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domingo, 28 de maio de 2017

BOLÍVAR SEGUNDO MARX


Karl Marx (1818-1883) não gostava de Simón Bolívar (1783-1830). Deixou isso claro no verbete que escreveu sobre o Libertador das cinco nações sul-americanas (Colômbia, Venezuela, Peru, Equador e Bolívia). Charles Dana (1819-1897), diretor do New York Daily Tribune, contratou o pensador alemão, que tinha passado a residir em Londres a partir de 1843, para que redigisse alguns artigos sobre história militar, bem como biografias e outros assuntos, a fim de publica-los na The New American Cyclopaedia, que Dana vinha preparando. O texto de Marx apareceu publicado, em 1858, no volume III da mencionada obra, com o seguinte título: "Bolívar y Ponte".

Marx dividiu as matérias para a Cyclopaedia com o amigo e colaborador Friedrich Engels (1820-1895), que desde 1840  tinha passado a residir temporariamente na Inglaterra, primeiro em Manchester e depois em Londres. Na distribuição dos temas, coube a Marx redigir a entrada correspondente a Simón Bolívar. O pensador alemão alicerçou-se, para o seu trabalho, em limitada bibliografia por ele consultada na British Library e que menciona no final do artigo. Estas são as fontes consultadas: DUCOUDRAY-HOLSTEIN, General e VIOLLET Alphonse, Histoire de Bolívar, Paris, 1831. MILLER John, General, Memoires in the service of the Republic of Peru. HIPPISLEY, Coronel, Account of his Journey to the Orinoco, Londres, 1819.

Consultei a seguinte edição do ensaio de Marx, publicado em português com o título: Simón Bolívar por Karl Marx (introdução de  José Aricó; epílogo de Marcos Roitman Rosenmann e Sara Martínez Cuadrado; tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Martins, 2008, coleção Dialética, 76 p.). Os meus amigos Antônio Paim e Arsênio Corrêa, do Instituto de Humanidades, presentearam-me com essa obra e a eles dedico o presente comentário.

O acervo da British Library apresentava, na época de Marx, alentada lista de obras sobre o Libertador, que certamente teria dado embasamento a uma apresentação bem mais equilibrada sobre o pensamento e a obra de Bolívar. Marx simplesmente despachou o tema com uma consulta a bibliografia secundária, de forma muito diferente a como agiu em face de outros temas trabalhados por ele na Enciclopédia organizada por Dana e na imprensa, notadamente no New York Daily Telegraph. Convenhamos que a bibliografia existente sobre Bolívar na Inglaterra de então era bem mais rica. O autor não caprichou na escolha das suas fontes.

Dividirei a minha exposição em dois itens: 1 - A apresentação negativa de Bolívar por Marx. 2 - As razões da visão negativa de Marx acerca de Bolívar. 

1 - A apresentação negativa de Bolívar por Marx.

Basta dar uma olhada ao texto escrito por Marx para que fique clara a visão negativa deste sobre o Libertador das cinco nações sul-americanas. Num ensaio curto, de apenas 24 laudas, o autor se refere de forma negativa a Bolívar, a fim de caracteriza-lo apenas como o "Napoleão das retiradas". Os seus triunfos militares não foram mérito próprio. Decorreram ora de circunstâncias alheias como a presença de inúmeros oficiais e soldados estrangeiros, ora da pusilanimidade que de forma instantânea se apossou dos espanhóis em momentos decisivos, ora simplesmente da imprevisível força do destino. Mas nada que possa ser atribuído às virtudes militares do Libertador Simón Bolívar.

Acompanhemos o relato de Marx acerca das "retiradas" do seu biografado.  Logo no começo do ensaio, ao traçar um quadro biográfico do início da vida pública do Libertador e de informar que ele formava parte das "famílias mantuanas" que "constituíam a nobreza crioula da Venezuela", o escritor destaca o fato de Bolívar ter viajado cedo para a Europa, com a idade de quatorze anos, tendo residido na Espanha e na França, concretamente em Paris. O jovem aristocrata, conta Marx, casou em 1802, em Madri, tendo retornado rapidamente à Venezuela onde a sua jovem esposa faleceu de febre amarela. Depois disso, Bolívar visitou a Europa pela segunda vez, tendo estado presente, em Paris, na coroação de Napoleão Bonaparte como Imperador dos Franceses, em 1804. Bolívar presenciou, também, na Itália, a assunção, por Napoleão, da coroa de ferro da Lombardia, no ano seguinte. Não conta nada acerca da viagem que Bolívar realizou em companhia do seu jovem mestre Simón Rodríguez (1769-1854), um rousseauniano de tempo completo, a várias outras cidades italianas, nem menciona o juramento que o jovem fidalgo fez no Monte Sacro, em Roma, no sentido de libertar as nações sul-americanas do jugo espanhol.

De regresso à Venezuela, conta Marx, Bolívar rejeitou a proposta do seu primo, José Félix Ribas (1775-1815), para que se incorporasse à revolução nascente contra a dominação espanhola, tendo preferido aceitar uma missão diplomática em Londres, com a finalidade de comprar armas e buscar o apoio do governo britânico para a causa sul-americana. Bolívar somente conseguiu dos Ingleses, segundo a narrativa de Marx, a "liberdade de exportar armas em troca de dinheiro vivo". De volta à Venezuela, o general Francisco de Miranda (1750-1816), comandante das forças insurgentes, o convenceu para que aceitasse o posto de tenente-coronel do estado-maior, sendo destinado para o comando da estratégica fortaleza de Puerto Cabello.

Como comandante militar dessa importante praça, Bolívar revelou-se um irresponsável traidor da causa venezuelana. Conta Marx no seu relato: "Quando os prisioneiros de guerra espanhóis, que Miranda costumava confinar na fortaleza de Puerto Cabello, conseguiram dominar de surpresa os guardas e tomar a cidadela, Bolívar, apesar de os prisioneiros estarem desarmados, ao passo que ele dispunha de uma guarnição numerosa e uma grande quantidade de munição, partiu precipitadamente durante a noite com oito de seus oficiais, sem informar seus próprios soldados (...) e se recolheu  à sua propriedade de São Mateus. Ao tomar conhecimento da fuga do seu comandante, a guarnição retirou-se ordeiramente do local, que foi ocupado de imediato pelos espanhóis comandados pelo general Monteverde. Esse acontecimento fez a balança pender em favor da Espanha e obrigou Miranda, sob as ordens do Congresso, a assinar o Tratado de La Victoria, em 26 de julho de 1812, devolvendo a Venezuela ao controle espanhol" (p. 34). Não contente com a sua covarde fuga, Bolívar aprisionou Miranda e o entregou aos espanhóis que o trancafiaram numa masmorra em Cádiz, onde o comandante das forças venezuelanas veio a falecer meses depois.

Como prêmio pela sua traição, Bolívar recebeu das autoridades espanholas o passaporte para sair da Venezuela. O general Monteverde declarou: "A solicitação do coronel Bolívar deve ser atendida, como recompensa pelos serviços que ele prestou ao rei da Espanha ao lhe entregar Miranda" (p. 35). Os triunfos dos exércitos venezuelanos contra os espanhóis são explicados por Marx a partir de dois fatores: a crueldade destes para com os nativos e a covardia dos oficiais ibéricos que fugiam quando o confronto se apresentava. A propósito, escreve Marx: "Quanto mais avançavam, maiores se tornavam seus recursos, pois os excessos cruéis dos espanhóis funcionaram em toda parte como sargentos recrutadores do exército dos independentes. A capacidade de resistência dos espanhóis se desarticulou, em parte pelo fato de três quartos de seu exército comporem-se de nativos, que passavam para as fileiras opostas a cada encontro, e em parte pela covardia de generais como Tízcar, Cajigal e Fierro, que a qualquer oportunidade abandonavam suas tropas" (p. 36). Nada de grande planejamento da parte de Bolívar e muito menos de heroicos esforços do Libertador para manter em alto o moral das tropas. As circunstâncias, não os homens, venciam as batalhas em favor dos venezuelanos!

Bolívar, no entanto, segundo Marx, era atuante numa frente: os desfiles rodeado de belas damas. Eis como relata a entrada triunfal do Libertador em Caracas em fins de 1813: "Bolívar foi então homenageado com uma entrada apoteótica. De pé sobre um carro triunfal, puxado por doze jovens vestidas de branco e enfeitadas com as cores nacionais, todas escolhidas entre as melhores famílias de Caracas, Bolívar, com a cabeça descoberta e uniforme de gala, agitando um pequeno bastão, foi conduzido por cerca de meia hora, desde a entrada da cidade até sua residência. Proclamando-se 'Ditador e Libertador das Províncias Ocidentais da Venezuela' (...) criou a 'Ordem do Libertador', formou uma tropa de elite que denominou de sua guarda pessoal e se cercou da pompa própria de uma corte. Entretanto, como a maioria de seus compatriotas, ele era avesso a qualquer esforço prolongado, e sua ditadura não tardou em degenerar numa anarquia militar, na qual os assuntos mais importantes eram deixados nas mãos de favoritos, que arruinavam as finanças públicas e depois recorriam a meios odiosos para reorganizá-las (...) (p. 37).

