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sábado, 31 de dezembro de 2016

O BRASIL TEM JEITO (publicado no jornal O Estado de São Paulo, 31 de dezembro de 2016, pg. A2)

O ano de 2016 terminou em meio aos solavancos que o terrorismo infringiu à Europa. A assombração do "Lobo Solitário" virou força tresloucada e assassina nas ruas e avenidas das capitais europeias, no pistoleiro suicida de Ankara que matou a sangue frio o embaixador russo, no motorista do caminhão roubado que avançou sobre a multidão indefesa que fazia compras de Natal em Berlim, como já tinha acontecido no meio do ano findo em Nice, etc.

No mundo globalizado em que vivemos, o terrorismo virou parte do nosso prato natalino e de fim de ano. De uma forma ou de outra, os fatos mencionados nos afetaram. Como nos afetou, também, o drama dos civis presos e mortos no meio do fogo suicida dos terroristas, dos oposicionistas ao governo de Assad, dos russos que colaboram na "pacificação" à moda da limpeza étnica praticada por eles na Chechênia e dos comandos iranianos associados ao presidente sírio. Civis indefesos postaram as suas últimas palavras nas redes sociais, que as divulgaram aos quatro cantos do Planeta, desde as casas e apartamentos bombardeados indiscriminadamente em Aleppo. É o terror que chega, em vivo e em direto, à nossa sala de jantar.

Nesse triste contexto de destruição e morte, o que pensar do nosso Brasil neste início de ano? Vamos convir que é difícil ser otimista no contexto macabro que acabo de descrever e que é reforçado pela nossa violência silenciosa do dia a dia, que deixa nos cemitérios 60 mil assassinatos ao longo do do ano, acompanhados dos quase 50 mil brasileiros que morreram em acidentes de trânsito. Saldo negativo que deixa essa mensagem soturna de que a vida humana vale pouco.

Remando contra a maré dos fatos negativos, tentarei, no entanto, discorrer sobre as coisas positivas com as que podemos contar em 2017. Três pontos vêm à minha memória: 1 - o sucesso do agronegócio; 2 - o regular funcionamento dos poderes públicos, as reformas em curso e as eleições pacíficas de outubro; 3 - a retomada do desenvolvimento e das boas relações com os outros países. Comentarei brevemente cada um desses pontos positivos.

1 - O sucesso do agronegócio. É evidente que esse setor da economia preservou a sua vitalidade, em que pese a crise que se instalou na indústria, no comércio e nos serviços. O campo ajudará ao Brasil, também em 2017, a pagar as suas contas, com a safra recorde projetada de 213,1 milhões de toneladas (14,2% maior que a anterior). De janeiro a outubro de 2016 o agronegócio brasileiro exportou produtos pelo valor de 73,1 bilhões de dólares, sendo que o superávit obtido de 62,1 bilhões de dólares cobriu o déficit dos outros setores, tendo deixado um saldo positivo de 38,5 bilhões de dólares. Os subsídios oficiais para o agronegócio, em contrapartida, foram bem minguados, chegando a apenas 5% dos recursos disponíveis (enquanto que outros países cuidam com mais empenho da produção agropecuária, sendo que os subsídios pagos ao setor na União Europeia e na China vão de 20 a 25%  e nos Estados Unidos chegam a 12%). Confirma-se, de novo, a observação crítica do mestre Eugênio Gudin, feita em meados do século passado, no sentido de que o Brasil não olha com carinho para o agronegócio, concentrando os incentivos na produção industrial.

2 - O regular funcionamento dos poderes públicos, as reformas em curso e as eleições pacíficas de outubro. O ciclo pós-petista tem-se caracterizado pelo regular funcionamento dos poderes públicos, apesar dos confrontos entre eles, superados os surtos de estrelismo personalista com a negociação à sombra da lei. Não seria justo afirmar que um dos poderes sobrepôs-se aos outros. A operação Lava-jato, em que pese o caráter escatológico que alguns funcionários do Ministério Público ou parcelas da opinião têm tentado lhe impingir, está sendo levada adiante, com respeito às normas jurídicas e processuais. O normal funcionamento da máquina pública e dos Poderes possibilitou a realização tranquila das eleições municipais de outubro, com um claro recado aos políticos: "chega de populismo", num contexto claramente definido de opções conservadoras e de maior transparência. Apesar das dificuldades econômicas e políticas herdadas do ciclo lulopetista, o plano de reformas para impulsionar a economia vai sendo aprovado regularmente no Congresso. A baixa popularidade do presidente Temer não ameaça o prosseguimento das reformas. Esses entraves dissipar-se-ão, na medida em que as reformas que impulsionam a economia, como a do teto de gastos públicos e a reforma previdenciária se consolidarem ao longo do ano próximo. A reforma do ensino médio foi aprovada, apesar da grita das viúvas do PT e coligados. Não adianta judicializar esta última, pois o grosso da opinião pública a defende.

3 - A retomada do desenvolvimento e das boas relações com os outros países. O Ministério das Relações Exteriores, sob o acertado controle do chanceler José Serra, fez de forma eficiente as reformas necessárias para que a nossa política externa voltasse aos trilhos do bom senso que caracterizou tradicionalmente o Itamaraty. O populismo da era lulopetista é coisa do passado. O Brasil volta a ser escutado, e respeitado, no cenário internacional. Seria necessário, nesse processo de desideologização da nossa política externa, que decisões rápidas fossem tomadas, no sentido de colocar o Brasil na dinâmica da Aliança do Pacífico, que abre definitivamente a nossa economia para a nova fronteira da bacia do Pacífico, de que já participam ativamente outros países latino-americanos como Chile, Peru, México e Colômbia. O Mercosul deve ser revitalizado nesse contexto de abertura, deixadas para trás as feições populistas que o atrelaram ao atraso e ao protecionismo cego sob os governos de Lula e Dilma.

Um feliz Ano Novo para todos os amigos leitores. O Brasil tem jeito!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

RUSSOS E AMERICANOS NA PERSPECTIVA DE TOCQUEVILLE


Donald Trump ainda não assumiu a presidência dos Estados Unidos, mas a política de ataques cibernéticos ao Partido Democrata durante a campanha presidencial estadunidense ordenada, ao que parece, pelo próprio Putin, já está causando estragos nas relações entre as duas potências. 

Fiel à sua Realpolitik, Putin respondeu à expulsão de 35 diplomatas russos ordenada por Obama, destacando que não se envolveria nessa retaliação "de cozinha" do atual presidente americano. Esperar para Donald Trump assumir, para ver como se definem as relações estremecidas entre os dois países. Provavelmente haverá um período de tranquilidade, à luz das simpatias expressas de ambos os lados, tanto por parte de Putin em face de Trump, quanto de parte do novo presidente americano, que assumirá no final de janeiro, para com Czar russo.

Enquanto os dias passam e se desenha a nova linha das relações americano-russas, vale a pena recordar a forma original em que Alexis de Tocqueville encarava o futuro da política internacional entre os Estados Unidos e o país dos Czares. O escritor francês dedicou ao tema uma boa parte da Conclusão da primeira parte da sua obra Da Democracia na América (publicada em 1835), em que destacava duas coisas: de um lado, a fortaleza de ambas as Nações; de outra, o caráter absolutamente diferente da liderança constituída, no interior delas, pelos respectivos dirigentes.

