Dois pontos desenvolverei neste comentário: I – Os fatos revelados na delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht e dos executivos da empresa. II - Uma breve reflexão sociopolítica sobre os fatos delatados.
I - Os Fatos Delatados.
A divulgação das
delações de Emílio e Marcelo Odebrecht, pai e filho, colocou em ritmo
alucinante a circulação de informações e de expectativas em face do episódio. Trata-se
de um processo muito extenso, cujos anexos, que incluem os resumos do que cada
delator se compromete a revelar, chegam a 300. Ao ensejo da delação ora
encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, como frisava o juiz Sérgio Moro, “pela
extensão da colaboração haverá turbulência grande. Espero que o Brasil
sobreviva”.
As revelações
feitas por Emílio e Marcelo Odebrecht e por 75 executivos da empreiteira
(que tiveram o apoio jurídico de mais de
400 advogados das 20 maiores bancas do Brasil), referem-se a mais de 40
deputados federais, mais de 20 senadores, além de 13 governadores. Convém fazer,
em primeiro lugar, uma breve síntese dos fatos revelados e de algumas
circunstâncias que os acompanharam, como por exemplo as que se referem aos
ganhos da empreiteira durante a era petista.
Nos seguintes 16 pontos
poder-se-ia resumir os fatos revelados pela imprensa das delações capitaneadas
por Emílio e Marcelo Odebrecht, complementando uma lista que amigos gaúchos
organizaram com os aspectos mais destacados:
1 - Enriquecimento miraculoso da
empreiteira Odebrecht ao longo da última década, ensejando a admiração dos
empresários por Lula. O faturamento da empresa passou de 30 bilhões de
reais (em 2007) para 125 bilhões (em 2015). Justamente esse enriquecimento se
deu na proporção em que a empreiteira virou a principal colaboradora de Lula e
Dilma na construção de grandes obras. E paralelamente ao enriquecimento pessoal
de Lula e dos seus colaboradores do PT e dos dirigentes partidários da base
aliada, o clientelismo corrupto internacional passou a fazer parte das
políticas lulistas. Lula atuou para liberar gordos empréstimos para a Odebrecht
em vários países do mundo, especialmente em Angola, Cuba e Venezuela. Em
retribuição por tantos benefícios, Emílio Odebrecht confessou não apenas que
gosta de Lula, como mostrou sua admiração: “É uma das pessoas mais intuitivas
que já conheci”. Talvez isso explique o porquê apostar nele antes mesmo de
chegar à Presidência da República.
2 - Longevidade da estrutura patrimonial do
Estado, abarcando o período da Nova República. É o que afirma o patriarca
do clã Odebrecht na sua delação. "O
que nós temos no Brasil – frisava ele - não é um negócio de cinco anos, dez
anos atrás. Nós estamos falando de 30 anos atrás. Tudo o que está acontecendo
agora era um negócio institucionalizado, era uma coisa normal. Em função de
todos esses números de partidos (...). Eles brigavam era pelo quê? Por cargos?
Não, todo mundo sabia que não. Era por orçamentos gordos. Os partidos, então,
colocavam seus mandatários com a finalidade de arrecadar recursos para o
partido, para os políticos. E isso é há 30 anos. O que me surpreende é quando
eu vejo todos esses poderes, a imprensa, tudo... como se isso fosse uma
surpresa. Olhe, me incomoda isso. Não exime em nada a nossa responsabilidade, a
nossa benevolência (...). Nós praticamente passamos a olhar isso com
normalidade. Porque, em 30 anos, é difícil as coisas não passarem a ser
normais...".
3 - A Engenharia da Corrupção, causa da Corrupção da Engenharia. A
propósito, afirmava Emílio Odebrecht na sua delação: "Não existe concorrência real e efetiva,
não existe concorrência baseada em produtividade (...)”. E frisa também: "A
gente não fazia muita engenharia, não. Nos Estados Unidos, você faz engenharia.
