Embora a disciplina
“Pensamento Brasileiro” tivesse sido banida do nosso universo acadêmico da
pós-graduação, pelos burocratas marxistas, ao longo dos governos lulopetistas e
sociais-democratas no decorrer dos últimos 30 anos, contudo, dois importantes
Centros de Estudos Superiores Militares a encamparam, de forma sistemática: a
Universidade da Força Aérea e a Escola de Comando e Estado Maior do Exército
(ECEME), ambas no Rio de Janeiro.
Efetivamente, a Universidade
da Força Aérea adotou, em 2019, o Curso de Pensamento Brasileiro existente, há
dez anos, como atividade de extensão no Clube da Aeronáutica, sob o comando do
presidente Maj Brig Marco Antonio Carballo Perez (1957). Esse Curso tinha sido
criado, em 2009, pelo coronel Araken Hipólito da Costa, auxiliado pelo
professor Francisco Martins de Souza (1925).
A Escola de Comando e Estado
Maior do Exército (ECEME), por sua vez, abriu espaço, desde 2003, para o estudo
do pensamento político brasileiro, na disciplina: “Doutrinas Políticas
Contemporâneas”, [cf. VÉLEZ Rodríguez, 2012] que integra o leque de seminários
do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Coordenador desse programa
acadêmico foi o coronel José Lucas da Silva. Como Professor Emérito da ECEME,
lecionei essa disciplina durante vários anos.
Após o fechamento, em 1994, pelo MEC, do Curso de Mestrado em Pensamento
Brasileiro, que ajudei a criar na Universidade Federal de Juiz de Fora, junto
com o professor Antônio Paim (1927), tomei a decisão de não lecionar mais a
disciplina “Pensamento Brasileiro”. No entanto, os meus alunos da graduação
insistiam em que lhes oferecesse um seminário sobre esse tema. Tanto
insistiram, que me venceram e comecei, em 2003, a oferecer uma disciplina eletiva
denominada: “Pensamento Brasileiro”, à qual assistiram, entre outros, os
seguintes alunos: Marco Antônio Barroso, Alexandro Ferreira de Souza, Bernardo
Goytacazes de Araújo e Humberto Schubert Coelho. Por sugestão dos discentes,
comecei o programa com a filosofia da mitologia. Ao longo de dois semestres
fizemos a leitura dos mais destacados “Mitos indígenas” da nossa tradição
ameríndia. A disciplina foi um sucesso. Nos semestres seguintes, passou a ser
oferecida com o nome de “Filosofia Brasileira” e voltaram a ser estudados os
clássicos da meditação nacional, seguindo o roteiro proposto por Antônio Paim
na sua obra clássica: História das ideias filosóficas no Brasil, já na
sexta edição. O estudo do pensamento brasileiro voltou em grande estilo ao
currículo da Universidade, não pelas mãos dos burocratas, mas a pedido dos
alunos, dando uma prova evidente da vitalidade que anima às novas gerações.
Torna-se necessária, de
entrada, uma breve aclaração metodológica. Partimos do pressuposto de que não
existe, na história do pensamento, originalidade total. Os pensadores emergem
do seio da milenária tradição da meditação ocidental, pensando problemas que são
específicos da sua época e do seu meio. A originalidade do pensamento deve ser
procurada aí: nas peculiares condições histórico-culturais que influenciam na
forma em que cada pensador reflete, condicionado ele próprio pela carga de
fatores subjetivos e subjetivo-objetivos presentes em todo ato humano: valores,
sensibilidade, experiências, vivências etc. Levando em consideração esta
observação, será utilizado, neste trabalho, o método de estudo do pensamento
brasileiro proposto por Miguel Reale (1910-2006) e Antônio Paim. Este método
consiste em identificar o problema ou os problemas aos que pretende responder o
pensador, a fim de compreender a sua peculiar contribuição no terreno das
ideias e poder traçar, posteriormente, um quadro dos elos e derivações da sua
meditação, em relação a outros autores e correntes [cf. Reale, 1951; Paim,
1979]. Serão percorridas, a seguir, duas etapas: I - períodos colonial e monárquico (séculos
XVII-XIX), e, II - período republicano (séculos
XX e XXI).
