substrato no qual elas se fundamentam. Mas como não
podemos pensar de que forma elas se alicerçam no corpo, ou de que forma este
pode produzi-las, temos a inclinação a concebê-las como procedentes de uma
substância diferente daquele, ou seja, o espírito. Mas, de outro lado, como
precisamos conceber também um fundamento em que se alicercem as qualidades
sensíveis que afetam aos nossos sentidos, supomos uma substância adequada a
esse fim: o corpo. Assim, ambas as substancias nos ajudam a explicar a
permanência dessas séries de qualidades, “(...) uma, supondo que é (sem que
saibamos o que ela seja) o substractum daquelas ideias simples que
tomamos do exterior; outra, supondo que é (com igual ignorância acerca do que
seja) o substractum daquelas operações que experimentamos dentro de nós
mesmos” (grifos do autor). [72]
É fácil entender assim, pensa Locke, por que a ideia de uma
substância corpórea está tão afastada da nossa experiência, como a de uma substância
espiritual. Isto leva o autor a concluir que não podemos duvidar da existência
do espírito, porque também precisaríamos proceder da mesma forma em relação ao
corpo, “(...) pois é tão razoável afirmar que não há corpo porque não temos
nenhuma ideia clara e distinta da substância da matéria, como dizer que não há
espírito, posto que não temos nenhuma ideia clara e distinta da substância de
um espírito”. [73]
À luz do exposto anteriormente pode-se entender, de forma
clara, o processo de comunicação através das palavras. Como a cada uma das
substâncias que a nossa mente concebe lhe é atribuído um nome aplicável à
totalidade das ideias simples abarcadas sob tal ideia complexa, sempre que o
nosso interlocutor ouve o nome de tal substância, imediatamente o relaciona com
o conjunto das ideias simples em questão e compreende o que lhe dizemos. Isso
acontece em virtude de que “(...) qualquer (...) que seja a secreta e abstrata
natureza da substância em geral, todas as ideias que temos acerca das
diferentes e particulares classes de substâncias, não são senão diversas
combinações de ideias simples, que coexistem numa união que, embora
desconhecida, faz com que tudo subsista por si mesmo”. [74]
Anotemos, no texto que acaba de ser citado, de que forma o
autor relaciona a ideia complexa com a ideia geral de substância. [75]
Nossas ideias complexas acerca das substâncias corporais são formadas por três
classes de ideias. Primeiro, pelas ideias das qualidades primárias das coisas
(volume, forma, número situação e movimento de suas partes) que apreendemos
pelos sentidos e que, sempre, estão nelas embora não as levemos em
consideração. Segundo, as qualidades secundárias sensíveis, que dependem das
primárias e que produzem na nossa mente diversas ideias, através dos sentidos.
Terceiro, a capacidade que concebemos, em qualquer substância, para produzir ou
para sofrer alterações que nos façam mudar a ideia que tínhamos de tal
substância (isso é o que Locke chama de potência ativa ou potência passiva),
duas potências que somente se manifestam em ideias sensíveis simples. [76]
O autor aprofunda novamente na formação das ideias das
substâncias espirituais e materiais. A ideia da substância espiritual é obtida
pela reflexão sobre as operações da nossa mente, de forma tal que “(...)
juntando as ideias de pensar, de perceber, de liberdade e de potência de se
movimentar e de mover outras coisas, atingimos uma noção tão clara das ideias
imateriais, como a que temos de substâncias materiais”. [77]
A ideia destas últimas, por sua vez, é obtida ao juntar as
ideias de partes sólidas e coerentes e a da potência de ser movido, unidas à
substância, da qual certamente não temos uma ideia positiva. Tanto a ideia da
substância espiritual, como a segunda, são claras e distintas, porquanto “(...)
as ideias de pensar e de mover um corpo são ideias tão claras e distintas como
as ideias de extensão, de solidez, e de ser movido”. [78]
Só a falta de reflexão nos conduz a afirmar que existem substâncias materiais,
quando temos visto suficientemente como, a qualquer sensação de qualidades
exteriores corresponde um ato reflexivo da nossa mente. Na sensação, se a
considerarmos devidamente, “(...) [a experiência] oferece-nos uma visão igual
de ambas as partes da natureza: a corpórea e a espiritual”. [79]
As ideias primárias do corpo são a coesão das partes e o
impulso. [80]
As do espírito são o pensamento e a vontade (ou “potência de por o corpo em
movimento pelo pensamento”), bem como a liberdade, que é considerada por Locke
como consequência dessa potência. De outro lado, as ideias de existência,
duração e mobilidade são comuns tanto ao corpo quanto ao espírito.