Aqui, não. Aqui nós iniciamos uma obra com o projeto, mas sem dinheiro",
acrescentou Emilio. O representante da Procuradoria Geral da República chegou a
interromper o delator para dizer que "sempre há um momento para
começar". Emilio Odebrecht, então, elogiou "os procuradores
jovens", mas afirmou não perdoar "a omissão dos mais velhos (...). Todos
deveriam fazer uma lavagem de roupa em suas casas". Felizmente, para a
Odebrecht, essas delações ocorreram após a empresa ter aumentado fantasticamente
o seu faturamento, entre 2007 e 2015, como foi mostrado no item 1.
4
- Clientelismo de fornecedores ou concorrência
das empresas por favores do Estado, não pela eficiência na elaboração e
realização de projetos. Conta O Antagonista acerca da delação:
“Emílio Odebrecht e Henrique Valladares, na sua delação à Procuradoria Geral da
República, contaram que Dilma Rousseff favoreceu a Tractebel-Suez, na licitação
da Hidrelétrica de Jirau. A empresa doou 1 milhão de reais para a campanha de
Dilma em 2010 e 800 mil reais em 2014. Emílio e Henrique recorreram a Lula para
tentar reverter o favorecimento à Tractebel-Suez”.
5
- Prática generalizada de caixa 2 nas
doações da Odebrecht para campanhas eleitorais, que o PT racionalizou na figura
do ex-ministro da Fazenda Palocci, mas que a empreiteira manteve numa zona de
indefinição para se proteger do assédio dos vários candidatos e partidos. Gabriel
Paiva, da Agência O Globo, frisa que em um dos depoimentos de seu processo de
delação premiada, o ex-presidente do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, conta
que o PT foi o primeiro partido a centralizar o processo de arrecadação de
verbas junto à empresa na figura do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci.
Marcelo narra os problemas das doações via caixa dois e estima que 3/4 de todas
as campanhas do Brasil eram irrigadas dessa forma. O empresário diz que o
instituto do caixa dois gerava um círculo vicioso sobre o qual ninguém tinha
controle, pois era impossível rastrear quanto desse dinheiro ia realmente para
campanha eleitoral e quanto ia para outros caminhos. “Esse era um problema que
a gente tinha no Brasil todo, se criava um círculo vicioso. Eu estimo que três
quartos (75%) das campanhas do Brasil eram de caixa dois”, afirmou Marcelo
Odebrecht aos procuradores no Paraná. Apesar dos problemas relacionados ao
caixa dois, Marcelo Odebrecht admite que essa também era uma forma de a empresa
se resguardar do apetite de outros candidatos. Pois se o total doado para um
fosse revelado, outro procuraria a empresa querendo o mesmo ou até mais. Essa
lógica foi explicada pelo empreiteiro no capítulo em que ele fala das doações
de R$ 2 milhões ao então candidato ao governo do Acre, Tião Viana (PT). Desse
total, só R$ 500 mil foram declarados à Justiça Eleitoral. O restante foi por
caixa dois. Segundo ele, quem negociou com Marcelo foi o irmão de Tião, o
senador Jorge Viana (PT-AC).
6 - Fim da narrativa do PT de que
a Operação Lava-Jato é uma perseguição ao partido. Apesar do fato de que o
PT é o partido com mais políticos envolvidos, a delação atinge em cheio também
o PSDB, o terceiro em políticos citados. O PMDB vem logo em segundo lugar, o
que é perfeitamente compreensível, uma vez que foi sócio do PT nos 13 anos de
poder. Em valores, o PT teria recebido, segundo as delações, R$ 204,9 milhões,
o PMDB, R$ 111,7 e o PSDB R$ 52,2. Segundo a delação de Emílio e de Marcelo
Odebrecht, Dilma estava implicada nos desvios de dinheiro público ocorridos na
Petrobrás. Não só ela como também a presidente da Petrobrás, Graça Foster,
sabia dos repasses da Petrobrás ao PT e ao PMDB.