Tendo recebido o general Bolívar, em 1814, da assembléia popular de Caracas a incumbência de, à frente do poder na Venezuela, negociar com os neo-granadinos a unificação de forças para melhor enfrentar os espanhóis, o "Napoleão das retiradas" perpetrou mais uma. Junto com os seus oficiais, fugiu para a Ilha Margarida e dali passou a Cartagena de Índias, não com a finalidade de negociar a unificação de forças com os neo-granadinos, mas para perpetrar um golpe contra as autoridades locais. Assim registra Marx essa nova aventura do seu biografado: "Se Ribas, Páez e outros generais houvessem acompanhado os ditadores em fuga, tudo se haveria perdido. Tratados como desertores (...) na Ilha Margarita, zarparam (...) para Cartagena. Ali, para coonestar a sua fuga, divulgaram um manifesto justificatório, redigido numa fraseologia pomposa" (p. 39).

Depois que essa tentativa foi frustrada, felizmente, por parte dos habitantes de Cartagena, "A Heroica", Marx conta que Bolívar dirigiu-se para a cidade de Tunja, no centro do país, onde estava reunido o Congresso da República Federal da Nova Granada. Apesar das aventuras golpistas, Bolívar foi incumbido por esse Congresso de submeter a província rebelde de Cundinamarca e, depois, marchar para o porto de Santa Marta, o único que ainda conservavam os espanhóis. Apesar de as autoridades regionais revoltadas terem sido submetidas mediante a toma de Bogotá por Bolívar, ele permitiu aos seus soldados que saqueassem a cidade durante 48 horas.

Depois, em lugar de marchar sobre o porto de Santa Marta, no Mar Caribe, Bolívar desviou o curso para Cartagena, a fim de se apossar da cidade que o tinha expulsado e a submeteu a severo cerco. A tentativa não deu em nada "senão (na) redução de seu exército, por deserção ou doença, de 2.400 para uns 700 homens". Foi uma vergonhosa trapalhada que permitiu às tropas espanholas sediadas em Santa Marta receberem reforços da Espanha, o que obrigou Bolívar a desviar a marcha para Kingston, na Jamaica, onde permaneceu por oito meses. Entrementes, os companheiros que o "Napoleão das retiradas" tinha abandonado na Venezuela resistiram ferozmente aos espanhóis, tendo alguns deles sido presos e fuzilados, como seu primo José Félix Ribas "a quem Bolívar devia sua reputação" (p. 41).

Nas suas andanças pelas ilhas do Caribe ao longo do ano 1815 Bolívar conheceu, no Haiti, Felipe Luís Brion (1794-1821), natural de Curaçao e que prestava os seus serviços como oficial da Marinha ao Reino da Holanda chefiado, na época, pelo irmão casula do imperador Napoleão I, Luis Napoleão Bonaparte (1778-1846). Com apoio do presidente do Haiti, Alexandre Pétion (1770-1818) a quem Bolívar prometeu libertar os escravos das nações que libertasse, organizou um pequeno exército de neo-granadinos que tinham fugido de Cartagena e de ex-escravos haitianos. Brion, por sua vez, conseguiu junto aos ingleses armar um navio de guerra. Bolívar convenceu-o a acompanhá-lo numa invasão à Venezuela. Brion aceitou e, nomeado Almirante por Bolívar, que agia como Comandante da expedição, rumaram para as costas venezuelanas. Desembarcaram primeiro na Ilha Margarida, onde receberam o apoio do general Arizmendi, chefe dos insurrectos, tendo conseguido armar 13 navios para transportar os 800 homens com que contava.

Diante do confronto iminente com os ibéricos, aconteceu o inesperado: nova fuga do "Napoleão das retiradas"! Quando o pequeno exército se aproximava da cidade de Valencia, guardada pelo general espanhol Morales com um minguado contingente de 200 soldados e 100 milicianos, de súbito o comandante Bolívar fugiu de novo. Marx cita as palavras de uma testemunha ocular da covardia bolivariana: o comandante perdeu "toda a presença de espírito, não disse palavra, fez meia-volta no ato com o cavalo, fugiu a toda velocidade para Ocumare, passou pelo vilarejo num galope desabalado, chegou à baía próxima, apeou de um salto, entrou num bote e embarcou no Diana, ordenando a toda a esquadra que o seguisse até a ilhota de Buen Ayre [Bonaire] e deixando todos os seus companheiros privados de qualquer auxílio" (p. 43).

Reabilitado pelos patriotas venezuelanos, de forma paradoxal, após mais essa covarde evasão, Bolívar voltou a assumir as funções de Comandante supremo com a promessa de não se imiscuir na administração civil. Seguiram-se, ao longo de 1815, novas derrotas das forças venezuelanas. Em julho desse ano, no entanto, os patriotas conseguiram aplicar forte derrota aos espanhóis, a partir da invasão, pela retaguarda destes, de um contingente comandado pelo general Manuel Piar (1774-1817) que, desembarcando na Guiana com apoio de Brion, os tomou de surpresa. O triunfo das forças revolucionárias comandadas por Bolívar foi significativo.

Mas o triunfo dos revolucionários patriotas não sedimentou uma paz duradoura na Venezuela. O general Pablo Morillo (1775-1837), importante oficial espanhol, veio da Metrópole com a missão de implantar novamente o antigo poderio ibérico. Embora o número das forças comandadas por Bolívar fosse superior ao dos espanhóis, a errática estratégia bolivariana conspirou contra um desfecho feliz. Ao longo da segunda metade de 1815 e durante os anos de 1816 até 1818, os patriotas sofreram severas derrotas dos seus inimigos. A respeito desses fatos escreve Marx: "Para enfrentar cerca de 4 mil espanhóis, que Morillo não tinha conseguido concentrar, Bolívar reuniu mais de 9 mil homens, bem armados, equipados e fartamente supridos de tudo o que era necessário para a guerra. Não obstante, no fim de 1818, ele havia perdido umas doze batalhas e todas as províncias do rio Orinoco. Dada a maneira como Bolívar dispersava suas forças superiores, elas eram sempre derrotadas quando em separado" (p. 46).

No entanto, o Libertador mudou a sua estratégia aconselhado pelo ex-chanceler venezuelano Juan Germán Roscio (1763-1821) que se desempenhava como o seu assessor jurídico. Duas providências foram adotadas pelo Comandante das forças insurgentes: em primeiro lugar, convocar um Congresso Nacional quer votasse novos tributos para financiar a guerra; em segundo lugar, organizar um grande exército que garantisse aos venezuelanos a ofensiva contra as forças realistas. Rapidamente as forças comandadas por Bolívar chegaram a 14 mil homens bem armados.

A 20 de julho de 1818 os espanhóis eram expulsos de todas as províncias venezuelanas. Reunidos num congresso provisório na cidade de Angostura, os patriotas decidiram instaurar um triunvirato semelhante ao Consulado que tinha investido de poderes a Napoleão Bonaparte em 1802. Imitando a jogada que tinha posto em prática o primeiro cônsul francês, Bolívar dissolveu o Congresso e o Triunvirato, instaurou um Conselho Supremo da Nação e se colocou à testa dele.  Como chefes militar e político foram nomeados, respectivamente, Brion e Francisco Antonio Zea (1770-1822).

Consolidada precariamente a independência venezuelana, Bolívar conseguiu se ver livre de um concorrente incômodo: o general Piar. A respeito, escreve Marx: "Sob as falsas acusações de ter conspirado (...), planejado um atentado contra a vida de Bolívar e aspirado ao poder supremo, Piar foi levado a julgamento por um conselho de guerra presidido por Brion, condenado, sentenciado à morte e fuzilado em 16 de outubro de 1817" (p. 45).

Restava ao exército libertador um duplo repto: fazer frente a uma nova força espanhola chefiada pelo general Morillo que ameaçava chegar até Caracas ou desalojar os espanhóis da Nova Granada que, pela voz do general Francisco de Paula Santander (1792-1840), pedia ao Libertador o auxílio das forças venezuelanas. A respeito, Marx escreve: "Os oficiais estrangeiros lhe sugeriram fingir que tencionava desferir um ataque contra Caracas para libertar a Venezuela do jugo espanhol, e com isso induzir Morillo a enfraquecer Nova Granada e concentrar suas forças na defesa da Venezuela, enquanto o próprio Bolívar deveria rumar subitamente para oeste, unir-se aos guerrilheiros de Santander e marchar sobre Bogotá".

A nova estratégia deu certo. Os espanhóis descuidaram a proteção da Nova Granada para concentrarem as suas forças na defesa de Caracas. Num arrojado lance que lembra a travessia do general cartaginês Aníbal (248-182 a. C.) escalando com os seus elefantes os pelos Alpes para surpreender as legiões romanas, Bolívar dirigiu-se direto das planícies venezuelanas para os Andes, a fim de chegar a Bogotá no menor tempo possível. Realizou, nesse caminho, a arriscada escalada dos Andes, partindo de uma altitude baixa e galgando as geadas cumes da Cordilheira na Sierra del Cocuy (Páramo de Pisba), na província de Boyacá. Nesse trajeto vários dos seus soldados provenientes das cálidas planícies venezuelanas (que integravam a combativa divisão de lanceiros) pereceram de frio ao enfrentarem uma altitude superior aos 5 mil metros. A caminho da capital neogranadina, o exército libertador derrotou os espanhóis em três batalhas sucessivas travadas em 1º de julho, 25 de julho e 7 de agosto de 1819, tendo ficado as duas últimas (Pântano de Vargas e Ponte de Boyacá) como marco histórico da independência neo-granadina.

