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domingo, 31 de maio de 2020

Pensadores Portugueses - ANTÔNIO BRAZ TEIXEIRA (1936-)



I - BREVE SINOPSE BIO-BIBLIOGRÁFICA
António Braz Teixeira nasceu em Lisboa em 1936, cidade onde cursou a Faculdade de Direito e deu início à carreira como docente universitário, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e, depois, nas Universidades Autônoma e Internacional. Paralelamente à vida acadêmica, Braz Teixeira tem ocupado importantes cargos na administração pública do seu país. Foi Secretário de Estado da presidência do Conselho de Ministros, em 1980, no governo de Francisco de Sá Carneiro (1934-1980), bem como Secretário de Estado da Cultura no governo seguinte. Desempenhou, também, os cargos de Diretor do Teatro Dona Maria II, em Lisboa, e de Vice-presidente do Conselho de Gerência da Radiotelevisão Portuguesa (RTP), tendo sido nomeado, em 1992, Presidente da Imprensa Nacional Casa da Moeda, onde desenvolveu amplo programa de edições de obras de pensadores portugueses; nesse mesmo cargo. criou uma coleção destinada a divulgar obras significativas da cultura brasileira.
A obra de Braz Teixeira é muito fecunda, no que tange à historiografia das idéias filosóficas e jurídicas em Portugal, sendo considerado como um dos mais respeitados historiadores portugueses das idéias, na atualidade. Foi iniciativa sua, quando Secretário do Estado da Cultura do governo português, a criação da revista Cultura Portuguesa. Também foi de sua lavra a fundação de Nomos - Revista Portuguesa de Filosofia do Direito e do Estado.
Braz Teixeira tem tido importante destaque no que tange à efetivação do diálogo intercultural entre Portugal e o Brasil. Foi um dos principais inspiradores para a criação, em 1991, em Lisboa, do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, que conta com a representação de pensadores portugueses e brasileiros. A partir dessa entidade, Braz Teixeira impulsionou, decididamente, a realização bianual, em Portugal, dos colóquios "Tobias Barreto", com a finalidade de estudar os principais pensadores brasileiros e as suas relações com a cultura portuguesa. Braz Teixeira pertence à Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, à Sociedade Portuguesa de Filosofia, à Academia das Ciências de Lisboa, bem como à Academia Brasileira de Filosofia, como membro correspondente. Acha-se vinculado, de forma muito atuante, ao Instituto Brasileiro de Filosofia, fundado e presidido em São Paulo por Miguel Reale (1910-2006), tendo colaborado com numerosos ensaios filosóficos e no terreno da historiografia das idéias na Revista Brasileira de Filosofia, órgão do mencionado Instituto. Colabora regularmente em outras publicações periódicas, de Portugal e do Brasil, como a Revista Portuguesa de Filosofia, Espiral, Nova Renascença, Análise, Revista Jurídica, Didaskalia, Reflexão, Ciências Humanas, Presença Filosófica, etc.
A obra de António Braz Teixeira foi objeto de detalhado estudo, no Brasil, no 7º Encontro dos Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, realizado por Leonardo Prota (1930-2016) no Centro de Estudos Filosóficos de Londrina, em setembro de 2001. Relacionam-se, a seguir, os trabalhos que foram apresentados nesse evento:
1 - Trajetória de António Braz Teixeira (comunicação de Antônio Paim, do Instituto Brasileiro de Filosofia e do Instituto de Humanidades). 2 - António Braz Teixeira e o movimento da Filosofia Portuguesa, (comunicação de Ricardo Vélez Rodríguez, da Universidade Federal de Juiz de Fora e do Instituto Brasileiro de Filosofia. Comentário de Constança Marcondes Cesar (1945-) da Universidade Católica de Campinas. 3  - Filosofia da literatura na obra de António Braz Teixeira (comunicação de Mariluze Ferreira de Andrade e Silva, da Universidade Federal de São João del Rei). 4 - Como António Braz Teixeira entende a denominada Filosofia Luso-Brasileira (comunicação de José Maurício de Carvalho, da Universidade Federal de São João del Rei). 5 - Presença da idéia de Deus na meditação de António Braz Teixeira e que lugar atribui à Teologia (comunicação de Tiago Adão Lara, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Comentário a esta apresentação de Manuel Cândido, da Universidade de Lisboa). 6 -  António Braz Teixeira, filósofo da saudade (comunicação de Anna Maria Moog Rodrigues, da Universidade Gama Filho). 7 - António Braz Teixeira, uma filosofia do espírito (comunicação de Paulo Alexandre Esteves Borges, da Universidade de Lisboa). 8 - O pensamento jus-filosófico de António Braz Teixeira (comunicação de Aquiles Côrtes Guimarães, da Universidade Federal do Rio de Janeiro). 9 - Posicionamento crítico de António Braz Teixeira diante das principais teorias do direito (comunicação de Selvino Antônio Malfatti, do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria).  10 -  O problema da justiça em António Braz Teixeira  (comunicação de Ubiratan Borges de Macedo, da Universidade Gama Filho). 11 - António Braz Teixeira e o pensamento krausista em Portugal (comunicação de José Esteves Pereira, da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira). 12 - Braz Teixeira por ele mesmo (António Braz Teixeira, do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira).
No boletim do Centro de Estudos Filosóficos de Londrina intitulado 7º Encontro Nacional de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, Leonardo Prota caracteriza, da seguinte forma,  a obra do nosso pensador: "A trajetória filosófica de António Braz Teixeira pode ser resumida como se segue. Sendo docente de disciplinas jurídicas (Direito Fiscal e Direito Financeiro, inicialmente, passando depois para Filosofia do Direito e do Estado) e, ao mesmo tempo, pertencendo ao chamado movimento da Filosofia Portuguesa, acabou voltando-se para o  que ele mesmo denomina de pensamento filosófico-jurídico português. Mais tarde, por suas ligações com o professor Miguel Reale e, também, devido à presença no Brasil, desde a segunda metade dos anos setenta a meados da década seguinte, de Eduardo Soveral (1927-2003), Francisco da Gama Caeiro (1928-1994) e Affonso Botelho (1919-1996) - pessoas de seu círculo de relações -,  interessou-se pelo que tem sido denominado de filosofia luso-brasileira. Assim, sua volumosa obra abrange tanto a filosofia do direito como o estudo das filosofias portuguesa e brasileira. Acha-se caracterizada em Logos - Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, editorial Verbo, vol. V, 1992), num verbete do professor Paulo Borges (Da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)" [Prota,  2001: 2].
II - O MOVIMENTO DA FILOSOFIA PORTUGUESA SEGUNDO BRAZ TEIXEIRA.
Mais do que tratar, de forma exaustiva, acerca do lugar que António Braz Teixeira ocupa no movimento da Filosofia Portuguesa, farei, na minha exposição, um balanço acerca de como ele entende a meditação filosófica, se louvando de conceitos desenvolvidos no seio da mencionada corrente. A fim de ilustrar o tema central da minha exposição, desenvolverei quatro itens: 1) Conceito de filosofia e de filosofias nacionais; 2) Caráter mediador da antropologia filosófica; 3) A experiência religiosa e a corrente da Filosofia Portuguesa e 4) A experiência jurídica e a filosofia do direito. Concluirei destacando os aspectos mais marcantes do legado filosófico do nosso pensador.
1 - Conceito de Filosofia e de Filosofias Nacionais
A filosofia não é, para Braz Teixeira, um discurso puramente abstrato, sem nenhuma relação com o homem concreto. Para ele, o existencialismo e a fenomenologia deixaram claro que a meditação filosófica abarca o homem na sua concreção histórica. A filosofia é, assim, lógos que surge no seio de uma nação, fala uma linguagem, debruça-se sobre problemas específicos que desvelam o ser humano. Essa contribuição dada pela filosofia contemporânea abriu as portas para que o homem português, a quem se tinha negado, num contexto racionalista, a vocação de pensar, descobrisse a sua identidade filosófica, traduzindo o viver numa meditação projetada sobre a vida.
A respeito, o nosso autor afirmava, já em 1959, numa das suas primeiras obras: "Cabe ao pensamento desenvolvido sob o signo existencial o mérito de ter afirmado e demonstrado, contra as tendências excessivamente racionalistas de certo falso universalismo, pretensamente utópico e ucrónico, a idéia da não existência de uma Filosofia universal, desinserida de qualquer complexo espácio-temporal, mas antes da existência de Filosofias nacionais, já que cada povo, enquanto especial concepção do mundo e da vida, é já Filosofia viva, expressão do seu particular modo de ser nacional, a que os pensadores, intérpretes da situação histórico-cultural concreta do seu povo e do seu tempo, dão superior forma racional. O português, a quem sucessivas gerações, ligadas a um conceito excessivamente racionalista, abstracto e formal de Filosofia, tinham negado um pensamento nacional, por congênita incapacidade filosófica, começa a ser reabilitado, agora que a Filosofia procura concentrar novamente sobre o real e a vida todas as suas atenções, valorizando-os em todos os seus aspectos e, abandonando todas as pretensões de explicação sistemática e total, por compreender, como Gustav Radbruch (1878-1949), que o mundo não é divisível pela razão sem deixar resto, está interessada, acima de tudo, pelo homem de carne e osso, pela vida, pelo concreto, pela existência humana, pelo estar-no-mundo, pretendendo atingir, não  a pseudo-lógica das idéias claras, mas a lógica verdadeira, a da estrutura do vivente e da geometria íntima da natureza, de que fala Jacques Maritain (1882-1973). A esta luz ressalta, com notável nitidez, o caráter eminentemente existencial da nossa Filosofia, dispersa na nossa poesia, na nossa mística, na nossa teologia, na nossa literatura novelística e de viagens e nas obras de intenção propriamente filosófica" [Teixeira, 1959: 9-10].
No epígrafe colocado no início da obra de que foi extraída a anterior citação, A filosofia jurídica portuguesa actual, Braz Teixeira cita as seguintes palavras do pensador espanhol Angel Ganivet (1865-1898): "La filosofía más importante de cada nación es la suya propia, aunque sea muy inferior a las imitaciones de extrañas filosofías" [Teixeira, 1959: 9].
Mas se a Filosofia caracteriza-se pela sua inserção na história, no entanto, também devemos reconhecer o seu compromisso com a verdade. O nosso pensador faz suas as palavras de José Marinho (1904-1975), quando afirma: “A Filosofia é desenvolvimento de uma visão autêntica do ser e da verdade, numa situação concreta do homem e do pensar do homem, no espaço e no tempo" [apud Teixeira, 2000a: 32]. Em relação ao compromisso com a verdade que caracteriza ao filosofar, escreve Braz Teixeira: "A Filosofia não é, como os outros tipos de saber, um corpo de doutrina, um acervo de conhecimentos ou um conjunto articulado de soluções ou de respostas, mas um processo, uma actividade permanente de interrogação sobre o próprio saber, seu valor e seus fundamentos. O que constitui a sua essência é a busca constante e sempre recomeçada da verdade e não a sua posse. Não é um saber feito, que possa transmitir-se e se vá adicionando, mas um conjunto permanente de interrogações, nunca definitivamente respondidas, em que cada resposta que o filosofar a si próprio se dá é sempre uma resposta provisória, que se converte em nova interrogação. Com efeito, enquanto a solução resolve, dissolve, elimina ou suprime o problema, a resposta filosófica não é solucionante, deixando irresoluto o problema e viva a interrogação. Daí que, diversamente do que acontece com os restantes tipos de saber humano, a Filosofia seja, essencial e radicalmente, interrogativa, problemática e não solucionante" [Teixeira, 2000a: 15-16].
A filosofia, segundo Braz Teixeira, possui esse caráter de irresolubilidade, em virtude da sua dimensão aporética, que decorre da inadequação essencial entre o ser e o pensar. Justamente porque a realidade transcende ao pensar, aquela constitui-se, para o homem, em algo de misterioso, inesgotável pelo Lógos. Em relação a esse ponto, frisa o nosso pensador: "A Filosofia é, assim, fundamentalmente, aporética, já que a sua actividade interrogativa do real e do próprio pensamento a conduz à identificação e ao tratamento das aporias, à verificação de que o pensamento e a realidade se não identificam e de que nem tudo é pensável ou abarcável pela razão humana. É precisamente daqui que surge a noção de incognoscível ou de mistério, não como o que contraria a razão ou o pensamento humano, mas como o que o excede, ultrapassando a sua capacidade ou possibilidade de conhecimento ou compreensão. Trata-se, pois, do domínio, não do irracional por defeito, por contrário à razão, mas do irracional por excesso (Leonardo Coimbra, 1883-1936), do que, ultrapassando a razão, só é acessível por via mística, por inspiração angélica ou por revelação divina" [Teixeira, 2000a: 27].
O caráter aporético do filosofar não invalida, antes pressupõe a capacidade da razão de apreender o real numa primeira visão intuitiva, denominada por José Marinho de visão unívoca. Firma-se, a partir desta, a dimensão teórica da filosofia. Assim caracteriza o nosso autor essa dimensão: "Sendo a Filosofia pensamento reflexivo ou especulativo, e sendo este actividade própria da razão, que se exerce, discursivamente, através do raciocínio, não pode esquecer-se, no entanto, que não só a razão humana se não garante a si própria enquanto órgão de conhecimento ou de pensamento, pressupondo sempre a sua actividade um prévio acto de crença, por um lado na racionalidade do real e, por outro, na capacidade da razão para se apreender a si e para compreender a realidade, como ainda, que o raciocínio ou a actividade cognoscente da razão tem sempre como condição ou pressuposto uma intuição ou uma primordial visão, assim como se nutre do outro da razão, seja sensação, imaginação ou crença e das múltiplas formas de experiência, sendo, nessa medida, razão experimental, razão aberta ao outro de si, ao não racional, tantas vezes erradamente confundido ou identificado com o irracional. Assim, em sua radicalidade ou como saber radical, a Filosofia é sempre teoria, no seu originário e tradicional sentido, isto é, intuição intelectual, contemplação de idéias,  visão espiritual do invisível ou teoria do ser e da verdade. De igual modo, a compreensão da realidade ou do ser e da sua verdade que todo o pensamento filosófico procura alcançar depende sempre de uma prévia apreensão intuitiva, sensível ou trans-sensível, daquilo a que José Marinho chamou visão unívoca" [Teixeira, 2000a: 27-28].
O caráter situado do filosofar, que o nosso autor já tinha apontado na sua obra de 1959, A filosofia jurídica portuguesa actual, é destacado de forma mais completa num dos seus últimos escritos, na segunda edição de Sentido e valor do direito. Repitamos as suas palavras, que constituem decantada expressão do pensamento de Braz Teixeira, nos últimos anos: "Actividade humana, a Filosofia é, como o próprio homem, ser do tempo, radicada e dinâmica, interrogação permanente a partir de uma situação concreta, de uma circunstância definida, está indissoluvelmente ligada a uma língua, a uma tradição, é um movimento espiritual num espaço-tempo que não é homogéneo e uniforme mas múltiplo e diverso, como o ser individual de cada filósofo. Daí que, sendo embora una na busca da verdade, a Filosofia seja múltipla e diversa na variedade dos seus caminhos, pois, se são imutáveis os enigmas com que se defronta, é sempre outro o movimento do pensamento que pensa e interroga, pensando-se e interrogando-se também a si. Por outro lado, se a Filosofia é actividade ou processo da razão que se interroga a partir de uma intuição ou visão a que sempre regressa ou a que sempre se refere, está também sempre condicionada pela língua em que o filósofo pensa, já que não há pensamento sem palavra nem linguagem, ainda que este não se pretenda comunicar pela fala ou pela escrita. (...). Deste modo, não pode haver verdadeiro pensamento filosófico, enquanto discurso racional, sem palavras nem linguagem" [Teixeira, 2000a: 30-31].