O caminho para nos convencermos de que há substâncias sólidas
externas e substâncias pensantes é-nos franqueado pela sensação e pela
reflexão. Nas páginas anteriores vimos como a mente vai tomando conhecimento da
existência de umas e outras. A respeito desse ponto, frisa Locke: “(...) Disto
não podemos duvidar: a experiência, repito, fornece-nos, a cada momento, ideias
claras tanto de uma quanto de outra substância”. [81]
No entanto, se pretendermos aprofundar na natureza de cada uma delas, a nossa
mente perde terreno. Pois tanto a natureza do corpo quanto do espírito
permanece, para nós, igualmente desconhecida. Esse fato leva Locke a formular a
seguinte conclusão, bem característica, aliás, do seu empirismo: “(...) De onde
concluo que, provavelmente, os limites dos nossos pensamentos são as ideias
simples, que percebemos pela via da sensação e da reflexão. Limites para além
dos quais a mente, embora envide muitos esforços, não pode avançar nem um
ponto. Nem tampouco pode descobrir quando tenta esmiuçar a natureza e as causas
ocultas dessas ideias”. [82]
Mesmo a ideia que temos de Deus não escapa a esses
princípios. Efetivamente, tanto esta ideia, quanto a que nos formamos acerca
dos espíritos separados são constituídas por ideias simples que recebemos da
reflexão. É assim como, uma vez temos adquirido pela reflexão as ideias de
existência e duração, de conhecimento, de potência, de prazer, de felicidade e
de outras diferentes qualidades cuja posse constitui uma perfeição, no momento
em que queremos formar-nos a ideia de Deus, “(...) ampliamos cada uma daquelas
ideias com a ideia da infinitude. De forma que, reunindo-as, forjamos a nossa
ideia complexa de Deus. Pois que a mente tenha semelhante potência para ampliar
algumas das suas ideias recebidas da sensação ou da reflexão, é algo que já
demonstramos”. [83]
Disso resulta a ideia de Deus, que de forma nenhuma é a
expressão da sua verdadeira essência, que “(...) é simples e sem composição
alguma”, mas “(...) a ideia complexa de existência, conhecimento, potência,
felicidade, etc., infinitas e eternas”, [84]
ideias que são diferentes e até compostas de outras delas, na medida em que são
relativas. Mas é necessário destacar, diz Locke, que todas essas ideias,
constitutivas da ideia complexa de Deus, “(...) são adquiridas por nós,
originariamente, da sensação e da reflexão e (...), no seu conjunto, formam a
ideia ou noção que temos acerca de Deus”. [85]
13 – As ideias
coletivas de substâncias.
Além das ideias complexas que a mente possui, formadas a
partir da união de ideias simples, também estão presentes nela as ideias
complexas coletivas, que são chamadas assim porque “(...) são formadas por
muitas substâncias particulares consideradas, em conjunto, como unidas numa só
ideia e, (...) assim reunidas, aparecem como uma”. [86]
Tal é, por exemplo, a ideia de exército, ou “a grande ideia
coletiva de todos os corpos que é designada com o nome de mundo”. [87]
Cada uma dessas ideias é só uma, pois para que haja uma ideia basta com que
seja considerada como uma só representação, embora tenha sido formada por um
número diverso de ideias particulares. Locke destaca, claramente, a capacidade
que a mente possui para formar esse tipo de ideias complexas, “(...) em virtude
da potência que tem de compor e reunir diversamente, para formar uma só ideia,
do mesmo modo que, por essa faculdade, a mante forja as ideias complexas das
substâncias particulares, que consistem num agregado de diversas ideias
simples, unidas numa substância”. [88]
Nessa classe das ideias coletivas, frisa Locke, devemos
agrupar a maior parte das ideias que exprimem coisas artificiais ou, pelo
menos, aquelas ideias que são compostas de substâncias diferentes. A ideia de universo
é uma das que mais claro põem de manifesto a amplitude e a heterogeneidade que
pode abarcar uma ideia complexa.
14 – A relação.
Nosso entendimento possui a capacidade não só de receber
ideias – simples ou complexas - das coisas em si mesmas, mas também pode ter
outras ideias, que recebe da comparação que estabelece entre as coisas. Em
outros termos, o entendimento não está circunscrito ao limite de uma ideia, mas
pode ultrapassá-lo olhando para além dela, a fim de ver a relação que possui em
face de outra. Trata-se, portanto, de uma relação
ou de uma perspectividade, quando a
mente considera uma coisa de tal modo que “a traz para coloca-la junto de
outra, e olha para uma e para outra”. [89]
As denominações conferidas às coisas positivas que fazem
referência e que fundamentam esta perspectividade
chamam-se relativas; e às coisas que
foram referidas chamamos de relacionadas.
O autor ilustra isto com o seguinte exemplo: “(...) Quando atribuo a Cains o nome de marido, faço alusão a outra pessoa, (...) o meu pensamento vê-se
conduzido em direção a algo que está além de Cains e, desse modo, são duas as coisas abarcadas pela minha
consideração. E posto que qualquer ideia, seja simples ou complexa, pode ser
motivo para que a mente reúna desse modo as duas coisas, e, como quem diz, as
olha em conjunto, embora as continue considerando como diferentes, por isso
qualquer uma das nossas ideias pode servir de fundamento para uma relação. No
exemplo acima mencionado, o contrato e a cerimônia de casamento com Semprônia é motivo e fundamento da
denominação ou da relação de marido”. [90]
É necessário levar em consideração, diz Locke, que as ideias
de relação podem ser as mesmas para pessoas que possuem diferentes ideias
acerca das coisas relacionadas (por exemplo, pode ser muito diversa a ideia que
se tenha de homem, por parte de um
grupo de homens; no entanto, todos eles coincidem com a noção de pai, que é uma ideia adicionada à
substância, porquanto se refere unicamente a um ato exercido pelo homem, não à
totalidade da sua substância). De outro
lado, Locke anota que se pode dar uma mudança na relação, sem que o sujeito
seja afetado: (Cains deixa de ser pai
com a morte do seu filho, e continua permanecendo em si o mesmo). Ademais, o
autor adverte que não pode se dar relação senão entre duas coisas, e que todas
as coisas, pelo contrário, são capazes de relação. Destaca que as ideias das
relações são amiúdo mais claras que as dos sujeitos relacionados. O exemplo
anotado no início deste parágrafo indica isso claramente. Por último, lembra
que todas as relações, se as considerarmos até nos seus fundamentos, terminam
em ideias simples que, como foi visto, provêm sempre da sensação ou da
reflexão.