Vale destacar que essa campanha realizada por Bolívar é apenas mencionada en passant por Marx, ignorando totalmente o valor militar de que deu prova o Libertador nessas jornadas, reconhecidas pelos historiadores como fruto de uma corajosa e arrojada estrategia militar, comparáveis às campanhas desenvolvidas por Napoleão nos Alpes, quando da sua primeira chegada à Itália.

O triunfo das tropas neo-granadinas e venezuelanas foi acachapante e garantiu a libertação definitiva da Nova Granada, tendo aberto a porta para a independência da Venezuela do jugo espanhol. Com a libertação dos dois países nascia a República da Colômbia. A partir daí, Bolívar colocou em pauta a libertação dos restantes três países ainda dominados pela Espanha: Equador, Peru e Bolívia. Foi uma política bem pensada, arrojada e que consolidou a fama de Bolívar como excelente estrategista. 

Consolidado o triunfo sobre os espanhóis nas gestas de agosto de 1819, Marx resume de forma bastante genérica o que se passou depois. Para o autor de O Capital,  tudo não passou de uma circunstância que possibilitou a Bolívar juntar uma grande soma de dinheiro. Do ponto de vista militar, Bolívar desperdiçou a oportunidade que tinha de esmagar os espanhóis, graças à presença, nas filas de combatentes neogranadinos e venezuelanos, de grande contingente de soldados europeus. A respeito, Marx frisa: "(...) Com um tesouro de uns 2 milhões de dólares, obtidos dos habitantes de Nova Granada mediante contribuições forçadas, e dispondo de uma tropa de aproximadamente 9 mil homens, um terço dos quais compunha-se de ingleses, irlandeses, hanoverianos e outros estrangeiros bem disciplinados, coube-lhe então enfrentar um inimigo despojado de todos os recursos e reduzido a uma força nominal de 4.500 homens, dois terços dos quais eram nativos e, por conseguinte, não podiam inspirar confiança nos espanhóis. Com Morillo em retirada (....), os quartéis-generais inimigos ficaram a apenas dois dias de marcha um do outro. Se Bolívar tivesse avançado com arrojo, suas simples tropas europeias teriam esmagado os espanhóis, porém ele preferiu prolongar a guerra por mais cinco anos" (p. 48).

O certo é que, no decorrer dos anos de 1820 e 1821 as forças neogranadinas e venezuelanas se tornaram mais fortes. Bolívar comandava um exército de 6 mil homens de infantaria, entre eles a legião britânica com 1.100 soldados, além de 3.000 cavalarianos "llaneros" sob o comando do general Páez. Contando com a sorte que fez com que fracassasse a expedição que, da Espanha, comandava o general Enrique José O´Donnell (1776-1834), os patriotas desalojaram definitivamente os espanhóis da Venezuela e o Libertador pôde, então, centralizar os seus esforços bélicos na libertação dos países do sul e partir para o Equador, o Peru e a Bolívia.

Marx faz uma avaliação genérica dessa campanha, destacando dois aspectos: de um lado, o caráter centralizador e autocrático de Bolívar e, em segundo lugar, fazendo ênfase no decisivo papel desempenhado pelos auxiliares do Libertador, notadamente o  "Marechal de Ayacucho" o nobre general venezuelano Antonio José de Sucre y Alcalá (1795-1821) nas batalhas travadas contra os espanhóis. Na avaliação de Marx, aquilo de que mais gostava Bolívar era o poder ditatorial, sem esquecer as entradas triunfais, os manifestos e a promulgação de constituições.

A propósito, frisa: "(...) Essa campanha, que se encerrou com a incorporação de Quito, Pasto e Guaiaquil à Colômbia, foi nominalmente liderada por Bolívar e pelo general Sucre, mas os poucos êxitos alcançados pelo corpo do exército deveram-se inteiramente a oficiais ingleses, como o coronel Sands. Durante as campanhas contra os espanhóis do Baixo e Alto Peru, em 1823-1824, Bolívar já não julgou necessário manter a aparência de ser o comandante supremo, delegou toda a condução dos assuntos militares ao general Sucre, e se restringiu às entradas triunfais, aos manifestos e à promulgação de constituições. Por meio de sua tropa de guarda-costas colombianos manipulou a votação do Congresso de Lima, que, em 10 de fevereiro de 1823, transferiu para ele a ditadura; ao mesmo tempo, garantiu sua reeleição como presidente da Colômbia, mediante um novo pedido de renúncia. Nesse meio tempo, sua posição se havia fortalecido, em parte graças ao reconhecimento formal do novo Estado pela Inglaterra, em parte pela conquista das províncias do Alto Peru, as quais este unificou numa república independente, sob o nome de Bolívia. Ali onde as baionetas de Sucre imperavam, Bolívar deu livre curso a suas inclinações para o poder arbitrário, e introduziu o Código Boliviano, numa imitação do Código Napoleônico. Seu projeto era transplantar esse código da Bolívia para o Peru e deste para a Colômbia, a fim de manter esses Estados subjugados às forças colombianas, e manter a Colômbia submetida mediante a legião estrangeira e os soldados peruanos. (...) Como presidente e libertador da Colômbia, protetor e ditador do Peru e padrinho da Bolívia, atingiu o auge da sua glória (...)" (p. 52).

Bolívar desejava efetivar a unidade dos países por ele libertados, ampliando o seu poder a toda a América do Sul, que deveria se tornar uma espécie de República Federativa, a fim de perpetuar o seu nome pelo mundo afora. Esse foi, no sentir de Marx, o "sonho bolivariano" que teve, porém, um breve momento de realização, em decorrência das traições dos seus dominados e devido, também, à doença que o afetava, a tuberculose, fato que é omitido pelo nosso ensaísta.

Em relação ao "sonho bolivariano", escreve Marx, na parte final da biografia: "O que Bolívar realmente almejava era erigir toda a América do Sul como uma única república federativa, tendo nele próprio seu ditador. Enquanto, dessa maneira, dava plena vazão a seus sonhos de ligar meio mundo a seu nome, o poder efetivo lhe escapou rapidamente das mãos. Informadas dos preparativos de Bolívar para introduzir o Código Boliviano, as tropas colombianas do Peru promoveram uma insurreição violenta. (...). Sob a pressão de suas baionetas, assembléias populares reunidas em Caracas, Cartagena e Bogotá, para a última das quais Bolívar se deslocara, tornaram a investi-lo de poderes ditatoriais. Uma tentativa de assassiná-lo no quarto em que ele dormia, da qual o ditador só escapou por ter pulado da sacada em plena escuridão e se escondido embaixo de uma ponte, permitiu-lhe introduzir, durante algum tempo, uma espécie de terrorismo militar. Mesmo assim, ele não pôs as mãos em Santander, apesar deste haver participado da conspiração, ao passo que mandou executar o general Padilha, cuja culpa de modo algum fora provada, mas que, como homem de cor, não pôde oferecer resistência". 

Neste último episódio, Marx faz ênfase na covardia de Bolívar, que somente aplicou a pena capital naquele que não podia reagir, um oficial mulato, o general colombiano José Prudencio Padilla (1784-1827) herói da batalha de Maracaibo, que selou a independência da Venezuela. Com a sua autoridade contestada pelos colombianos, Bolívar refugiu-se no casarão de San Pedro Alexandrino, perto de Santa Marta, no litoral caribe da Colômbia, "quando faleceu repentinamente", escreve Marx. A realidade é que o Libertador foi vítima de tuberculose, que o afetou ao longo dos últimos anos. A vida de Bolívar extinguiu-se, assim, na luta entre dois inimigos: a doença e a reação dos seus libertados, como destacou com maestria Gabriel García Márquez no romance histórico intitulado: El general en su laberinto (1989).

2 - As razões da visão negativa de Marx acerca de Bolívar.

Várias interpretações foram elaboradas pelos estudiosos do marxismo em relação à apresentação escrita por Marx sobre o Libertador. Destaquemos, de entrada, a mutante versão "eclesiástica" elaborada pelos intelectuais do Kremlin, ainda na época do Império Soviético, sobre o escrito de Marx.


Para os especialistas russos, como frisa o estudioso marxista argentino José Aricó (1931-1991), na sua "Introdução - O Bolívar de Marx", (in: Simón Bolívar por Karl Marx, ob. cit., p.  9), as opiniões dos americanistas soviéticos, influenciados de forma decisiva por Vladímir Mikháilovich Mirochévski (1902-1978) e sua escola, "(...) coincidiram com a visão de Marx sobre Bolívar, tornando-a extensiva a uma caracterização negativa das guerras de independência latino-americana. Enfatizando o limitado caráter nacional e popular do processo revolucionário que conduziu à constituição dos Estados independentes, viram nele apenas 'um assunto próprio de um punhado de separatistas crioulos que não contavam com o apoio das massas populares'. O juízo formulado por Marx foi transposto inclusive para as demais personalidades do movimento de libertação e até para o próprio movimento".