Na trilha desta reflexão, a filosofia reveste-se, no sentir de Braz Teixeira, das caraterísticas culturais da língua em que está expressa, ganhando, assim, o colorido nacional em que se encontra situada. Todo discurso filosófico refere-se, na modernidade, a esse contexto, fora do qual sairia da história. A respeito, o nosso autor escreve: "Ora, as palavras de cada língua contêm virtualidades especulativas próprias, que não só permitem, por vezes, dilucidar ou esclarecer melhor certos problemas a que outras só dificilmente acedem (como acontece, por exemplo, com a distinção entre ser e estar ou ser e ente que o português, o castelhano e o italiano fazem, mas que não existem em francês ou em inglês), ou penetrar mais fundamente em certos sentimentos mais complexos ou mais intensamente vividos ou experimentados (por exemplo, a saudade luso-galaica, a ilusión castelhana, a dor romena, a Sehnsucht germânica ou a morriña galega). Assim, se o pensamento filosófico autêntico é sempre universal, porque demanda o uno essencial do ser e da verdade, nas suas formas e nas suas expressões é, também, sempre, individual e nacional, dado o carácter radicado e situado de todo o pensar e agir humanos" [Teixeira, 2000a: 31-32].
Posto que expressa em língua nacional, a filosofia reveste-se, em cada uma delas, de gêneros literários diversos. O pensador português lembra, a respeito, que Julián Marías (1914-2005)  na obra intitulada: Ensayos de teoría [Madrid, 1954, apud Teixeira, 2000a: 33] identificou catorze formas literárias válidas do discurso filosófico ocidental. Isso testemunha a riqueza da meditação filosófica, que é suscetível de ser vertida em múltiplas formas de expressão, dependendo da personalidade e dos pendores literários de cada pensador. Em relação a essa variedade, frisa Braz Teixeira: "Diferentemente do que, muitas vezes, se diz ou do que uma análise superficial poderia levar a concluir, a Filosofia não só não constitui um género literário, como não tem uma forma própria e única de exprimir o seu discurso, quando adopta a forma escrita para comunicar o pensamento pensado pelos filósofos. Na verdade, basta atentar, com mediana atenção, na história da Filosofia ocidental, para concluir, de imediato, que esta tanto se tem expressado através do poema ou da forma poética (Parménides, Lucrécio, Nietzsche, Teixeira de Pascoaes), como do diálogo, de estrutura teatral ou não (Platão, Cícero, Leão Hebreu, Berkeley, Leibniz, Leonardo Coimbra), do aforismo (Heráclito, Pascal, José Marinho), como da máxima ou reflexão, geralmente de índole ou intenção moral (Epicteto, Marco Aurélio, La Rochefoucauld, Matias Aires), da autobiografia (Santo Agostinho, Dom Duarte, Descartes), como do ensaio (Bacon, Locke, Maine de Biran, António Sérgio), do tratado (Aristóteles, Espinosa, Hume, Wittgenstein) como do comentário (Averróis, São Tomás de Aquino, Pedro da Fonseca), da suma (São Tomás, Pedro Hispano, Ockam), como do sistema (Hegel, Comte, Cunha Seixas, Leonardo Coimbra)" [Teixeira, 2000a: 32-33].
2 - Caráter mediador da Antropologia Filosófica
A antropologia filosófica, no sentir do nosso pensador, ganhou um lugar de destaque na hodierna meditação ocidental. Isso em decorrência da evolução das próprias ciências, que conseguiram se ver livres do estreito cientificismo do século XIX, bem como do fato de a meditação filosófica ter superado os limites do racionalismo, por força da crítica vivificante ensejada pela fenomenologia, a filosofia dos valores e o existencialismo. "Para esta nova situação especulativa contribuiu, em não pequena medida  - frisa Braz Teixeira - a crise ou a derrocada do sistema de idéias, valores e crenças filosóficas e científicas que havia constituído o substrato cultural em que assentou a vida espiritual da segunda metade do século XIX. Desencadeada pelos novos caminhos da microfísica, da biologia e da psicologia e pelas correntes de pensamento que, em oposição ao positivismo, ao evolucionismo e ao monismo materialista que àqueles, em geral, andou associado, essa crise veio não só demonstrar as insuficiências e as contradições dos modelos epistemológicos fundados nas ciências do mundo sensível e do minorado conceito de razão de que partiam ou que nelas estava pressuposto, como chamar a atenção para a especificidade e a irreductibilidade do mundo da vida e da psique à matéria e ao mundo inorgânico, para a autônoma e superior realidade do espírito, para o valor gnósico da intuição, da imaginação e do sentimento, para as fecundas e essenciais relações entre a razão e o impropriamente chamado irracional, para o indivíduo singular e concreto, o homem de carne e osso, de que falava Unamuno (1864-1936)" [Teixeira, 1993: 79].
A antropologia centro-europeia, no entanto, percorreu caminho diferente do trilhado pela meditação antropológica em Portugal. Naqueles países ficou restrita à análise fenomenológica e terminou dando ensejo à formulação de ontologias regionais. Em Portugal, no entanto, graças especialmente à corrente da Filosofia Portuguesa, a antropologia filosófica abriu-se a uma visão metafísica projetada sobre um pano de fundo cósmico e escatológico, de que a meditação de José Marinho, Álvaro Ribeiro (1905-1991), António Quadros (1923-1993), Afonso Botelho (1919-1998) e Leonardo Coimbra são exemplos vivos.
Fazendo uma síntese do espírito que anima hoje à antropologia filosófica da corrente em apreço, escreve Braz Teixeira: "No que à filosofia portuguesa respeita, a sua indagação no domínio da antropologia filosófica ou metafísica tem dado preferência aos problemas da origem, liberdade e destino do homem, do mal, da morte e da imortalidade, a uma teoria dos sentimentos que não se detém na sua fenomenologia ou na sua dimensão psicológica ou meramente afectiva, mas atende às suas conexões cósmicas e ao seu significado unitivo e resgatante, e em que ocupam lugar primordial o amor e a saudade, a alegria e a dor e que a graça divina coroa e enleva, às questões relativas à formação e à educação do homem, não descurando nem esquecendo o carácter sexuado do ser humano. Deste modo, se a antropologia filosófica contemporânea tende, noutros países e noutros povos do nosso continente, a circunscrever-se a uma dimensão humanista e fechar-se numa finitude temporal e mundana, a filosofia portuguesa tem revelado uma dupla abertura e um duplo horizonte, simultaneamente cósmico e escatológico, pois sabe, como o lembrou Leonardo Coimbra, que o homem é um ser criado em natureza para se fazer em liberdade, pelo que não é uma inutilidade num mundo feito, mas o obreiro de um mundo a fazer" [Teixeira, 1993: 81].
A filosofia, para Braz Teixeira, está situada historicamente, em virtude do caráter temporal do homem. A dimensão ôntica deste condiciona a sua meditação sobre o real. Ora, como o ser humano pensa fundamentalmente em base aos problemas com que se defronta, a meditação filosófica está condicionada por essa perspectiva problemática. A Antropologia Filosófica é, destarte, a perspectiva mediadora entre a teoria, a prática e a dimensão estética, estabelecendo, de outro lado, o nexo entre a natureza e o espírito. A respeito, escreve o pensador português: "Quem interroga ou defronta os problemas é, porém, sempre o homem, que é a si mesmo e por si mesmo que interroga, pelo que a questão antropológica, a pergunta sobre o que é o homem, qual a sua origem e destino, sobre o valor e sentido da sua vida e do seu agir, se lhe impõe como tão essencial e radical, como a interrogação sobre o ser em que o próprio homem está imerso e de que participa. Sendo essencialmente metafísica, a Antropologia Filosófica é mediadora entre a razão teórica, a razão prática e a razão estética, estabelece a necessária articulação entre o mundo da natureza e o mundo do espírito, liga-se, por um lado, à Teodicéia ou à Ontoteologia e à Cosmologia e, por outro, à Ética, à Filosofia da Religião, à Filosofia da História, à Filosofia da Arte e à Filosofia do Direito, enquanto interrogação filosófica sobre a essência, o sentido e o valor do existir e do agir do homem no mundo e das suas criações espirituais" [Teixeira, 2000a: 30].
Decorrente do valor especial conferido à Antropologia Filosófica, a experiência constitui a porta através da qual podemos penetrar no interior da razão humana. Haverá tantas áreas em que possamos nós, humanos, plasmar a nossa concepção de mundo, quantas forem as possibilidades da experiência do mundo. O nosso pensador considera que a revalorização do conceito de experiência constitui um dos grandes achados do pensamento contemporâneo. Ela é, basicamente, dos seguintes tipos: estética, ética, religiosa, científica e jurídica. Em relação a este ponto, escreve Braz Teixeira no seu belo ensaio intitulado Experiência jurídica e ontologia do direito [Teixeira, 1987: 24]: "O conceito de experiência, limitado pela filosofia moderna, em especial a partir dos séculos XVII e XVIII ao domínio sensorial e empírico, ao campo das chamadas ciências naturais ou experimentais, viu-se restituído, no nosso tempo, à sua dimensão própria, pelo reconhecimento da existência de outras formas igualmente válidas e legítimas de experiência que o pensamento medieval conhecera e adequadamente valorizara, como a experiência estética, a experiência ética e a experiência religiosa, tal como a experiência científica, modos e expressões da actividade una e indivisível do espírito. Nesta linha de pensamento, natural seria que viesse também a reconhecer-se a existência e a especificidade da experiência jurídica, entendida como conhecimento de algo dado no mundo jurídico, de um objecto que se apresenta à nossa mente sem qualquer intervenção dela na sua constituição ou interpretação".
3 - A experiência religiosa e a corrente da Filosofia Portuguesa
O nosso autor dedica especial atenção ao estudo de dois tipos de experiência, entre os mencionados: a religiosa e a jurídica. Quanto à primeira, Braz Teixeira considera que relaciona-se com a vivência do mistério, da apreensão intuitiva do fato de que há mais mundos do que este apreendido pela experiência sensível. A religiosa constitui a experiência fundamental, já que ela permite superar o estreito racionalismo, aderindo a uma concepção elevada de razão, aberta à realidade na sua mais numinosa plenitude.
Dessa experiência, por outro lado, parte toda a concepção da denominada Filosofia Portuguesa. Eis a forma em que o pensador explicita o seu ponto de vista a respeito: "Importa, antes de mais, partir de um conceito de razão que exceda os limites de um racionalismo fechado e formalista, apoiado unicamente nas ciências do mundo sensível e numa noção redutoramente empírica de experiência, e se abra ao essencial e irrecusável valor e significado gnósico da sensação, da intuição, do sentimento, da imaginação e da crença, reconheça que há mais mundos para além daquele que os sensos nos revelam e admita que a experiência humana assume múltiplas formas, desde aquela em que se fundam as ciências, até à experiência estética, que as figuras e formas simbólicas propiciam, à experiência ética, que transcende a lei, norma e mandamento, para encontrar nos valores e nos princípios o seu centro ou o seu objecto, e à experiência religiosa, que, partindo do numinoso dos mitos, ascende à sublimidade do sagrado e do divino ou se eleva à união mística. Necessário é, também, atender a que a mais autêntica origem da interrogação filosófica se não encontra no espanto ou na admiração perante a multiplicidade dos seres e a imensidão cósmica, pois que ambos são ainda do domínio meramente psicológico e limitadamente humano, mas sim no plano ontológico mais radical do enigma ou do mistério, no qual e pelo qual todo o ser e toda a verdade, em instantânea visão, simultaneamente, se ocultam e patenteiam ao espírito do homem" [Teixeira, 1993: 11]. De outro lado, convém destacar que a preocupação com o problema da dor insere-se no contexto teodiceico da meditação portuguesa contemporânea [Cf. Teixeira, 2000b: 7-15].
A partir do conhecimento do enigma ou do mistério forma-se em nós a idéia de Deus, que passa a se constituir no núcleo que dá sentido a tudo quanto existe e deita os alicerces do filosofar. A respeito escreve Braz Teixeira: "A idéia de Deus é o primeiro princípio e fonte de todo o princípio que confere sentido e valor a tudo quanto existe e possibilita o próprio filosofar, como amoroso e interminável esforço pela sabedoria que é, em si, o mesmo espírito divino que, sendo a eterna e absoluta plenitude, só por analogia pode ser pensado pela razão humana. Singularidade do pensamento português tem sido o descobrir e revelar a profunda relação que une Deus, o mal e a saudade e, ao mesmo tempo, mostrar que foram outorgados à liberdade humana, assistida pela graça divina, os meios para minorar ou vencer o mal e contribuir para restaurar aquela original e fraterna harmonia entre todos os seres, para que está ordenada toda a criação" [Teixeira, 1993: 12].
A busca incondicional do absoluto constitui, no sentir de Braz Teixeira, não apenas um tema de indagação teórica mas é, como já foi salientado, a causa originante do filosofar. Diríamos mais: que a problemática teodiceica é o leitmotiv das preocupações existenciais do homem comum, bem como o ponto de partida para a indagação filosófica. Isso constitui marca caraterística da cultura em Portugal. "No português, escreve Braz Teixeira no seu ensaio intitulado: O problema do mal na filosofia portuguesa contemporânea, a ânsia desmedida de absoluto, causa tão frequente de seus sucessos e fracassos, a apetência de regresso a uma perdida harmonia e perfeição, de que emerge a saudade, como já D. Francisco Manuel (1608-1666) o vira, choca-se dramaticamente com a realidade brutal e agressiva do mal nos homens e no mundo. A possibilidade de existência de Deus, suma Bondade e sumo Bem, e a realidade insofismável do mal, eis o que, desde o plano do mais desatento viver quotidiano até ao da mais séria e responsável especulação, é para ele causa de inquietação e perplexidade. De tal atitude e problema dá sinal o seu pensamento, com tão funda ressonância, desde a heresia priscilianista aos nossos dias, que por eles acentuadamente se singulariza no quadro do filosofar europeu, como tem já sido notado por alguns dos seus mais esclarecidos intérpretes" [Teixeira, 1964: 16].
O nosso pensador faz referência específica, neste ponto, a Álvaro Ribeiro e José Marinho. Embora estes pensadores, bem como outros importantes representantes da corrente da Filosofia Portuguesa (como Leonardo Coimbra, Sant'Anna Dionísio, Antônio Quadros e Afonso Botelho) tenham salientado o caráter religioso-metafísico do povo, inspirador da meditação filosófica em Portugal, estudiosos de outras latitudes, em épocas passadas, salientaram também essas caraterísticas, referindo-as ao homem peninsular. Madame de Staël (1766-1817), por exemplo, na sua obra Dix années d'exil tinha dito acerca da Rússia que "os laços da nação consistem na religião e no patriotismo" [Staël, 1996: 304], tendo encontrado profundas semelhanças entre esse povo e os ibéricos (em decorrência do valor atribuído em ambas as culturas ao fator religioso). A escritora francesa chegava ao ponto de dizer que os russos eram os "castelhanos do norte" [Staël, 1996: 258].