I - O
pensamento brasileiro nos períodos colonial e monárquico (séculos XVII, XVIII e XIX).
As mais importantes obras
que estudaram o momento colonial e o desenvolvimento do pensamento brasileiro,
ao longo do século XIX, são: a História
das idéias filosóficas no Brasil de Antônio Paim [1967]; Contribuição à história das idéias no
Brasil, de João Cruz Costa [1956];
Panorama da filosofia no Brasil, de Luís Washington Vita [1969]; Filosofia em São Paulo, de Miguel
Reale [1976]; Antologia do pensamento
social e político no Brasil, de Luís Washington Vita [1968]; As idéias filosóficas no Brasil: séculos
XVIII e XIX, obra em colaboração organizada por Adolpho Crippa [1978a];
Achegas à história da filosofia,
de Alcides Bezerra [1936]; O humanismo
brasileiro, de Vamireh Chacon [1980] e História da filosofia no Brasil, de Jorge Jaime [1997].
Entre os estudos realizados por autores estrangeiros, merecem destaque as
seguintes obras: Filósofos brasileiros, do escritor
boliviano Guillermo Francovich [1979]; Filosofia
luso-brasileira, trabalho em colaboração organizado por Ricardo Vélez
Rodríguez [1983] e Pensamento
luso-brasileiro, de Eduardo Abranches de Soveral [1996]. No terreno do
estudos bibliográficos, o mais importante é o de Antônio Paim [1982],
intitulado: Bibliografia filosófica
brasileira: 1808-1930 .
A meditação brasileira,
durante o período colonial, caracteriza-se pela sua inspiração nos temas
tratados pela Segunda Escolástica portuguesa. O ponto central desta consistia
na defesa da ortodoxia católica, a partir das disposições adotadas no Concílio
de Trento (1545-1563) como reação contra a reforma protestante. A máxima
expressão desse esforço foi a Ratio
Studiorum, sistematizada definitivamente em 1599, e que consistia num
estrito regulamento que pautava as atividades acadêmicas da Companhia de Jesus
em Portugal e na Espanha. Tal regulamento disciplinou o ensino no Colégio das
Artes de Coimbra, na Universidade de Évora e nas demais escolas jesuíticas, que
praticamente monopolizavam os estudos secundários em Portugal.
Dois aspectos típicos da Ratio Studiorum eram a
subordinação do ensino superior à teologia e o dogmatismo, que se alicerçava na
procura de uma ortodoxia definida pelos próprios jesuítas e que conduzia a
expurgar os textos dos autores, inclusive os do próprio São Tomás de Aquino
(1225-1274). Como acertadamente destacou Antônio José Saraiva [1955: 229-230],
"Não é necessário colocar em evidência o caráter dogmático desse ensino,
perfeitamente coerente com o sistema no qual se integra. O ensino da filosofia
não visava a desenvolver a capacidade crítica do aluno, mas a incutir, nele,
uma determinada doutrina, a prevenir os possíveis desvios em relação a ela e a
prepará-lo para defendê-la".
O ambiente cultural ensejado
em Portugal pela Ratio Studiorum
não favoreceu a abertura às filosofias modernas, formuladas na Europa durante
os séculos XVI e XVII. Consequentemente, a meditação filosófica colonial
correspondeu, no Brasil, à corrente
chamada por Luís Washington Vita de "saber de salvação", cujos
principais representantes foram Manuel da Nóbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques
Pereira e Souza Nunes. Desse conjunto destaca-se a obra de Marques Pereira
(1652-1735) intitulada: Compêndio
narrativo do peregrino da América [Pereira, 1939], que foi editada,
sucessivamente, em 1728, 1731, 1752, 1760 e 1765. A obra respondia à
problemática típica da espiritualidade monástica, centrada na idéia de que o
homem não foi criado por Deus para esta vida, destacando-se, em consequência, o
caráter negativo da corporeidade e das tarefas terrenas.