No entanto, essa posição canônica dos especialistas do Kremlin mudou nos anos posteriores. A parcial avaliação de Marx sobre Bolívar foi atribuída, então, à parcialidade das fontes por ele consultadas, destacando - falsamente - a ausência de fontes melhores. 

Os americanistas soviéticos escrevem, de forma a salvar a isenção intelectual do seu ícone:  "Marx, como é natural, não possuía à sua disposição, naquela época, outras fontes senão as obras dos autores mencionados, cuja parcialidade era então pouco conhecida. Por conseguinte, era inevitável que Marx elaborasse uma opinião unilateral sobre a personalidade de Bolívar, como se reflete nesse ensaio. Essa ambição de poder pessoal, ampliada nas obras mencionadas, não pôde deixar de influir na atitude de Marx para com Bolívar" (cit. por Arigó, art. cit., p. 9).

Arigó coloca outra razão que explica a pinimba de Marx contra Bolívar: o fato de este ter ancorado na valorização das revoluções bonapartistas, à sombra do pensamento hegeliano e nesses "países sem história" (presentes em Ibero-America) como pensava o filósofo do Espírito Absoluto. Ora, o que Hegel (1770-1831) destacou foi uma espécie de retardamento da grande revolução proletária, consistente numa "expressão linear de uma relação de força já previamente consolidada dentro da esfera econômico-produtiva" (Aricó, art. cit., p. 20). Explicação, convenhamos, um tanto obscura que visa, apenas, a salvar a boa reputação de Marx entre os marxistas....Bolívar era rejeitado por Marx porque encarnava uma abstração da ciência burguesa esconjurada por Marx.

Faço, apenas, duas anotações. Em primeiro lugar, a sociologia marxista se dava bem no contexto dos denominados por Weber (1864-1920) de "Estados Contratualistas", aqueles que surgiram ao ensejo da formação de classes sociais que lutavam pela posse do poder. Não tendo conseguido se eliminar mutuamente, as várias classes firmaram "contratos" a partir dos quais emergiu o moderno Estado, a partir da luta de classes. 

É o caminho assinalado por François Guizot (1787-1874) para explicar a formação da Europa moderna, na sua obra História da Civilização Ocidental desde a queda do Império Romano até a Revolução Francesa (tenho a 6ª edição de 1864). A Europa viu nascer Estados Modernos ali onde houve feudalismo de vassalagem, que possibilitou a diferenciação das sociedades e a emergência de classes "com consciência de classe". Como destacou Plekhanov (1856-1918), Marx se louvou desses conceitos sociológicos conservadores, adotados por Guizot e que, no tangente às classes sociais e à sua dinâmica, tinham sido já tratados por Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) nos seus Princípios de Política (1814).

Já em relação ao tipo de "Estado Patrimonial", estudado por Weber e Karl Wittfogel (1896-1988), não se deu essa diferenciação em classes sociais, mas o Estado moderno se configurou como alargamento de uma autoridade patriarcal primigênia sobre territórios, pessoas e coisas extra-patrimoniais, passando a administra-lo tudo, como "propriedade familiar ou patrimonial". Assim teriam surgido, no Oriente, os Estados Patrimoniais ao ensejo do "despotismo hidráulico", que teve também a sua manifestação na Península Ibérica, bem como na Rússia czarista e nos Impérios pré-colombianos inca e asteca. Teria Marx uma dificuldade especial para lidar com essas formações sociais, onde o poder, como diz Raimundo Faoro (1925-2003), tem donos.

Ora, essa era a realidade imperante na América Latina, por força da forma em que espanhóis e portugueses conquistaram o Novo Mundo, como se se tratasse de um bem de família, submetido domesticamente aos soberanos na "empresa do rei". Um Estado surgido da luta de classes simplesmente inexistiu na América Latina. Daí a dificuldade para Marx entender este quadrante da história moderna. A ação libertadora de Bolívar ficava, portanto, presa a essa penumbra.

Em segundo lugar, do ângulo da formação intelectual, poderíamos reconhecer algumas contradições presentes no pensamento de Marx. No caso da avaliação negativa de Bolívar por parte do pensador alemão, a principal contradição decorria de uma rejeição profunda e emocional que Marx tinha experimentado em face de uma personalidade que não se ajustava às suas expectativas revolucionárias, o seu genro Paul Lafargue (1842-1911), que o destino colocou como parceiro conjugal da sua amada filha, Jenny Laura (1845-1911). 

Médico de origem franco-cubana, Lafargue se orgulhava de ter escrito um ensaio polêmico que se intitulava: O direito à preguiça (1880). Ora, um socialista judeu, como Marx, que valorizava o trabalho como fonte de redenção da classe operária e que acreditava no papel messiânico da classe explorada, à sombra do messianismo político de Saint-Simon (1760-1825), certamente se revoltou contra alguém que se gabava, na empreitada escatológica para libertar os trabalhadores, de faze-lo de costas para o trabalho, a partir do ócio. "Semeei dragões, mas colhi pulgas", afirmou Marx de certa feita em relação aos seus genros, Paul Lafargue e Charles Longuet (1839-1903).

Com a sua concepção anti-trabalho que se aproximava da visão contrarreformista imperante na Península Ibérica, Lafargue virou uma espécie de embaixador informal das ideias comunistas no meio ibérico. Mas o sogro jamais o perdoou por ter negado a "ética do trabalho" presente no Capital. Lafargue seria uma espécie de "bode expiatório" que carregava sobre si a infelicidade ibérica de não contar com a valorização do trabalho. Cubano e herdeiro dessa concepção nobiliárquica ibérica que fazia do trabalho "castigo pelo pecado original", Lafargue possibilitou que a imaginação do sogro enxergasse, à sua sombra, outra figura herdeira dessa perniciosa tradição de ética do não trabalho, o festeiro e guerreiro Bolívar, o "Napoleão das retiradas".

Lafargue e Jenny Laura praticaram o suicídio em 1911, se injetando uma substância letal. Na mensagem de despedida, Lafargue escreve que comete o suicídio "antes que a velhice imperdoável me arrebate". Lenine (1870-1924), tornando-se porta-voz dos comunistas, escreveu a respeito: "Um socialista não pertence a si mesmo, mas ao partido. Pode ser útil à classe operária. Por exemplo, escrevendo nem que seja um artigo ou um apelo. Não tem direito a suicidar-se".

A CRISE É GRAVE E A SAÍDA É NOSSA (Publicado em O Estado de S. Paulo, 28/05/2017, p. A2).


A crise é séria e ameaça as conquistas atingidas neste primeiro ano do governo Temer, bem como o prosseguimento das reformas. Sem elas, o nosso bem-estar estará comprometido pelas próximas décadas. A saída é inteiramente nossa: não serão os marcianos que vão equaciona-la. Ou nos entendemos, ou nos inviabilizamos como país. Como frisa o mestre Antônio Paim na apresentação ao Curso de Introdução à Ciência Política (edição coordenada por ele, com a colaboração de Leonardo Prota e minha, Londrina: Edições Humanidades, 2002, 5 volumes), "as instituições do governo representativo não caem do céu; somos nós que temos de construí-las". E a construção das mesmas pressupõe dois aspectos: um estrutural, outro moral.

Quanto ao primeiro, trata-se de dar uma base confiável aos nossos partidos políticos que, ainda, são apenas "blocos parlamentares", ou seja, falando em linguagem carnavalesca, possuem batucada sem enredo. Ora, os partidos políticos para valer são aquelas organizações que visam à conquista do poder e que contam com um programa para tanto definido. Em linguagem carnavalesca, seriam como escolas de samba, que possuem batucada e enredo. Este último constituiria, nas agremiações partidárias, a parte programática alicerçada em sólida doutrina.

Nós, brasileiros, como nação, não somos nem melhores nem piores do que outros povos. Temos as nossas qualidades e os nossos defeitos. Mas, do ângulo das estruturas políticas, somos tremendamente relapsos. Não conseguimos estruturá-las a contento, de acordo às exigências prementes dos tempos atuais. A falha principal está em não termos dotado às nossas organizações político-partidárias de uma estrutura sólida que garanta a sua permanência e a sua eficácia na representação de interesses. É lógico apenas que se, em trinta anos de prática democrática, não conseguimos fazer o dever de casa, estejamos colhendo agora os amargos frutos do descaso no item construção de instituições republicanas, cujo principal degrau consiste em garantir uma representação confiável. Como não a temos, ficou substituída nestas três últimas décadas, pela mágica dos marqueteiros, aliada à improvisação e à falta de escrúpulos dos políticos populistas que vingam, como moscas no lixo, nessa ausência de instituições representativas.

Como lembrava em recente artigo Bolívar Lamounier, citando texto escrito por ele em 1985 para a Comissão Afonso Arinos encarregada de elaborar um pre-projeto de Constituição ("Nau sem rumo", O Estado de S. Paulo, 20-05-2017, p. A2), "(...) O resultado de nossa descontínua história partidária, com poucas exceções, fora uma sucessão de sistemas frágeis e amorfos. (...) Uma estrutura mais forte dificilmente se constituiria a partir de uma organização institucional que combinava o regime presidencialista com a Federação, um multipartidarismo exacerbado e um sistema eleitoral individualista, frouxo e permissivo. Para que a redemocratização chegasse a bom porto era, pois, imperativo adotar outro conjunto de incentivos, entre os quais o voto distrital".