Lembremos as palavras de Tocqueville: "No mundo, existem hoje dois grandes povos que, embora partindo de pontos diferentes, parecem avançar para o mesmo destino: são eles os Russos e os Anglo-Americanos. Ambos cresceram na obscuridade e enquanto  os olhares dos homens se dirigiam para outros fins, eles colocaram-se na primeira linha das nações e o mundo conheceu ao mesmo tempo o seu nascimento e a sua grandeza. Todos os outros povos parecem ter atingido aproximadamente os limites que a natureza lhes traçou, nada mais lhes restando do que mantê-los; mas aqueles estão em crescimento; todos os outros pararam ou só avançam à custa de mil esforços; só aqueles progridem com um passo  fácil e rápido por um caminho cujos limites se furtam ainda aos olhos dos homens. O Americano luta contra os obstáculos que a natureza lhe opõe; o Russo trava lutas com os homens; um combate o deserto e a barbárie; o outro, a civilização com todas as suas armas; deste modo, as conquistas do Americano fazem-se com o arado do lavrador, as do Russo com a espada do soldado. Para alcançar o seu fim, o primeiro conta com o interesse individual e deixa agir, sem as dirigir, a força e a razão dos indivíduos. O segundo,  de certo modo, concentra num só homem todo o poder da sociedade. Um tem por meio principal de ação a liberdade; o outro, a servidão. O ponto de partida de ambos é diferente, as suas vias são diversas; contudo, cada um deles parece chamado, por um destino secreto da Providência, a conservar um dia nas mãos os destinos de uma metade do Mundo" (Tocqueville, Da Democracia na América, 1a. edição, tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira; prefácio de João Carlos Espada. Lisboa: Principia - Publicações Universitárias e Científicas, 2001, pg. 462).

Palavras proféticas escritas em 1835, que se encaixam de modo admirável no diverso curso seguido pelas duas Potências, entre a primeira metade do século dezenove e o final da segunda década deste conturbado início do século XXI. 

Um detalhe demográfico interessante: na época de Tocqueville, o escritor anotava que a Rússia aparecia como a Nação cuja população mais crescia na Europa. Que fator teria incidido na diminuição que a população russa teve no século XX? Não há dúvida de que esse fator deva ser creditado na conta negativa do Comunismo, com as suas purgas e a eliminação sistemática de opositores ao totalitarismo soviético, que só na época de Stalin assassinou mais de vinte milhões de cidadãos russos!

Do lado americano, o fator mais importante a ser destacado foi a ascensão dos Estados Unidos à posição de superpotência global, no complexo fenômeno analisado por Raymond Aron na sua clássica obra intitulada: A República imperial - Os Estados Unidos no mundo (1945-1972), que foi publicada em 1974. Ora, os Americanos teceram uma política de contenção ao totalitarismo mediante a defesa da liberdade, para a qual a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi o principal elemento de dissuasão em face do mundo comunista.

No complexo mundo globalizado atual, que parece reagir contra esta feição de relativização de fronteiras e de mercados em prol do crescimento da economia mundial, o que poderíamos esperar, à luz da análise tocquevilliana? Tanto a Rússia quanto os Estados Unidos parecem voltar a insistir em características nacionais próprias, para fazer frente às dificuldades globais. 

O Mundo Globalizado progrediu enormemente, tendo incorporado ao mercado mais de 700 milhões de pessoas pelo mundo afora, ao longo dos últimos trinta anos. Mas, no rastro desse fantástico fenômeno de crescimento e de relativização de fronteiras, algo ficou do lado de fora:  tanto no contexto russo, quanto no americano, como alhures (inclusive no Brasil) ficaram de fora da festa global aqueles bolsões que não se equiparam epistemológica e tecnicamente de forma adequada para lucrarem com a globalização. 

Esses bolsões são constituídos por aquelas populações brancas, não instruídas e marginalizadas que, nos Estados Unidos, não entravam nas estatísticas dos Institutos de Pesquisas Eleitorais, mas que, de posse de instrumentos de empoderamento como os smartfones, encontraram em Trump um discurso de esperança e lhe deram a vitória de forma surpreendente.

Algo semelhante deve ter ocorrido no contexto russo, tendo sido Putin o galvanizador dessa reação. Claro que de forma diferente e de acordo às exigências do velho despotismo hidráulico, que foi concretizado e potencializado pelo antigo chefe do Serviço Secreto. O que certamente se observa é que a Pax Americana já não é mais a mesma do Segundo Pós-Guerra e a Globalização também não é mais a mesma de vinte anos atrás.

Encontramos, em 2017, um Planeta dividido em centros múltiplos de influências estratégicas confusas, em que o nosso Brasil, cindido e bagunçado pela turbulência lulopetista, tenta se situar, sem achar ainda, claramente definido, o caminho a seguir.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

VARIAÇÕES ACERCA DA DISSOLUÇÃO DOS IMPÉRIOS E DOS ESTADOS

O historiador britânico Edward Gibbon (1737-1794)

Alexis de Tocqueville (1805-1859),
 autor de Da Democracia na América 

Os Impérios,  bem como os Estados, via de regra, não morrem de fora para dentro, mas de dentro para fora. Os pensadores políticos, ao longo da história do Ocidente, sistematizaram o que poderíamos denominar de sintomatologia da queda dos poderes constituídos.

Foi Aristóteles na sua Política quem, em meados do século IV a.C., indicou a causa fundamental da queda dos regimes: Quando os que administram o Estado se preocupam mais com o próprio bem-estar do que com a coisa pública, sobrevém a corrupção daquele. 

Ora, essa causa geral da morte dos regimes pode ser particularizada historicamente em várias modalidades, que seriam como que os principais sintomas da doença. Referir-me-ei, neste comentário, aos dois principais sintomas da corrupção de Impérios e Estados na história do Ocidente.

1 - Quando esmaecem os vínculos entre as partes que os integram, o fim começa a aparecer no horizonte da história de Estados e Impérios. Foi assim com o Império Romano, como narra com seu estilo grandioso e detalhista o historiador britânico Gibbon, aquele que, em meados do século XVIII, era admirado pela Europa afora e tinha sido íntimo da mãe de Madame de Staël, a bela Suzanne Curchaud, futura esposa do banqueiro suíço Necker, o ministro da Fazenda de Luís XVI (que  poderia ter poupado a cabeça do monarca francês, caso este tivesse decidido seguir o conselho do seu Ministro, de dar o passo que os Ingleses tinham dado no final do século anterior, transformando a monarquia absoluta em constitucional).

Gibbon escreve a propósito da queda do Império Romano: "Os ferimentos mais profundos foram infligidos ao Império durante a minoridade dos filhos e netos de Teodósio; depois de terem atingido a idade viril, esses príncipes incapazes deixaram a Igreja entregue aos bispos, o Estado aos eunucos e as províncias aos bárbaros...". (E. Gibbon, Declínio e queda do Império Romano. Edição abreviada. Trad. de José Paulo Paes, São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 542).

Ora, tanto o Império Romano quanto a Monarquia Absoluta na França entraram em declínio acelerado, quando as suas elites, corruptas pelas mordomias que o poder  lhes garantia, afrouxaram os vínculos que mantinham unidas as partes dos seus domínios, privilegiando a vida mole dos palácios à sisudez dos gabinetes e à disciplina do estadista que se preocupa em ouvir o que os seus governados esperam, seguindo os conselhos dos velhos jurisconsultos e dos funcionários leais. 