Na segunda metade do século
XVIII, consolidou-se em Portugal a corrente do empirismo mitigado, que se caracterizava por uma forte crítica à
Segunda Escolástica e ao papel monopolizador que exerciam os jesuítas no
ensino, bem como pela tentativa de formular uma noção de filosofia que se
reduzisse à ciência aplicada. Duas obras serviram de base a essa nova corrente: Instituições lógicas do italiano
Antonio Genovesi (1713-1769) [1937] e o Verdadeiro
método de estudar, do sacerdote oratoriano português Luís Antônio
Verney (1713-1792) [1950]. O empirismo
mitigado foi formulado e se desenvolveu, no contexto mais amplo das
reformas educacionais do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo
(1699-1782), que pretendiam incorporar a ciência aplicada ao esforço de
modernização despótica do Estado português. Contudo, ao responder a uma
problemática formulada a partir das necessidades do Estado patrimonial e não a
partir de uma perspectiva que tivesse como centro o homem, o empirismo mitigado não conseguiu dar uma
resposta satisfatória aos problemas da consciência e da liberdade.
O empirismo mitigado inspirou, no entanto, a importantes segmentos da
intelligentsia brasileira, a partir
da mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. A geração de
homens públicos que organizou as primeiras instituições de ensino superior era
de formação cientificista-pombalina. Entre eles, cabe destacar a figura de dom
Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), conde de Linhares, que, em 1810,
organizou a Real Academia Militar do Rio de Janeiro.
O esforço em prol da
superação do empirismo mitigado coube
a Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Inspirado na filosofia de Leibniz
(1646-1716) e, de outro lado, na lógica aristotélica e no empirismo lockeano, o
pensador português, que foi ministro da corte de dom João VI no Brasil,
formulou um amplo sistema que abarcava três partes: a teoria do discurso e da
linguagem, o saber do homem e o sistema do mundo. A sua mais importante
contribuição ao pensamento brasileiro consistiu na tentativa de superação da
filosofia até então vigente; a sua proposta teórica foi sistematizada,
principalmente, nas Preleções filosóficas [Ferreira, 1970]
e na formulação do liberalismo político e das bases do sistema representativo,
no Manual do cidadão num governo
representativo [In: Ferreira, 1976]. Graças à sua valiosa colaboração
teórica, o Império brasileiro conseguiu superar os problemas do liberalismo
radical e deitou as bases para a prática parlamentar. No entanto, a sua
meditação não conseguiu formular, de maneira completa, uma explicação
filosófica para o problema da liberdade.
Os temas da consciência e da
liberdade ocuparam o foco do debate filosófico que se efetivou, no Brasil, ao
longo do século XIX. A partir das bases colocadas pela meditação de Silvestre
Pinheiro Ferreira, os pensadores ecléticos procuraram dar uma resposta de
caráter espiritualista à problemática do homem. Sem dúvida que os filósofos
brasileiros deste período se inspiraram no ecletismo espiritualista francês,
formulado por Maine de Biran (1766-1824) e divulgado por Victor Cousin
(1792-1867), que permitiu superar o extremado sensismo de Condillac
(1715-1780). Mas o pensamento dos primeiros reveste-se da originalidade que
tinham as circunstâncias históricas do Brasil no século XIX, relacionadas com o
problema da construção do sentimento de nação e com a organização do Estado.
As duas figuras mais
representativas do ecletismo brasileiro são Eduardo Ferreira França (1809-1857)
e Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882). A obra do primeiro
caracteriza-se por buscar uma fundamentação filosófica, para o exercício da
liberdade política. Apesar de ter formulado uma visão determinista do homem nos
seus primeiros escritos, o seu pensamento evolui até uma concepção
espiritualista, na obra fundamental, intitulada: Investigações de psicologia [França, 1973], publicada em
Paris em 1854. Sem abandonar a perspectiva empirista, que tinha adotado desde o
início da sua meditação filosófica, Ferreira França, graças à influência de Maine de Biran,
consegue desenvolver o tema da introspeção, que lhe permitirá chegar, com o
rigor da observação empírica, à constatação da existência do espírito. Na sua
meditação, Ferreira França dará especial
ênfase ao tema da vontade, a qual é concebida como o elemento catalizador dos
diversos poderes de que está dotado o homem, cabendo-lhe a função primordial de
constituí-lo como pessoa.