15 – Causa e efeito e
outras relações.
Obtemos a ideia de causa e efeito, frisa Locke, quando
advertimos, pelos nossos sentidos, as constantes vicissitudes das coisas, nas
quais começam a existir não só qualidades, mas também substâncias particulares,
em decorrência de uma correspondente aplicação e ação de outro ser. Assim, “(...)
Aquilo que produz qualquer ideia simples ou complexa denominamos com o nome
geral de causa; e aquilo que é
produzido, com o nome de efeito”. [91]
Quando, por exemplo, ao advertir numa substância como a cera,
que se produz uma ideia simples que antes não aparecia, como a fluidez, a
partir da aproximação de um grau determinado de calor, chamamos essa última
ideia simples (o calor) com relação à fluidez da cera, de causa desta última; e
a fluidez é tida como o efeito.
Uma vez descobertas, do modo já anotado, as noções de causa e
efeito, a mente distingue facilmente, em duas classes, as diferentes origens
das coisas: primeiro, a criação,
que se dá “quando a coisa foi feita completamente nova, de modo que nenhuma
parte dela existia antes”; [92]
segundo, a geração, fazer, ou
alteração, “quando uma coisa está composta de partículas que existiam
todas antes, mesmo quando a coisa mesma assim formada de partes preexistentes
(...) não tivesse existido com anterioridade”. [93]
Acontece a geração quando o efeito é produzido de acordo ao curso
natural das coisas “(...) em virtude de um princípio interno ativado por algum
agente exterior ou por alguma causa, de onde recebe a sua forma pelas vias não
sensíveis e que não percebemos”. [94]
Acontece o fazer se a causa é de origem externa e se o efeito é
produzido “(...) por obra de uma separação sensível, ou justaposição de partes
discerníveis”. Temos a alteração, quando o efeito é qualquer ideia simples que
não se encontrava antes no sujeito. [95]
16 - Identidade e
diversidade.
Outra oportunidade para comparar, frisa Locke, aparece quando
a mente relaciona uma coisa “como existente num tempo e lugar determinados” com
ela mesma, “enquanto existente em outro tempo”. A partir daí formamos as ideias
de identidade e de diversidade. As primeiras consistem,
efetivamente, “(...) em que as ideias que atribuímos (às coisas) não mudam em
nada com relação àquilo que eram no momento em que consideramos a sua
existência prévia, e com as quais comparamos a (coisa) presente”. [96]
Isto acontece em decorrência do fato de que nunca podemos pensar como possível
que duas coisas pertencentes à mesma espécie existam em lugar e tempo idênticos
e que, portanto, uma coisa que exista num lugar qualquer e em qualquer tempo,
exclui todas as demais de sua espécie e está “ali ela mesma sozinha”.
Por tal razão, frisa Locke, quando perguntamos se alguma
coisa é a mesma, fazemos referência a algo que existiu num lugar e num tempo
determinados e que, no instante em que perguntamos, era a mesma coisa e não
outra diversa. Disto segue-se que é impossível que uma coisa tenha dois começos
e que duas coisas tenham um único começo, já que é impossível que duas coisas
diferentes existam no mesmo tempo e lugar, ou que uma coisa ocupe, ao mesmo
tempo, lugares diferentes. Por tal razão conclui o autor: “(...) aquilo que
teve um começo é a mesma coisa e aquilo que teve, em tempo e lugar, um começo
diferente daquilo, não é o mesmo, mas diverso”. [97]
As dificuldades encontradas no terreno filosófico em relação
a precisar a ideia de identidade devem-se, frisa Locke, ao pouco cuidado e à
falta de atenção para adquirirmos noções claras e precisas das coisas às quais
se atribui a noção de identidade. Somente temos ideias de identidade acerca de
três classes de substâncias: Deus, as inteligências finitas e os corpos. A
identidade de Deus é patente e não pode haver dúvidas acerca dela, porquanto
Ele é sem começo, eterno, inalterável e está em todas partes. Quanto aos espíritos finitos, cada um teve um
lugar e um tempo determinados em que começou a existir, e em relação com esse
tempo e lugar determinará sempre a sua identidade, enquanto existir. Isso vale
também para cada partícula de matéria, a qual é a mesma, enquanto não seja
“(...) aumentada nem diminuída pela adição ou pela subtração de matéria”.