A primeira conseqüência da adoção, por parte da Filosofia Portuguesa, do mencionado ponto de partida teológico, é a crítica à razão que pretendeu, sob a inspiração do racionalismo iluminista, se constituir em juíza e senhora da verdade. A propósito, frisa Braz Teixeira: "Como, porém, o problema de Deus é indissociável do problema do Logos, a crítica filosófica à idéia tradicional da divindade é acompanhada por uma paralela dissolução do conceito iluminista de uma razão clara e segura de si, que recusa todo o negativo e todo o irracional, primeiro através da interrogação sobre os limites da própria razão e sobre o seu saber de si, e, depois, pela admissão progressiva do irracional que recusara, tanto do irracional entitativo, como do irracional cognitivo, e, por fim, pela sua abertura a outras formas gnósicas, como a intuição, a imaginação ou a crença" [Teixeira, 1993: 16].
Em decorrência desta avaliação crítica da razão, as questões antropológicas deságuam em questões teológicas, sendo o problema do mal a indagação central da antropologia na Filosofia Portuguesa. Em relação a esse ponto, escreve o nosso pensador, sintetizando a evolução da meditação filosófica em Portugal nos séculos XIX e XX: "No pensamento português contemporâneo, a análise filosófica da idéia de Deus foi acompanhada por uma paralela revisão do conceito de uma razão clara e segura de si, que repele todo o irracional, seja mal seja erro  - como é ainda a de Amorim Viana (1822-1901) -, primeiro, pela interrogação sobre os limites da mesma razão - Antero de Quental (1842-1891) - e, depois, pela admissão do próprio irracional, quer como racional entitativo - com Sampaio Bruno (1857-1915) e a admissão do mal como o positivo e o plenamente real -, quer com a consideração do erro como irracional cognitivo - Leonardo Coimbra -, quer,  por fim, com o fazer depender todo o pensamento do enigma e com o considerar recíproca e complementarmente implicadas as noções de visão unívoca e de cisão -José Marinho -. Este processo de paralelo desenvolvimento do debate filosófico sobre a idéia de Deus e o conceito de razão não poderia, naturalmente, deixar de projectar-se também sobre o modo de defrontar a grande aporia que o mal suscita: como conciliar, no plano especulativo, a sua existência com a omnipotência e a bondade divinas? Daí que, no pensamento português dos séculos XIX e XX, se assista a uma radical alteração na atitude filosófica perante o mal, que depois de haver sido longamente pensado como problema, passou a ser visto como enigma que leva o homem a interrogar-se sobre si próprio e sobre a cisão em que o mal se dá ou manifesta, quando não já como mistério. Ou seja, de algo exclusivamente humano, que poderia ser resolvido ou superado pelo pensamento ou pela razão do homem, negando a sua essencial realidade e convertendo-o em ilusória aparência ou privação, o mal ascendeu ao reino divino e converteu-se em algo inegavelmente real que, no entanto, por exceder a capacidade da razão humana, é incognoscível, tornando-se, por isso,  inviável toda a ontologia do mal e limitando-se à sua fenomenologia, ao conhecimento dos modos como se manifesta na vida e no agir dos homens o saber que sobre ele é possível" [Teixeira, 1993: 62].
No contexto da crítica à tendência racionalista atrás apontada, a meditação portuguesa, no sentir de Braz Teixeira, passa a se polarizar ao redor das seguintes questões: a idéia de Deus, o problema do mal, o conceito de razão e as relações entre razão e fé, filosofia e religião e filosofia e ciência [cf. Teixeira, 1971: 355-373]. Se a meditação filosófica se polarizou, em Portugal, em torno às questões teológicas, isso não significa, contudo, que esteja fechada a porta para um diálogo criativo com a meditação brasileira, claramente formulada numa perspectiva fenomenológica e crítica. Valha aqui o alerta de tolerância e abertura intelectual dado pelo nosso pensador no prefácio à sua obra O pensamento filosófico de Gonçalves de Magalhães [Teixeira, 1994: 15]: "Cabe ter presente (...) que a historiografia filosófica, no caso vertente, a do pensamento luso-brasileiro, só terá a ganhar com os contributos, por modestos que sejam, dos diversos pontos de vista, já que não se trata aqui de estabelecer ou definir qualquer ortodoxia interpretativa ou uma visão dogmática, monolítica e definitiva, mas sim daquele diálogo especulativo sempre em aberto e sempre sujeito a revisão em que consiste toda a actividade hermenêutica".
4 - A experiência jurídica e a filosofia do direito.
A experiência jurídica constitui o outro tipo de experiência que, junto com a religiosa, merece especial atenção do nosso autor. Diferentemente desta, que se abre à escatologia e à transcendência, como acabamos de ver, a experiência jurídica projeta-se sobre o mundo e sobre os conflitos entre as pessoas. É definida por Braz Teixeira, no seu ensaio intitulado: Experiência jurídica e ontologia do direito [Teixeira, 1987: 27], no qual o pensador português sintetiza os aspectos essenciais da sua filosofia do direito, que expôs de maneira sistemática na obra, já citada, Sentido e valor do direito. Introdução à filosofia jurídica [cf. Teixeira, 2000a]. Eis a definição de experiência jurídica, no primeiro dos escritos mencionados: "A experiência jurídica aparece-nos constituída por um conjunto, complexo mas unitário, de dados, de que se destaca, em primeiro lugar, a sua estrutura antinómica, a natureza ou dimensão conflitual das relações jurídicas, o envolver uma questão prática, um problema referente à conduta, em que existe um conflito entre diversos sujeitos, que carece de ser resolvido ou composto, de ser satisfeito, de modo a obter a paz social. Este tipo particular de experiência (...) revela-se constituído por dados que se referem não só a pessoas e a realidades da vida ou coisas do mundo, como também a valorações, a necessidades e pretensões, envolvendo questões concretas que é necessário resolver ou decidir. É por isso que constituem dados imediatos da experiência jurídica, por um lado, os conflitos de interesses e, por outro, o critério de valor - o sentido do justo e do injusto - a que se recorre para a respectiva solução. E também aqui a sua estrutura antinómica se revela, agora no confronto entre o sentimendo de justiça, que fornece o critério de valor em que se baseia a solução dos conflitos e a necessidade de fundamentar racionalmente essa mesma solução, de encontrar razões ou argumentos que a justifiquem" [Teixeira, 1987: 27-28].
O nosso autor destaca o caráter cultural da realidade jurídica, criação humana referida a valores, princípios ou ideais, inserida no contexto da historicidade em que se desenvolve a vida do homem. Eis a maneira em que Braz Teixeira sintetiza esse aspecto do direito, de forma muito próxima, aliás, a como Miguel Reale (1910-2006) interpreta essa realidade, no contexto do seu conhecido culturalismo, que constitui o marco da teoria tridimensional do direito. "Como realidade cultural, - frisa Braz Teixeira - o Direito não pertence ao mundo físico nem biológico, em que impera a causalidade e o determinismo, nem ao domínio psíquico, nem sequer ao dos seres ideais, em que se situam as realidades lógicas e matemáticas, pois enquanto estas são intemporais e abstractas, o direito é concreto, variável no tempo e no espaço e, como realidade humana, é profundamente marcado pela temporalidade e pela historicidade essenciais ao próprio homem. Como criação cultural, o Direito não é um dado, uma realidade pré-existente que o homem encontre no mundo ou na natureza, nem uma realidade estática, mas sim espírito objectivado, projecção espiritual do homem, algo que está aí para ser pensado, conhecido e vivido e cuja existência depende, por isso, da relação cognitiva e vivencial que o homem com ele estabelece e mantém, a qual lhe dá vida e conteúdo e actualiza, dinâmica e criadoramente, o sentido que nele está latente e lhe é conferido pela referência a valores, princípios ou ideais" [Teixeira, 1987: 29].
Braz Teixeira considera que o Direito, enquanto realidade cultural, objetiva-se em normas, "constituindo uma ordem reguladora da conduta ou do agir humano na sua interferência inter-subjectiva, na sua convivência ou na sua vida social"; refere-se, assim, à atividade prática do homem e não à atividade teorética e pressupõe, fundamentalmente, a liberdade, "porquanto só enquanto o homem é livre no seu agir, quando pode escolher o seu comportamento e optar entre diversas condutas possíveis, tem sentido que se lhe ordene que aja de certo modo e se responsabilize e puna pelo desrespeito pela ordem recebida ou imposta. Assim, o seu domínio próprio é o da liberdade de agir, cujo exercício e manifestação exterior regula e disciplina, visando estabelecer uma ordem nessa mesma conduta, definida a partir de princípios, valores ou ideais que se entende ou pretende deverem conformar o agir humano. Ao Direito, como realidade cultural, é, pois, inerente um sentido ou um conteúdo axiológico, uma relação entre a liberdade e determinados valores, princípios ou ideais" [Teixeira, 1987: 29-30].
 Importante contribuição dá Braz Teixeira à reflexão acerca da forma em que são atualizados os valores no contexto da experiência jurídica. Nesse particular, atribui grande importância ao papel do magistrado, aquele que tem a missão de tornar vivo o valor da justiça. A respeito, escreve o nosso pensador: "Deve notar-se que, do ponto de vista da Justiça, é mais decisiva a aplicação da lei, porquanto é então que, em concreto, o Direito se realiza e o próprio de cada um se afirma e define, o que, obviamente, não impede um juízo sobre a justiça ou a injustiça da lei em si. Desta conclusão uma outra deriva: a de que é mais decisivo o papel do juiz do que o do legislador, da jurisprudência do que da lei. De igual modo, o costume, como mediador mais direto do que a lei entre o sujeito e a norma, pela sua menor abstração e generalidade, pela sua origem mais vivencial do que racional-voluntária, mais coletiva do que individual, poderá garantir melhor do que aquela uma solução justa. Por outro lado, esta visão da Justiça vem pôr a claro a inadequação do modo de entender a sentença como mero processo lógico-formal, como um raciocínio silogístico e chamar a atenção para que o dizer o Direito - a jurisdição - do caso concreto, o juízo de legalidade que o juiz profere é condicionado, precedido e,  em larga medida, determinado por um juízo de justiça, de natureza intuitivo-emocional, ditado pelo sentimento da justiça" [Teixeira, 1986: 128].
O Direito, de outro lado, considera nosso autor, tenta regular ou ordenar a conduta relacionada à condição social do homem,  às relações com os outros homens e com as coisas, "na medida em que estas últimas relações possam interessar ou afectar os outros". O Direito possui, portanto, o caráter de realidade social e de bilateralidade, ao envolver as relações interpessoais, "implicando direitos e deveres de uns perante os outros". O Direito é, além disso, uma realidade social heterónoma, "uma vez que a regulamentação ou a ordenação da conduta que se propõe estabelecer é imposta do exterior aos sujeitos, por um outro sujeito dotado do poder de estabelecer e impor critérios, regras ou normas de conduta ou de comportamento" [1987: 30].
Na análise que o nosso autor realiza do Direito como ordem normativa ressaltam, de um lado, a sua extensa e profunda cultura jurídica e, de outro, o sábio equilíbrio de quem muito refletiu sobre a problemática humana do ângulo da solução dos conflitos à luz do ideal de justiça. Além dos seus clássicos estudos no terreno da filosofia do direito, é conhecida, também, a importantíssima contribuição dada por Braz Teixeira no terreno do direito fiscal e tributário [Cf. Teixeira, 1967; 1969], ou no da teoria do Estado [cf. Teixeira, 1955; 1956], especificamente no que diz relação à guerra e ao papel das corporações. Não vou me alargar mais na análise deste aspecto do pensamento de Braz Teixeira. Gostaria de destacar apenas que, no terreno da historiografia das idéias sociais e jurídicas, espelha-se de modo claro a sensatez e o equilíbrio que animam a reflexão do nosso pensador [cf. Teixeira, 2001a: 177-191], bem como a sua indiscutível atualidade, segundo transparece no seu ensaio intitulado: A justiça no pensamento contemporâneo [cf. Teixeira, 2001b].
Chamarei a atenção, finalizando este item, para a concepção de Braz Teixeira acerca da sociedade como pluralidade de interesses em conflito, regulados pelo Direito na busca do bem comum, preservando a liberdade e à luz do valor justiça. Eis, a seguir, uma bela síntese feita pelo nosso autor, acerca da sua concepção (que poderíamos chamar de culturalista e liberal) da realidade e da experiência jurídicas: "As normas em que se objectiva o Direito constituem uma ordem, num duplo sentido: por um lado, formam um conjunto ordenado a partir dos princípios, valores ou ideais de cuja visualização ou interpretação são objectivada expressão; por outro, procuram ordenar, rectificar ou tornar direita ou recta a vida social, a convivência entre os homens, as suas relações, substituindo por uma ordem o caos a que a desordenada conduta individual inevitavelmente conduziria, no seu jogo de egoísmos e na luta em que o mais fraco sucumbiria ao arbítrio do mais forte. A ordem que o Direito visa instituir, porque referida a valores, princípios ou ideais, não é uma ordem neutra ou indiferente, mas sim uma ordem justa, uma ordem concreta definida a partir do princípio ou valor justiça, que é, precisamente, aquele que dá sentido e conteúdo ao Direito na sua essencial dimensão axiológico-cultural. Partindo da justiça, como princípio, valor ou ideal, o Direito é, pois, o meio de que o homem se serve para alcançar uma adequada ordenação da sua conduta social, com o fim de coordenar o exercício da liberdade de cada um com a liberdade dos restantes, realizando, deste modo, o bem comum da sociedade política" [Teixeira, 1987: 34-35].
Conclusão
A meditação de António Braz Teixeira apresenta-nos, sobre o pano de fundo de uma concepção da Filosofia entendida na sua dupla dimensão de contemplação diuturna da verdade a partir do horizonte histórico do homem, um amplo painel da realidade humana estudada sob o ângulo da experiência. Se, do ponto de vista metafísico em que se projeta a experiência religiosa, o nosso autor faz verter a sua reflexão na temática da que passou a ser conhecida como corrente da Filosofia Portuguesa, polarizada pela idéia de Deus e de mistério insondável (na trilha da revelação cristã), do ponto de vista da sua reflexão sobre a experiência jurídica, pelo contrário, a meditação do nosso autor passa a se projetar sobre o horizonte humano do agir no mundo e das relações inter-pessoais, com os conflitos a que dá lugar essa realidade (apreendida no contexto da experiência fenomenal).
Aparece, assim, no pensamento de Braz Teixeira, a meu modo de ver, uma dupla vertente: mística e fenomenológica. A primeira, que é condicionada por uma retomada da idéia medieval de experiência, como decorrência da vivência de uma realidade transcendente que nos é revelada numa manifestação que vem de cima, a partir de uma tradição escatológica preexistente e com predomínio do argumento de autoridade. É a dinâmica dos mitos fundadores da meditação filosófica, que tanto seduziu o pensamento de autores como Adolpho Crippa (1929-2000), Eudoro de Souza (1911-1987) ou Vicente Ferreira da Silva (1916-1963), no panorama cultural brasileiro. A "teologia filosófica" destes, como aliás destaca Braz Teixeira, aproxima-se da meditação portuguesa [cf. Teixeira, 1998b: 390-401].
A segunda vertente é condicionada pelo conceito hodierno de experiência, aberta ao mundo dos fenômenos e pressupondo a função crítica da razão como "faculdade ordenadora do real", para repetir as palavras do filósofo de Königsberg. O mundo do direito, para o mestre português, é fundamentalmente o que nos é dado pela nossa experiência fenomenal do mundo e das lutas entre os interesses contrapostos das pessoas, apreendido tudo isso à luz ordenadora do valor justiça, de que a razão jurídica é portadora, a fim de garantir a civilização e o convívio pacífico entre os homens.