Gonçalves de Magalhães expôs
o seu pensamento na obra intitulada: Fatos
do espírito humano [Magalhães, 1865], publicada em Paris, em 1859. O
problema ao qual respondeu a filosofia do maior pensador romântico do Brasil
foi o da construção da idéia de nação. Isso fez com que a obra de Magalhães,
como destaca o seu mais importante estudioso, Roque Spencer Maciel de Barros
[1973], se formulasse no contexto de uma proposta pedagógica. Magalhães baseia a
sua visão da liberdade e da moral numa análise filosófica inspirada em Victor
Cousin e parcialmente em Malebranche (1638-1715) e Berkeley (1685-1753);
formula uma explicação do homem em termos puramente espiritualistas, que negam
qualquer valor substancial ao mundo material, inclusive ao próprio corpo, já
que o universo sensível só existe intelectualmente em Deus, como pensamentos
seus.
O homem, preso ao corpo, é
livre por ser espírito e adquire a conotação de ente moral justamente em
virtude dessa "resistência do corpo". A moral de Magalhães, como a de
Cousin, é uma moral do dever, que valoriza a intenção do autor e não o
resultado do ato. A inspiração romântica dessa filosofia aparece na importância
conferida por Magalhães ao fator religioso, como motor da nacionalidade, bem
como no papel desempenhado pela poesia, enquanto educadora do povo (ele foi o
mais importante representante do romantismo literário no Brasil). Dessa forma,
Magalhães desempenha, no contexto brasileiro, um papel semelhante ao representado,
em Portugal, pelo primeiro romântico luso, Alexandre Herculano (1810-1877).
Outras figuras de menor
importância, na corrente eclética brasileira, foram Salustiano José Pedrosa
(falecido em 1858) e Antônio Pedro de Figueiredo (1814-1859), que traduziu ao
português o Curso de história da
filosofia moderna de Victor Cousin (1792-1867). O ocaso da corrente
eclética dá-se ao longo do período de 1880 a 1900, em decorrência do fenômeno
cultural denominado por Sílvio Romero (1851-1914) de "surto de idéias
novas", e que se caracterizou pela entrada, nos meios acadêmicos, de
filosofias contrárias ao espiritualismo eclético, como o darwinismo, o determinismo
monista e o positivismo.
Sem dúvida alguma que, entre
as correntes filosóficas em ascensão nas últimas décadas do século XIX, o positivismo foi a que mais repercussão
teve no seio do pensamento brasileiro. A razão fundamental desse fato radica na
pré-existente tradição cientificista, que se iniciou com as reformas
pombalinas, à luz das quais estruturou-se todo o sistema de ensino superior, em
bases que privilegiavam a ciência aplicada e a instrução estritamente
profissional. Isso explica a tardia aparição da idéia de universidade
(entendida como instância de cultura superior e
de pesquisa básica), no contexto cultural brasileiro. Efetivamente, só a
partir da década de 1920 ganharia corpo a idéia de universidade, como reação
contra o positivismo reinante.
O positivismo teve, no
Brasil, quatro manifestações diferentes: a ortodoxa, a ilustrada, a política e
a militar. A corrente ortodoxa teve como principais representantes Miguel Lemos
(1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), os quais fundaram, em 1881, a Igreja
Positivista Brasileira, com o propósito de fomentar o culto da "religião
da humanidade", proposta por Comte (1798-1857) no seu Catecismo positivista.
A corrente ilustrada teve
como principais representantes Luís Pereira Barreto (1840-1923), Alberto Sales
(1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921), Paulo Egydio (1842-1905) e Ivan Lins
Monteiro de Barros (1904-1975). Esta corrente defendia o plano proposto por
Comte na primeira parte da sua obra, até 1845, antes de formular a sua
"religião da humanidade", e que poderia ser sintetizado assim: o
positivismo constitui a última etapa (científica) da evolução do espírito
humano, que já passou pelas etapas teológica e metafísica e que deve ser
educado na ciência positiva, a fim de que surja, a partir desse esforço pedagógico,
a verdadeira ordem social, que foi alterada pelas revoluções burguesas dos
séculos XVII e XVIII.