Quanto às demais coisas que são modos ou relações que terminam nas substâncias,
“(...) a identidade e a diversidade das suas existências particulares serão
determinadas também da mesma forma”. [98]
Em relação às coisas cuja existência acontece sucessivamente, não há nenhuma
dificuldade para determinar a sua identidade, posto que “(...) como cada um
perece no momento em que começa, não podem existir em tempos diferentes ou em
lugares diferentes”, [99]
(como acontece, por exemplo, no movimento ou no pensamento).
O autor analisa, a seguir, de que maneira funciona, nos seres
materiais, nos vegetais, nos animais e no homem, o princípio de identidade ou de individuação (que ele denomina, em latim, de principium individuationis). A propósito, frisa: “(...) do exposto fica claro
que o principium individuationis
consiste, evidentemente, na existência mesma que determina um ser, de qualquer
classe que for, no que diz relação a um tempo particular, a um lugar
incomunicável e a dois seres da mesma espécie”. [100]
Quanto ao funcionamento do principium individuationis nos seres materiais, Locke
explica como acontece em relação ao átomo (entendido como “um corpo continuado
dentro de superfícies imutáveis, que existe num tempo e num lugar
determinados”) [101]:
é evidente, frisa, que considerado em qualquer momento de sua existência é, no
instante em que o considerarmos, o mesmo consigo próprio, “(...) porque, sendo
o que é, nesse instante, e não outra coisa, é o mesmo e assim terá de continuar
sendo enquanto a sua existência durar, pois durante esse tempo, será o mesmo e
não outro”. [102]
De modo semelhante, no caso em que dois ou mais átomos se
unirem na mesma coisa, cada um deles será o mesmo, em virtude da regra que
acaba de ser estabelecida; e durante o tempo em que existirem unidos, a massa
resultante desses mesmos átomos deve ser, necessariamente, a mesma massa ou o
mesmo corpo, não importando a forma em que as suas partes estejam unidas. Mas
se se subtrair um daqueles átomos, ou se se adicionar um a mais, não teremos já
a mesma massa ou o mesmo corpo.
A identidade nos vegetais não vai pelo mesmo caminho
percorrido pela identidade nos seres puramente materiais, porquanto naqueles já
encontramos um princípio novo ao redor do qual a sua unidade se estrutura, ou seja,
a vida. De forma tal que “(...) o que constitui a unidade da planta (é) essa
organização de suas partes num corpo coerente que participa de uma vida comum,
(uma planta), portanto, continua sendo a mesma enquanto continuar a participar
da mesma vida, embora essa vida seja comunicada a novas partículas de matéria,
unidas vitalmente à planta viva, em virtude de uma organização semelhante
continuada, que é conveniente a essa espécie de planta”. [103]
A identidade nos animais acontece de forma semelhante. É interessante
destacar o paralelismo que Locke estabelece entre os animais e as máquinas, a
propósito da identidade de uns e outras: se levarmos em consideração que uma
máquina “é uma organização ou construção de partes dispostas adequadamente para
um certo fim, capaz de ser realizado quando se recebe o impulso de uma força
suficiente”, [104]
e se supormos que a máquina “é um corpo contínuo” cujas partes, que foram
submetidas a uma organização, podem ser reparadas e aumentam ou diminuem em
número “por uma constante adição de partes não sensíveis, numa vida comum”,
veremos uma semelhança muito grande com o corpo de um animal, com a única
diferença de que neste a estrutura organizada e o movimento – que é aquilo em
que consiste a vida – começam simultaneamente, já que o movimento procede do
interior, enquanto que nas máquinas geralmente falta este, em virtude de que a
força provém do exterior.
Quanto à identidade no homem, Locke deixa claro que não há
uma diferença muito grande com os animais, já que a mesma não consiste senão
“(...) na participação da mesma vida, continuada por partículas de matéria
constantemente fugazes, mas que, nessa sucessão, estão vitalmente unidas ao
mesmo corpo organizado”. [105]
Quem pretender explicar a identidade humana por força de um
princípio diferente da identidade dos animais, ou seja, em virtude de ser “um
corpo adequadamente organizado num instante qualquer”, terá de fazer frente a
dificuldades insolúveis. A maior de todas, consistente na hipótese de que o
princípio de identidade do homem é a alma, conduziria à afirmação de que seria
possível a um mesmo espírito individual estar unido a corpos diferentes, tendo
portanto de aceitar ideias tão absurdas como a da transmigração das almas. Essa
equivocada interpretação do princípio de identidade corresponde a um modo de
falar “(...) que terá de ser atribuído a um muito estranho uso da palavra homem, ao aplica-la a uma ideia
da qual se excluem o corpo e a forma”. [106]
Levando em consideração que, tanto no homem quanto no animal,
se dá uma unidade específica, [107]
que corresponde ao que entendemos por animal e por homem e que abarca, ao mesmo
tempo, diferentes elementos ou substâncias materiais que entram a formar parte
da vida animal ou humana, Locke conclui que “(...) Não é, portanto, a unidade
da substância aquilo que compreende toda classe de identidade, nem o que a
determina em cada caso, mas, para concebê-la e julgar bem acerca dela, é
necessário considerar que ideia é significada pela palavra à qual se aplica;
porque uma coisa é ser a mesma substância, outra coisa é ser o mesmo homem, e
outra coisa ser a mesma pessoa, se é que pessoa, homem e substância
são três nomes que significam três ideias diferentes, posto que, segundo
for a ideia pertencente ao homem, assim terá de ser a sua identidade”. [108]
