Não me refiro à banda de Crossover Trash dos anos 80, bastante boa por sinal. Refiro-me aos parlamentares, que decidiram fazer da legislação em que devem trabalhar, terreno arável para as suas maracutaias. São autênticos "ratos de porão". Trabalham na calada da noite. Enganam os outros, notadamente os eleitores, que lhes confiaram a sagrada missão de representá-los na defesa dos seus interesses. Para isso foram eleitos. Traíram, portanto, a fé pública. É incompreensível que em face da preocupação cidadã com a corrupção, tenha sido essa, exatamente, a área em que os ditos cujos fraquejaram. Quão longe se situam os nossos congressistas da convicção fundamental de Locke, expressa no seu Ensaio sobre o Governo Civil, de que o mais importante poder, no corpo político, é o Legislativo, porque nele tomam assento os representantes dos cidadãos...
Os presidentes das duas Casas Legislativas não estiveram à altura do cargo para o qual foram eleitos. Ora, fizeram das propostas de combate à corrupção que tramitam na Câmara e no Senado, apenas desculpa para praticarem o indefensável: a manutenção das vantagens para os corruptos e a formulação soturna de ameaças contra a Magistratura e o Ministério Público, as duas instâncias que, ao longo dos últimos anos, têm dado combate sem trégua contra a corrupção de políticos, empresários e funcionários públicos a eles aliados.
Claro que os indigitados podem alegar que trabalharam para garantir a governabilidade. Reuniram-se com essa finalidade, segundo alegam, no dia 27 de Outubro, com o Presidente Temer. Ora,bolas, não somos assim tão ingênuos. O trio, que algum articulista batizou de "Os três patetas da República", apareceu junto para passar a ideia de que não há crise republicana. Os chefes dos poderes Executivo e Legislativo garantiram isso! Mas a crise está mais viva do que nunca.
O Presidente Temer, abdicando da missão que poderia levá-lo às alturas de estadista (se tivesse vestido realmente a camisa da defesa dos interesses da sociedade civil), terminou fazendo o que, corriqueiramente na história republicana dos últimos 30 anos, fez o PMDB com perfeição macunaímica: negociar, atrás dos panos, vantagens para manter, o quanto possível, o velho status quo do patrimonialismo rasteiro, da negociação nas sombras, da construção de um cômodo "centrão" para, atrás dele, abrigar os antigos companheiros de caminhada. Ora, sejamos sinceros, não era isso o que justamente queria a sociedade desmontar quando Dilma foi enxotada do Planalto?
Desenha-se no horizonte da caminhada hodierna do Brasil, uma repetição trágica dos erros cometidos pelo partido majoritário em face das exigências históricas da Nação. Assim como na Constituinte foi bloqueada no seio do MDB a trilha que conduziria à consolidação da verdadeira representação, com a adoção do voto distrital, hoje essa espúria negociação de vantagens clientelísticas fecha o caminho para que a sociedade realmente passe a controlar o Estado, não para continuar a ser controlada por ele.
Claro que há congressistas honestos, nessa maré medonha de clientelismos tacanhos. Mas, infelizmente, é uma minoria. A política continuará a sua caminhada rumo à aprovação, a toque de caixa, da agenda das reformas de controle do gasto público. Ponto positivo. Mas, sem manter a caminhada principal, rumo à moralização da política, perde-se o gás para maiores conquistas. E fica comprometido, nas suas raízes axiológicas e institucionais, o saneamento da economia. Porque a falta de claridade nas reformas políticas e o esvaziamento da Lava-Jato conduzem, de forma inequívoca, ao aumento da sensação de desconfiança, que comprometerá as políticas econômicas.
Frisava a respeito, aliás, o economista Carlos Alberto Sardenberg: "Enquanto tiver ministros e líderes parlamentares mais preocupados em salvar a própria pele - ou o próprio apartamento - a expectativa em relação à condução da economia fica prejudicada" ("Em busca de outro Itamar", O Globo, 01/12/2016).
E, por falar em Itamar, como seria bom se Temer se aproximasse do finado ex-presidente que substituiu Collor após o impeachment. O problema é que o atual Presidente tem compromissos fisiológicos demais com um partido fisiológico demais... Já Itamar, o temperamental, ficou livre para escolher os seus colaboradores, sendo que, após vários acertos e erros, escolheu corretamente o seu Ministro da Fazenda, Fernando Henrique, tendo aberto assim a porta para o Plano Real que saneou, de forma duradoura, as nossas finanças públicas.
Como diria hoje Paulo Francis (magnificamente dublado pelo meu amigo Paulo Briguet na sua coluna na Folha de Londrina): "Saudades da Shirley"!
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