7 - Esvaziamento da pregação de
Lula de que ele é “a alma mais honesta do mundo”, sendo que ele próprio esteve à
testa da magna empresa de “engenharia da corrupção”. Lula, realmente, como
as delações confirmam, não pediu “cinco centavos” segundo ele costuma dizer em
seus comícios. Pediu milhões! Segundo Marcelo Odebrecht, Lula tinha uma conta
no setor de propinas da Odebrecht. O saldo dessa conta era de R$ 40 milhões, de
onde eram descontadas as suas “demandas”. Ainda segundo Marcelo Odebrecht, as
contas correntes de Lula, Antônio Palocci e Guido Mantega foram abastecidas com
a propina da Medida Provisória 470 e da linha de crédito do BNDES. As duas
negociatas foram comandadas por Lula. A corrupção sempre foi uma prática das
empresas e, no governo do PT, ela foi institucionalizada com percentuais
definidos, intermediários e até contas no setor de propinas da Odebrecht. Os
depoimentos confirmam as delações de vários antecessores, inclusive do ex-líder
do PT, Delcídio do Amaral. Quando se
tornou presidente da República, Lula cumpriu a promessa de entregar o setor
petroquímico para Emílio Odebrecht. Essa operação se deu através da Braskem,
que também faz parte do grupo Odebrecht. Lula assinou a Medida Provisória que
evitou que a Braskem pagasse R$ 2 bilhões em impostos, favorecendo, dessa
forma, os interesses de Emílio Odebrecht e da sua empresa. Romero Jucá, o
“estancador da sangria” segundo o PT desde o impeachment de Dilma, teve
participação importante na relatoria da Medida Provisória que beneficiou a
Braskem. Muitos esquecem, mas ele já foi também líder do governo do PT,
profundo conhecedor de tudo que está sendo delatado. Pedro Novis contou como
foram os acertos entre Lula e Emílio Odebrecht assim que chegasse ao poder, bem
como as contrapartidas oferecidas à empreiteira.
8 - Lula, contumaz amigo das “zelites”.
Segundo Emílio Odebrecht, sua amizade com Lula começou muito antes de chegar à
presidência, tendo financiado inclusive suas campanhas derrotadas. Daí o
apelido “Amigo” nas planilhas de propinas. Para Marcelo Odebrecht, Lula era “o
amigo de meu pai”. Emílio Odebrecht ajudou a redigir a famosa Carta aos Brasileiros. Esse documento corrigia o desvio socialista
da Carta do Recife, com a qual Lula certamente
não se elegeria. No novo documento, Lula se comprometia a manter a política
econômica de FHC e a abandonar os delírios de oposição radical, que agora tenta
ressuscitar com a sua nova narrativa de perseguido político.
9 - Identificação de Lula como
pelego “dedo-duro” dos seus concorrentes na liderança sindical. Isso é corroborado
pela afirmação que já tinha sido feita pelo delegado Tuma Jr. em seu livro
intitulado Assassinato de reputações: um
crime de Estado (publicado em 2013 pela editora Topbooks do Rio de Janeiro).
Nele, Tuminha identifica Lula como um dedo duro que entregou diversos
“companheiros” já nos remotos tempos do período militar. Lula, como líder
sindical, não passava de um pelego. Segundo a delação de Emílio Odebrecht, ele
era frequentemente convocado para controlar greves na Bahia, a fim de favorecer
os interesses da empresa.
10 - Dinheiro da corrupção para
eleger Lula e Dilma. A Odebrecht pagou propina no exterior tanto para as
campanhas de Lula como para a de Dilma, inclusive usando os marqueteiros João
Santana, Mônica Moura e Duda Mendonça. Em 2002, a Odebrecht deu 20 milhões de
reais a Lula. Desse total, de acordo com Pedro Novis, apenas 50 mil reais foram
declarados pela campanha. O resto foi pago por fora, em espécie, ou depositado
no exterior.