No texto que acaba de ser citado, Locke introduz um novo
ponto: a identidade do homem é “outra coisa” que a identidade da pessoa. É na
análise desta distinção onde o autor mais aprofunda na sua antropologia. [109]
Comecemos com a ideia de pessoa. É claro que, para o
autor, a pessoa reside na
consciência de si próprio e que ela permanece na medida em que existir essa
consciência. Locke define com as seguintes palavras o que ele entende por pessoa: “(...) É, parece-me, um
ser pensante, inteligente, dotado de razão e de reflexão e que pode se
considerar a si próprio como o mesmo, como uma coisa pensante em diferentes
tempos e lugares; o que somente faz em virtude do seu ter consciência, que é
algo inseparável do pensamento e que, parece-me, lhe é essencial, já que é
impossível que alguém perceba sem perceber que recebe (...). Porque, como ter
consciência sempre acompanha ao pensamento, e isso é o que faz com que cada um
seja o que chama de si mesmo,
e deste modo se distingue a si próprio de todas as demais coisas pensantes,
nisso somente consiste a identidade pessoal, quer dizer, a mesmidade de um ser
racional. E até o ponto em que esse ter consciência possa se estender para
trás, a fim de compreender qualquer ação ou qualquer pensamento passados, até
esse ponto atinge a identidade dessa pessoa: é o mesmo si mesmo agora que era então; e essa ação passada foi
executada pelo mesmo si mesmo,
que é o si mesmo que reflete
agora sobre ela [a identidade] no presente”. [110]
Para Locke fica claro que a identidade pessoal reside em ter
consciência. Em outras palavras, poderíamos dizer que a análise da ideia de
pessoa, referida ao que apreendemos na experiência de nossa própria reflexão,
não oferece maior dificuldade para ser entendida. As dificuldades começam a
surgir, a meu ver, quando passamos do terreno da análise das ideias obtidas
pela reflexão, ao da natureza da substância que fundamentaria esse ser
consciente de si mesmo, essencial à pessoa. [111]
Aqui a posição de Locke é quase cética, dando a entender que não tem maior
interesse em questões desse tipo. Alicerço a minha interpretação nas respostas
que o autor dá às questões que formula, uma vez definida a sua ideia de pessoa.
Efetivamente, quando Locke pergunta se a identidade pessoal
subsiste na mudança das substâncias pensantes, responde da seguinte forma:
“[supondo que somente pensam as coisas imateriais] (...) eu digo que isso não
pode ser resolvido senão por parte daqueles que saibam que classe de
substâncias são as que efetivamente pensam, e se o ter consciência das ações passadas
pode ser transferido de uma substância pensante para outra substância pensante
(...) como [ter a mesma consciência de algo] não é senão uma representação
presente de um ato passado, falta provar por que não há de ser possível que
aquilo que realmente nunca foi, possa ser representado à mente como tendo sido.
E, portanto, será difícil que determinemos até onde o ter consciência das ações
passadas vai adscrito a algum agente individual de maneira que seja impossível
tê-la a outro, até que saibamos que classe de ação é aquela que não pode ser
feita sem que a acompanhe um ato reflexo da percepção, e que saibamos como se
produzem essa classe de ações por substâncias pensantes que não podem pensar
sem ter consciência disso. Mas como o que chamamos ter a mesma consciência de
algo não é o ato individual mesmo, vai ser muito difícil concluir da natureza
das coisas por que motivo não se pode representar uma substância intelectual,
como se fosse feito por ela, algo que não tivesse feito, mas que talvez tivesse
sido feito por algum outro agente”. [112]
Locke encerra esta questão “remetendo-nos à bondade de Deus”,
que não permitirá que isso aconteça, em virtude de que diz estreita relação à
felicidade ou à desgraça dos homens, e afirmando que o assunto ficaria obscuro,
“até que conhecêssemos, com maior claridade, a natureza das substâncias
pensantes”. [113]
Mais adiante, ao destacar que o ter consciência é o que determina que uma
pessoa seja a mesma, frisa: “(...) Se, por exemplo, eu tivesse a mesma
consciência de ter visto a arca e o dilúvio de Noé, como a que tenho de ter
presenciado uma inundação do rio Tâmisa acontecida no inverno passado, (...)
não poderia pôr mais em dúvida que eu (...) sou o mesmo si mesmo, coloque-se
esse si mesmo na substância que se quiser (...). Porque, efetivamente,
no que tange a esse assunto de ser o mesmo si mesmo, é indiferente que
esse presente si mesmo seja formado pela mesma ou por outras
substâncias”. [114]
Além disso, ao explicitar o que entende pelo “si mesmo”,
volta a deixar em segundo plano a questão da substância. A respeito, o nosso
autor frisa: “(...) O si mesmo é essa coisa pensante e consciente (sem que
interesse de que substância esteja formada, já seja espiritual, material,
simples ou composta), que é sensível ou consciente do prazer ou da dor, que é
capaz de felicidade ou desgraça e que, portanto, preocupa-se consigo mesma até
os limites atingidos por esse seu ter consciência”. [115]
Finalmente, Locke relega ao terreno do “mais provável” a
afirmação de que uma substância individual imaterial seja o fundamento da
consciência. Frisa a respeito: “(...) Concedo que a opinião mais provável é que
este ter consciência é alheio e constitui uma afecção de uma substância
individual imaterial”. [116]
Tudo isso corrobora o que Locke tinha afirmado anteriormente, que o único
verdadeiramente claro para a mente são as ideias simples provenientes da
sensação e da reflexão, e que a ideia de substância permanece, sempre, na
penumbra daquilo que não é evidente ao conhecimento humano.