No caso destes tempos duros que o Brasil vive na era pós-lulista, ao ensejo da corrupção generalizada do aparelho do Estado e das grandes empreiteiras do país, teríamos um caso semelhante de dissolução dos vínculos da unidade nacional, propiciada pelos próprios comandantes da nave estatal, Lula e Dilma. Crime generalizado que até a Justiça dos Estados Unidos denuncia e que Lula e o PT tentam ainda negar, com apoio de parte da grande imprensa, como a Folha de São Paulo que, em "pesquisa" feita sob medida pelo instituto Data Folha, comete a infantilidade de ainda atribuir a Lula a preferência do eleitorado numa eventual eleição presidencial.

Não tivessem sido retirados do poder, os petralhas teriam comprometido definitivamente a unidade nacional, com o esfacelamento das instituições republicanas, na maior onda de corrupção conhecida no mundo, nos últimos decênios.

 2 - Quando os cidadãos de um Império ou país trocam o ideal da luta em prol da liberdade, pela busca do conforto. Alexis de Tocqueville, se referindo aos Estados Unidos da América, considerava que o grande país do Norte correria esse risco, caso os seus cidadãos, em algum momento, preferissem se acomodar às delícias do progresso material e as colocassem à frente do senso da liberdade conquistada em lutas e sacrifícios, por parte das Treze Colônias originárias. 

Seria como se os Americanos abdicassem do seu DNA, aquele que caracterizou aos Pilgrim Brothers que cruzaram o Atlântico, ao longo dos séculos XVII e XVIII, buscando a liberdade nas terras por eles ocupadas na Nova Inglaterra.

Esse risco, entretanto, estaria longe do povo americano, em decorrência da forma particular em que a ideia de República se materializou entre eles, no sentir de Tocqueville. A respeito, afirma o pensador francês na sua obra principal, Da Democracia na América:  "O que se entende por República, nos Estados Unidos, é a ação lenta e tranquila que a sociedade exerce sobre si própria. É um estado regular fundado realmente na vontade esclarecida do povo. É um governo conciliador, em que as resoluções amadurecem durante muito tempo, sendo discutidas com vagar e executadas com maturidade. Nos Estados Unidos, os republicanos gostam dos costumes, respeitam as crenças e reconhecem os direitos. Professam a opinião segundo a qual um povo deve ser tanto mais respeitador da moral, religioso e moderado quanto maior for a liberdade de que disponha. Aquilo a que se chama República, nos Estados Unidos, é o reino tranquilo da maioria. A maioria, depois de ter tido tempo para se reconhecer e se dar conta da sua própria existência, é a fonte comum dos poderes". (Alexis de Tocqueville, Da democracia na América. Tradução de Carlos Correia Monteiro de Olveira, prefácio de João Carlos Espada, Lisboa: Princípia - Publicações Universitárias e Científicas, 2001, pg. 445-446).

O risco do abandono do ideal da liberdade pela busca do conforto é, entretanto, grande, segundo o pensador francês, entre os povos do Continente europeu ou os Latino-americanos, herdeiros de uma ideia oligárquica de República, segundo a qual não se trataria do tranquilo império da maioria, mas do intranquilo domínio da minoria sobre o resto. 

A respeito, frisa Tocqueville: "(...) a República não seria o reino da maioria, como se julgou até agora, mas sim o reino daqueles que melhor a representam. Não é o povo que dirige os governos deste tipo, mas aqueles que sabem o que é melhor para ele: feliz distinção, que permite agir em nome das nações sem as consultar nem pedir o seu aval e espezinhando-as" (Tocqueville, Da Democracia na América, ob. cit., pg. 446). 

Essa seria a versão de República, patrimonialista e positivista, que herdamos no Brasil e na qual lutamos para sobreviver, defendendo a escassa liberdade que ainda nos resta.

sábado, 24 de dezembro de 2016

MORAL SOCIAL E LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO


A carta do procurador do Ministério Público  Eugênio Aragão ao também procurador Deltan Dallagnol, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo (edição de 22/12/2016), deixa clara uma coisa: o missivista e ex-ministro da Justiça do segundo governo Dilma está muito incomodado com o andamento da Operação Lava Jato, que tirou a sua chefe do poder, tendo ele perdido, com o impeachment, a cadeira ministerial que ocupava no governo deposto. Ele atribui a queda da Dilma a um conluio de forças que, aglutinadas pelo Ministério Público ao redor do grupo de trabalho presidido por Deltan Dallagnol, partiram para dar um sórdido golpe contra um governo legítimo. É a surrada história golpista que os petralhas montaram para se agarrarem ao poder ou, para caso fosse destituída Dilma, infernizar a vida do governo provisório e do que, agora, em caráter definitivo, tem como missão completar o período da presidente deposta.

Velha história de ressentimentos das viúvas do PT, ornamentada com o espírito cientificista de que a tradição positivista republicana se apropriou. Até uma introdução em alemão o doutor pela Universidade de Bochum se permitiu, para exibir conhecimentos em língua desconhecida para o comum dos mortais no Brasil. Vaidades intelectuais à parte, o importante é que a senhora Dilma saiu do poder com todos os ritos legais de um impeachment efetivado à luz da legislação em vigor e com amplo direito de defesa. Que o diga o "Jardim de Infância" dos petralhas e coligados no Senado, que infernizou a vida dos seus colegas parlamentares com intervenções que visavam, apenas, tumultuar as sessões. 

O poder da Lei foi mais forte, bem como a opinião dos brasileiros que, nas várias manifestações que percorreram as cidades deste país ao longo dos últimos três anos, mostraram a sua insatisfação com o modo petista de governar e não estavam dispostos a engolir mais esse sapo de um novo período dilmista, com a economia em frangalhos, com doze milhões de desempregados e com a autoestima dos brasileiros no chão em que foi jogada pela elite lulopetralha. Motivos do impeachment: ineficiência, crime de responsabilidade com o dinheiro da Nação, práticas de corrupção continuadas e descrença dos brasileiros na capacidade de Dilma Rousseff para presidir o país.

O senhor Aragão acha que o seu desabafo cientificista vai convencer muita gente pelo mundo afora. Ledo engano. A opinião pública brasileira e, agora, a mundial, estão cada vez mais convencidas dos desmandos e crimes praticados pelo governo da Dilma e pelos dois governos de Lula. Os procuradores americanos vão pedir, com certeza, uma punição exemplar para aqueles que utilizaram a Petrobrás e outras empresas brasileiras como massa de manobra para roubar recursos públicos com obras superfaturadas no exterior, principalmente, no caso, nos Estados Unidos, com a compra forjada da refinaria em Pasadena e o conjunto de práticas deletérias que acompanhou as decisões do alto governo petista na época. Os petralhas e os seus sequazes não perdem por esperar este novo desfecho.

A questão da troca do governo não foi um golpe. A decisão esteve amparada pela legislação. Mas, no fundo de toda a questão da queda do governo petista está uma realidade cultural: a sociedade brasileira mudou, paulatinamente, o parâmetro da sua moral social, atrelada de início a um estatismo messiânico em que deixou de acreditar, para construir um novo esquema de governança, a partir de um amplo consenso dos cidadãos em torno à forma em que deveriam ser presididas as instituições republicanas. 

A queda da Dilma não foi arquitetada por Deltan Dallagnol e a equipe de jovens procuradores que o acompanharam. Não foi decisão monocrática do juiz Sérgio Moro. As novas práticas reveladas pela denominada "República de Curitiba" estão a mostrar uma tendência da sociedade brasileira: a busca de maior transparência na gestão da coisa pública.