Na contramão do que deveria ser feito, a intelligentsia brasileira desconheceu essa situação catastrófica da nossa representação. A respeito, frisa Bolívar Lamounier: "Poucos anos mais tarde o meio acadêmico acolheu um entendimento precisamente oposto. Nossos partidos e balizamentos institucionais seriam perfeitamente adequados e não seria exagero dizer que se incluíam entre os melhores do mundo. Não representavam nenhum risco para a estabilidade democrática, muito menos para a governabilidade (...). A tese da fragilidade partidária não passaria de um mito".

Essa falta de visão do meio intelectual, aliada ao imediatismo dos políticos, produziu o efeito perverso que estamos a assistir e que Lamounier sintetiza assim: "Quem tem olhos de enxergar sabe que praticamente todos os partidos couberam no bolso de duas empresas, a Odebrecht e a JBS (...). Ou seja, o cartel das empreiteiras, Eike Batista e os irmãos Joesley e Wesley mandavam muito mais do que centenas de deputados eleitos pelo voto popular. Em 2010, três grandes eleitores - Lula, Marcelo Odebrecht e o marqueteiro João Santana - substituíram-se à grande massa votante e enfiaram Dilma Rousseff pela goela abaixo dos brasileiros". As coisas mudaram de lá para cá, mas de maneira fortuita, como frisa o sociólogo: "O quadro acima se alterou graças a dois fatores principais: o instituto da delação premiada e a circunstância até certo ponto fortuita de o Mensalão ter caído nas mãos de Joaquim Barbosa e o Petrolão, nas do juiz Sérgio Moro".

A respeito da oportunidade perdida em relação à Constituição de 88, lembro que, nos trabalhos de elaboração dos aspectos políticos do texto, com o meu mestre Antônio Paim prestei assessoria ao então senador José Richa, do antigo MDB na comissão presidida por ele. Richa tinha decidido apoiar a inclusão do voto distrital no texto constitucional. Teria sido um passo definitivo rumo à consolidação de uma sólida representação dos interesses dos cidadãos, abrindo um espaço importante para a sociedade controlar o jogo político partidário. A proposta do senador Richa, no entanto, naufragou no seio da comissão. O autor do desfecho negativo foi um membro do mesmo partido de Richa, o senador Mário Covas, que não queria que se mexesse na velha legislação existente que consagrava o voto proporcional e abria espaço para as alianças de legenda. Covas levou um agressivo grupo de sindicalistas representantes dos estivadores do porto de Santos, seu reduto político. Diante desses "argumentos", nada pôde ser feito e a adoção do voto distrital ficou para as calendas gregas.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

FASCISTAS-LENINISTAS NOS TUMULTOS EM BRASÍLIA E O CHAMADO ÀS FORÇAS ARMADAS

Foto: O Globo, 25-05-2017(reprodução).

Os fascistas-leninistas comandados pelo PT buscaram e conseguiram: o tumulto descontrolado causado no protesto armado por eles em Brasília na tarde de quarta-feira, 24 de maio, deu ensejo à aplicação do artigo 142 da Constituição, que institui a legitimidade de intervenção das Forças Armadas para preservação da ordem pública, a pedido de um dos três poderes. 

É perfeitamente legítimo o chamado que o governo federal fez, a pedido do presidente da Câmara dos Deputados. Se não tivesse ocorrido a intervenção das Forças Armadas no episódio, o tumulto teria causado vítimas fatais, em decorrência de dois fatores: em primeiro lugar, da agressividade terrorista dos manifestantes, com grupos de agitadores profissionais infiltrados entre os que protestavam, acobertados pelo caminhão de som que conclamava os participantes no evento para que não obedecessem às ordens da Polícia Militar de Brasília, no sentido de respeitarem as áreas demarcadas. Em segundo lugar, da insuficiência das forças da ordem brasilienses para controlar a violência instalada por obra e graça dos arquitetos do caos. Diante do fato, gravíssimo, da tentativa de incêndio do prédio do Ministério da Agricultura, não havia, de parte da polícia local, capacidade para controlar o tumulto.

O chamado às Forças Armadas ocorreu dentro do marco da lei. Estranha, portanto, a reação dos parlamentares do PT e coligados que, no Congresso, protestaram airadamente contra a medida, como se se tratasse de fato ocorrido à margem das instituições. Ora, no caso, os marginais são eles próprios, que ecoam as pretensões de Lula e caterva para instalar o caos e impor a saída buscada por eles: dissolução do atual governo e eleições diretas já, com Lula como candidato salvador da Pátria. O que o PT quer é o golpe de estado única e exclusivamente para poupar Lula da cadeia, que já o espera de portas abertas. Os petralhas não enganam mais ninguém. Eles querem Lula no poder de volta ou o caos. Ora, Lula no poder é o caos! É o caos, portanto, o que eles querem.

De péssimo bom gosto o show de modinha politicamente correta encenado por alguns jornalistas na TV, da Globo news em particular que, no decorrer da transmissão dos fatos, deixou no ar a versão de que qualquer reação das autoridades federais em relação ao terrorismo das ruas seria uma atitude despropositada. Chega de espetáculo politicamente correto. A sociedade já matou a charada. Não adianta os jornalistas pro PT se fingirem de democratas. Por trás da máscara aparecem as orelhas do lobo. Impérios globais de comunicação já eram. Ou se reciclam e voltam a ser imprensa independente, ou desaparecem.

sábado, 20 de maio de 2017

LULA, DILMA, TEMER E OS PECADOS DA CARNE NO FINAL DOS TEMPOS




Vou me acolher à imagem bíblica de Patmos, que deu nome ao mais recente capítulo da Operação Lava-Jato. Patmos, como sabemos, é o nome da ilha onde morou o quarto evangelista, onde escreveu o Apocalipse, aquela obra magnífica que dá fecho à Bíblia. Na visão apocalíptica de São João, as desgraças do povo de Deus correriam por conta da Grande Prostituta, Roma, com o seu poder imperial que tinha se tornado uma instância absoluta, fazendo dos Imperadores seres divinos, portanto inapeláveis pelos simples mortais. Pois bem: o pecado da Grande Rameira é o poder absoluto, descontrolado, que julga sem limites de lei e sem dar satisfações à opinião pública. O quarto evangelista prenunciava, assim, as desgraças que se abateriam sobre os Judeus, primeiro, e, depois, sobre os Cristãos, por obra desse poder leviatânico. 

No nosso caso, a imagem tem tudo a ver com as desgraças que a sociedade brasileira enfrenta a partir do Leviatã tupiniquim, tornado posse de família da casta que nos governa e que esperneia para não largar o osso. 

O grande pecado de Lula, Dilma e Temer consistiu em ter enxergado o poder como algo que não poderiam abandonar em nenhum momento. Convenhamos, claro, que na prática desse pecado houve gradações. Nem se compara em desfaçatez e enormidade o pecado de Temer, de fazer tramoias à margem da lei para garantir a governabilidade e as reformas, em face da verdadeira operação de engenharia política tramada por Lula e Dilma e os seus asseclas, de se apropriarem do Estado para no poder permanecerem indefinidamente, se enriquecendo sem limites com o dinheiro público ardilosamente desviado por empresários corruptos, em obras corruptas aprovadas pelos governantes com procedimentos corruptos e colocando as instituições republicanas no escanteio.

Bom: se é para acabar de vez com essa prática danosa de governar à margem das instituições, e se o atual presidente é considerado pelas autoridades da Magistratura e do Ministério Público como responsável por ter ultrapassado os limites assinalados pela lei nas conversas pouco republicanas com  o Joesley Batista, que o gravou no bate-papo noturno tido com o Presidente no Palácio do Jaburu e que foi identificado pelo próprio Joesley, no depoimento prestado ao Ministério Público, como beneficiário de uma doação fraudulenta de 4,6 milhões de dólares pagos pela JBS, que a lei seja cumprida. A melhor coisa que o presidente Temer poderia fazer seria renunciar, como já aconselhou, entre outras vozes republicanas, o próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Convenhamos que o presentinho recebido por Temer é trocado comparado com o montante recebido da mesma empresa pelo Lula (70 milhões de dólares) e pela Dilma (80 milhões de verdinhas)...Mas delito é delito, não importando para configurar a prática do recebimento de propina o tamanho do presente indevido. A lei é a lei e a Magistratura saberá dosar a pena de cada um de acordo com a quantia do dinheiro do crime praticado.

Mas que a lei seja cumprida para valer e que as dúvidas que ora emergem também sejam dilucidadas, para uma opinião pública perplexa que não aceita meias-verdades. Primeira dúvida: os irmãos Batista ficarão soltinhos da Silva, viajando alegremente entre São Paulo e Nova Iorque, como se não tivessem cometido falcatrua alguma? Como se não tivessem sido os beneficiários mores dos indevidos empréstimos do BNDES aprovados por Lula? Como se não tivessem lucrado bilhões com a desvalorização do Real causada pela bomba que o jornalista Lauro Jardim de O Globo despejou sobre as nossas salas de jantar no horário nobre do noticiário na semana finda (sempre as Organizações Globo como privilegiadas para saberem desse furo que não aconteceria sem a mediação oficial, que deve também ser investigada). Quem, de dentro do Ministério Público, da Polícia Federal ou da Magistratura, passou ao jornalista as informações bombásticas? 