Dupla perspectiva que, inserida no pensamento do mesmo autor, torna-se paradoxal, do ângulo da busca de um princípio unificador na sua obra. A primeira perspectiva, ao inspirar a historiografia das idéias empreendida, com dedicação e grande espírito de sistema, pelo nosso autor, terminou dando ensejo a uma versão do pensamento brasileiro que se contrapõe à nossa tradicional forma de abordarmos as questões da história das idéias no contexto da perspectiva transcendental kantiana, aliada à temática da filosofia como problema herdada de Nicolai Hartmann (1882-1950), Rodolfo Mondolfo (1877-1976) e dos nossos mestres culturalistas, Miguel Reale e Antônio Paim. A escolha da perspectiva transcendente não impediu ao nosso autor, no entanto, de elaborar uma ampla e objetiva caracterização de outras correntes da meditação portuguesa, diferentes da vertente em que ele se situa, como é o caso da fenomenologia [cf. Teixeira, 1998a: 5-20].
A segunda perspectiva, ao se aproximar da realidade social do ângulo pluralista da diversidade de interesses em conflito, e ao tentar uma solução à luz do Direito como criação cultural, aproxima-se muito da nossa metodologia culturalista de análise filosófica. A meditação antropológica seria, talvez, o elo que uniria, no pensador português, ambas as perspectivas apontadas, a julgar pela oportuna observação de Paulo Borges (1959-): "(Braz Teixeira) constata assim, nos vários rumos do pensamento português, a profunda relação entre a reflexão sobre o direito e a justiça e as concepções antropológico-metafísicas dos autores, nos quais denota uma razão que não se presume de uma suposta autonomia antes comprometida com a situação singular e concreta do sujeito humano, na abertura à experiência intuitiva, afectiva e crente" [Borges, 1992: 42].
Resta-nos realizar uma análise desassombrada da obra de Braz Teixeira, a fim de, sine ira ac studio, melhor compreendermos a sua posição no mundo da meditação luso-brasileira, obedecendo sempre ao critério de rigor crítico e de modéstia epistemológica expresso pelo mestre português, no prefácio da sua obra Espelho da razão [Teixeira, 1997: 10]: "Cabe agora aos investigadores e historiadores da filosofia brasileira avaliar em que medida é adequado o caminho que segui e são pertinentes as hipóteses interpretativas aqui propostas, com aquela serena simpatia intelectual que é condição de toda verídica compreensão filosófica".

 BIBLIOGRAFIA
 
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·                     TEIXEIRA, António Braz [2001b]. "A justiça no pensamento contemporâneo". Manuscrito inédito.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

PANORAMA DO PENSAMENTO BRASILEIRO - PROBLEMAS E CORRENTES



Embora a disciplina “Pensamento Brasileiro” tivesse sido banida do nosso universo acadêmico da pós-graduação, pelos burocratas marxistas, ao longo dos governos lulopetistas e sociais-democratas no decorrer dos últimos 30 anos, contudo, dois importantes Centros de Estudos Superiores Militares a encamparam, de forma sistemática: a Universidade da Força Aérea e a Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME), ambas no Rio de Janeiro.
Efetivamente, a Universidade da Força Aérea adotou, em 2019, o Curso de Pensamento Brasileiro existente, há dez anos, como atividade de extensão no Clube da Aeronáutica, sob o comando do presidente Maj Brig Marco Antonio Carballo Perez (1957). Esse Curso tinha sido criado, em 2009, pelo coronel Araken Hipólito da Costa, auxiliado pelo professor Francisco Martins de Souza (1925).
A Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME), por sua vez, abriu espaço, desde 2003, para o estudo do pensamento político brasileiro, na disciplina: “Doutrinas Políticas Contemporâneas”, [cf. VÉLEZ Rodríguez, 2012] que integra o leque de seminários do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Coordenador desse programa acadêmico foi o coronel José Lucas da Silva. Como Professor Emérito da ECEME, lecionei essa disciplina durante vários anos.
Após o fechamento, em 1994, pelo  MEC, do Curso de Mestrado em Pensamento Brasileiro, que ajudei a criar na Universidade Federal de Juiz de Fora, junto com o professor Antônio Paim (1927), tomei a decisão de não lecionar mais a disciplina “Pensamento Brasileiro”. No entanto, os meus alunos da graduação insistiam em que lhes oferecesse um seminário sobre esse tema. Tanto insistiram, que me venceram e comecei, em 2003, a oferecer uma disciplina eletiva denominada: “Pensamento Brasileiro”, à qual assistiram, entre outros, os seguintes alunos: Marco Antônio Barroso, Alexandro Ferreira de Souza, Bernardo Goytacazes de Araújo e Humberto Schubert Coelho. Por sugestão dos discentes, comecei o programa com a filosofia da mitologia. Ao longo de dois semestres fizemos a leitura dos mais destacados “Mitos indígenas” da nossa tradição ameríndia. A disciplina foi um sucesso. Nos semestres seguintes, passou a ser oferecida com o nome de “Filosofia Brasileira” e voltaram a ser estudados os clássicos da meditação nacional, seguindo o roteiro proposto por Antônio Paim na sua obra clássica: História das ideias filosóficas no Brasil, já na sexta edição. O estudo do pensamento brasileiro voltou em grande estilo ao currículo da Universidade, não pelas mãos dos burocratas, mas a pedido dos alunos, dando uma prova evidente da vitalidade que anima às novas gerações.
Torna-se necessária, de entrada, uma breve aclaração metodológica. Partimos do pressuposto de que não existe, na história do pensamento, originalidade total. Os pensadores emergem do seio da milenária tradição da meditação ocidental, pensando problemas que são específicos da sua época e do seu meio. A originalidade do pensamento deve ser procurada aí: nas peculiares condições histórico-culturais que influenciam na forma em que cada pensador reflete, condicionado ele próprio pela carga de fatores subjetivos e subjetivo-objetivos presentes em todo ato humano: valores, sensibilidade, experiências, vivências etc. Levando em consideração esta observação, será utilizado, neste trabalho, o método de estudo do pensamento brasileiro proposto por Miguel Reale (1910-2006) e Antônio Paim. Este método consiste em identificar o problema ou os problemas aos que pretende responder o pensador, a fim de compreender a sua peculiar contribuição no terreno das ideias e poder traçar, posteriormente, um quadro dos elos e derivações da sua meditação, em relação a outros autores e correntes [cf. Reale, 1951; Paim, 1979]. Serão percorridas, a seguir, duas etapas: I -  períodos colonial e monárquico (séculos XVII-XIX), e, II -  período republicano (séculos XX e XXI).
I - O pensamento brasileiro nos períodos colonial e monárquico  (séculos XVII, XVIII e XIX).
As mais importantes obras que estudaram o momento colonial e o desenvolvimento do pensamento brasileiro, ao longo do século XIX, são: a História das idéias filosóficas no Brasil de Antônio Paim [1967]; Contribuição à história das idéias no Brasil, de João Cruz Costa [1956]; Panorama da filosofia no Brasil, de Luís Washington Vita [1969]; Filosofia em São Paulo, de Miguel Reale [1976]; Antologia do pensamento social e político no Brasil, de Luís Washington Vita [1968]; As idéias filosóficas no Brasil: séculos XVIII e XIX, obra em colaboração organizada por Adolpho Crippa [1978a]; Achegas à história da filosofia, de Alcides Bezerra [1936]; O humanismo brasileiro, de Vamireh Chacon [1980] e História da filosofia no Brasil, de Jorge Jaime [1997]. Entre os estudos realizados por autores estrangeiros, merecem destaque as seguintes obras:  Filósofos brasileiros, do escritor boliviano Guillermo Francovich [1979]; Filosofia luso-brasileira, trabalho em colaboração organizado por Ricardo Vélez Rodríguez [1983] e Pensamento luso-brasileiro, de Eduardo Abranches de Soveral [1996]. No terreno do estudos bibliográficos, o mais importante é o de Antônio Paim [1982], intitulado: Bibliografia filosófica brasileira: 1808-1930 .
A meditação brasileira, durante o período colonial, caracteriza-se pela sua inspiração nos temas tratados pela Segunda Escolástica portuguesa. O ponto central desta consistia na defesa da ortodoxia católica, a partir das disposições adotadas no Concílio de Trento (1545-1563) como reação contra a reforma protestante. A máxima expressão desse esforço foi a Ratio Studiorum, sistematizada definitivamente em 1599, e que consistia num estrito regulamento que pautava as atividades acadêmicas da Companhia de Jesus em Portugal e na Espanha. Tal regulamento disciplinou o ensino no Colégio das Artes de Coimbra, na Universidade de Évora e nas demais escolas jesuíticas, que praticamente monopolizavam os estudos secundários em Portugal.
Dois aspectos típicos da Ratio Studiorum eram a subordinação do ensino superior à teologia e o dogmatismo, que se alicerçava na procura de uma ortodoxia definida pelos próprios jesuítas e que conduzia a expurgar os textos dos autores, inclusive os do próprio São Tomás de Aquino (1225-1274). Como acertadamente destacou Antônio José Saraiva [1955: 229-230], "Não é necessário colocar em evidência o caráter dogmático desse ensino, perfeitamente coerente com o sistema no qual se integra. O ensino da filosofia não visava a desenvolver a capacidade crítica do aluno, mas a incutir, nele, uma determinada doutrina, a prevenir os possíveis desvios em relação a ela e a prepará-lo para defendê-la".
O ambiente cultural ensejado em Portugal pela Ratio Studiorum não favoreceu a abertura às filosofias modernas, formuladas na Europa durante os séculos XVI e XVII. Consequentemente, a meditação filosófica colonial correspondeu, no Brasil,  à corrente chamada por Luís Washington Vita de "saber de salvação", cujos principais representantes foram Manuel da Nóbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques Pereira e Souza Nunes. Desse conjunto destaca-se a obra de Marques Pereira (1652-1735) intitulada: Compêndio narrativo do peregrino da América [Pereira, 1939], que foi editada, sucessivamente, em 1728, 1731, 1752, 1760 e 1765. A obra respondia à problemática típica da espiritualidade monástica, centrada na idéia de que o homem não foi criado por Deus para esta vida, destacando-se, em consequência, o caráter negativo da corporeidade e das tarefas terrenas.
Na segunda metade do século XVIII, consolidou-se em Portugal a corrente do empirismo mitigado, que se caracterizava por uma forte crítica à Segunda Escolástica e ao papel monopolizador que exerciam os jesuítas no ensino, bem como pela tentativa de formular uma noção de filosofia que se reduzisse à ciência aplicada. Duas obras serviram de base a essa nova corrente: Instituições lógicas do italiano Antonio Genovesi (1713-1769) [1937] e o Verdadeiro método de estudar, do sacerdote oratoriano português Luís Antônio Verney (1713-1792) [1950]. O empirismo mitigado foi formulado e se desenvolveu, no contexto mais amplo das reformas educacionais do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), que pretendiam incorporar a ciência aplicada ao esforço de modernização despótica do Estado português. Contudo, ao responder a uma problemática formulada a partir das necessidades do Estado patrimonial e não a partir de uma perspectiva que tivesse como centro o homem, o empirismo mitigado não conseguiu dar uma resposta satisfatória aos problemas da consciência e da liberdade.
O empirismo mitigado inspirou, no entanto, a importantes segmentos da intelligentsia brasileira, a partir da mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. A geração de homens públicos que organizou as primeiras instituições de ensino superior era de formação cientificista-pombalina. Entre eles, cabe destacar a figura de dom Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), conde de Linhares, que, em 1810, organizou a Real Academia Militar do Rio de Janeiro.
O esforço em prol da superação do empirismo mitigado coube a Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Inspirado na filosofia de Leibniz (1646-1716) e, de outro lado, na lógica aristotélica e no empirismo lockeano, o pensador português, que foi ministro da corte de dom João VI no Brasil, formulou um amplo sistema que abarcava três partes: a teoria do discurso e da linguagem, o saber do homem e o sistema do mundo. A sua mais importante contribuição ao pensamento brasileiro consistiu na tentativa de superação da filosofia até então vigente; a sua proposta teórica foi sistematizada, principalmente, nas  Preleções filosóficas [Ferreira, 1970] e na formulação do liberalismo político e das bases do sistema representativo, no Manual do cidadão num governo representativo [In: Ferreira, 1976]. Graças à sua valiosa colaboração teórica, o Império brasileiro conseguiu superar os problemas do liberalismo radical e deitou as bases para a prática parlamentar. No entanto, a sua meditação não conseguiu formular, de maneira completa, uma explicação filosófica para o problema da liberdade.
Os temas da consciência e da liberdade ocuparam o foco do debate filosófico que se efetivou, no Brasil, ao longo do século XIX. A partir das bases colocadas pela meditação de Silvestre Pinheiro Ferreira, os pensadores ecléticos procuraram dar uma resposta de caráter espiritualista à problemática do homem. Sem dúvida que os filósofos brasileiros deste período se inspiraram no ecletismo espiritualista francês, formulado por Maine de Biran (1766-1824) e divulgado por Victor Cousin (1792-1867), que permitiu superar o extremado sensismo de Condillac (1715-1780). Mas o pensamento dos primeiros reveste-se da originalidade que tinham as circunstâncias históricas do Brasil no século XIX, relacionadas com o problema da construção do sentimento de nação e com a organização do Estado.
As duas figuras mais representativas do ecletismo brasileiro são Eduardo Ferreira França (1809-1857) e Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882). A obra do primeiro caracteriza-se por buscar uma fundamentação filosófica, para o exercício da liberdade política. Apesar de ter formulado uma visão determinista do homem nos seus primeiros escritos, o seu pensamento evolui até uma concepção espiritualista, na obra fundamental, intitulada: Investigações de psicologia [França, 1973], publicada em Paris em 1854. Sem abandonar a perspectiva empirista, que tinha adotado desde o início da sua meditação filosófica, Ferreira França,  graças à influência de Maine de Biran, consegue desenvolver o tema da introspeção, que lhe permitirá chegar, com o rigor da observação empírica, à constatação da existência do espírito. Na sua meditação,  Ferreira França dará especial ênfase ao tema da vontade, a qual é concebida como o elemento catalizador dos diversos poderes de que está dotado o homem, cabendo-lhe a função primordial de constituí-lo como pessoa.
Gonçalves de Magalhães expôs o seu pensamento na obra intitulada: Fatos do espírito humano [Magalhães, 1865], publicada em Paris, em 1859. O problema ao qual respondeu a filosofia do maior pensador romântico do Brasil foi o da construção da idéia de nação. Isso fez com que a obra de Magalhães, como destaca o seu mais importante estudioso, Roque Spencer Maciel de Barros [1973], se formulasse no contexto de uma proposta pedagógica. Magalhães baseia a sua visão da liberdade e da moral numa análise filosófica inspirada em Victor Cousin e parcialmente em Malebranche (1638-1715) e Berkeley (1685-1753); formula uma explicação do homem em termos puramente espiritualistas, que negam qualquer valor substancial ao mundo material, inclusive ao próprio corpo, já que o universo sensível só existe intelectualmente em Deus, como pensamentos seus.
O homem, preso ao corpo, é livre por ser espírito e adquire a conotação de ente moral justamente em virtude dessa "resistência do corpo". A moral de Magalhães, como a de Cousin, é uma moral do dever, que valoriza a intenção do autor e não o resultado do ato. A inspiração romântica dessa filosofia aparece na importância conferida por Magalhães ao fator religioso, como motor da nacionalidade, bem como no papel desempenhado pela poesia, enquanto educadora do povo (ele foi o mais importante representante do romantismo literário no Brasil). Dessa forma, Magalhães desempenha, no contexto brasileiro, um papel semelhante ao representado, em Portugal, pelo primeiro romântico luso, Alexandre Herculano (1810-1877).