É evidente que há conflitos entre equipes de trabalho, classes sociais, grupos de interesse, instituições, imprensa, parlamento, executivo e judiciário. É apenas humano que os haja. Mas há uma linha mestra que percorre todo o caminho do impeachment e do surgimento do novo governo: a sociedade brasileira busca mais transparência e rejeita, de forma decidida, o velho messianismo que treze anos de populismo lulopetista colocaram na ordem do dia.

As duas melhores notícias de 2016, no terreno político, foram o impeachment da Dilma e o enquadramento legal do ex-presidente Lula pela Justiça. Já são cinco processos em que o Lularápio é réu. Não adianta protestar e ranger os dentes. A Justiça brasileira continuará no seu caminho de enquadrar os criminosos de colarinho branco.

Ora, essas notícias devem ser colocadas na conta, em primeiro lugar, da vontade dos brasileiros que pressionaram a classe política, o Ministério Público e a Magistratura, para que fizessem justiça dentro da lei. Em segundo lugar, a conta pela reação benfazeja da Justiça é da Magistratura, com o Supremo Tribunal Federal à testa e, também, dos corajosos juízes de primeira instância que, sem temer críticas dos áulicos do poder, têm cumprido, a contento, com as suas obrigações previstas em lei. E a conta deve ser colocada, também, em nome dos corajosos jovens do Ministério Público e da Polícia Federal, que têm dado subsídios importantes para a ação da Justiça.

Com certeza, a nova geração de probos funcionários do Ministério Público dará continuidade aos seus trabalhos, deixando de lado o espírito de corporação e se acolhendo ao marco constitucional que vigora, no qual cabe ao Supremo Tribunal Federal a decisão em torno a conflitos  entre os Poderes Públicos. 

De forma semelhante, a sociedade brasileira espera que os membros do Congresso regatem o espírito de representação dos interesses dos cidadãos, que é a essência da sua função como congressistas. E o Poder Executivo saberá se acolher à obediência que deve à tripartição de poderes e ao respeito pela vontade popular. O Brasil é maior do que os conflitos de interesses. No ano que vem conseguiremos firmar a nossa caminhada rumo a uma democracia mais amadurecida.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

DESORDEM REPUBLICANA NUM MUNDO TUMULTUADO


Este final de ano promete tirar o sono de muita gente. Porque a História nos brindou com dois fatos que se reforçam: um cenário internacional tumultuado e um quadro interno de desordem institucional. É bem verdade que o quadro constitui uma realidade extremadamente complexa, difícil, portanto, de ser reduzida a poucas variáveis. Na tentativa de encontrar caminhos que possamos trilhar vale, pelo menos, a pena fazer uma descrição da dupla crise que nos afeta, e apontar para alguma saída factível.

O Mundo Globalizado está em crise de crescimento. Desde meados do século passado até o presente, encontramos dois grandes períodos de reviravolta socioeconômica global: em primeiro lugar, o ciclo dos chamados "trinta gloriosos anos" (1945 - 1975) em que europeus e americanos, inspirados nos princípios do keynesianismo, deram ensejo a níveis nunca vistos de "welfare state" que inspiraram momentos de desenvolvimento como o seguindo, na América Latina, pelo modelo cepalino. Ora, esse modelo, no entanto, entrou em declínio quando os atores econômicos mataram a charada das intervenções do Estado na economia para garantir o pleno emprego.

O segundo grande momento, este que estamos vivendo, foi descrito sumariamente por Pedro Malan ("Alvoroço-mundo e Brasil", O Estado de S. Paulo, 11/12/2016, p. A2) nos seguintes termos: "o rearranjo de placas tectônicas no incio dos anos 1990, após a queda do Muro de Berlin, a reunificação alemã, o colapso do império soviético, a emergência da China como potência econômica, a decisão europeia de lançar o euro e os déficits externos crescentes dos EUA, permitiu que o mundo experimentasse o que Kenneth Rogoff chamou de o mais longo, o mais intenso e o mais amplamente disseminado ciclo de expressão da história moderna, que se estendeu do início dos anos 90 até a crise de 2008-2009. Segundo o FMI, cerca de 600 milhões de pessoas se integraram à economia global como trabalhadores e consumidores urbanos entre 1990 e 2007. Desde então o mundo experimentou tanto as consequências da crise quanto das necessárias respostas a ela".

Em face dessa complicada realidade mundial vemos perplexidade, pelo mundo afora, motivada por fatos que geram mais confusão do que esclarecimento: a onda populista autóctone que varreu os Estados Unidos com a eleição de Trump, o Brexit do Reino Unido, o terrorismo islâmico, o surgimento de populismos nacionalistas, a consolidação de governos tirânicos (dos quais é um trágico exemplo o caso da Síria) e, no caso brasileiro,  o tumultuado o fim da era lulopetista e os sobressaltos institucionais do governo-pinguela de Michel Temer.

O principal fator que causa preocupações, no caso brasileiro, é a tumultuada perspectiva institucional, que parece estimular iniciativas imediatistas de alguns atores políticos, não apenas da oposição, mas também do próprio governo.

Lembremos duas coisas: em primeiro lugar, o princípio que que foi claramente posto sobre a mesa por Fernando Gabeira quando escreveu recentemente: "O nó só pode ser desatado pelas instituições" ("Para chegar a 2018", O Estado de S. Paulo, 16/12/2016, p. A2). 

É dentro dessa linha de raciocínio institucional que se situa o alerta dado por editorial do citado jornal com as seguintes palavras: "Na eventual ocorrência de abalo dos alicerces do Estado Democrático de Direito, ao Supremo Tribunal Federal, como instância máxima do Poder Judiciário, cabe o intransferível papel de mantenedor do equilíbrio entre os Poderes da República, da garantia dos direitos fundamentais e, em última análise, da paz social" ("Momentos esquisitos", O Estado de S. Paulo, 16/12/2016, p. A3).

Em segundo lugar, lembremos uma falsa saída que deve ser corajosamente excluída e reprimida com vigor: a via da desmoralização total e da destruição das instituições republicanas, hoje pregada pelo irresponsável líder da oposição, Lula, que passou, ao que parece, a considerar que a melhor forma de salvar a pele é que tudo caia no buraco. É uma pseudo-solução contrária aos interesses da Nação brasileira e que se contrapõe ao que a opinião pública tem deixado claro nas suas várias manifestações: os brasileiros queremos o enquadramento dos corruptos dentro da lei, não a destruição do Brasil. O caminho da anarquia deve ser descartado. 

A respeito, escrevia o editorialista do jornal O Estado de S. Paulo ("O dedo do PT", 16/12/2016, p. A3): "Os atos de vandalismo, travestidos de manifestações, promovidos em várias capitais com destaque para Brasília e São Paulo, contra a aprovação da emenda constitucional que estabelece limite aos gastos da União nos próximos 20 anos, a PEC do Teto, dão uma medida da irresponsabilidade dos que levaram o País a uma das piores crises da sua história e ainda querem, agora, criar todas as dificuldades para a adoção das medidas que se impõem para consertar o estrago monumental que fizeram. Tudo isso misturado ao ódio e ao ressentimento cultivados pelo PT e seus apêndices, os chamados movimentos sociais, nos anos em que estiveram no poder".

O governo de Michel Temer deve prosseguir, com serenidade e determinação, pelo caminho das reformas prometidas, sem coibir a ação da Justiça e do Ministério Público no desenvolvimento da Operação Lava-Jato e respeitando a independência dos poderes públicos. 