A corrente política do
positivismo teve como maior expoente Júlio de Castilhos (1860-1903) [cf. Vélez,
1980], que, em 1891, redigiu a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, a
qual entrou em vigor nesse mesmo ano. Segundo essa carta, as funções
legislativas passavam às mãos do poder executivo, sendo os outros dois poderes
públicos (legislativo e judiciário) tributários do executivo hipertrofiado. Para
Castilhos, deveria se inverter o dogma comteano de que à educação moralizadora
seguiria, pacificamente, a ordem social e política. O Estado forte deveria, ao
contrário, impor, coercitivamente, a ordem social e política, para depois
educar compulsoriamente o cidadão na nova mentalidade, alicerçada na ciência
positiva. Esta corrente ganhou maior repercussão do que as outras três, devido
a que obedeceu à tendência cientificista de que já se tinha impregnado o modelo
modernizador do Estado consolidado pelo marquês de Pombal. Assim, as reformas
autoritárias de tipo modernizador que o Brasil iria experimentar, ao longo do
século XX, deram continuidade à mentalidade castilhista do Estado forte e
tecnocrático. Este modelo consolidou-se na obra de um seguidor de Castilhos:
Getúlio Vargas (1883-1954), como será detalhado mais adiante. Aconteceu, com o
castilhismo, algo semelhante ao ocorrido no México com o porfirismo: ambas as
doutrinas cooptaram a filosofia positivista como ideologia estatizante e
reformista.
A corrente militar
positivista teve como principal representante Benjamin Constant Botelho de
Magalhães (1836-1891), professor da Academia Militar e um dos chefes do
movimento castrense que derrubou a monarquia, em 1889. Esta corrente
estruturou-se, paralelamente, à ilustrada, projetando, ao longo das últimas
décadas do século XIX, o ideário cientificista pombalino, conforme destacou
Antônio Paim [1980: 259]: "A adesão às doutrinas de Comte por parte dos
líderes da Academia Militar, deu-se no estreito limite em que contribuiu para
desenvolver as premissas do ideário pombalino, quer dizer, a crença na possibilidade
da moral e da política científicas. Para comprová-lo, basta comparar as funções às que Comte
destinava as forças armadas e o papel que Benjamin Constant atribui ao
Exército".
A filosofia positivista foi
vigorosamente criticada pela corrente denominada de "Escola do
Recife" [cf. Paim, 1966]. O fundador e mais destacado representante dessa
corrente de pensamento foi Tobias Barreto (1839-1889). Outras figuras dignas de
menção são Sílvio Romero (1851-1914), Clóvis Beviláqua (1859-1944), Artur
Orlando (1858-1916), Martins Júnior (1860-1909), Faelante da Câmara
(1862-1904), Fausto Cardoso (1864-1906), Tito Lívio de Castro (1864-1890) e
Graça Aranha (1868-1931).
Os pensadores da "Escola
do Recife" protagonizaram uma clara reação contra as duas formas de
pensamento que dominavam o panorama filosófico nacional, nas últimas décadas do
século XIX: o ecletismo espiritualista e o positivismo. Apesar de que, no
início, os seus principais expoentes tivessem tomado elementos do monismo de
Haeckel (1834-1919) e da própria filosofia comteana, muito cedo superaram esses
limitados pontos de vista, para se abrirem às idéias que garantiriam a
tematização da cultura, no contexto do neokantismo. Esse esforço teórico foi
iniciado por Tobias Barreto e coroado por Artur Orlando. Rosa Mendonça de Brito
[1980: 33] sintetizou, assim, a contribuição deste último: "A sua
filosofia é uma meditação sobre as ciências e a crítica ou teoria do
conhecimento. Esta é a parte da filosofia que lhe dá um objeto próprio, capaz
de justificar-lhe a existência, representando, pois, o núcleo central do
pensamento filosófico moderno e contemporâneo. A teoria do real e do ideal -- saber o que o nosso conhecimento possui de
objetivo e de subjetivo -- é o seu
problema fundamental".