Outras figuras de menor importância, na corrente eclética brasileira, foram Salustiano José Pedrosa (falecido em 1858) e Antônio Pedro de Figueiredo (1814-1859), que traduziu ao português o Curso de história da filosofia moderna de Victor Cousin (1792-1867). O ocaso da corrente eclética dá-se ao longo do período de 1880 a 1900, em decorrência do fenômeno cultural denominado por Sílvio Romero (1851-1914) de "surto de idéias novas", e que se caracterizou pela entrada, nos meios acadêmicos, de filosofias contrárias ao espiritualismo eclético, como o darwinismo, o determinismo monista e o positivismo.
Sem dúvida alguma que, entre as correntes filosóficas em ascensão nas últimas décadas do século XIX, o positivismo foi a que mais repercussão teve no seio do pensamento brasileiro. A razão fundamental desse fato radica na pré-existente tradição cientificista, que se iniciou com as reformas pombalinas, à luz das quais estruturou-se todo o sistema de ensino superior, em bases que privilegiavam a ciência aplicada e a instrução estritamente profissional. Isso explica a tardia aparição da idéia de universidade (entendida como instância de cultura superior e  de pesquisa básica), no contexto cultural brasileiro. Efetivamente, só a partir da década de 1920 ganharia corpo a idéia de universidade, como reação contra o positivismo reinante.
O positivismo teve, no Brasil, quatro manifestações diferentes: a ortodoxa, a ilustrada, a política e a militar. A corrente ortodoxa teve como principais representantes Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), os quais fundaram, em 1881, a Igreja Positivista Brasileira, com o propósito de fomentar o culto da "religião da humanidade", proposta por Comte (1798-1857) no seu Catecismo positivista.
A corrente ilustrada teve como principais representantes Luís Pereira Barreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921), Paulo Egydio (1842-1905) e Ivan Lins Monteiro de Barros (1904-1975). Esta corrente defendia o plano proposto por Comte na primeira parte da sua obra, até 1845, antes de formular a sua "religião da humanidade", e que poderia ser sintetizado assim: o positivismo constitui a última etapa (científica) da evolução do espírito humano, que já passou pelas etapas teológica e metafísica e que deve ser educado na ciência positiva, a fim de que surja, a partir desse esforço pedagógico, a verdadeira ordem social, que foi alterada pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII.
A corrente política do positivismo teve como maior expoente Júlio de Castilhos (1860-1903) [cf. Vélez, 1980], que, em 1891, redigiu a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, a qual entrou em vigor nesse mesmo ano. Segundo essa carta, as funções legislativas passavam às mãos do poder executivo, sendo os outros dois poderes públicos (legislativo e judiciário) tributários do executivo hipertrofiado. Para Castilhos, deveria se inverter o dogma comteano de que à educação moralizadora seguiria, pacificamente, a ordem social e política. O Estado forte deveria, ao contrário, impor, coercitivamente, a ordem social e política, para depois educar compulsoriamente o cidadão na nova mentalidade, alicerçada na ciência positiva. Esta corrente ganhou maior repercussão do que as outras três, devido a que obedeceu à tendência cientificista de que já se tinha impregnado o modelo modernizador do Estado consolidado pelo marquês de Pombal. Assim, as reformas autoritárias de tipo modernizador que o Brasil iria experimentar, ao longo do século XX, deram continuidade à mentalidade castilhista do Estado forte e tecnocrático. Este modelo consolidou-se na obra de um seguidor de Castilhos: Getúlio Vargas (1883-1954), como será detalhado mais adiante. Aconteceu, com o castilhismo, algo semelhante ao ocorrido no México com o porfirismo: ambas as doutrinas cooptaram a filosofia positivista como ideologia estatizante e reformista.
A corrente militar positivista teve como principal representante Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a monarquia, em 1889. Esta corrente estruturou-se, paralelamente, à ilustrada, projetando, ao longo das últimas décadas do século XIX, o ideário cientificista pombalino, conforme destacou Antônio Paim [1980: 259]: "A adesão às doutrinas de Comte por parte dos líderes da Academia Militar, deu-se no estreito limite em que contribuiu para desenvolver as premissas do ideário pombalino, quer dizer, a crença na possibilidade da moral e da política científicas. Para comprová-lo,  basta comparar as funções às que Comte destinava as forças armadas e o papel que Benjamin Constant atribui ao Exército".
A filosofia positivista foi vigorosamente criticada pela corrente denominada de "Escola do Recife" [cf. Paim, 1966]. O fundador e mais destacado representante dessa corrente de pensamento foi Tobias Barreto (1839-1889). Outras figuras dignas de menção são Sílvio Romero (1851-1914), Clóvis Beviláqua (1859-1944), Artur Orlando (1858-1916), Martins Júnior (1860-1909), Faelante da Câmara (1862-1904), Fausto Cardoso (1864-1906), Tito Lívio de Castro (1864-1890) e Graça Aranha (1868-1931).
Os pensadores da "Escola do Recife" protagonizaram uma clara reação contra as duas formas de pensamento que dominavam o panorama filosófico nacional, nas últimas décadas do século XIX: o ecletismo espiritualista e o positivismo. Apesar de que, no início, os seus principais expoentes tivessem tomado elementos do monismo de Haeckel (1834-1919) e da própria filosofia comteana, muito cedo superaram esses limitados pontos de vista, para se abrirem às idéias que garantiriam a tematização da cultura, no contexto do neokantismo. Esse esforço teórico foi iniciado por Tobias Barreto e coroado por Artur Orlando. Rosa Mendonça de Brito [1980: 33] sintetizou, assim, a contribuição deste último: "A sua filosofia é uma meditação sobre as ciências e a crítica ou teoria do conhecimento. Esta é a parte da filosofia que lhe dá um objeto próprio, capaz de justificar-lhe a existência, representando, pois, o núcleo central do pensamento filosófico moderno e contemporâneo. A teoria do real e do ideal  -- saber o que o nosso conhecimento possui de objetivo e de subjetivo --  é o seu problema fundamental".
A "Escola do Recife" foi, no contexto do pensamento filosófico brasileiro do século XIX, a mais clara manifestação da perspectiva transcendental kantiana, ao entender  -- com Tobias Barreto e Artur Orlando --  a filosofia como epistemologia. Estes pensadores, sem dúvida, deitaram as bases para o ingresso e a discussão, no meio brasileiro, das idéias provenientes do neokantismo, nas primeiras décadas do século XX.
De outro lado, ao buscar uma fundamentação de tipo transcendental não só para o conhecimento, mas também para a ação humana, a "Escola do Recife", especialmente, através da meditação dos dois autores mencionados anteriormente, desaguou na concepção da cultura como dimensão específica do humano, que se contrapõe ao mundo da natureza. Segundo o fundador da "Escola do Recife": "(...) a sociedade, que é o grande aparato da cultura humana, deixa-se figurar através da imagem de um emaranhado imenso de relações sinérgicas; é um sistema de regras, é uma rede de normas, que se não limitam ao mundo da ação, chegando até os domínios do pensamento. Moral, direito, gramática, lógica, civilidade, cortesia, etiqueta, etc., são outros tantos corpos de doutrina que têm de comum entre si o caráter normativo (...). E tudo isso é obra da cultura em luta com a natureza (...), luta na qual o direito é o fio vermelho e a moral o fio de ouro, que atravessam todo o tecido das relações sociais. Um direito natural possui tanto sentido quanto uma moral natural, uma gramática natural, uma ortografia natural, uma civilidade natural, pois todas essas normas são efeitos, invenções culturais" [Tobias Barreto, 1966: 331-332].
A "Escola do Recife", ao mesmo tempo que permitiu fazer uma crítica de fundo ao determinismo positivista, que ancorava na submissão naturista da liberdade e da consciência, reduzindo-as a efeitos da "física social",  deitou, também, as bases para a corrente de pensamento que, no século XX, revelar-se-ia mais vital no contexto da meditação filosófica brasileira: o culturalismo.
Apesar de que a "Escola do Recife" foi a mais importante herdeira do kantismo, ao longo do século XIX, não podemos ignorar o papel pioneiro que representaram os Cadernos de Filosofia [Feijó, 1967] do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), que sintetizam o magistério do regente do Império (1835-1837). Neles, encontramos viva a presença de Kant (1724-1804), tanto no que se refere à forma em que Feijó entende a razão humana, quanto no que diz relação ao exercício da liberdade. As seguintes palavras, que ilustram a idéia que o padre paulista tinha acerca da meditação filosófica, partem do pressuposto da "revolução copernicana" do filósofo de Königsberg, de enxergar a problemática do conhecimento, sob uma perspectiva estritamente humana e transcendental: "Sendo o homem -- afirma Feijó em seus Cadernos --  a única substância conhecida por ele, é claro que toda ciência para ser verdadeira e não fenomenal, quer dizer, para ter um valor real em si, deve fundamentar-se no mesmo homem. É nas suas leis onde residem os princípios originais e primitivos de toda a ciência humana".
A meditação filosófica brasileira do século XIX não seria alheia à influência do krausismo. Miguel Reale destaca que o pensamento de Krause (1781-1832), apesar de ter entrado, indiretamente, no panorama brasileiro, por intermédio do jurista português Vicente Ferrer Neto Paiva (1798-1886) e dos krausistas Ahrens (1808-1874) e Tiberghien (1819-1901), teve ampla repercussão na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Os principais representantes dessa tendência foram: Galvão Bueno (1834-1883) e João Theodoro Xavier (1820-1878), cuja obra  Teoria transcendental do direito (1876), segundo Reale, "compendia os princípios fundamentais do racionalismo harmônico de Krause, com frequentes referências à doutrina de Kant".  João Theodoro tentou superar o individualismo da concepção kantiana do direito, numa visão que desse lugar essencial ao papel social do mesmo, sendo, assim, um dos precursores do chamado "direito social", ou "direito trabalhista" no Brasil.
Uma corrente de filosofia política bastante cultuada durante o Império foi o denominado liberalismo doutrinário. O pensamento de autores como François Guizot (1787-1874), Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), Royer-Collard (1763-1843), etc., exerceu bastante influência na consolidação do sistema representativo. Os pensadores brasileiros que mais diretamente receberam essa influência foram Paulino Soares de Souza, visconde de Uruguai (1807-1866) e o publicista Pimenta Bueno (1803-1878). A visão liberal-conservadora legada pelos doutrinários sofreria, em terras brasileiras, uma análise crítica do ponto de vista do liberalismo democrático de Alexis de Tocqueville (1805-1859). Tavares Bastos (1839-1875) e José de Alencar (1829-1877) foram os pensadores que melhor realizaram essa revisão crítica, que serviu de bandeira ao Partido Liberal, notadamente ao longo das décadas de 1860 e 1870 [cf. Vélez, 1997a e 1997b].
Como reação ao pensamento liberal, o tradicionalismo teve bastante divulgação, ao longo do século XIX. Podemos citar, como representantes importantes dessa tendência, dom Romualdo Seixas (1787-1860), que foi arcebispo de Salvador-Bahia e recebeu do Imperador o título de Marquês de Santa Cruz, e José Soriano de Souza (1833-1895).
Apesar de terem recebido a influência dos tradicionalistas franceses Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), os brasileiros mostraram-se muito mais tolerantes do que aqueles e do que os portugueses. Ubiratan Macedo [1981: 19] sintetizou, assim, o núcleo da filosofia tradicionalista brasileira: "Pode-se afirmar que os tradicionalistas brasileiros no século XIX tinham consciência clara de um conjunto de teses filosóficas, religiosas e de caráter social, ao redor das quais desenvolveram ensaios de certa magnitude. Tais teses consistiam no menosprezo pelo racionalismo e o liberalismo; na defesa da monarquia legítima; no empenho em prol da união da Igreja e do Estado e em prol da proscrição do matrimônio civil; na luta em defesa da liberdade de imprensa e de pensamento, em nome do direito à verdade. Passando ao nível político (...) e excetuando a preferência pela monarquia, não se observa maior claridade nas opções. A monarquia constitucional vigente era francamente tolerada, assim como o regalismo (...). E quanto a ter uma atenção política estruturada, como pretendia Soriano de Souza, esta não chegou a ser considerada. O grupo, apesar de ativo, era francamente minoritário e nunca teve maior proximidade com o poder".
II - O pensamento brasileiro no período republicano (séculos XX-XXI).
As principais obras que têm estudado o desenvolvimento do pensamento brasileiro, ao longo do século XX, são: de Antônio Paim, História das idéias filosóficas no Brasil [1967], Problemática do culturalismo [1977] e O estudo do pensamento brasileiro [1979]; de João Cruz Costa, Contribuição à história das idéias no Brasil [1956]; de Fernando Arruda Campos, Tomismo e neo-tomismo no Brasil [1968]; de Luis Washington Vita, Panorama da filosofia no Brasil [1969b] e Filosofia contemporânea em São Paulo [1969a]; de Tarcísio Padilha (organizador), Filosofia e realidade brasileira 1976]; de Adolpho Crippa (organizador),  As idéias filosóficas no Brasil: século XX [1978b]; de Stanislavs Ladusans, Rumos da filosofia atual no Brasil [1976]; de dom Odilão Moura, Idéias católicas no Brasil: direções do pensamento católico no Brasil no século XX [1978]; de Antônio Carlos Villaça, O pensamento católico no Brasil [1975]; de Aquiles Côrtes Guimarães,  O tema da consciência na filosofia brasileira [1982]; de Tarcísio Padilha (organizador), Anais da VII Semana Internacional de Filosofia [1993]; de Roque Spencer Maciel de Barros,  Estudos brasileiros [1997] e de José Maurício de Carvalho, Contribuição contemporânea à história da filosofia brasileira [1998]. No terreno dos estudos bibliográficos devem ser destacados  os de Antônio Paim, intitulados: Bibliografia filosófica brasileira: período 1931-1980 [1987] e Bibliografia filosófica brasileira: período contemporâneo, 1981-1985 [1988]. É importante lembrar, também, a obra de Geraldo Pinheiro Machado (1918-1985) 1000 títulos de autores brasileiros de filosofia [1983].
A partir da queda do Império e da instauração da República, em 1889, a preocupação com a busca de uma sociedade racional tornou-se meta prioritária da elite intelectual brasileira. O século XX começa sob a inspiração positivista, que deu ensejo às quatro correntes mencionadas anteriormente.
A vertente castilhista, consolidada, como já foi frisado, na Constituição política do Estado do Rio Grande do Sul, elaborada e promulgada por Castilhos em 1891, deu lugar à prática da "ditadura científica", no mencionado Estado. As figuras de maior relevo do castilhismo não foram teóricos do positivismo, mas espíritos práticos, que legislaram e que modelaram uma forma autoritária de governo. Consolidado o castilhismo, no Rio Grande do Sul, a partir de 1930 converteu-se na doutrina predominante do autoritarismo republicano brasileiro.
Duas gerações podemos identificar no castilhismo: a primeira, correspondente ao surgimento e consolidação dessa tendência no Estado do Rio Grande do Sul, no período compreendido entre 1891 e 1930 e que teve, além de Castilhos, os seguintes representantes: Borges de Medeiros (1864-1961), José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) e Getúlio Vargas (1883-1954). A segunda geração castilhista foi integrada pela elite sul-riograndense que acompanhou Getúlio Vargas na tomada do poder em 1930 e a sua influência projetou-se, diretamente, no cenário nacional, durante o longo período getuliano até 1945, voltando a exercer alguma influência durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Os representantes mais destacados desta segunda geração foram: Lindolfo Collor (1891-1942), João Neves da Fontoura (1889-1963), Firmino Paim Filho (1884-1971), João Batista Luzardo (1892-1982), Joaquim Maurício Cardoso (1888-1938) e outros.