Tudo bem que os felizardos irmãos empresários da carne se acolham à delação premiada e às outras figuras legais que cobrem a colaboração de empresas suspeitas. Mas a opinião pública fica com a pulga atrás da orelha, quando vê os grandes empreiteiros que transgrediram pagando pesadas condenas no xilindró e observa a dupla Batista num ir e vir saltitante e produtivo entre o Brasil e os Estados Unidos, como se nada de irregular tivessem feito nestas terras. Outra dúvida: como foi possível aos irmãos Batista costurar em dias uma delação premiada que outros empresários corruptos gastaram meses a fio para ver aprovada? Não somos bobos e toda essa operação não aconteceria sem o nosso dinheiro. Logo temos direito a saber, tintim por tintim, como os nossos suados reais foram gastos.

A sociedade brasileira é paciente e está pagando um preço caro pelos desmandos dos criminosos que a Operação Lava-Jato tem identificado e está punindo. Mas esperamos que os atuais passos sejam transparentes e não contem meias-verdades. Estamos cansados de sermos uma republiqueta com donos do poder. Não queremos trocar de donos. Queremos, simplesmente, que eles desapareçam e que as tramoias soturnas sejam substituídas simplesmente pelo império forte, transparente e democrático da Lei. Não queremos que surjam guardiões salvadores nem novos messias como já andam pedindo a gritos os militantes da petralhada em ruas e avenidas. Queremos, simplesmente, nos governarmos à sombra da Lei. Isso é democracia.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

DE NOVO O CAMINHO DAS REFORMAS (Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 17/05/2017)


Em face da magna tarefa de reestruturar as instituições brasileiras após o tsunami do desgoverno lulopetista, abrem-se duas alternativas: o caminho das reformas ou a da convocação de uma nova constituinte. A maior parte dos intelectuais e homens públicos que pensam o Brasil acolheu-se à primeira alternativa. Uma parcela menor elegeu a segunda.

Entre os defensores desta última, aparecem vozes autorizadas como a do economista Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Kaduna Consultoria e vice-chairman do Lide (Líderes Empresariais). A propósito da proposta de fazer tudo de novo no que tange às nossas instituições, mediante a convocação de uma Constituinte específica para isso, escreve Giannetti da Fonseca: "A falência de um sistema político, assim como de uma empresa, pressupõe a imediata mudança de sua administração e a responsabilidade de seus acionistas. No caso do atual sistema político, significa a imediata convocação, ainda em 2017, de uma Assembleia Constituinte independente, com mandato parcial específico para promover a tão esperada reforma política e a correção de erros históricos que todos sabemos existirem de longa data, mas que até hoje fomos incapazes de corrigir. Torna-se imperativo, na atual conjuntura, que seja uma Constituinte independente, com os integrantes eleitos diretamente e impedidos de participar das eleições e de ocupar cargos públicos até 2022, para se evitarem conflitos de interesses. E que essa revisão seja de fato profunda e abrangente, a começar pela reforma da estrutura político-partidária, de forma a reduzir o absurdo número de partidos que hoje proliferam pelo País (...)". Incumbências dessa Assembleia também seriam a redução da onerosa estrutura do Legislativo, a eliminação do foro privilegiado, a adoção de um sistema de representação mais acorde com o nosso modelo demográfico, a alteração da forma de nomeação dos integrantes dos tribunais superiores, etc.

Entre os defensores da primeira alternativa, identificada com o prosseguimento das reformas em curso no seio do Congresso Nacional, está a grande maioria dos intelectuais e homens públicos alheios ao messianismo lulopetista, que acreditam nos caminhos das reformas efetivadas pelas instituições atuais, se alinhando a uma solução moderada típica da nossa estrutura cultural. Já se manifestaram sobre isso o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o atual presidente Michel Temer e altos funcionários do Estado como o Comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Vilas Bôas. Manifestaram-se nesse sentido também intelectuais como Luiz Werneck Viana, Bolívar Lamounier, Denis Rosenfeld e muitos outros entre os quais me incluo, bem como jornalistas da talha de José Nêumanne, Eliane Cantanhêde, Vera Magalhães, Míriam Leitão, Dora Kramer, etc. Considero honestamente que esse é o caminho a prosseguir por várias razões: em primeiro lugar, porque nem tudo está contaminado pelo vírus das práticas corruptas, tanto no seio do Parlamento quanto no interior da Magistratura ou dos quadros administrativos que cercam o Executivo. Quando têm sido detectados e devidamente denunciados pelo Ministério Público, na forma da lei, atores marcados pelas práticas corruptas, têm sido postos de lado sem contemplações. Reconheçamos que se trata de um caminho difícil que exige muita negociação e paciência, com os altos e baixos dos debates parlamentares e das manifestações da opinião pública. Mas essa saída tem dado testemunho de que as instituições republicanas funcionam. Destaque-se o papel de negociador com o Congresso que tem sido desempenhado a contento pelo Presidente Temer, profundo conhecedor do meio parlamentar.

A respeito da premência das reformas que estão sendo efetivadas, o general Vilas Bôas destacou a importância da variável ética a ser preservada, como motor daquelas. A respeito, o alto oficial frisou na sua entrevista à Revista Veja (26 de abril): “Considero importante que se dê a celeridade possível ao julgamento dos casos, porque acho perigoso que as pessoas de bem comecem a ficar descrentes, e às vezes até descrentes da democracia. Aí você começa a abrir espaços para atalhos. O Brasil vai ter de se repactuar. E o único parâmetro universal para que se faça isso é o princípio ético e moral. O que me preocupa é que acho que não apareceu uma base de pensamento alternativa nem uma base que propicie o surgimento de uma liderança”.

A respeito da confiança na democracia brasileira e das expectativas com que são esperadas as reformas que estão em andamento, escreveu a jornalista Eliane Cantanhêde: "Conforme dizem empresários do campo e da cidade e confirmam embaixadores estrangeiros em Brasília, a reforma da Previdência e os próximos três meses serão cruciais para saber o que vai acontecer e o mundo apostar ou não suas fichas e investimentos no Brasil. Aliás, esses embaixadores estão perplexos com a corrupção descomunal, mas também com a força da democracia brasileira. Apesar de dois anos de recessão, mais de 14 milhões de desempregados, a Lava Jato atingindo oito ministros e dezenas de parlamentares e um dia inteiro de protestos e fogo na TV, as instituições funcionam normalmente: o Executivo governa, o Legislativo vota, o MP investiga, o Judiciário julga. Que país do mundo enfrentaria todas essas crises simultâneas sem risco de ruptura, golpe, implosão?"

Que as reformas em curso prossigam, notadamente aquela que foi preconizada pelo Debate Estadão e que foi sintetizada nestes termos por editorial deste jornal: “(...) a chamada cláusula de barreira, ou de desempenho, destinada a restringir o acesso a recursos públicos diretos, como os do Fundo Partidário, ou indiretos, como aqueles que patrocinam na mídia eletrônica o horário eleitoral dito gratuito (...)”.


sexta-feira, 12 de maio de 2017

A DANÇA MACABRA DA TIA IOLANDA COM "PAVAROTTI"


Este poderia se o título da ópera bufa à qual estamos assistindo, de camarote e pagando ingresso salgado, nós, cidadãos e contribuintes brasileiros! De arrepiar a criatividade dos meliantes, bem como a capacidade artística desses comediantes. Não é à toa que, em grego, ator se diz: Hypocrités. Porque a petralhada fez, da representação política, hipocrisia pura a mais deslavada possível. 

Com os depoimentos do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura estamos sabendo, agora, quem são os golpistas que tentavam dar mais um golpe na boa fé dos brasileiros e nas instituições republicanas. Incrível a desfaçatez dos meliantes, que após terem sido surpreendidos com a boca na botija no Mensalão, continuaram a surrupiar dinheiro público no Petrolão como se nada de ruim tivesse acontecido. Lula e Dilma devem ser julgados e presos o mais rapidamente possível, para bem do Brasil. As provas são contundentes. Esperamos que a Justiça faça o dever de casa com presteza, antes de que os indigitados fujam. E que sejam julgados e presos, também, todos os seus colaboradores. Pelo andar da carruagem, as celas especiais vão ficar escassas.

Não é de hoje a capacidade falsamente representativa dos Estados Patrimoniais. Como a sua essência é uma falsidade (pois é falso um Estado que se constrói em base à privatização do poder por uma minoria, que enxerga as instituições como patrimônio da família), os atos que mantêm vivo o mostrengo são uma encenação descarada, cujo conteúdo consiste numa farsa grosseira. Na antiga Rússia dos czares foi encenação a pomposa inauguração da nova capital, São Petersburgo, construída por ordem do czar Pedro o Grande numa zona pantanosa, ao longo do rio Neva e na entrada do Golfo da Finlândia. Na véspera da inauguração, em 27 de maio de 1703, como não havia prédios suntuosos suficientes, foram providenciados, para agradar ao Czar de Todas as Rússias, tapumes de madeira com réplicas de fachadas de palácios.