A "Escola do
Recife" foi, no contexto do pensamento filosófico brasileiro do século
XIX, a mais clara manifestação da perspectiva transcendental kantiana, ao
entender -- com Tobias Barreto e Artur
Orlando -- a filosofia como
epistemologia. Estes pensadores, sem dúvida, deitaram as bases para o ingresso
e a discussão, no meio brasileiro, das idéias provenientes do neokantismo, nas
primeiras décadas do século XX.
De outro lado, ao buscar uma
fundamentação de tipo transcendental não só para o conhecimento, mas também
para a ação humana, a "Escola do Recife", especialmente, através da
meditação dos dois autores mencionados anteriormente, desaguou na concepção da
cultura como dimensão específica do humano, que se contrapõe ao mundo da
natureza. Segundo o fundador da "Escola do Recife": "(...) a
sociedade, que é o grande aparato da cultura humana, deixa-se figurar através
da imagem de um emaranhado imenso de relações sinérgicas; é um sistema de regras, é uma rede de normas, que se não limitam ao mundo da
ação, chegando até os domínios do pensamento. Moral, direito, gramática,
lógica, civilidade, cortesia, etiqueta, etc., são outros tantos corpos de
doutrina que têm de comum entre si o caráter normativo (...). E tudo isso é obra da cultura em luta com a
natureza (...), luta na qual o direito é o fio vermelho e a moral o fio de
ouro, que atravessam todo o tecido das relações sociais. Um direito natural possui tanto sentido
quanto uma moral natural, uma gramática natural, uma ortografia natural, uma civilidade natural, pois todas essas
normas são efeitos, invenções culturais"
[Tobias Barreto, 1966: 331-332].
A "Escola do
Recife", ao mesmo tempo que permitiu fazer uma crítica de fundo ao
determinismo positivista, que ancorava na submissão naturista da liberdade e da
consciência, reduzindo-as a efeitos da "física social", deitou, também, as bases para a corrente de
pensamento que, no século XX, revelar-se-ia mais vital no contexto da meditação
filosófica brasileira: o culturalismo.
Apesar de que a "Escola
do Recife" foi a mais importante herdeira do kantismo, ao longo do século
XIX, não podemos ignorar o papel pioneiro que representaram os Cadernos de Filosofia [Feijó,
1967] do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), que sintetizam o magistério do
regente do Império (1835-1837). Neles, encontramos viva a presença de Kant
(1724-1804), tanto no que se refere à forma em que Feijó entende a razão
humana, quanto no que diz relação ao exercício da liberdade. As seguintes
palavras, que ilustram a idéia que o padre paulista tinha acerca da meditação
filosófica, partem do pressuposto da "revolução copernicana" do
filósofo de Königsberg, de enxergar a problemática do conhecimento, sob uma
perspectiva estritamente humana e transcendental: "Sendo o homem -- afirma
Feijó em seus Cadernos -- a única substância conhecida por ele, é claro
que toda ciência para ser verdadeira e não fenomenal, quer dizer, para ter um
valor real em si, deve fundamentar-se no mesmo homem. É nas suas leis onde
residem os princípios originais e primitivos de toda a ciência humana".
A meditação filosófica
brasileira do século XIX não seria alheia à influência do krausismo. Miguel
Reale destaca que o pensamento de Krause (1781-1832), apesar de ter entrado,
indiretamente, no panorama brasileiro, por intermédio do jurista português
Vicente Ferrer Neto Paiva (1798-1886) e dos krausistas Ahrens (1808-1874) e
Tiberghien (1819-1901), teve ampla repercussão na Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco, em São Paulo. Os principais representantes dessa tendência
foram: Galvão Bueno (1834-1883) e João Theodoro Xavier (1820-1878), cuja obra Teoria transcendental do direito (1876),
segundo Reale, "compendia os princípios fundamentais do racionalismo harmônico de Krause, com frequentes
referências à doutrina de Kant".
João Theodoro tentou superar o individualismo da concepção kantiana do
direito, numa visão que desse lugar essencial ao papel social do mesmo, sendo,
assim, um dos precursores do chamado "direito social", ou
"direito trabalhista" no Brasil.