No que tange ao esforço de acomodação ao novo panorama internacional, com o trumpismo injetando uma forte tendência protecionista nos Estados Unidos, o Brasil deve se prevenir, buscando ampliar o leque de parceiros comerciais. Uma saída razoável seria que o governo buscasse dinamizar a vinculação do Brasil à Aliança do Pacífico, da qual já fazem parte Chile, México, Peru e Colômbia, a fim de buscar novos mercados para os nossos produtos, num cenário econômico definidamente multipolar.  

DOM PAULO EVARISTO


Foi-se embora o cardeal emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016). Ao longo dos anos que tenho passado neste pais, primeiro como estudante de pós-graduação e, depois, como professor universitário e pesquisador, tenho criticado Dom Paulo como um dos incentivadores da Teologia da Libertação, aquela variante do messianismo político que misturou religião e política, nos anos sessenta a oitenta do século passado, jogando no colo de religiões evangélicas e cultos afro-brasileiros, montes de católicos que ficaram descontentes com o clericalismo de esquerda e que não encontravam mais refúgio no seio da Igreja Católica. As missas, na São Paulo da décadas de 70 e 80, viraram assembleias sindicais. Mudei de ponto de vista em face desse fato? Não. Ainda sou crítico frontal da Teologia da Libertação.

Cumpro, no entanto, com um dever de justiça, ao lembrar o legado positivo de Dom Paulo Evaristo, em duas circunstâncias protagonizadas por pessoas ligadas ao clero e que, no seio da própria Igreja Católica, passaram a ser consideradas como "sobrantes", ou "figuras cinzentas" que não são enxergadas. Refiro-me, especificamente, ao caso de dois ex-padres, meus amigos, que em Dom Paulo encontraram um autêntico pastor de almas.

Um deles, já falecido, amigo do peito, que partiu no início deste ano que levou embora outras figuras amáveis como o poeta Ferreira Gullar, tinha por Dom Paulo uma autêntica amizade. Refiro-me a Leonardo Prota (1930-2016), com quem fundei, junto com o mestre Antônio Paim, nos anos oitenta, o Instituto de Humanidades, a partir do qual, com o incentivo constante de Leonardo, elaboramos vários cursos de humanidades para preencher a lacuna deixada, no nosso país, pela cultura positivista na área das ciências humanas.

Leonardo deixou o sacerdócio que exercia no seio de uma congregação religiosa dedicada à educação e teve dificuldades para ver aprovada, pelo Vaticano, a sua escolha. Dedicou-se à docência, tarefa na qual foi um exímio profissional até a morte. Embora não comungasse com as teses sociais de Dom Paulo, o amigo Leonardo encontrou nele a figura de um pastor que o escutou e lhe tendeu a mão, a fim de ajuda-lo a efetivar a sua desvinculação da congregação à qual pertencia. O auxílio de dom Paulo foi definitivo para que o meu amigo pudesse continuar com a sua carreira docente, sem se afastar da Igreja Católica.

Outro amigo, em Minas Gerais, teve experiência semelhante. Membro de uma tradicional ordem religiosa, pertencente à alta hierarquia da mesma e tendo-se afastado dela, passou a sobreviver, no Rio de Janeiro, prestando os seus serviços como tradutor de importante Instituto Técnico do Ministério de Indústria e Comércio. Os superiores da Ordem, a partir de contatos com dirigentes do mencionado Ministério, conseguiram que o meu amigo fosse expulso do Instituto. Ele enfrentou, então, dificuldades para pagar as contas da família. Contou-me, angustiado, a sua experiência e aconselhei-o para que entrasse em contato com Dom Paulo Evaristo, levando em consideração a experiência do Leonardo. Célere, o cardeal acolheu esse meu amigo desempregado, agilizou no Vaticano o respectivo processo e, após alguns meses, conseguiu se inserir com tranquilidade na vida civil, passando a exercer funções como docente universitário concursado.

Duas breves experiências que revelam o viés humano e pastoral de Dom Paulo Evaristo. Sob esse ângulo, o finado pastor engrandeceu a Arquidiocese de São Paulo. O seu testemunho, somado ao da irmã, a doutora Zilda Arns, já falecida, engrandece o painel de uma família brasileira que deixou bela lição de caridade cristã.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

TEMPO DE DELAÇÃO

Mimo oferecido pela Odebrecht e outras construtoras a Jacques Wagner, com a imagem do Congresso Brasileiro. Relógio Hublot custou 20 mil dólares, pagos por todos nós. (Foto: O Antagonista 11-12-2016)

E não é que a guilhotina brasileira, apelidada de "Delação Premiada", está levando inúmeros políticos ao cadafalso do Ministério Público Federal e da Magistratura? Pergunta: quantos faltam para serem delatados? 

Hoje a insegurança não vem, propriamente, da economia, embora esta se encontre bastante maltratada por tantos solavancos do Estado Patrimonial. A agitação vem, confirmando a hipótese de Mestre Eugênio Gudin, pelas mãos da intervenção da Política na Economia. A "Economia Politicamente Administrada", esse é o nosso mal. 

Podem parar as delações? Acho que é um peso morto que nos puxa para baixo, mas que deve continuar. Não adianta, como fizeram os Italianos em décadas passadas com o fim da operação "Mãos Limpas", querer lavar as mãos como Pilatos e dizer que já chega. 

O monstro aparecerá mais adiante, infernizando a vida dos nossos filhos e netos. Se não fizermos a faxina agora, deverá ser feita pelas próximas gerações, que nos amaldiçoarão pela nossa falta de coragem e patriotismo. Que a delação seja continuada. E que a Justiça encare o mostrengo da corrupção nas suas variadas manifestações.

O governo Temer, enfraquecido por tantas lambanças cometidas no empalme entre o antigo e o novo, está fazendo o que pode. Já chegará o tempo de Temer responder pelo seu passado. Não agora, que está blindado com a sua investidura presidencial. Ele pode, no entanto, se reerguer para o futuro, do baixo dos seus 10% de aprovação, se fizer o que prometeu: encarar o descalabro causado pela corrupção na economia, fazendo as reformas que prometeu.

Tempos difíceis. Mas não dá para tampar o sol com a peneira. Resta a nós, cidadãos, no lugar que ocupamos na complexa sociedade brasileira, fazermos o nosso dever de casa, cumprindo com as obrigações profissionais e familiares e tentando, na medida das nossas possibilidades, ajudar na limpeza do entulho que o Patrimonialismo de séculos deixou acumulado em frente à nossa casa.

É tempo de delação. Mas é também, tempo de coragem e de ação, que destrave as engrenagens de uma sociedade que, ao longo do recente ciclo populista, foi falsamente lubrificada com o azeite da corrupção. 

O que está sendo delatado mostra como o mal se generalizou até paralisar a máquina pública e fazer quebrar a economia do país. Tempos duros. Mas, se fizermos hoje o dever de casa, uma nova etapa, desanuviada, poderá clarear sobre o Brasil das próximas gerações. Que Deus nos ajude!

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

NAVEGAR É PRECISO EM MEIO ÀS TURBULÊNCIAS

Este escriba com o seu filho, na passeata de domingo 4 de dezembro.