Consideremos, agora, a diferença que há, para o autor, entre
a identidade do homem e a da pessoa. Como vimos anteriormente, a identidade do
homem abarca “a participação da mesma vida, continuada por partículas de
matéria constantemente fugazes, mas que, nessa sucessão, estão vitalmente
unidas ao mesmo corpo organizado”. [117]
É claro que, para Locke, “o corpo também entra na formação de um homem”. [118]
A ideia de homem está ligada à aparência. [119]
Ao contrário, a identidade da pessoa unicamente faz referência à consciência de
ser de si mesmo, sem estabelecer uma vinculação necessária com tal ou qual
substância. O homem, enquanto substância viva, é idêntico na assimilação ou na
perda de outras substanciais materiais. A pessoa aparece num campo diferente:
acontece como consciência, não importa a substância ou as substâncias em que se
manifeste. Uma e outra ideias, a meu modo de ver, fazem referência a ideias
simples diferentes. A pessoa remete-se à ideia simples da unidade de sensação
do mesmo corpo.
Destaquemos o caráter peculiar da ideia de pessoa, para John
Locke. Segundo ele, a palavra pessoa
é um termo forense. “(...) Tomo a palavra pessoa
como o nome para designar o si mesmo. Onde quer que um homem encontre aquilo
que ele chama de o seu mesmo,
outro pode dizer que se trata da mesma pessoa. É um termo forense que imputa as
ações e o seu mérito; pertence, pois, tão só aos agentes inteligentes que sejam
capazes de uma lei e de ser felizes e infelizes. Esta personalidade não se
estende, ela própria, para além da existência presente em direção ao passado,
senão pelo seu ter consciência (...). Tudo o qual está fundado em um curar-se
pela felicidade, o concomitante inevitável do ter consciência já que aquilo que
é consciente do prazer e da dor deseja que esse si mesmo, que é consciente, seja feliz”. [120]
Destaquemos que, para Locke, a procura da felicidade é um
“concomitante inevitável” da consciência. A problemática da liberdade, ligada,
a meu ver, indissoluvelmente à da felicidade, é, assim, para o empirismo
lockeano, uma problemática puramente cognoscitiva. E fica na penumbra, em última análise, “aquilo que é consciente do prazer
e da dor e que deseja” a
felicidade: de novo nos encontramos projetados, por força do arrazoado de
Locke, naquele mundo que ele conscientemente deixou na escuridão: o mundo da
substância em si, que fundamenta as funções do ter consciência e do querer.
Mundo ontológico alheio às pretensões do filósofo inglês. As suas palavras põem
de relevo essa escuridão: “Inclino-me a pensar que, ao tratar sobre este
assunto, fiz algumas suposições que parecerão estranhas a alguns leitores e,
possivelmente, sim o sejam em si mesmas. No entanto, acredito que devem ser
escusadas em vista da ignorância em que nos encontramos acerca da natureza
dessa coisa pensante que está dentro de nós, e que contemplamos como nosso si mesmo”. [121]
Conclusão
Destaquemos que um aspecto essencial ao pensamento lockeano é
constituído pela sua teoria acerca dos fundamentos da certeza. [122]
O conhecimento constitui uma percepção de conveniência ou discordância entre as
ideias, e se exprime através dos juízos. Isso não é outra coisa que a percepção
de vínculos que, segundo Locke, podem ser de três classes: de identidade, de
relação ou de coexistência. Além disso, há uma quarta classe de conveniência,
que se refere não às relações possíveis entre as mesmas ideias, mas à
correspondência que uma ideia pode ter com a realidade exterior.
Essa dinâmica interna do conhecimento que se completa no
juízo e que pressupõe, do ângulo do sujeito, alguns mecanismos que possibilitam
a percepção de nexos entre as ideias, teve influência na dedução transcendental
das Categorias por Kant na Crítica da Razão Pura. É, a meu modo
de ver, a herança cartesiana de Locke. Claro que no filósofo alemão está
presente a Perspectiva Transcendental, segundo a qual não temos acesso à coisa
em si ou substância, enquanto que em Locke ainda está pressuposta, como pano de
fundo, a Perspectiva Realista ou Transcendente, que o leva a postular a ideia
de substância, em que pese a dificuldade que o pensador inglês tinha para
enquadrar tal conceito nos rigores de uma abordagem nitidamente empirista.