A encenação petista que foi planejada e dirigida desde a capital, Brasília, está sendo desmontada, passo a passo, pela disciplinada labuta dos procuradores do Ministério Público, pelas enérgicas providências do juiz Sérgio Moro à frente da Operação Lava-Jato, pelo apoio dos Tribunais Superiores, pelo incansável trabalho da imprensa e pela vontade dos cidadãos manifesta nas múltiplas manifestações massivas dos últimos anos, bem como pela pressão que, através das redes sociais, setores os mais diversos da sociedade brasileira realizam sobre a burocracia do Estado, especialmente sobre o Legislativo e o Executivo, bem como sobre o Supremo Tribunal Federal. Esperamos que as autoridades competentes façam o dever de casa neste enorme esforço de saneamento das instituições republicanas. O trabalho é grande, o repto é enorme, mas enfrentar o desmonte do patrimonialismo é tarefa patriótica que não pode parar.

Por enquanto, as delações premiadas dos colaboradores da farsa lulopetista, notadamente dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, alimentam a nossa imaginação com o ultimo baile da ilha fiscal da fantasia lulista, cujo ato mais importante é a dança macabra da tia Iolanda com "Pavarotti", vulgo "Barba", que antecede à derrubada final da mentira institucionalizada. O chefe, é lógico, vai dizer que "não sabia de nada". E a Tia Iolanda, com certeza, alegará que as novas providências da Justiça não passam de um "golpe". Haja criatividade!

quinta-feira, 11 de maio de 2017

LULA NO TRIBUNAL


Chegou por fim a data de apresentação do réu Lula perante o tribunal presidido, em Curitiba, pelo juiz Sérgio Moro. Segui a divulgação, feita pela TV, dos vários blocos do depoimento de Lula. A conclusão que tirei é de que não adiantou o teatrinho de palanque para se furtar a cumprir com o que a lei manda. Lula teve de se submeter ao rito do processo. Durante 5 horas Lula prestou depoimento, perante o juiz Moro e, depois, perante os procuradores do Ministério Público. 

O mundo não desabou sobre as nossas cabeças como faziam temer os vociferantes agentes do Lularápio, especialistas na ruidosa propaganda das ruas e nos tumultos que desencadeiam, corriqueiramente, onde quer que o chefete os conclame. Desta vez não deu certo a estratégia lulopetralha. Tiveram os áulicos de se conformarem com as ruas bloqueadas. A mortadela não foi suficiente para levar a Curitiba cem mil apoiadores do réu, como tinham programado os organizadores da claque. Contados grosso modo, chegaram, no máximo, a 10 mil pessoas cansadas após horas e horas de viagem paga pelo imposto sindical e tiveram de se manter distantes do cenário, forçados pelo dispositivo montado pela polícia militar do Paraná.

A impressão geral que tive após ouvir as declarações de Lula é a que sempre tive dele: um mau caráter que não vacila em jogar a água suja sobre os outros, sejam eles a sua finada mulher, os seus amigos sindicalistas, os seus parceiros de partido, os seus mais próximos colaboradores. Na hora do "pega para capar" o Lularápio se escafede e pendura a conta não paga no pescoço dos outros. Foi assim desde o início, desde quando o "agente boi", que serviu ao regime militar, se dispôs a ajudar a desmontar a estrutura do peleguismo varguista, gerando um novo tipo de pelego, o petista. Como dizia Brizola com a sua língua ferina, "Lula é a esquerda que a direita gosta".

Um mau caráter juramentado: nunca me enganei a respeito do indigitado. Lembro-me de que quando vim ao Brasil para fixar residência neste belo país, no início de 1979, em São Paulo, onde arranjei o meu primeiro emprego como pesquisador da Sociedade Brasileira de Cultura Convívio, na TV do hotelzinho "Nápoles", onde morei provisoriamente nos primeiros meses no bairro Santa Cecília, aparecia, no noticiário da noite, a figura do líder barbudo que comandou a famosa greve dos metalúrgicos, com aquele seu discurso repetitivo de língua presa, com o magnetismo que o fazia ser vitoriado enardecidamente pelas multidões. Eu pensava para mim: "Esse é um enganador". Trazia comigo a experiência das lutas sindicais das quais eu tinha participado em Medellín, como fundador do sindicato dos professores da Universidade Pontifícia Bolivariana. 

Lula, desde o início, foi um delator sem-vergonha que odeia delatores. Ele quer a exclusividade da missão de entregar conhecidos e amigos. Ponto positivo para a Justiça e para a ordem pública no Brasil. O mito caiu por terra e a apresentação de Lula no tribunal é mais um capítulo da desconstrução do mito. Como diz Ortega, os mitos morrem de dentro para fora, não de fora para dentro. Lula desconstruiu-se a si próprio. 

Lembrava nestes dias César Maia, no seu ex-blog, que Lula perdeu credibilidade ao mudar o discurso. De líder moralizador que encarnou a defesa incondicional do reino da virtude, o palanqueiro vestiu a personagem do político pragmático que se aproxima dos seus antigos inimigos, os odiados empresários, para lucrar com eles. Esse foi o início do fim. A sociedade não perdoa a mudança radical de personagem. Essa é a lição dada por François Guizot, o fundador da historiografia moderna na França na primeira metade do século XIX. Para esse autor, a chave do sucesso político consiste na fidelidade à personagem escolhida por parte do líder. Lula definha quando o que a sociedade busca é identidade de propósitos nos atores políticos. Ao pular fora do discurso moralizante para vestir a elástica camiseta do vendedor pragmático, o ator se descaracterizou.

Em boa hora. Porque o Brasil está cansado do discurso lulista e da sem-vergonhice que fez afundar a maior estatal brasileira, que sufocou o nosso dia-a-dia com a volta da inflação, que não aguenta mais a desconstrução sem-vergonha das instituições republicanas num churrasco de fim de tarde de sindicalistas bêbados. 

Ponto para o juiz Sérgio Moro - que deu, aliás, na sessão presidida por ele, uma bela lição de isenção da Magistratura - e para os procuradores do Ministério Público. Nem o juiz nem os procuradores se deixaram intimidar pelos delírios do réu nem pelos gritos da militância. Ponto para o atual governo que faz as reformas esperadas, em que pese os solavancos do clientelismo e da corrupção que teima em se esgueirar pelas frestas do compadrio sindical e político. Ponto para o Supremo Tribunal Federal que, na pessoa do ministro Fachin principalmente, abre a porta para a continuação da Operação Lava Jato. Esperamos dias melhores.

sábado, 6 de maio de 2017

A RENOVAÇÃO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA A PARTIR DOS MUNICÍPIOS

Este escriva na sua palestra na Câmara Municipal de Londrina em 05-05-2017 (Foto: Câmara Municipal de Londrina)

No dia 5 de maio, convidado pelo amigo vereador Filipe Barros (PRB), pronunciei uma palestra na Câmara de Vereadores de Londrina, no seio da Comissão Especial de Desburocratização, criada por esse colegiado a fim de dar celeridade aos trabalhos do mesmo para atender melhor às demandas dos cidadãos, removendo o "entulho burocrático e cartorial" que atrapalha a rápida tomada de decisões. Estavam presentes alguns vereadores, bem como representantes do setor produtivo, alguns líderes sindicais, profissionais liberais, professores e cidadãos comuns.

Não querida deixar passar em branco esta circunstância, sem compartir os pontos fundamentais da minha exposição com os leitores do meu blog. A seguir, reproduzo os elementos básicos da minha fala.

Sempre considerei que a solução dos problemas sociopolíticos do Brasil começa pelo município onde moramos. Afinal, como frisava o grande Alexis de Tocqueville, "o município é a escola primária da democracia". Se a representação em nível municipal anda bem, a tendência é que andem bem as outras instâncias da mesma, nos planos estadual e federal. Inversamente, os vícios enraizados na representação municipal tendem a se estender aos outros colegiados.

O grande problema brasileiro, do ângulo do atendimento às reivindicações dos cidadãos, passa hoje pela revisão do nosso Pacto Federativo, como alertava, com propriedade, há alguns anos atrás, o senador Jorge Bornhausen (do DEM). Afinal de contas, a Constituição de 88 que, em teoria, conferiu mais poder a Estados e Municípios, terminou sendo "revisada" pela pesada burocracia a serviço dos "donos do poder", conferindo mais força à União sobre os entes políticos menores. Isso para não falar nas "pedaladas fiscais e tributárias" feitas pelos governos petistas, no sentido de centralizar ainda mais os recursos amealhados com os impostos, aumentando, claro, estes. Afinal de contas, o PT virou uma organização criminosa de roubo continuado aos Cofres da União, presidida pelo chefete que todos conhecemos com o codinome de "Barba".

Em consequência, hoje, os prefeitos são pedintes do governo federal. A romaria é triste, mas consuetudinária, nesta República Centralista do Brasil, que de Federativa somente tem o nome. A primeira providência que deveria ser tomada seria a reformulação do nosso Pacto Federativo. Porque, sem ela, não teremos espaço para a vida cidadã livre e dinâmica. Se os impostos que o município de Londrina recolhe ficassem por aqui, sem ir previamente para o saco sem fundo do Tesouro Nacional, teríamos muitos mais recursos para investir em obras como saneamento básico, saúde, transportes, segurança e educação municipal.