De novo, o horizonte incerto. No entanto, as passeatas de domingo deixaram clara uma coisa: a sociedade brasileira está farta das práticas patrimonialistas. Saí, com a família, para a caminhada de protesto em Londrina. A concentração foi no bairro onde moro. Muita gente. A alegria cívica de  praxe. O foco dos protestos: "Renan Fora" e "Apoiamos Sérgio Moro e a Lava jato". Havia também, em menor quantidade, cartazes de apoio às dez medidas propostas pelo Ministério Público. Uma minoria pregava a intervenção militar.

O importante do fato é que a sociedade brasileira provou, mais uma vez, que está alerta. Não deixará de graça às forças do atraso, a volta por cima no controle do Estado. A manutenção da Operação Lava Jato é essencial ao saneamento da vida pública!

Nas semanas que antecederam houve movimentos de algumas figuras ligadas à defesa da manutenção das práticas patrimonialistas. O que mais ressaltou nisso tudo, foi o "esforço concentrado" das presidências da Câmara e do Senado, no sentido de intimidar Magistrados e Promotores, a fim de ver naufragar a operação de saneamento da gestão pública. 

Ora, as 10 medidas propostas pelo Ministério Público, é evidente que precisavam ser discutidas na Câmara e no Senado. Embora fossem propostas de origem popular, para terem força de lei precisavam passar pelo debate e a aprovação parlamentar. É o que manda a lei. Ninguém pretende que o Brasil passe a ser administrado em assembléia popular. Isso é parte da "democracia dos antigos", como diria Benjamin Constant de Rebecque. As propostas de origem popular devem passar pelo Congresso para se verem institucionalizadas, se forem aprovadas pelos parlamentares nas duas casas. A Democracia Representativa é a essência do nosso Legislativo. Não pode ser deixada de lado.

Se isso é assim, é evidente que algumas modificações deveriam sofrer as 10 medidas propostas pelos Procuradores do Ministério Público. Não se trata, de forma alguma, de um "decreto lei". É uma proposta que tem força, porquanto foi acolhida por mais de 2 milhões de assinantes. Eu assinei a proposta porque me parecia uma forma de dar força à sociedade, num momento decisivo da vida republicana, ao ensejo do impeachment da presidente Dilma. Mas eu esperava que a proposta seria objeto de debate e aperfeiçoamento no Congresso.

Ocorreu que, em cada uma das Casas Legislativas, houve quem pretendeu, ao ensejo da discussão das 10 medidas propostas, deformar o conjunto das reivindicações, a tal ponto que se transformasse em instrumento de intimidação do Judiciário, a fim de barrar definitivamente a Operação Lava Jato. Contra isso me manifestei neste blog, identificando os presidentes das Casas Legislativas e os seus prepostos como "ratos de porão" que trabalham na calada da noite, a fim de destruir o que foi construído pela opinião pública e pelo debate parlamentar honesto. 

Achei razoável o texto que terminou sendo aprovado, em primeira instância, pela Câmara dos Deputados. Mas achei um atentado contra a vontade popular e um desrespeito ao Legislativo, a manobra executada de madrugada, visando a, mediante destaques sordidamente inseridos no texto legal, desmontar a capacidade de investigação da Operação Lava Jato, com o auxílio de artifícios que colocavam os Magistrados e os Procuradores em posição de risco perante a sociedade. A finalidade era a mesma: manter os privilégios de que deitaram mão com avidez parlamentares corruptos. 

A rapidez com que o presidente do Senado deu curso à discussão, por parte desta casa legislativa, ao texto deformado proveniente da Câmara dos Deputados, foi uma prova de que o senador Calheiros busca, apenas, mediante subterfúgios habilidosamente costurados, impedir a acolhida da vontade popular por parte do Congresso. Isso não pode acontecer!

Contra essa chantagem a sociedade se manifestou, pelo país afora, no passado domingo. Felizmente o Senado reagiu em tempo para evitar essa manobra. Haverá um compasso de espera para que um novo texto, próximo ao que foi aprovado em primeira instância pela Câmara, volte a ser colocado sobre a mesa. São as idas e vindas da nau Brasil nas águas tormentosas provenientes das velhas práticas patrimonialistas.

Isso não significa, no entanto, que os brasileiros desconheçamos o esforço que o Legislativo continua fazendo, movido pela pressão da sociedade, para efetivar a aprovação das medidas para saneamento da economia, que estão sendo votadas e aprovadas, felizmente, nas duas casas do Congresso.

A luta continua. O governo Temer deverá seguir adiante nas reformas que estão sendo implementadas. Temos agora a votação da Reforma da Previdência, que é essencial à manutenção da saúde econômica do Estado. Esperamos que a mudança na presidência do Senado, se confirmada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, não retarde a tramitação e a aprovação das medidas em curso.

Ao ensejo destas idas e vindas da nau do Estado neste mar revolto pelo fim de um ciclo e o começo de outro, na intermitente regência do atual governo, recordo as palavras que escreveu Tocqueville nas suas Lembranças de 1848, quando ele, parlamentar comprometido com a defesa da liberdade, se via às voltas com o mar revolto dos interesses egoístas em confronto: "(...) É sobretudo em tempos de revolução que as menores instituições do direito - e mais: os próprios objetos exteriores - adquirem a máxima importância, ao recordar ao espírito do povo a ideia de lei; pois é principalmente em meio à anarquia e ao abalo universais que se sente a necessidade de apego, por um momento, ao menor simulacro de tradição ou aos laivos de autoridade, para salvar o que resta de uma Constituição semidestruída ou para acabar de fazê-la desaparecer completamente (...)". 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O FILHO DO MEDO (Percival Puggina)


Amigos, reproduzo, na íntegra, o artigo do jornalista gaúcho Percival Puggina que desenha, de forma clara, o panorama do Congresso brasileiro, dominado pela defesa insustentável de interesses particulares dos próprios congressistas, que terminaram esquecendo a essência do Poder Legislativo: representar e defender os interesses dos cidadãos. É o mal do Patrimonialismo infernizando a vida da Nação! Tudo na contramão do que deve ser a política, como expressão da vontade popular.


          No último dia 30, naquele horário em que se apagam luzes e televisores e se intensifica a atividade dos cabarés, saqueadores do Brasil transformaram um pacote de medidas contra a corrupção no oposto daquilo para o que foi concebido. Aves de rapina! Fizeram de um colibri algo à sua imagem e semelhança.
          É fácil entendê-los. Quatro perguntas ao leitor destas linhas ajudam a esclarecer tudo. Você, leitor, tem medo da Lava Jato, do juiz Sérgio Moro, de passar uma temporada em Curitiba? Você está preocupado com a delação da Odebrecht? Não? Pois é. Eles sim. Eu os vi esganiçados aos microfones naquela sessão da Câmara dos Deputados. Destilavam ódio e vingança. Comportavam-se como membros da Camorra, da Cosa Nostra, da Máfia italiana. Sua conduta e seus discursos faziam lembrar animais encurralados. O pacote pró-corrupção foi um apavorado filho do medo.
          Não é diferente a situação no poder vizinho. Mal raiara o sol, na manhã daquele mesmo dia, Renan Calheiros já cobrava a urgente remessa da encomenda para o protocolo do Senado. Queria votar tudo em regime de urgência e agasalhar-se com o mesmo cobertor legislativo. Aprovado em modo simbólico, o pacote só não foi adiante porque alguém cobrou que o voto fosse nominal. Nominal? Imediatamente abaixaram-se os braços e o plenário optou pela rejeição. Ouvido, Renan, o hipócrita,  afirmou que a decisão fora muito boa e que a matéria não tinha, realmente, urgência.
          Após o impeachment da presidente Dilma, esse foi, certamente, o episódio político de maior consequência para o futuro do Brasil. Ele noticiou à opinião pública dois fatos que, antes, seria impossível conhecer em toda extensão:
·       A Orcrim, que constitui, no Congresso, verdadeira e atuante Frente Parlamentar do Crime, tem ampla maioria da Câmara dos Deputados, onde aprova o que quer;
·       Os mesmos deputados, que tanto clamam contra os "vazamentos" de informações que os comprometem, vazaram a si mesmos, tornando conhecido seu desejo pessoal de conter as investigações, atacar os investigadores, acabar com as colaborações premiadas, preservar anéis e dedos. Entregaram-se, todos, ao juízo dos eleitores para o tribunal das urnas de 2018. 
     Agora podemos dizer a suas excelências que sabemos quem são e estamos vendo o que fazem. Agir assim numa crise como a que enfrentamos? Convenhamos. Depois da crise, vem o caos. E ninguém sabe o que há depois do caos. A Venezuela ainda não nos mostrou. 
          Escrevo este artigo durante as manifestações populares deste domingo 4 de dezembro. Enquanto escrevo, os poderes de Estado, em suas poltronas, assistem a manifestação do Brasil cuja indignação não é postiça nem indigna. Os cidadãos que lotam avenidas e praças em verde e amarelo, falando com seus cartazes e alto-falantes, são, em seu conjunto, a voz do dono. São a manifestação visível e audível da soberania popular.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