Dessas dificuldades dará conta David Hume. Mas, certamente, a pressuposição de
que há, de parte do sujeito, alguns mecanismos que, presentes nele e não
provenientes da experiência exterior, lhe permitem organizar os dados da
experiência externa na atividade de julgar, é uma herança que Kant encontrou em
Locke.
Para Locke é claro que a percepção da existência é
irredutível à percepção de uma relação entre duas ideias, devido a que a
existência não é uma ideia que diga relação a alguma qualidade determinada. É a
base dos juízos “ontológicos”. De outro lado, se tratando da existência das
coisas, há várias espécies de certezas. Uma é a certeza intuitiva que provém da
reflexão do homem acerca da sua própria existência. A segunda espécie é a
certeza demonstrativa da existência de Deus. A terceira é a que se refere a uma
certeza que Locke denomina de “sensação” e que diz relação aos corpos
exteriores ao homem.
A dualidade dos juízos que separam, por uma parte, as
relações que se podem dar entre as próprias ideias e, por outra, as que dizem
relação à existência real daqueles objetos que correspondem às ideias, é
encontrada também no relacionado ao problema da verdade e da sua contraparte, a
falsidade. Há, efetivamente, duas categorias de juízos falsos. A primeira é
constituída por aqueles juízos nos quais a relação expressada pela linguagem
não corresponde à relação percebida intuitivamente entre as ideias. A segunda
caracteriza-se porque, nela, o erro não consiste em perceber mal uma relação,
mas em percebê-la entre ideias que não correspondem a nenhuma realidade.
Locke destaca que se deduzem dois tipos de disciplinas
científicas, a partir da distinção entre os dois tipos de verdade. O primeiro é
constituído pelas matemáticas e pelas ciências morais. Nestas, todo o
conhecimento deve ser absolutamente certo porque o seu conteúdo são ideias
produzidas pela própria mente humana. Aqui radica, ao nosso entender, a
fundamentação epistemológico-antropológica da filosofia política liberal
segundo Locke, para quem os princípios de organização da sociedade (os direitos
inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e às posses) são absolutamente
certos e fundados na própria natureza do indivíduo, de tal forma que são
válidos ainda antes da sua entrada em sociedade. A teoria lockeana do governo
limitado e responsável alicerçava-se nos inalienáveis direitos naturais. [123]
A certeza dos princípios morais, nos quais se fundamentam os princípios
políticos, é tão segura como a de um teorema matemático. Kant deu
prosseguimento, na sua ética, a esse filão aberto por Locke.
O segundo tipo de disciplinas científicas é o das ciências
experimentais, que integram, assim, um campo de conhecimento no qual a certeza
das ciências ideais (matemáticas e morais) não se dá. No caso das ciências experimentais, a certeza
dependeria do critério de verificação da conveniência entre as ideias que estão
na mente humana e a realidade exterior a ela.
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Garrido Pimenta). São Paulo: Martins Fontes, 2012.
LOCKE , John. Ensayo sobre el gobierno civil. (Tradução
espanhola de Amando Lázaro Ros; introdução de Luis Rodríguez Aranda). 1ª edição. Madrid: Aguilar, 1973.
LOCKE, John. Lettre sur la tolérance. (Edição
com o texto latino e a tradução inglesa. Prefácio de Raymond Klibansky;
tradução e introdução de Raymond Polin). 2ª edição. Paris: Quadrige / Presses
Universitaries de France, 1999.
LOCKE, John. Que
faire des pauvres? (Tradução francesa de Laurent Bury; apresentação de
Serge Milano). Paris: Presses Universitaires de France, 2013.
MICHAUD, Ives.
Locke.
(Tradução de Lucy Magalhães). Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
MONTEIRO, E. Jacy. “Apresentação à filosofia de John Locke”. Segundo Tratado sobre o Governo de Locke,
(tradução e apresentação de E. Jacy Monteiro), 1ª edição. São Paulo: Abril
Cultural, 1973, Coleção “Os Pensadores”.
SOVERAL, Eduardo Abranches de.
“Locke (John)”. Lógos – Enciclopédia luso-brasileira de
filosofia. Lisboa – São Paulo: Editorial Verbo, 1991, vol. 3, p.
439-440.
[1]
SOVERAL, Eduardo Abranches de. “Locke
(John)”. Lógos – Enciclopédia luso-brasileira de filosofia. Lisboa – São
Paulo: Editorial Verbo, 1991, vol. 3, p. 440.
[2]
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura.
(Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão.
Introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão). 4ª edição. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 672.
[3]
Efetivamente, já na conclusão do primeiro livro, que versa sobre as ideias
inatas, Locke tinha deixado claro que “(...) para limpar o caminho em direção
aos fundamentos que concebo como os únicos verdadeiros sobre os quais se possam
fundamentar aquelas noções que podemos ter sobre o nosso próprio conhecer, até
agora me vi obrigado a apresentar as razões que tenho para duvidar da existência
dos princípios inatos”. LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano.
(Tradução espanhola de Edmundo O’ Gorman). 1ª edição em espanhol. México: Fondo de Cultura Econónica,
1956, p. 78.
[4] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob. Cit.,
p. 83.
[5] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 84.
[6] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[7] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 87.
[8] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[9] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[10] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 88.
[11] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[12] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[13] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 89.
[14] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 90.