Além da revisão do nosso "Pacto Federativo", que outras medidas poderiam ser implementadas para melhorar a vida nos Municípios, neste Brasil imenso, herdeiro da tradição Patrimonialista, segundo a qual, como frisava Raimundo Faoro, "O poder tem donos"?

Antes, porém, de enunciar as medidas que poderiam ser tomadas, vou contar uma breve história. Os cidadãos brasileiros temos medo do Estado. O procuramos, mas trememos nas bases quando este nos procura. Geralmente é para nos anunciar uma revisão da declaração de renda, a fim de aumentar o imposto que devemos pagar, claro. Temos medo da malha fina! Um exemplo desse medo testemunhei em Juiz de Fora, a acolhedora cidade mineira (do tamanho mais ou menos de Londrina, com aproximadamente 600 mil habitantes). Nela residi durante 20 anos. Decidi, nos anos 80, prestar a minha colaboração à prefeitura local, convidado por um dos assessores do então prefeito. O assessor era um odontólogo e tinha sido meu aluno na pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora. O prefeito, que acabava de chegar de um longo périplo pelas capitais europeias, queria fazer uma reunião com o setor produtivo para explorar as possibilidades de parcerias publico-privadas em projetos de interesse social, à maneira como essas parcerias funcionavam na França. Fiquei chocado quando vi que não compareceu à mencionada reunião nenhum dos empresários convidados. Algum tempo depois, tive oportunidade de conversar sobre o tema com um aluno meu da pós, que era empresário da área de serviços. Então ele me contou o seguinte: alguns meses atrás, a organização que agrupa os empresários locais promoveu um seminário para debater a possibilidade de a prefeitura elaborar um plano de desenvolvimento da cidade e região, com participação do setor privado. O prefeito esteve presente no evento, com alguns dos seus secretários. Duas semanas depois, os empresários que organizaram o seminário começaram a ser visitados por fiscais da prefeitura, com a alegação de que precisavam fazer uma investigação em busca de possível sonegação de impostos. Moral da história: os empresários ficaram na defensiva em face do poder local. Afinal, a prefeitura somente os enxergava como possíveis inadimplentes ou sonegadores de tributos!

Vamos à questão das medidas concretas que poderiam ser tomadas para melhorar a relação entre Poder Municipal e Sociedade, no terreno da Desburocratização. Esclareçamos, de início, que formamos parte, no Brasil, de uma organização política de tipo patrimonialista, em que o poder é enxergado pelos políticos como bem de família, a ser gerido em benefício dos próprios governantes, dos seus amigos e familiares. O que a Operação Lava-Jato está revelando constitui um capítulo a mais nessa trama de criminosa privatização de recursos públicos, à sombra da mentalidade familística e orçamentívora. Convenhamos que a legislação, nesse contexto, é deliberadamente confusa, a fim de que os donos do poder possam costurar as saídas "legais" mais apropriadas para benefício deles próprios e das suas patotas. É a mentalidade à luz da qual foram cunhadas frases como: "Aos amigos marmelada; aos inimigos bordoada"; "Aos amigos os cargos; aos inimigos a lei"; "É dando que se recebe"; "Não fazer inimigos que não se possa converter em amigos"; "Governar é nomear, demitir e prender"; "Oferecer dificuldades para vender facilidades", etc.

Países que, como o Brasil, sofreram com a organização patrimonialista do poder, conseguiram, ao longo das últimas décadas, efetivar reformas que lhes permitiram colocar o poder a serviço de todos, não apenas do grupo governante e dos seus amigos e apaniguados. Cito, em primeiro lugar, o caso de Portugal. Há quarenta e poucos anos, os portugueses saíam da ditadura salazarista (que durava já mais de três décadas), para caírem na armadilha de outra ditadura, desta vez de esquerda, pelas mãos dos capitães que desataram a "Revolução dos Cravos" e criaram o novo governo, de tendência comunista, que substituiu ao chefiado por Américo Thomás e Marcelo Caetano. Prevaleceu, nesse primeiro intento de gestão marxista, um enorme ciclo de estatizações de propriedades privadas, que foram entregues aos sindicatos de trabalhadores simpatizantes dos comunistas. A resultante foi a perda total da competitividade no terreno econômico e a reação de setores empresariais e liberais da sociedade que se organizaram na denominada "Revolução do Porto" que, sob a direção do socialista democrático Mário Soares, tirou do poder os comunistas e restabeleceu a ordem num contexto de respeito à propriedade, ao pluralismo partidário, à obediência aos tratados internacionais e à preservação das liberdades dos cidadãos. 

O que de mais interessante aconteceu em Portugal, nessa virada liberal, foi que as Câmaras Municipais recuperaram as funções de gestoras do poder local, colocando-o a serviço dos cidadãos. Houve uma revitalização da vida cidadã a partir das Câmaras, que passaram a priorizar a prestação de serviços aos contribuintes, tirando o poder local da força centralizadora que tinha se apossado da gestão pública durante o longo ciclo salazarista e na etapa, menor, da dominação dos comunistas. A democracia portuguesa assumiu um caráter nitidamente municipalista. Quem visitar Portugal percebe essa vitalidade imensa dos Municípios, não apenas nas cidades maiores como Lisboa ou Porto, mas também em cidades menores como Évora, Braga ou Viana do Castelo. É notável o o zelo dos governantes locais para responder às exigências dos cidadãos. Nesse clima ocorreu a Reforma da Administração Local que assenta em quatro vetores estratégicos: a descentralização e a reforma administrativa, o aprofundamento do municipalismo, o reforço do associativismo municipal e a promoção da coesão e da competitividade territorial através do poder local.

Herdeiros que somos, no Brasil, do municipalismo português que deita raízes nas tradições medievais, poderíamos retomar esse fio de identidade, a fim de conferir às nossas Municipalidades a vitalidade de que hoje carecem. A negociação do um novo Pacto Federativo seria o ponto de partida.

Na Espanha da era pós-franquista vamos encontrar também uma revitalização da vida municipal, desta vez aliada à utilização intensiva da tecnologia de comunicações via internet. Nesse item, tanto a Espanha quanto Portugal gozam de uma invejável disseminação da utilização da Banda Larga por camadas cada vez mais extensas da população. Os índices de utilização de Banda Larga por 100 habitantes são, em Espanha e Portugal, da ordem de 26,29, enquanto no Brasil esse índice é apenas de 10,05. Na Espanha funciona, nos municípios, a denominada "Banda Ciudadana", um software que permite ao cidadão comum se comunicar instantaneamente com a sua respectiva municipalidade para assuntos de segurança e demais serviços públicos, ou para estabelecer contatos com outras redes de comunicação vigentes entre os habitantes das localidades. As propostas para os governos municipais correm por este caminho. A aplicação da experiência espanhola da "Banda Cidadã" em Londrina seria perfeitamente possível, levando em consideração que, em primeiro lugar, do ângulo técnico, a cidade já conta com uma rede sub-utilizada de cabos de fibra ótica e, em segundo lugar, que as políticas traçadas pelo município contemplam a criação, nele, de um pólo high-tech de informática. 

Algo semelhante foi adotado nas cidades colombianas, após a disseminação, entre os principais municípios do país, do movimento social não-governamental "Como Vamos", que elabora, em cada município, mensalmente, um quadro do funcionamento dos serviços nas áreas de saúde, segurança, transportes, educação e prestação de serviços de comunicações e bancários. Esses índices são publicados mensalmente pela imprensa, isso já há quinze anos. Hoje os resultados da pesquisa mensal são distribuídos também pelas redes sociais via Smartfones. O funcionamento diuturno desse mecanismo renovou a vida política, isolando os partidos tradicionais e obrigando-os a se renovarem, dando lugar também à participação de siglas novas que emergiram das reivindicações municipais. Foram adotados elementos do voto distrital, complementando-o com a tradicional figura do voto proporcional em lista, à maneira como se pratica na Alemanha. A democracia colombiana firmou-se, assim, retomando a prática das antigas municipalidades ibéricas de origem medieval e consagradas pelo Direito Filipino, tendo sido abandonadas depois nos surtos de absolutismo e autoritarismo que percorreram os séculos XVIII a XX. 

É bom lembrar que o despertar dessa valorização da vida municipal ocorreu, primeiro, nas pequenas cidades situadas em áreas indígenas, que partiram para uma estratégia de não-violência face às arremetidas terroristas das FARC ao longo dos anos 80 e 90 do século passado. Dos pequenos municípios indígenas, esse despertar do municipalismo passou aos grandes e médios municípios do país, tendo sido, em Medellín, por exemplo (uma cidade com 3 milhões de habitantes), a pedra angular das políticas de segurança pública e de intervenções sociais permanentes mediante parcerias publico-privadas. O movimento cívico "Como Vamos", que como foi frisado é não-governamental e que aglutina empresários, educadores, estudantes e cidadãos comuns foi o instrumento hodierno de renovação da vida municipal. Um exemplo que foi copiado, de forma parcial, por algumas cidades brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, e que poderia ser implantado, de forma integral, em Londrina, onde foi copiado um elemento importante da revitalização municipal de Bogotá, os ônibus integrados em via expressa (experiência que foi curiosamente copiada, pelos colombianos, de Curitiba e trazida de Bogotá pela prefeitura de Londrina). As boas ideias circulam!