domingo, 4 de dezembro de 2016

MEDELLÍN E A TRAGÉDIA CHAPECOENSE


Comovedora homenagem dos torcedores em Medellín, 30 de novembro
O público brasileiro ficou emocionado ao presenciar a bela homenagem prestada pelos cidadãos de Medellín à equipe chapecoense vítima do brutal acidente de aviação que, no dia 27 de Novembro, no voo da empresa Lamia, entre Santa Cruz de la Sierra e Medellín, terminou vitimando a maior parte da equipe chapecoense, bem como duas dezenas de jornalistas brasileiros, além dos funcionários do clube e a comissão técnica da equipe.

Essa bela homenagem foi espontânea. Qual foi a força que mobilizou mais de cinquenta mil pessoas para que, do fundo do coração, rendessem homenagem tão singela e autêntica, capaz de comover milhões de pessoas que assistiram pela TV, no Brasil e pelo mundo afora, ao ato no estádio Atanásio Girardot de Medellín? Qual foi o motivo que levou ao próprio governo colombiano a se somar à homenagem prestada aos mortos, fazendo com que as aeronaves da Força Aérea Brasileira que transportavam os caixões para o Brasil, fossem belamente escoltadas por aviões da Força Aérea Colombiana, desenhando nos céus de Medellín as cores da bandeira do clube chapecoense?

As razões para esse clima de compaixão coletiva devem ser buscadas na história que as cidades colombianas, particularmente Medellín, viveram ao longo dos últimos trinta anos. Nesse período, a Colômbia sofreu duas guerras: a do narcotráfico e a das FARC. Que o ambiente que se vivia na Colômbia era de violência generalizada não resta dúvida e disso dão testemunho os seriados "El Patrón del Mal" e "Narcos", que contam a história de Pablo Escobar e do Cartel de Medellín, com as suas guerras contra o Cartel de Cali e contra o Estado colombiano. Seriados anteriores como o famoso "Rodrigo D" de Victor Gaviria, premiado em Cannes, já davam conta desse clima de violência que afetava a todos e que parecia não ter fim.

Digamos, de entrada, que a Colômbia escolheu a paz, como destaco no meu livro publicado há algum tempo com o título de: Da guerra à pacificação: a escolha colombiana (Campinas: Vide Editorial, 2010, 165 p.). Mas essa busca não foi apenas um objetivo traçado pelo presidente Alvaro Uribe Vélez em 2002, quando assumiu o poder num país devastado pela guerra interna. Foi também uma opção dos cidadãos, cansados já de tanta violência. O caminho pelo qual enveredaram as cidades colombianas, Medellín à testa, foi o da educação cidadã. Graças a essa opção, complementada com o firme combate, por parte do Estado, aos grupos violentos, foi possível desmontar os cartéis da droga e dominar os guerrilheiros, de forma a que se submetessem às regras do jogo democrático e assinassem a paz, como acabam de fazê-lo os guerrilheiros das FARC.

No contexto da luta contra os traficantes e a guerrilha, Medellín optou pela educação cidadã. Essa opção tinha sido iniciada, nos anos 90, nas pequenas cidades do interior, a partir dos núcleos urbanos administrados por indígenas. 

Segundo a herança deixada pelo Direito Filipino, na América espanhola os aborígenes tiveram a possibilidade de, nas regiões onde predominavam os seus agrupamentos, eleger os governantes locais (prefeitos, vereadores e, a partir da Constituição de 1990, os seus senadores e deputados). 

Ora, foi a partir dos assentamentos indígenas onde as FARC começaram a encontrar resistência cívica não violenta contra as suas arremetidas para impor o "clientelismo armado", após bombardear, pela noite, com grosseiros morteiros que disparavam botijões de gás cheios de dinamite e pregos, a cidade a ser submetida. Na manhã do dia seguinte, com os prédios públicos em ruínas, os cidadãos eram reunidos na praça central, a fim de que identificassem o prefeito e os vereadores, para que assinassem com os meliantes um "contrato" de segurança, lhes passando 10% do orçamento municipal a título de "imposto de segurança". Quem não fizesse isso seria simplesmente eliminado. Foram numerosos os prefeitos e vereadores fuzilados em praça pública pelos guerrilheiros, ao se oporem às injustas pretensões. 

Os indígenas, nos seus povoados, quando foram assim abordados pelos guerrilheiros, após a noite de bombardeio, sentavam em silêncio, todos vestidos de branco, na praça da cidadezinha. Os guerrilheiros ficaram literalmente paralisados. Não sabiam o que fazer. Terminavam por sair da pequena cidade. Essa resistência pacífica à la Gandhi contaminou beneficamente as outras cidades colombianas. Medellín copiou o exemplo.

O prefeito metropolitano que, segundo a reforma constitucional de 1993 passou a ser o chefe das forças de segurança, definia quais os lugares mais violentos da cidade. Ali se tornariam presentes a polícia, e, se necessário, as forças especiais do exército, para eliminarem os focos armados. 120 dias após a intervenção das forças da ordem, o prefeito entregava à comunidade, no lugar onde antes imperavam os foras-da-lei, um belo Parque-Biblioteca com os seguintes serviços: escola municipal totalmente equipada, campos de esporte, posto médico, delegacia policial, agência bancária. Tudo disposto ao redor da Biblioteca Pública. 

Finalidade da ação cívica: mostrar aos cidadãos que o Estado existe, representado na cidade pela Prefeitura e que as instituições vieram para ficar e para defender os cidadãos nos seus direitos básicos à vida, à liberdade, às posses. Todas as obras foram bancadas mediante parcerias-publico-privadas entre a Prefeitura e os empresários locais. Lição fundamental desse liberalismo telúrico de que os colombianos, notadamente os "antioqueños" (habitantes do Departamento de Antioquia) são tão ciosos e que se representam a si mesmos como "o povo que não agacha a cabeça".