[15] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[16] Cf. LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg 90-95. Por se
tratar de aprofundamento em aspectos que me parecem secundários, passei ao
longo dos numerais 14 a 19 do texto do autor, nos quais continua polemizando com
a tese da perpetuidade do pensamento no homem.
[17]
LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 96.
[18] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 97.
[19] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 100.
[20] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[21] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[22]
Deixei de lado o capítulo IV do Ensaio sobre o entendimento humano
no qual Locke se refere à solidez (pgs. 101-105) por considera-lo repetitivo
das ideias até aqui expostas.
[23]
Locke tratará das ideias provenientes de diversos sentidos nos seguintes
capítulos: no XIII (“Dos modos simples. E primeiro, dos modos simples de
espaço”, pgs. 146-160), no XIV (“Da duração e dos seus modos simples”, pgs.
161-175) e no capítulo XV (“Da duração e da expansão consideradas juntas”, pgs.
176-184). Nesta síntese, no entanto, tampouco tratarei desses itens, por
considerá-los secundários na exposição do pensamento lockeano.
[24] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob.
Cit., pg. 105.
[25] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 106.
[26]
Locke trata destes temas especialmente no capítulo XI da sua obra. Cf. LOCKE, John. Ensayo
sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 132-142.
[27] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob.
Cit., pg. 106.
[28] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 108.
[29] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 109. O grifo
é de Locke.
[30] LOCKE, John. Ensayo
sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[31] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[32] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 110.
[33] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 111.
[34] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[35] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 112.
[36] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[37] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 112-113.
[38] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 113.
[39] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 114. Locke
fala, a seguir, de uma terceira classe de qualidades que poderia ser
adicionada, e que “todos admitem não serem mais do que potências”. Contudo,
essa terceira classe fica confusa, a meu ver.
[40]
LOCKE, John. Ensayo sobre el
entendimento humano. Ob. Cit., pg.
115.
[41] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[42] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 116.
[43] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 123.
[44] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 124.
[45] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 125.
[46] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 128.
[47] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 129.
[48] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[49] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[50] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[51] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 131.
[52] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 135.
[53] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 136.
[54] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[55] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 137.
[56] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[57] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 139.
[58] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 140.
[59] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 141.
[60] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 143.
[61] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[62] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 144.
[63] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[64] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[65] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 145
[66] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[67] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 276.
[68] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit.,ibid.
[69] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 277.
[70] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[71] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[72] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 278.
[73] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[74] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[75] Cf. LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., pg. 279-281.
[76] Cf. LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 282-285.
[77] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 286.
[78] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[79] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[80] Cf. LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 286-293.
[81] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 294.
[82] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[83] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. p. 296.
[84] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. p. 297.
[85] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. ibid.
[86] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 299.
[87] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., ibid.
[88] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 300.
[89] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 301.
[90] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 301-302.
[91] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 306.
[92] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 307.
[93] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., Ibid. Grifos do
autor.
[94] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob. Cit., Ibid. Grifos do autor.
[95] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob. Cit., p. 307-308. Grifos do autor.
[96] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob.
Cit., p. 311.
[97] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., Ibid.
[98] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 312.
[99] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., Ibid.
[100] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. Ibid. (Grifos do
autor).
[101] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob.
Cit. p. 313.
[102] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. Ibid.
[103] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. p. 313-314.
[104] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. p. 314.
[105] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. Ibid.
[106] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. p. 315.
[107]
Isto também poder-se-ia aplicar às plantas.
[108] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob. Cit. p. 315.
[109] O método da exposição lockeana é o seguinte: em
primeiro lugar, classifica as ideias complexas, explicitando quais são as
ideias simples subjacentes a elas. Isso faz Locke em relação às ideias de
substância, homem e pessoa para, a seguir, falar das relações entre essas
ideias complexas. O método de Locke insiste na volta à experiência sensível,
base do seu empirismo.
[110] LOCKE, John. Ensayo
sobre el entendimento humano. Ob. Cit. p. 318.
[111]
É importante, aqui, lembrar o afirmado por Locke atrás, em relação à escuridão
que implica todo aprofundamento em torno à natureza da substância. Nesse
terreno, segundo Locke, pisamos em terreno movediço.
[112]
LOCKE, John. Ensayo sobre el
entendimento humano. Ob. Cit. p.
320-321.
[113] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. p. 321.
[114] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit. p. 324. Grifos do
autor.
[115] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob. Cit. p. 325. Grifos do autor.
[116] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob.
Cit. p. 329.
[117] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 314.
[118] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 323.
[119] Cf. LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 323-324.
[120] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento humano. Ob. Cit., p. 331. Grifos do
autor.
[121] LOCKE, John. Ensayo sobre el entendimento
humano. Ob. Cit., Ibid. Grifo do autor.
[122]
Cf. a apresentação feita pela editora Abril Cultural à 1ª edição brasileira do Segundo
Tratado sobre o Governo de Locke, (tradução de E. Jacy Monteiro), São
Paulo: Abril Cultural, 1973, Coleção “Os Pensadores”.
[123]
Cf. GOMES, António Caldeira. Uma perspectiva do protoliberalismo inglês.
Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p. 348.
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