Os dois traços doutrinários centrais do castilhismo [cf. Vélez, 1980] são a idéia da tutela do Estado sobre os cidadãos e a concentração de poderes no Executivo. Como doutrina regeneradora, o castilhismo revelou-se mais autoritário do que a própria ditadura científica comteana. Enquanto o filósofo de Montpellier considerava que da educação positiva dos vários agentes sociais emergiria a ordem social e política, os castilhistas, como já foi dito, inverteram a equação: primeiro deveria se consolidar um Estado mais forte do que a sociedade (mediante os expedientes do partido único e do terror policial que destruísse qualquer oposição) a fim de que, numa segunda etapa, o Estado educasse compulsoriamente os cidadãos. Como se pode observar, este modelo incorporou muitos elementos do totalitarismo rousseauniano, particularmente a idéia de que ordem significa aniquilação de qualquer dissenso.
Em que pese o fato de os castilhistas da segunda geração (na qual se destacava a figura de Lindolfo Collor) terem elaborado uma plataforma modernizadora de governo, que deitou os alicerces para a industrialização do Brasil, a sua proposta ensejou um modelo tecnocrático, apto para funcionar unicamente num contexto autoritário. Essa tendência fez com que o longo regime de Vargas terminasse evoluindo até uma ditadura unipessoal, com alguns elementos emprestados do corporativismo fascista: o chamado Estado Novo (1937-1945).
Os positivistas ilustrados (cujos nomes já foram mencionados no item anterior) foram caracterizados assim por Antônio Paim [1967]:  "(...) sendo partidários de Augusto Comte, no que se refere à possibilidade da organização racional da sociedade, preferiam os procedimentos da democracia liberal, ao contrário do totalitarismo castilhista". Especial menção deve ser feita a Ivan Lins Monteiro de Barros, cuja obra principal História do positivismo no Brasil [1964] se tornou um dos clássicos para o estudo deste tema, justamente por fazer um balanço objetivo e desapaixonado da contribuição das várias manifestações do comtismo na cultura brasileira.
A vertente militar do positivismo teve um importante representante neste século: o marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1956), que foi o principal discípulo do ideólogo do positivismo no meio militar, Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Inspirado no ideal positivista de incorporação do proletariado à sociedade, Rondon sempre insistiu na assimilação do índio à cultura ocidental, respeitando as populações silvícolas nas suas propriedades, nas suas pessoas e nas suas instituições políticas, sociais e religiosas. Essa atitude permitiu-lhe realizar importante trabalho de penetração nos longínquos confins da Amazônia e do Mato Grosso. Convém salientar que houve, no meio militar, um grupo de oficiais que seguiram o positivismo castilhista, entre os quais cabe mencionar o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro (1889-1956), que teve papel destacado durante os dois governos de Getúlio Vargas.
Nas primeiras décadas do século XX, a crítica ao positivismo foi realizada por Otto de Alencar (1874-1912) e Amoroso Costa (1885-1928), ambos professores da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e precursores da corrente neopositivista. A crítica era simples: o comtismo não corresponde a uma autêntica filosofia da ciência, devido à sua índole dogmática, sendo necessária uma abertura à evolução do conhecimento científico, nas suas várias manifestações, especialmente no tocante à física-matemática. A finalidade essencial da filosofia seria a formulação de uma teoria do conhecimento, que buscasse fundamentar uma linguagem elaborada com o máximo rigor e que se inspirasse na matemática. Os esforços de Otto de Alencar e Amoroso Costa conduziram à criação da Academia Brasileira de Ciências, em 1916, que representou um espaço aberto ao pensamento científico, livre, por completo, do dogmatismo comteano.
Na segunda metade do século XX, dois pensadores representaram a tendência neopositivista: Pontes de Miranda (1892-1979) e Leônidas Hegenberg (1925-2012). O primeiro caracterizou-se por ter aplicado os princípios fundamentais dessa corrente à ciência do direito, mas sem se restringir a ela, colocando-a num contexto mais amplo, em que medita sobre a criação humana como um todo. O segundo foi considerado por Antônio Paim como "o principal artífice do processo contemporâneo de superação do conceito oitocentista de ciência e do triunfo sobre o positivismo comteano, por parte dos cultores das ciências exatas, interessados na correspondente problemática filosófica”.
A mais fecunda corrente de pensamento filosófico, ao longo do século XX, foi a culturalista. Tal corrente identifica-se como herdeira do neokantismo e da tradição surgida a partir da crítica ao positivismo, desenvolvida pela "Escola do Recife", especialmente por Tobias Barreto. Os principais representantes do culturalismo brasileiro são Luís Washington Vita (1921-1968), Miguel Reale, Djacir Menezes (1907-1996), Antônio Paim, Paulo Mercadante (1923-2013) e Nelson Saldanha (1931-2015).
As teses fundamentais sustentadas pelos culturalistas poderiam ser sintetizadas da seguinte forma, segundo Antônio Paim [1977]: a) A filosofia implica multiplicidade de perspectivas, sendo que, no interior destas, existe a possibilidade de que surjam pontos de vista diversos. A escolha de uma perspectiva determinada não obedece a critérios uniformes. b) A ciência é a única forma de conhecimento capaz de efetivar um discurso com validez universal, mas, para isso, são estabelecidos objetos limitados,  evita-se a busca da totalidade e elimina-se o valor. c) As ciências humanas experimentaram um processo de aproximação às ciências naturais, mas, por outro lado, observa-se uma subordinação de todas elas a esquemas filosóficos. d) Contudo, a elucidação acerca das relações entre ciência e filosofia não chega a constituir objetivo primordial da corrente culturalista, que centra a atenção, melhor, numa meditação de tipo ontológico. e) O ser do homem constitui o objeto próprio dos pensadores culturalistas, que prestam atenção, sobretudo, ao agir ou às criações humanas. f) A criação humana, ou seja, a cultura, é entendida como "conjunto de bens objetivados pelo espírito humano na realização de seus fins específicos". g) É necessário atender, no terreno da cultura, ao âmbito da pura idealidade, que possui um desenvolvimento autônomo, apesar de ser influenciado pelo conjunto da atividade cultural. h) A autonomia da variável espiritual, no processo cultural, torna-se visível através da capacidade humana de refletir filosoficamente acerca dos problemas. i) Os problemas filosóficos são constituídos por questões controvertidas no seio da tradição cultural, desde o ponto de vista do sentido do ser e do agir humanos. j) Apesar de enfatizar a autonomia e a criatividade do espírito, os culturalistas não deixam de reconhecer que a atividade humana é orientada pelo interesse e pela necessidade. k) Contudo, interesse e necessidade humanos são subjetivos, apesar de que, na sua concreção, se refiram a um determinado contexto histórico e cultural. l)  Os ideais convertem-se em forças propulsoras da cultura humana, quando amadurecidos pelos valores morais. m) O curso histórico, tomado na sua totalidade, está longe de ser um processo racional, constituindo, melhor, a esfera da violência e da força. n) A filosofia política é uma espécie de tensa mediação entre as esferas da racionalidade e da violência. Esta forma de reflexão filosófica alimenta-se de determinada concepção de pessoa humana, situada no seu contexto histórico e aberta à problemática da moralidade.
Raimundo de Farias Brito (1862-1917) é o mais importante pensador de tendência espiritualista no Brasil. Discípulo da "Escola do Recife", combateu o positivismo não a partir do neokantismo, como Tobias Barreto, mas a partir do espiritualismo, que estava em ascensão, na Europa, graças à meditação de Henri Bergson (1859-1941). A influência de Farias Brito se fez sentir no pensamento do seu mais importante discípulo, Jackson de Figueiredo (1891-1928) que, apesar de não ter formulado uma rigorosa proposta filosófica como seu mestre, teve o mérito de elaborar uma doutrina conservadora centrada nas idéias de ordem e de autoridade, que serviu de base teórica, aos católicos, para assimilar as instituições republicanas e estabelecer um diálogo fecundo com outras concepções políticas, superando, destarte, o dogmatismo ultramontano, no qual a Igreja Católica tinha ancorado desde a proclamação da República, em 1889.
O mais destacado representante desta última posição foi o padre Leonel Franca (1896-1948), da Companhia de Jesus, que partiu do ponto de vista de defesa intransigente do catolicismo para uma classificação apologética dos filósofos. Outros pensadores de inspiração católica desenvolveram perspectivas mais abertas. Dentre os que receberam a influência de Jacques Maritain (1882-1973) cabe mencionar a Alceu  Amoroso Lima (pseudônimo Tristão de Athayde) (1893-1983) e Leonardo van Acker (1896-1986). Amoroso Lima sistematizou, na sua obra, os princípios do que ele denominou de "humanismo cristão", contraposto ao marxismo e ao existencialismo. Alicerçado nessa concepção, formulou críticas a filósofos contemporâneos e lutou, no Brasil, pela defesa dos direitos humanos. Van Acker, belga de nascimento, adotou um ponto de vista neo-tomista para avaliar as filosofias contemporâneas e formulou uma concepção moderna do que seria o papel dessa corrente de pensamento, no mundo de hoje, no sentido de que deveria se abrir à análise, sem preconceitos, de todas as tendências. Continuador desta esclarecida opção é, hoje, monsenhor Urbano Zilles (1937).
Outros pensadores de inspiração católica são: Tarcísio Meireles Padilha (1928) que, inspirado na meditação de Louis Lavelle (1883-1951), formula uma "filosofia da esperança"; Geraldo Pinheiro Machado (1918-1985), que se destacou como historiador das idéias filosóficas no Brasil; Ubiratan Macedo (1937-2007) e Gilberto de Mello Kujawski (nasc. 1929), os quais elaboraram a sua obra inspirando-se no pensador espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955); Fernando Arruda Campos (1930), reconhecido estudioso do neo-tomismo brasileiro e o padre Stanislavs Ladusans (1912-1993), da Companhia de Jesus, autor da obra, já citada, Rumos da filosofia atual no Brasil.
Tentando dar uma resposta concreta ao problema da pobreza e das desigualdades sociais que afetam ao Brasil, alguns pensadores de formação cristã desenvolveram, ao longo das últimas décadas, o que poderia ser denominado de projeto imanentista de libertação, que acolhe elementos conceituais provindos das teologias católica e protestante, bem como do hegelianismo, dos messianismos políticos rousseauniano e saint-simoniano, do personalismo de Emmanuel Mounier (1905-1950) e do marxismo. As principais contribuições neste terreno pertencem ao padre jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), inspirador do movimento chamado Ação Popular (que posteriormente converter-se-ia na Ação Popular Marxista-Leninista); a Hugo Assmann (1933-2008), destacado professor universitário; ao padre Leonardo Boff (1938), autor de numerosa bibliografia nos terrenos teológico, político, filosófico e ecológico; e ao pedagogo Paulo Freire (1921-1997).
É importante destacar que, ao longo dos últimos vinte anos do século XX, apareceram estudos que analisavam a problemática da pobreza de outros ângulos, como, por exemplo, a partir da perspectiva liberal. A mais significativa contribuição, nesse sentido, foi a obra de José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017), intitulada: Opção preferencial pela riqueza [Penna, 1991].
No terreno do pensamento tradicionalista sobressaíram: José Pedro Galvão de Souza (1912-1993), que aprofundou na análise da teoria da representação (fato que o aproxima, curiosamente, do liberalismo lockeano); Alexandre Correia (1890-1984), que realizou a tradução íntegra ao português da Suma Teológica de São Tomás de Aquino e Gustavo Corção (1896-1978).
Os pensadores de inspiração marxista têm desenvolvido no Brasil amplo trabalho de análise, abordando, especialmente, os aspectos socioeconômicos. Destaca-se, nesse terreno, Caio Prado Júnior (1907-1990), para quem seria infantil a pretensão comteana, adotada pela maior parte dos marxistas brasileiros, de enquadrar a explicação científica acerca da evolução social, nos estreitos parâmetros de leis gerais e eternas. "Tal prefixação de etapas", escreve Prado Júnior [1966: 23], "através das quais evoluem ou devem evoluir as sociedades humanas, faz rir". Apesar da advertência crítica deste autor, a tendência que veio a prevalecer, no chamado "marxismo acadêmico" brasileiro, foi a comteana ou cientificista. Os principais representantes desta vertente (que possui como preocupação fundamental a implantação da sociedade racional, em bases marxistas), foram Leônidas de Rezende (1899-1950), Hermes Lima (1902-1978), Edgardo de Castro Rebelo (1884-1970), João Cruz Costa (1904-1978), Alvaro Vieira Pinto (1909-1987) e Roland Corbisier (1914-2005).
Vale a pena destacar os nomes de alguns autores de inspiração marxista, desvinculados da opção comteana: Luiz Pinto Ferreira (1918-2009) e Gláucio Veiga (1923-2011), os quais fazem uma avaliação da problemática herdada da "Escola do Recife", notadamente no terreno do direito. Leandro Konder (1936-2014) desenvolveu uma crítica sistemática à opção comteana seguida pelo marxismo brasileiro. Se apoiando em bases que remontam a Hegel (1770-1831) e a Marx (1818-1883), este autor atribui a "derrota da dialética", sofrida pelo marxismo brasileiro, à versão positivista já apontada [Konder, 1988]. Leandro Konder situa-se, assim, como o continuador da atitude crítica anteriormente sustentada por Caio Prado Júnior.
No que tange à fenomenologia, a trajetória do pensamento brasileiro é bastante rica. Ao longo das décadas de cinquenta e sessenta, a filosofia de Edmund Husserl (1859-1938) foi divulgada por Evaldo Pauli (1925-2014) e Luís Washington Vita (1921-1968). Interpretações da obra husserliana projetada sobre a meditação brasileira foram realizadas por Miguel Reale no seu livro Experiência e cultura [1977], por Antônio Luiz Machado Neto (1930-1977) na sua obra Para uma eidética sociológica [1977] e pelo já mencionado pensador católico Leonardo van Acker, no seu livro A filosofia contemporânea [1981].
Especial contribuição, no terreno dos estudos fenomenológicos, tem sido dada por Creusa Capalbo (1934-2017), para quem a meditação husserliana, longe de constituir um sistema, é mais um método que não se pode reduzir a uma teoria intuitiva do conhecimento, mas que se desenvolve no seio de uma hermenêutica e de uma dialética. Sobressaem, ainda, no terreno dos estudos fenomenológicos, Aquiles Côrtes Guimarães (1937-2016), que aplica a perspectiva husserliana à historiografia da filosofia brasileira e Beneval de Oliveira (1916-1986), que realizou um balanço da evolução desta corrente na sua obra A fenomenologia no Brasil [1983]. Alguns estudiosos utilizam a fenomenologia como método de pesquisa no terreno das epistemologias regionais. Tal é o caso, por exemplo, de Nilton Campos (1898-1963), Isaias Paim (1909-2004) e João Alberto Leivas Job (1936-1991).
A filosofia existencialista, no sentir de Antônio Paim [1967], teve dois momentos no período contemporâneo. O primeiro corresponde à entrada das idéias de Jean-Paul Sartre (1905-1982) no panorama cultural brasileiro, imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial. O segundo corresponde à influência deixada pelo pensamento de Martin Heidegger (1889-1976), a partir da década de sessenta.