Uma corrente de filosofia
política bastante cultuada durante o Império foi o denominado liberalismo doutrinário. O pensamento de
autores como François Guizot (1787-1874), Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830),
Royer-Collard (1763-1843), etc., exerceu bastante influência na consolidação do
sistema representativo. Os pensadores brasileiros que mais diretamente
receberam essa influência foram Paulino Soares de Souza, visconde de Uruguai
(1807-1866) e o publicista Pimenta Bueno (1803-1878). A visão
liberal-conservadora legada pelos doutrinários sofreria, em terras brasileiras,
uma análise crítica do ponto de vista do liberalismo
democrático de Alexis de Tocqueville (1805-1859). Tavares Bastos
(1839-1875) e José de Alencar (1829-1877) foram os pensadores que melhor
realizaram essa revisão crítica, que serviu de bandeira ao Partido Liberal,
notadamente ao longo das décadas de 1860 e 1870 [cf. Vélez, 1997a e 1997b].
Como reação ao pensamento
liberal, o tradicionalismo teve bastante divulgação, ao longo do século XIX.
Podemos citar, como representantes importantes dessa tendência, dom Romualdo
Seixas (1787-1860), que foi arcebispo de Salvador-Bahia e recebeu do Imperador
o título de Marquês de Santa Cruz, e José Soriano de Souza (1833-1895).
Apesar de terem recebido a
influência dos tradicionalistas franceses Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis
de Bonald (1754-1840), os brasileiros mostraram-se muito mais tolerantes do que
aqueles e do que os portugueses. Ubiratan Macedo [1981: 19] sintetizou, assim,
o núcleo da filosofia tradicionalista brasileira: "Pode-se afirmar que os
tradicionalistas brasileiros no século XIX tinham consciência clara de um
conjunto de teses filosóficas, religiosas e de caráter social, ao redor das
quais desenvolveram ensaios de certa magnitude. Tais teses consistiam no
menosprezo pelo racionalismo e o liberalismo; na defesa da monarquia legítima;
no empenho em prol da união da Igreja e do Estado e em prol da proscrição do
matrimônio civil; na luta em defesa da liberdade de imprensa e de pensamento,
em nome do direito à verdade. Passando ao nível político (...) e excetuando a
preferência pela monarquia, não se observa maior claridade nas opções. A
monarquia constitucional vigente era francamente tolerada, assim como o
regalismo (...). E quanto a ter uma atenção política estruturada, como
pretendia Soriano de Souza, esta não chegou a ser considerada. O grupo, apesar
de ativo, era francamente minoritário e nunca teve maior proximidade com o
poder".
II -
O pensamento brasileiro no período republicano (séculos XX-XXI).
As principais obras que têm
estudado o desenvolvimento do pensamento brasileiro, ao longo do século XX,
são: de Antônio Paim, História das
idéias filosóficas no Brasil [1967], Problemática do culturalismo [1977] e O estudo do pensamento brasileiro [1979]; de João Cruz
Costa, Contribuição à história das
idéias no Brasil [1956]; de Fernando Arruda Campos, Tomismo e neo-tomismo no Brasil
[1968]; de Luis Washington Vita, Panorama
da filosofia no Brasil [1969b] e Filosofia
contemporânea em São Paulo [1969a]; de Tarcísio Padilha (organizador), Filosofia e realidade brasileira
1976]; de Adolpho Crippa (organizador), As idéias filosóficas no Brasil: século XX
[1978b]; de Stanislavs Ladusans, Rumos
da filosofia atual no Brasil [1976]; de dom Odilão Moura, Idéias católicas no Brasil: direções do
pensamento católico no Brasil no
século XX [1978]; de Antônio Carlos Villaça, O pensamento católico no Brasil [1975]; de Aquiles Côrtes
Guimarães, O tema da consciência na filosofia brasileira
[1982]; de Tarcísio Padilha (organizador), Anais
da VII Semana Internacional de Filosofia [1993]; de Roque Spencer
Maciel de Barros, Estudos brasileiros [1997] e de José
Maurício de Carvalho, Contribuição
contemporânea à história da filosofia brasileira [1998]. No terreno dos
estudos bibliográficos devem ser destacados
os de Antônio Paim, intitulados: Bibliografia
filosófica brasileira: período 1931-1980 [1987] e Bibliografia filosófica brasileira: período contemporâneo,
1981-1985 [1988]. É importante lembrar, também, a obra de Geraldo
Pinheiro Machado (1918-1985) 1000
títulos de autores brasileiros de filosofia [1983].