11 - Dinheiro envergonhado da
corrupção para financiar as posses e o bem-estar de Lula e família. A
reforma do sítio de Atibaia, que Lula nega ser dele, foi ideia da esposa de
Lula para celebrar o término do segundo mandato do petista. Apesar de a
falecida dona Marisa Letícia ter dito que seria uma surpresa para Lula, ele
estava muito ciente das reformas que estavam sendo feitas no sítio, segundo
Emílio Odebrecht. Ele chegou a esta conclusão numa conversa que teve com Lula
no penúltimo dia do seu mandato. Apesar da amizade com Lula, Emílio Odebrecht
evitava aparecer em público ao seu lado. Como exemplo, ele cita o aniversário
de Lula no final do segundo mandato, quando incumbiu seu emissário Alexandrino
Alencar de representa-lo. Naquela oportunidade, dona Marisa Letícia teria
falado, pela primeira vez, sobre a reforma do sítio. Emílio Odebrecht, ao que parece,
tinha vergonha do dinheiro corrupto repassado pela sua organização ao chefete
petista.
12 - Clientelismo político-empresarial.
Emílio Odebrecht, em suas conversas com Lula, “pedia” a Lula para que este
“pedisse” ao pessoal do Meio Ambiente, a fim de que maneirassem nas exigências
de licenças e para que o BNDES não atrasasse os empréstimos. Marcelo Odebrecht
conta que se desentendeu com Lula pelo menos em dois projetos com os que não
concordava: a Arena Corinthians e a exigência de conteúdo nacional que Dilma
impôs no caso dos navios sondas. Marcelo Odebrecht conta que teve de falar com
o pai, uma vez que Lula estava recorrendo diretamente a ele, desrespeitando-o
como presidente do grupo. Dilma interferiu diretamente na Caixa Econômica Federal
para liberação de recursos destinados à Arena Corinthians. O clientelismo entre
Lula e a empreiteira tinha, claro, mão dupla. Emílio Odebrecht revelou como
atuou diretamente com Dilma para aprovar a Medida Provisória da Leniência, a
fim de mudar a legislação e facilitar um acordo entre as empresas envolvidas na
Lava Jato e o Ministério Público. Houve retribuição da Odebrecht ao chefão Lula
pelos seus “serviços”. Alexandrino
Alencar confirmou as suspeitas de que os pagamentos de US$ 200 mil por cada
palestra de Lula, foram um meio de compensar a ajuda do petista à Odebrecht
durante seus dois mandatos. De outro lado, a Odebrecht “ajudou” vários veículos
de comunicação. No exemplo mais concreto, Marcelo Odebrecht citou o caso da
revista Carta Capital, por
“solicitação” de Guido Mantega, uma vez que a revista era parceira do PT.
13 - “Goela muito aberta” de Lula
e do seu pessoal. Emílio Odebrecht conta que chegou a reclamar com Lula
para que controlasse o ímpeto de seu pessoal nos pedidos de dinheiro. Segundo Emílio, "eles estavam com a goela muito aberta". Mas a
goela gulosa era também do chefete, visto que Lula não só atuou em prol do seu
grupo político, como também em benefício próprio, dos seus familiares e do
Instituto Lula. Os delatores relatam as intervenções de Lula em prol dos seus
filhos, do seu sobrinho Taiguara Rodrigues, e do seu irmão, Frei Chico. Além da
reforma do sítio de Atibaia, a Odebrecht comprou móveis, pagou “palestras” e o
terreno para a instalação do Instituto Lula. O irmão de Lula, Frei Chico,
codinome “Metralha”, passou a receber uma mesada que, posteriormente, foi
aumentada para R$ 5 mil por solicitação de Lula. Frei Chico é considerando um
dos responsáveis pela entrada de Lula na vida política. Emílio Odebrecht
detalhou o apoio do grupo a Luís Cláudio Lula da Silva, o filho mais novo de
Lula, a pedido do ex-presidente que se comprometeu, em contrapartida, a melhorar
a relação da empresa com Dilma, abalada por divergências.