As idéias de Sartre foram divulgadas, inicialmente, por Roland Corbisier e Alvaro Vieira Pinto. A influência do filósofo francês no meio brasileiro consolidou-se com a série de conferências que Sartre pronunciou no Rio de Janeiro em 1961. A entrada do existencialismo sartreano produziu uma forte reação dos pensadores católicos, que passaram a criticar especialmente o ateísmo do pensador francês. O autor que mais definidamente sofreu a influência de Sartre foi Otávio de Mello Alvarenga (1926-2010)[cf. Mourão, 1986]. À luz do existencialismo sartreano foram discutidas questões sociais relativas ao desenvolvimento, ao colonialismo e outras, no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).
Pelo fato de se ajustar melhor à tradição espiritualista brasileira, a filosofia hedeggeriana contou com mais seguidores. Dentre os pensadores que sofreram a influência de Heidegger podem ser mencionados os nomes de Vicente Ferreira da Silva (1916-1963), Emmanuel Carneiro Leão (1927), Gerd Bornheim (1929-2002), Ernildo Stein (1934), Wilson Chagas (1921), Eduardo Portella (1932-2017) e Benedito Nunes (1929-2011).
No seio dos existencialistas brasileiros mencionados, deve ser destacada a figura de Vicente Ferreira da Silva (1916-1963), cujas Obras completas [1964] abrem um caminho profundamente rico e original, que une a problemática existencialista à melhor tradição do espiritualismo de origem portuguesa. Referindo-se à peculiaríssima contribuição de Ferreira da Silva, Miguel Reale [in: Silva, 1964: I, 13] afirmou: "A sua preocupação pelas origens e pelo valor do infra estrutural, já na raiz da personalidade (...), já no evoluir das idéias, como revela a sua nota sobre Heráclito ou o estudo sobre a origem religiosa da cultura,  tem, efetivamente, o alcance de uma historicidade transcendente, de um regresso às origens, para dar início a um ciclo diverso da história, diferente deste em que o homem estaria divorciado da natureza e das fontes do divino; para um retorno, em suma, ao ponto original onde emergem todas as possibilidades naturais espontâneas, liberadas das crostas opacas do experimentalismo tecnológico, bem como das objetivações extrínsecas platônico-cristãs".
Adolpho Crippa (1929-2000) desenvolveu a vertente espiritualista trabalhada por Ferreira da Silva, aprofundando no tema do mito como gerador da cultura. Uma perspectiva de análise semelhante foi desenvolvida pelo filósofo português Eudoro de Sousa (1911-1989), que criou na Universidade de Brasília o Centro de Estudos Clássicos.
Vale a pena mencionar os nomes de alguns autores não filiados a correntes determinadas e que se têm caracterizado pela sua ativa participação no debate filosófico, se aproximando, em alguns aspectos, da corrente culturalista. Tal é o caso, por exemplo, de Vamireh Chacon (1934), Renato Cirell Czerna (1922-2005), Silvio de Macedo (1920-1998), Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999) Evaristo de Moraes Filho (1914-2016), Francisco de Alcântara Nogueira (1918-1989), Jessy Santos (1909) e Tércio Sampaio Ferraz (1941). O mais importante representante do espiritualismo, na segunda metade do século XX, foi João de Scantimburgo (1915-2013), que se inspirou no pensamento de Maurice Blondel (1861-1949).
O pensamento brasileiro foi canalizado, no século XX, por um número crescente de pensadores, em direção a um estudo sistemático dos principais autores e correntes, a partir de determinadas instituições não universitárias. As mais destacadas entidades foram: o Centro dom Vital (criado em 1922, no Rio de Janeiro, por Jackson de Figueiredo); o Instituto Brasileiro de Filosofia (criado em 1949, em São Paulo,  por Miguel Reale); a Sociedade Brasileira de Cultura Convívio (criada em 1962, em São Paulo, por Adolpho Crippa); o Conjunto de Pesquisa Filosófica (organizado em 1967, em São Paulo, pelo padre Stanislavs Ladusans); a Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos (com sede no Rio de Janeiro e presidida, desde 1973, por Tarcísio Padilha); o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (organizado em Salvador-Bahia em 1983 por Antônio Paim e que possui, hoje, o mais importante acervo na área do pensamento brasileiro); a sociedade Tocqueville (criada no Rio de Janeiro, em 1986, por José Osvaldo de Meira Penna e um grupo de intelectuais liberais); o Centro de Estudos Luso-Brasileiros (criado em 1986, no Rio de Janeiro, por Anna Maria Moog Rodrigues, Ítalo Joia e Gisela Bandeira Pereira); o Instituto de Humanidades (com sede em Londrina, Paraná,  e criado, em 1987, por Leonardo Prota, Antônio Paim e Ricardo Vélez Rodríguez); a Academia Brasileira de Filosofia (criada em 1989, no Rio de Janeiro, por iniciativa de Jorge Jaime, e que foi presidida, na última década, por João Ricardo Moderno); o Centro de Estudos Filosóficos de Londrina (criado em 1988 por Leonardo Prota); o Centro de Estudos Filosóficos de Juiz de Fora (criado em 1991 pelos ex-alunos do Curso de Mestrado em Pensamento Brasileiro da Universidade Federal local), etc.
Surgiram, nas últimas décadas do século XX, em várias universidades, programas de pós-graduação orientados ao estudo da história das idéias filosóficas no Brasil. As principais iniciativas foram tomadas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pela Universidade Gama Filho (do Rio de Janeiro), pela Universidade Estadual de Londrina e pela Universidade Federal de Juiz de Fora (em Minas Gerais). De outro lado,  em aproximadamente 25 universidades, passou a ser ensinada, regularmente, a disciplina "filosofia brasileira". Esse crescente interesse pelo estudo do pensamento brasileiro levou o Centro de Estudos Filosóficos de Londrina, sob a direção de Leonardo Prota (1930-2016), a realizar, a cada dois anos (a partir de 1989 e até 2001), os Encontros Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira.
No terreno documental, sobressaiu a iniciativa do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro de Salvador-Bahia, que sob a orientação de Antônio Paim publicou, desde 1983, bibliografias e estudos críticos acerca de pensadores e publicações periódicas. No plano internacional, é digno de menção o Anuario del Pensamiento Ibero e Iberoamericano, que a Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, publicou, desde 1989, sob a direção de José Luis Gómez-Martínez, com uma seção dedicada ao estudo do pensamento brasileiro. Esta publicação constituiu o mais completo instrumento bibliográfico no seu gênero, a nível mundial, somente comparável ao Handbook of Latin-American Studies, publicado, sob a coordenação de Juan Carlos Torchia Estrada (1927-2016), pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
Por último, cabe mencionar o importante trabalho de difusão do pensamento brasileiro que Luiz Antônio Barreto (1944-2012) realizou em Aracajú (Sergipe), a partir da Fundação Augusto Franco. As suas duas mais recentes contribuições foram a edição das Obras Completas de Tobias Barreto [1991] e a promoção anual, a partir de 1989, com a colaboração de José Maurício de Carvalho (1957), dos Colóquios Luso-Brasileiros de Filosofia, realizados, alternadamente, em Portugal e no Brasil, com a colaboração do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, com sede em Lisboa, (sob a presidência de José Esteves Pereira). O fruto mais importante da cooperação luso-brasileira foi a Enciclopédia Lógos, que, entre 1989 e 1992, foi publicada, em Lisboa, pela Editorial Verbo, sob a direção de Francisco da Gama Caeiro (1928-1993), Antônio Paim e outros, com o patrocínio da Universidade Católica Portuguesa.
Conclusão.
Na primeira parte deste trabalho foi feita uma síntese acerca das principais figuras e correntes do pensamento filosófico brasileiro, no período que vai do século XVII até finais do século XIX. Caracterizamos essas figuras e correntes ao redor dos problemas aos que tratou de responder a meditação filosófica nesse período.
Repassemos, rapidamente, os principais problemas que aborda o pensamento brasileiro no transcurso desses séculos. A partir da problemática do homem, entendido como peregrino nesta terra pelo "saber de salvação" (século XVII e primeira metade do século XVIII), a meditação filosófica da segunda metade do século XVIII estrutura-se ao redor de uma questão mais concreta e mais terrena: como modernizar o Estado, mediante a incorporação da ciência moderna, a fim de que, com a sua intervenção tutelar, se garantisse a riqueza da nação; tal foi o objetivo perseguido ao longo do ciclo pombalino. Essa mentalidade de despotismo esclarecido influiria diretamente na formação da elite intelectual que efetivou a independência do Brasil (1822). Consequentemente, o empirismo mitigado, que foi a filosofia que exprimiu o ponto de vista reformista de Pombal, reduziu a filosofia à ciência aplicada, deitando as bases da tendência cientificista, que tão fortemente influiria na cultura brasileira, ao longo dos séculos XIX e XX.
A corrente eclética, que se estrutura e se desenvolve ao longo do século XIX, responde, basicamente, aos dois problemas deixados em branco pelo empirismo mitigado: a consciência e a liberdade. A resposta a essas duas questões será de capital importância, em primeiro lugar, para consolidar a idéia de nação  - tarefa que empreende Gonçalves de Magalhães com o seu romantismo de corte pedagógico - e, em segundo lugar, para dar fundamento firme à prática da representação política, profundamente enraizada numa concepção espiritualista da liberdade humana.
O clima cientificista que acompanha o surto de idéias novas encontraria a sua culminância na filosofia positivista que, de outro lado, serviu como fundamento doutrinário  - na versão política cultivada no Rio Grande do Sul -  para a experiência republicana autoritária. Ao determinismo típico do positivismo contrapôs-se a "Escola do Recife", que assumiu novamente a discussão dos temas prediletos da filosofia eclética, a consciência e a liberdade, tratando-os já não no contexto carregado de psicologismo em que foi formulado o ecletismo de Cousin, mas na perspectiva mais moderna e mais filosófica do transcendentalismo kantiano. A "Escola do Recife" constituiu-se, assim, em porta de entrada do neokantismo na meditação filosófica brasileira, e haveria de ser a precursora da corrente culturalista, que encontrou formulação completa ao longo do século XX.
As outras correntes analisadas - krausismo e tradicionalismo - ocupariam espaços menos destacados no pensamento brasileiro, mas revestir-se-iam, também, da originalidade legada pelas peculiares condições da história e da cultura do Brasil. Essas circunstâncias fizeram dos krausistas mais pensadores do direito (e não pedagogos, como na Espanha, ou filósofos sociais  como na América espanhola). Por outro lado, tal conjuntura histórico-cultural ensejou, no seio dos tradicionalistas, um tinte de tolerância que os fez, definitivamente, diferentes dos seus semelhantes franceses, espanhóis, portugueses e hispano-americanos.
Na segunda parte desta introdução fiz uma síntese acerca das principais figuras e correntes do pensamento brasileiro no século XX. A nossa meditação consolidou-se, nesse período, como um segmento bem caracterizado e representativo no contexto do pensamento ibero-americano. Prova da maturidade atingida é o diálogo que se tem estabelecido com pensadores de outras nacionalidades, não só em congressos e eventos internacionais, mas, também, a nível da pesquisa e dos cursos de pós-graduação.
Duas tendências firmaram-se no pensamento brasileiro do século XX: a definitiva superação do cientificismo oitocentista, graças, especialmente, à obra dos pensadores de inspiração culturalista, que, como foi assinalado, têm realizado as mais significativas aplicações da meditação filosófica nos terrenos do direito, da política, da historiografia das idéias e da educação. Em segundo lugar, cabe mencionar a tendência espiritualista que prolongou, sem lugar a dúvidas, o legado da meditação portuguesa em terras brasileiras. Nesse terreno sobressaem as figuras de Farias Brito e de Vicente Ferreira da Silva.
No que tange à questão metodológica, a mais importante contribuição do pensamento brasileiro, no século XX, foi a formulação do método culturalista de abordagem dos autores: antes de identificá-los como pertencentes a esta ou àquela corrente, seria necessário ver qual era a problemática que os preocupava, a fim de reconstruir o caminho seguido pelo seu pensamento. Esse método permitiu à meditação brasileira se compreender a si mesma, superando o vício apologético ou de "filosofia em mangas de camisa", identificado e criticado, em fins do século XIX, pelo grande Tobias Barreto.
Em que pese o fato de os Cursos de pós-graduação em Pensamento Brasileiro e Luso-Brasileiro terem sido extintos pela Capes ao longo dos últimos trinta anos, a vitalidade dos estudos dessa variante filosófica continua presente em segmentos universitários do nosso país, bem como em Portugal, aí sim na área da pós-graduação e com pleno apoio das autoridades. Lembro-me de que, em 1986, eu e o saudoso amigo Ítalo da Costa Jóia (então docentes do Doutorado em Pensamento Luso-Brasileiro da Universidade Gama Filho), fomos convidados pela Fundação António de Almeida e pelo saudoso professor e amigo Eduardo Soveral, da Universidade do Porto, para participar de colóquio que visava discutir a importância do estudo da filosofia portuguesa, no momento em que os países ibéricos abriam-se ao Mercado Comum Europeu. Os nossos amigos portugueses estavam preocupados com uma realidade que poderia mudar o perfil cultural do seu país: a entrada na Comunidade Européia.
A pergunta que portugueses e espanhóis se faziam então era a seguinte: qual a melhor forma de conservar a identidade, num universo variado do ângulo político, econômico e cultural, como era o cenário europeu de então? De lá para cá ocorreu um duplo movimento, em Portugal e no Brasil: a criação, no país irmão, dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Pensamento Português (hoje plenamente consolidados nas Universidades do Porto, na Católica Portuguesa – seções do Porto e Lisboa, na Universidade Nova de Lisboa, na Universidade de Lisboa, bem como na centenária Universidade de Coimbra). O movimento, no Brasil, foi inverso: a já mencionada extinção, pela Capes, dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Pensamento Brasileiro e Luso-Brasileiro existentes nas seguintes  Universidades: Católica do Rio de Janeiro, Gama Filho e Federal de Juiz de Fora.
Menciono apenas (o meu interesse aqui é resenhar a realidade existente em Portugal e no Brasil) o acontecido na Espanha nestes últimos trinta anos: o desenvolvimento de Cursos de pós-graduação em pensamento espanhol e hispano-americano nas mais importantes Universidades, bem como nas Fundações Culturais (como a que preserva a memória de Xavier Zubiri, em Madri e a Fundação Ortega y Gasset, na mesma cidade). É de se destacar, pela sua dinâmica cultural, a Asociación de Hispanismo Filosófico, que reúne a nova geração de pesquisadores do pensamento espanhol e ibero-americano e que conta com importante publicação periódica de alto valor acadêmico. O link da Asociación mencionada é o seguinte: http://www.ahf-filosofia.es/index.htm
A pesquisa do pensamento brasileiro recebeu incomum impulso com a criação, em 1982, pelo professor Antônio Paim (o nosso mais importante historiador das idéias filosóficas), do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro, que foi organizado em Salvador, na Bahia, a partir da biblioteca pessoal do autor. Hoje o Centro reúne mais de 13 mil volumes, com as obras dos principais autores nacionais nas áreas da filosofia, a antropologia e a sociologia, constituindo o mais importante acervo de cultura brasileira existente no nosso país, na área de história do pensamento.