Ao longo da primeira década deste milênio foram completadas ações desse tipo ao longo da cidade, nos lugares mais deprimidos social e economicamente e que tinham virado refúgio da guerrilha ou dos narcotraficantes. A cidade foi, assim, pacificada. As taxas de violência, que eram as maiores do mundo, ao longo das décadas de 80 e 90 do século passado, com 300 homicídios por cem mil habitantes, despencaram rapidamente, beirando hoje o nível dos 10 homicídios por cem mil habitantes. E nasceu, entre os habitantes de Medellín, o sentimento cívico de morarem na cidade "mais educada". 

Efetivamente, o slogan colou: "Medellín, la más educada" virou cartão de apresentação da cidade perante o mundo. Hoje, Medellín se orgulha de ser uma cidade vitrine onde se apresenta a solução cívica da conquista da paz pela educação, como mensagem aberta ao mundo. Medellín já virou referência internacional de "soluções criativas" para a conquista da paz e do convívio humano de qualidade. São inúmeros os prêmios internacionais que a cidade recebe anualmente. 

Os habitantes de Medellín já se acostumaram a participar do movimento cívico "Como Vamos", integrado por empresários, universitários, cidadãos comuns, sindicatos e associações profissionais, reunidos ao redor da Câmara de Comércio. Mensalmente, o comitê executivo do movimento estuda a situação do município nos seguintes itens:

Educação,
Saúde, 
Saneamento Básico,
Habitação, 
Meio Ambiente, 
Áreas Públicas, 
Transporte Viário,
Responsabilidade Cidadã,
Segurança Cidadã,
Gestão Pública,
Finanças Públicas,
Desenvolvimento Econômico.

O maior jornal da cidade, El Colombiano, publica mensalmente os resultados da pesquisa, que se tornaram diretriz para o Prefeito. As eleições passaram a privilegiar aqueles candidatos que melhor respondessem, com os seus programas, às expectativas do movimento cívico "Como Vamos", garantindo-assim, nas gestões vindouras, a continuidade administrativa, sem levar em consideração coloração político-partidária.

Essa é a origem do surgimento e preservação da atitude cívica da compaixão, que os habitantes de Medellín mostraram perante o mundo com a sua atitude em face das vítimas da tragédia chapecoense, passando a se apresentar ao mundo como parceiros da dor dos amigos brasileiros. 

Belo exemplo de educação para a cidadania, que renovou a qualidade de vida de uma das cidades mais castigadas pela violência no mundo contemporâneo. Bela lição de esperança para nós, brasileiros, que nos sentimos ludibriados hoje por uma classe política que não olha para os nossos interesses legítimos, preferindo partir para a defesa unilateral dos seus privilégios. A conclusão que salta à vista é esta: se os habitantes de Medellín conseguiram melhorar a sua condição de cidadãos, nós também podemos fazer a mesma coisa, nas nossas cidades castigadas pela violência e a corrupção desenfreadas!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

RATOS DE PORÃO


Não me refiro à banda de  Crossover Trash dos anos 80, bastante boa por sinal. Refiro-me aos parlamentares, que decidiram fazer da legislação em que devem trabalhar, terreno arável para as suas maracutaias. São autênticos "ratos de porão". Trabalham na calada da noite. Enganam os outros, notadamente os eleitores, que lhes confiaram a sagrada missão de representá-los na defesa dos seus interesses. Para isso foram eleitos. Traíram, portanto, a fé pública. É incompreensível que em face da preocupação cidadã com a corrupção, tenha sido essa, exatamente, a área em que os ditos cujos fraquejaram. Quão longe se situam os nossos congressistas da convicção fundamental de Locke, expressa no seu Ensaio sobre o Governo Civil, de que o mais importante poder, no corpo político, é o Legislativo, porque nele tomam assento os representantes dos cidadãos...

Os presidentes das duas Casas Legislativas não estiveram à altura do cargo para o qual foram eleitos. Ora, fizeram das propostas de combate à corrupção que tramitam na Câmara e no Senado, apenas desculpa para praticarem o indefensável: a manutenção das vantagens para os corruptos e a formulação soturna de ameaças contra a Magistratura e o Ministério Público, as duas instâncias que, ao longo dos últimos anos, têm dado combate sem trégua contra a corrupção de políticos, empresários e funcionários públicos a eles aliados.

Claro que os indigitados  podem alegar que trabalharam para garantir a governabilidade. Reuniram-se com essa finalidade, segundo alegam, no dia 27 de Outubro, com o Presidente Temer. Ora,bolas, não somos assim tão ingênuos. O trio, que algum articulista batizou de "Os três patetas da República", apareceu junto para passar a ideia de que não há crise republicana. Os chefes dos poderes Executivo e Legislativo garantiram isso! Mas a crise está mais viva do que nunca.

O Presidente Temer, abdicando da missão que poderia levá-lo às alturas de estadista (se tivesse vestido realmente a camisa da defesa dos interesses da sociedade civil), terminou fazendo o que, corriqueiramente na história republicana dos últimos 30 anos, fez o PMDB com perfeição macunaímica: negociar, atrás dos panos, vantagens para manter, o quanto possível, o velho status quo do patrimonialismo rasteiro, da negociação nas sombras, da construção de um cômodo "centrão" para, atrás dele, abrigar os antigos companheiros de caminhada. Ora, sejamos sinceros, não era isso o que justamente queria a sociedade desmontar quando Dilma foi enxotada do Planalto? 

Desenha-se no horizonte da caminhada hodierna do Brasil, uma repetição trágica dos erros cometidos pelo partido majoritário em face das exigências históricas da Nação. Assim como na Constituinte foi bloqueada no seio do MDB a trilha que conduziria à consolidação da verdadeira representação, com a adoção do voto distrital, hoje essa espúria negociação de vantagens clientelísticas fecha o caminho para que a sociedade realmente passe a controlar o Estado, não para continuar a ser controlada por ele.

Claro que há congressistas honestos, nessa maré medonha de clientelismos tacanhos. Mas, infelizmente, é uma minoria. A política continuará a sua caminhada rumo à aprovação, a toque de caixa, da agenda das reformas de controle do gasto público. Ponto positivo. Mas, sem manter a caminhada principal, rumo à moralização da política, perde-se o gás para maiores conquistas. E fica comprometido, nas suas raízes axiológicas e institucionais, o saneamento da economia. Porque a falta de claridade nas reformas políticas e o esvaziamento da Lava-Jato conduzem, de forma inequívoca, ao aumento da sensação de desconfiança, que comprometerá as políticas econômicas. 

Frisava a respeito, aliás, o economista Carlos Alberto Sardenberg: "Enquanto tiver ministros e líderes parlamentares mais preocupados em salvar a própria pele - ou o próprio apartamento - a expectativa em relação à condução da economia fica prejudicada" ("Em busca de outro Itamar", O Globo, 01/12/2016).

E, por falar em Itamar, como seria bom se Temer se aproximasse do finado ex-presidente que substituiu Collor após o impeachment. O problema é que o atual Presidente tem compromissos fisiológicos demais com um partido fisiológico demais... Já Itamar, o temperamental, ficou livre para escolher os seus colaboradores, sendo que, após vários acertos e erros, escolheu corretamente o seu Ministro da Fazenda, Fernando Henrique, tendo aberto assim a porta para o Plano Real que saneou, de forma duradoura, as nossas finanças públicas.

Como diria hoje Paulo Francis (magnificamente dublado pelo meu amigo Paulo Briguet na sua coluna na Folha de Londrina): "Saudades da Shirley"!