14 - Aparelhamento corrupto dos
Ministérios pela Presidência da República na era Lula, desvios corruptos do
“poste” e desmonte criminoso da segurança oficial para garantir o conforto da
quadrilha. Em obediência a Lula, Paulo Bernardo cobrou da Odebrecht uma
propina de 40 milhões de dólares, por uma linha de crédito de 1 bilhão de reais
no BNDES. Marcelo Odebrecht disse à Procuradoria Geral da República que a
empreiteira não costumava apoiar campanhas municipais, mas Guido Mantega fez
“um pedido especial” para que ajudasse a eleger Fernando Haddad prefeito de São
Paulo. Emílio Odebrecht conta que reclamou ao Lula que Dilma favoreceu a
Tractebel-Suez na licitação da Hidrelétrica de Jirau. A empresa foi doadora da
campanha de Dilma em 2010 e 2014. À semelhança do ocorrido na era petista com a
vigilância no Palácio do Planalto, que teve as câmeras de segurança desligadas,
Marcelo Odebrecht conta que o ministro da Economia Guido Mantega despachava sem
câmeras na sede paulista do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.
15 - Respingos da corrupção no
PMDB e na oposição a Lula. Até agora, já se sabe
que a Odebrecht delatou nomes como Michel Temer, o senador Romero Jucá
(PMDB-RR), líder do seu governo, o ex-ministro José Serra, chanceler, e o
presidente do PSDB, Aécio Neves (PSDB-MG); Temer foi acusado de pedir R$ 11
milhões no Jaburu, Jucá de receber R$ 22 milhões, Serra de levar uma doação de
R$ 23 milhões na Suíça e Aécio de ser pago pela Odebrecht, numa triangulação
que envolve também seu marqueteiro. Sobre a campanha de 2014, Marcelo Odebrecht diz que as contribuições a
Aécio Neves não tiveram contrapartida. No segundo turno, a empresa negou R$ 15
milhões do novo pedido ao candidato. Pedro Novis, em sua delação, ao relatar o pagamento
de caixa dois a José Serra disse: “O Serra sempre foi uma expectativa frustrada
pelas derrotas nas eleições. E frustrada pela falta de retribuição”. Michel Temer é suspeito de ter pedido, quando ainda era
vice-presidente e candidato com Dilma a um novo mandato, R$ 10 milhões a
Marcelo Odebrecht para o PMDB. Segundo revelou a imprensa, delatores afirmam
que o dinheiro foi entregue em espécie ao atual ministro da Casa Civil, Eliseu
Padilha. José Serra, suspeito de ter recebido R$ 23 milhões em caixa dois no exterior para sua campanha ao Planalto em
2010, em que perdeu para Dilma. Segundo a revista Veja, as menções aos dois pré-candidatos do PSDB à
Presidência da República, José Serra e Geraldo Alckmin, ainda são vagas, mas
podem complicar a vida deles caso o acordo de delação seja homologado. Conforme
a revista, há suspeita de que o governador paulista recebeu doação de campanha
em troca de obras tocadas pela empreiteira no Rodoanel. Detalhes do dinheiro
repassado ao senador mineiro são mais vagos, de acordo com a publicação.
16 - Tamanho volumoso do grupo de
corruptos e novos reptos para a Magistratura. Segundo a repórter Carolina
Brígido do jornal O Globo, depois do impacto inicial provocado pela
abertura de 76 novos inquéritos na Lava-Jato, de conteúdo tão volumoso quanto
explosivo, quatro ministros do Supremo Tribunal Federal ouvidos pelo jornal
avaliam que a corte não tem estrutura para lidar com a enxurrada de processos
criminais que se seguirão. Para dois desses ministros, existe um risco real de
prescrição de boa parte dos casos, o que poderia significar o arquivamento de
processos antes mesmo de serem julgados. As regras de prescrição estão
expressas no Código Penal. Por
exemplo: quem responde a inquérito apenas por caixa dois, cuja pena é de até
cinco anos de prisão, pode ser beneficiado pela prescrição, 12 anos depois do
fato. Esse prazo seria reduzido à metade se o investigado tiver mais de 70
anos.