No terreno dos eventos acadêmicos realizados em Portugal e no Brasil, cinco são as iniciativas mais importantes: em primeiro lugar, os Congressos Nacionais de Filosofia realizados, desde os anos 50 do século passado até o final da década de 1990, por iniciativa do Instituto Brasileiro de Filosofia, criado pelo saudoso professor Miguel Reale, em 1949; em segundo lugar, o Congresso de Filosofia Luso-Brasileira efetivado pela Universidade Católica Portuguesa – sede de Braga, em 1981, bem como o Congresso sobre a Escola de Braga, realizado em 2009; em terceiro lugar, os colóquios Tobias Barreto (em Portugal) e Antero de Quental (no Brasil), levados a cabo ininterruptamente desde 1992, por iniciativa do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, sob a coordenação de Antônio Braz Teixeira, José Esteves Pereira e José Maurício de Carvalho, com a finalidade de estudar as relações entre as filosofias portuguesa e brasileira, além da obra de autores específicos, representativos da meditação filosófica em ambos os países, com o apoio das Universidades Nova de Lisboa e Federal de São João Del-Rei (em Setembro deste ano será realizado, nesta cidade mineira, o IX Colóquio Antero de Quental); em quarto lugar, os Encontros Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, realizados, entre 1989 e 2001, pelo Centro de Estudos Filosóficos de Londrina e pela Universidade Estadual da mesma cidade, sob a coordenação de Leonardo Prota, com a finalidade de estudar os traços marcantes das Filosofias Nacionais, colocando-os em relação com a Filosofia Brasileira; em quinto lugar, os Congressos de Filosofia Portuguesa promovidos pela Universidade Católica Portuguesa – sede do Porto – sob a iniciativa do Reitor dessa instituição, monsenhor Arnaldo de Pinho. Dois eventos destacam-se desse conjunto de iniciativas culturais: o I Congresso Luso-Galaico-Brasileiro, reunido em 2007, e o Colóquio Internacional sobre o pensamento e a obra de Teófilo Braga, realizado entre 19 e 21 de Maio de 2011.
Participei deste último evento, que teve como sede o belo campus da Foz da Universidade Católica do Porto. A abertura dos trabalhos esteve a cargo dos professores doutores Joaquim de Azevedo (presidente do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa) e Arnaldo de Pinho (Presidente da Comissão Científica do Colóquio e Reitor da Universidade). As várias conferências e comunicações tiveram como finalidade analisar os aspectos mais relevantes em que se desdobrou a obra e o pensamento do maior positivista português, o açoriano Teófilo Braga. Mencioná-los-ei a seguir: 1 - “Certezas e incertezas de uma geração” (António Machado Pires, Universidade dos Açores); 2 - “A filosofia da religião no pensamento de Teófilo Braga: um sincretismo histórico-simbólico” (Afonso Rocha, Universidade Católica Portuguesa – Porto); 3 - “Os mitos cristãos, ou os limites do positivismo em Teófilo Braga” (José Ignácio Aguiar de Castro, Universidade Católica Portuguesa – Porto); 4 - “Filosofia Positiva” (Celeste Natário, Universidade do Porto); 5 - “O conceito de Direito em Teófilo Braga” (Ana Paula Loureiro de Sousa, Universidade de Lisboa); 6 - “A filosofia do direito de Teófilo Braga” (Maria Clara Calheiros, Universidade do Minho); 7 - “História da literatura em Teófilo Braga” (António Cândido Franco, Universidade de Évora); 8 - “História da literatura em Teófilo Braga: séculos XVI-XVII” (Zulmira Santos, Universidade do Porto); 9 - “Entre o ultrarromantismo e os poetas da Escola Nova” (Fernando Guimarães, Porto); 10 - “Teófilo Braga, a geração de 70 e o teatro (Luiz Francisco Rebello, Universidade de Coimbra); 11 - “A ética em Teófilo Braga” (Jorge Cunha, Universidade Católica Portuguesa, Porto); 12 - “A estética em Teófilo Braga” (Leonel Ribeiro dos Santos, Universidade de Lisboa); 13 - “Teófilo Braga e a revista O Positivismo” (Daniel Pires, Universidade de Lisboa); 14 - “Teófilo Braga, Antero e Faria Maia” (Manuel Cândido Pimentel, Universidade Católica Portuguesa – Lisboa); 15 - “O legado cultural de Teófilo Braga” (Miguel Real, Lisboa); 16 - “Teófilo Político - 1910-1917” (Ernesto Castro Leal, Universidade de Lisboa); 17 - “Teófilo Braga: soluções políticas para a República” (Pedro Baptista, Universidade do Porto); 18 - “Teófilo Braga e a Constituinte de 1911” (Luis Bigotte Chorão, Universidade de Coimbra); 19 - “O pensamento filosófico de Teófilo Braga” (António Braz Teixeira, Universidade Lusófona – Lisboa); 20 - “Teófilo Braga e o Positivismo” (Amadeu Carvalho Homem, Universidade de Coimbra); 21 - “Teófilo Braga e a difusão do Positivismo em Portugal” (Manuel Gama, Universidade do Minho); 22 - “Teófilo Braga e a religião civil republicana” (Mendo Castro Henriques, Universidade Católica Portuguesa – Lisboa); 23 - “Teófilo Braga: legitimação e apoio ao processo emergente do Galeguismo no século XIX” (Elias Torres Feijó, Universidade de Santiago de Compostela); 24 - “O pensamento de Teófilo Braga no contexto do positivismo luso-brasileiro” (Ricardo Vélez Rodríguez, Universidade Federal de Juiz de Fora); 25 - “Incidências positivas em Leonardo Coimbra e Teófilo Braga” (António Martins da Costa, Universidade Católica Portuguesa – Porto); 26 - “O ensino e a educação em Teófilo Braga” (Manuel Ferreira Patrício, Universidade de Évora); 27 - “Teófilo Braga e o Curso Superior de Letras” (Pedro Calafate, Universidade de Lisboa); 28 - “Soluções positivas para a educação portuguesa” (Artur Manso, Universidade do Minho); 29 - “O pensamento econômico em Teófilo Braga” (António Almodóvar, Universidade do Porto); 30 - “Disciplinar as paixões e moldar o carácter – A pedagogia de Teófilo Braga” (Maria da Conceição Azevedo, Universidade de Trás os Montes e Alto Douro); 31 - “Educação, religião e progresso em Teófilo Braga” (José António Afonso, Universidade do Minho); 32 - “O papel de Teófilo Braga nos estudos sobre o Romanceiro” (Pedro Ferre, Universidade do Algarve); 33 - “História da literatura em Teófilo Braga: Barroco e século XVIII” (Luísa Malato, Universidade do Porto); 34 - “História da literatura em Teófilo Braga – Romantismo, gestão de informação e estratégias de luta ideológica” (Pedro Vilas Boas Tavares, Universidade do Porto); 35 - “História da literatura em Teófilo Braga – Segunda metade do século XIX” (Maria José Reynaud, Universidade do Porto); 36 - “Teófilo Braga na intimidade – Minha freira, cartas familiares” (Maria de Lourdes Sirgado Ganho, Universidade Católica Portuguesa – Lisboa); 37 - “Editar a tradição sem trabalho de campo” (Teresa Araújo, Universidade Nova de Lisboa); 38 - “Teófilo Braga e Leite de Vasconcelos” (Luís Raposo, Museu Nacional de Arqueologia); 39 - “História universal e filosofia da história em Teófilo Braga” (António José de Brito, Universidade do Porto); 40 - “História do direito” (Eduardo Vera Cruz Pinto, Universidade de Lisboa); 41 - “História da Universidade de Coimbra” (Manuel Augusto Rodrigues, Universidade de Coimbra); 42 - “A revelação positiva face às interpelações da etnografia” (Mons. Arnaldo de Pinho, Universidade Católica Portuguesa – Porto); 43 - “Teófilo Braga e o orientalismo português” (Rui Lopo, Universidade de Lisboa); 44 - “A teorização literária de Teófilo Braga – Fundamentos e implicações” (José Carlos Seabra Pereira, Universidade de Coimbra); 45 - “A reflexão e a teorização sociológica” (José Esteves Pereira, Universidade Nova de Lisboa); 46 - “A simbólica jurídica em Teófilo Braga” (Paulo Ferreira da Cunha, Universidade do Porto); 47 - “Manchas de negativismo no positivismo português – A propósito de Teófilo Braga e Camilo Castelo Branco” (Isabel Ponce Leão, Universidade Fernando Pessoa; Carlos Mota Cardoso, Universidade do Porto); 48 - “Teófilo Braga e Cunha Seixas” (Pinharanda Gomes, Lisboa); 49 - “Teófilo Braga e Bruno” (Joaquim Domingues, Braga); 50 - “Teófilo Braga e a filosofia portuguesa” (Renato Epifánio, Lisboa); 51 - “A teoria da história de Fidelino de Figueiredo e a reação anti-teofiliana” (José Cândido de Oliveira Martins, Universidade Católica Portuguesa – Braga); 52 - “Teófilo Braga e a crítica literária em Portugal no século XIX” (Álvaro Manuel Machado, Universidade de Lisboa); 53 - “Uma fé firme e profunda – Teófilo Braga e a História da literatura portuguesa medieval” (Filipe Moreira, Universidade do Porto); 54 - “Em torno da recepção da Visão dos Tempos” (Maria Luísa do Couto Linhares de Deus, Universidade dos Açores); 55 - “O último romântico” (Rodrigo Sobral Cunha, Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing – Lisboa); 56 - “Teófilo Braga, os Monárquicos e o Integralismo Lusitano” (Norberto Cunha, Universidade do Minho); 57 - “Teófilo Braga, republicanismo e democracia” (Luís de Araújo, Universidade do Porto); 58 - “Teófilo Braga e a ética republicana” (Luís Crespo de Andrade, Universidade Nova de Lisboa); 59 - “Soluções positivas da Política portuguesa” (Carlos Leone, Universidade de Lisboa); 60 - “Palavra final da Comissão Científica sobre o Colóquio” (Mons. Arnaldo de Pinho, reitor da Universidade Católica Portuguesa – Porto). 
Da simples enumeração dos itens desenvolvidos nas várias sessões do Colóquio sobre Teófilo Braga, pode-se tirar a conclusão de que é grande a vitalidade da pesquisa acerca do pensamento nacional, no Centro de Estudos do Pensamento Português da Universidade Católica do Porto, sob a orientação de Mons. Arnaldo de Pinho. Esta vitalidade é visível, também, nas demais Universidades portuguesas envolvidas no estudo da filosofia autóctone e é confirmada com outro dado importante: a variedade e o número das publicações que surgem, a cada ano, sobre pensadores portugueses, e ainda acerca dos filósofos brasileiros. Menciono três grandes empreendimentos editoriais que testemunham a vitalidade do estudo do pensamento luso-brasileiro em terras portuguesas: a Enciclopédia Luso-brasileira de filosofia Logos, em 5 volumes (publicada em Lisboa pela Editorial Verbo, com o patrocínio da Universidade Católica Portuguesa, entre 1989 e 1992, sob a coordenação de Roque Cabral, Francisco da Gama Caeiro, Manuel da Costa Freitas, Alexandre Fradique Morujão, José do Patrocínio Bacelar e Oliveira e Antônio Paim). Em segundo lugar, destaca-se a História do Pensamento Filosófico Português, em 5 volumes (publicada em Lisboa pela Editorial Caminho, entre 1999 e 2000, sob a direção de Pedro Calafate). Em terceiro lugar, deve ser mencionada a magna obra de difusão das filosofias portuguesa e brasileira efetivada por António Braz Teixeira na Imprensa da Casa da Moeda, ao longo das duas últimas décadas. É grande o panorama das publicações dedicado às culturas lusófonas nas obras publicadas pela Editorial da Casa da Moeda.  Essas publicações distribuem-se por uma vasta série de coleções, como a «Biblioteca de Autores Clássicos», a «Biblioteca de Autores Portugueses», a dos «Escritores dos Países de Língua Portuguesa», a dedicada ao «Pensamento Português», a de «Estudos e Temas Portugueses», as de «Estudos Gerais», entre as quais se conta a «Série Universitária» dedicada aos «Clássicos de Filosofia», a de «Arte e Artistas» e a «Essencial».
Para terminar, não podia deixar de mencionar as iniciativas que são empreendidas pela nova geração de estudiosos do pensamento, tanto no Brasil quanto em Portugal. Mencionaria, em primeiro lugar, a Revista Nova Águia, publicada em Sintra pelo selo editorial Nova Águia e Zéfiro, sob a direção de Renato Epifánio, Celeste Natário e Miguel Real; esta publicação conta com uma ampla rede de distribuição no mundo lusófono, como também na América Latina e chega já ao seu sexto número semestral. Em segundo lugar, menciono a série de publicações eletrônicas sobre pensamento luso-brasileiro e latino-americano acolhidas no Portal Sophia (www.portalsophia.org), de iniciativa de dois jovens estudiosos brasileiros, Alexandro Souza e Marco Antônio Barroso.
Dentre as publicações abrigadas nesse portal, vale a pena destacar duas, relacionadas com o estudo dos temas da filosofia portuguesa e brasileira: as revistas Ibérica (www.estudosibericos.org) e Cogitationes (www.cogitationes.org). Em terceiro lugar, mencionaria o Portal Defesa  (www.ecsbdefesa.com.br), criado em 2003 pelo pesquisador Expedito Bastos, da Universidade Federal de Juiz de Fora; este Portal é o órgão de divulgação das pesquisas efetivadas pelo Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, sob a minha coordenação (até novembro de 2018); várias das pesquisas desenvolvidas pelo Centro abrangem os aspectos políticos e estratégicos do pensamento brasileiro e português. Em quarto lugar, gostaria de mencionar a iniciativa editorial que, no Centro de História da Universidade de Lisboa, desenvolve o jovem estudioso Ernesto Castro Leal. Duas publicações recolhem os trabalhos organizados por este estudioso, no terreno da história das idéias políticas: Republicanismo, socialismo, democracia, com ensaios de António Reis, António Ventura, Ernesto Castro Leal, José Esteves Pereira, Leonel Ribeiro dos Santos, Norberto Ferreira da Cunha, Pedro Calafate, Ricardo Vélez Rodríguez e Sérgio Campos Matos, (a obra foi publicada em Lisboa, em 2010, pelo Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). A segunda publicação intitula-se República e Liberdade (Lisboa: Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011) e nela aparecem ensaios de António Ventura, Carlos Cordeiro, Ernesto Castro Leal, José Eduardo Franco, José Esteves Pereira, José Maurício de Carvalho, Leonel Ribeiro dos Santos, Norberto Ferreira da Cunha, Pedro Calafate e Ricardo Vélez Rodríguez.
Uma palavra para terminar. A filosofia francesa tem sido, junto com a alemã e a inglesa, uma das fontes básicas da meditação brasileira. Poderíamos identificar os seguintes seis momentos em que a filosofia francesa exerceu grande influência no pensamento brasileiro: a) em primeiro lugar, no momento pombalino, quando o empirismo mitigado inspirou-se nas idéias de aritmética política e de fisiologia social cultivadas pela Ilustração, no século XVIII, com pensadores como Condorcet e Laplace (no caso da aritmética política) e Cabanis, Bichat, Pinel, Vicq d'Azur e Sait-Simon (no caso da fisiologia social). b) Em segundo lugar, no momento da formulação do ecletismo espiritualista, cujos inspiradores foram Maine de Biran e Victor Cousin. c) Em terceiro lugar, no esforço em prol de instaurar as instituições do governo representativo, momento em que os estadistas e publicistas inspiraram-se no liberalismo doutrinário de Guizot, Constant de Rebecque, Royer-Collard, etc., e no liberalismo democrático de Tocqueville. d) Em quarto lugar, no momento de elaboração do tradicionalismo, que deita raízes na meditação de Joseph de Maistre e Louis de Bonald. e) Em quinto lugar, no ciclo de ascensão do positivismo, centrado ao redor da idéia de física social desenvolvida por Augusto Comte. f) Em sexto lugar, no momento da reação anti-positivista, quando o espiritualismo brasileiro se abeberou em fontes como Bergson e Blondel. A presença da filosofia francesa é, destarte, marcante em momentos significativos do pensamento brasileiro.

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