A
avaliação entre ministros do tribunal é a de que o relator da Lava-Jato,
ministro Edson Fachin, vai precisar conduzir os inquéritos com muita rapidez,
para evitar atrasos. A tendência em processos criminais é a defesa tentar
tumultuar as investigações para ganhar mais tempo. Um dos pedidos típicos de
advogados é o interrogatório de testemunhas irrelevantes para a elucidação dos
fatos. Ao relator cabe negar ou conceder essas providências, avaliando sempre
se são ou não necessárias para instruir os processos. A condução do relator é
fundamental para definir em que ritmo os processos vão andar. “A persistir o
quadro, é imprevisível o tempo para instruir-se e julgar tantos casos, disse o
ministro Marco Aurélio Mello”. A abertura dos inquéritos é apenas o início de
um longo percurso no STF. Se for seguido o padrão observado no mensalão, as
primeiras punições referentes a eventuais condenações dos inquéritos abertos só
serão vistas daqui a oito anos, em 2025.
II – Breve reflexão sociopolítica sobre
os fatos delatados.
O
conjunto de fatos sintetizados no item anterior deve ser visto sob a ótica da
sociologia do patrimonialismo, se quisermos enxergar um roteiro do caminho a
seguir. Ora, não é difícil destacar o que de novo se apresenta, por sobre a
narrativa tradicional da dinâmica patrimonialista, à luz das análises pioneiras
de Max Weber e Karl Wittfogel, bem como das aplicações que da sociologia
weberiana fazem ao caso brasileiro Raimundo Faoro e das ulteriores abordagens
de Antônio Paim, Simon Schwartzman, Meira Penna, Roberto Campos e este analista,
e também levando em consideração os marcos teóricos apresentados por Oliveira
Vianna em Instituições Políticas Brasileiras e Populações Meridionais do Brasil.
A
novidade hodierna ensejada pelas revelações da Operação Lava Jato consiste no
caráter eminentemente empresarial de que são revestidas as práticas
patrimonialistas, confundindo num único bojo os processos modernizadores
ensejados pelo Estado moderno e pela empresa capitalista: Lula e o PT
conseguiram erguer sólida estrutura burocrática chefiada pelo Executivo
corrupto e abastecida com o dinheiro desviado de obras públicas, mediante as
empresas estatais colocadas a serviço do monopólio lulopetista. O cerne podre
dessa realidade consiste na causalidade final que a dinamiza: engordar o bolso
dos políticos e dos empresários cooptados por Lula, que se eternizariam no
poder numa acintosa hegemonia que empobreceria tragicamente o resto da
sociedade brasileira, numa tresloucada aplicação do princípio macunaímico que
Lula praticou com desfaçatez nunca vista, de “privatização de lucros e
socialização de prejuízos”.
Se
alguma réstia de virtude restou em todo esse processo de assalto continuado aos
brasileiros, poder-se-ia dizer que Lula e a sua gangue acharam que tudo podiam,
porque tudo faziam “em nome dos pobres”. Paupérrima justificativa, diga-se de
passagem, que torna ainda mais repulsivas as práticas efetivadas, como se a
resultante de tanta podridão pudesse ser a virtude, parodiando o título de
obrinha que se tornou famosa na Colômbia dos anos vinte do século passado, da
lavra do pensador nietszcheano José María Vargas Vila que se intitulava: Flor
da lama (Flor del fango).
Novos tempos se abrirão no horizonte brasileiro se a sociedade conseguir ordenar os fatos que se acumulam como gotas de chuva caídas a esmo, à luz da já tradicional análise weberiana que possibilitou a interpretação da nossa história social como formatada ao redor do Estado patrimonial. Não há dúvida de que o Brasil possui, hoje, intelectuais de peso que farão essa análise interpretativa, destacando as ações que devem ser implementadas para desmontar a perversa máquina de apropriação do bem público como se fosse patrimônio de família.
Beleza! parabéns!
ResponderExcluirMAM