A partir da queda do Império
e da instauração da República, em 1889, a preocupação com a busca de uma
sociedade racional tornou-se meta prioritária da elite intelectual brasileira.
O século XX começa sob a inspiração positivista, que deu ensejo às quatro
correntes mencionadas anteriormente.
A vertente castilhista,
consolidada, como já foi frisado, na Constituição
política do Estado do Rio Grande do Sul, elaborada e promulgada por
Castilhos em 1891, deu lugar à prática da "ditadura científica", no
mencionado Estado. As figuras de maior relevo do castilhismo não foram teóricos
do positivismo, mas espíritos práticos, que legislaram e que modelaram uma
forma autoritária de governo. Consolidado o castilhismo, no Rio Grande do Sul,
a partir de 1930 converteu-se na doutrina predominante do autoritarismo
republicano brasileiro.
Duas gerações podemos
identificar no castilhismo: a primeira, correspondente ao surgimento e
consolidação dessa tendência no Estado do Rio Grande do Sul, no período
compreendido entre 1891 e 1930 e que teve, além de Castilhos, os seguintes
representantes: Borges de Medeiros (1864-1961), José Gomes Pinheiro Machado
(1851-1915) e Getúlio Vargas (1883-1954). A segunda geração castilhista foi
integrada pela elite sul-riograndense que acompanhou Getúlio Vargas na tomada
do poder em 1930 e a sua influência projetou-se, diretamente, no cenário nacional,
durante o longo período getuliano até 1945, voltando a exercer alguma
influência durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Os
representantes mais destacados desta segunda geração foram: Lindolfo Collor
(1891-1942), João Neves da Fontoura (1889-1963), Firmino Paim Filho
(1884-1971), João Batista Luzardo (1892-1982), Joaquim Maurício Cardoso
(1888-1938) e outros.
Os dois traços doutrinários
centrais do castilhismo [cf. Vélez, 1980] são a idéia da tutela do Estado sobre
os cidadãos e a concentração de poderes no Executivo. Como doutrina
regeneradora, o castilhismo revelou-se mais autoritário do que a própria
ditadura científica comteana. Enquanto o filósofo de Montpellier considerava
que da educação positiva dos vários agentes sociais emergiria a ordem social e
política, os castilhistas, como já foi dito, inverteram a equação: primeiro
deveria se consolidar um Estado mais forte do que a sociedade (mediante os
expedientes do partido único e do terror policial que destruísse qualquer oposição)
a fim de que, numa segunda etapa, o Estado educasse compulsoriamente os
cidadãos. Como se pode observar, este modelo incorporou muitos elementos do
totalitarismo rousseauniano, particularmente a idéia de que ordem significa aniquilação de qualquer
dissenso.
Em que pese o fato de os
castilhistas da segunda geração (na qual se destacava a figura de Lindolfo
Collor) terem elaborado uma plataforma modernizadora de governo, que deitou os
alicerces para a industrialização do Brasil, a sua proposta ensejou um modelo
tecnocrático, apto para funcionar unicamente num contexto autoritário. Essa
tendência fez com que o longo regime de Vargas terminasse evoluindo até uma
ditadura unipessoal, com alguns elementos emprestados do corporativismo
fascista: o chamado Estado Novo
(1937-1945).
Os positivistas ilustrados
(cujos nomes já foram mencionados no item anterior) foram caracterizados assim
por Antônio Paim [1967]: "(...)
sendo partidários de Augusto Comte, no que se refere à possibilidade da
organização racional da sociedade, preferiam os procedimentos da democracia
liberal, ao contrário do totalitarismo castilhista". Especial menção deve
ser feita a Ivan Lins Monteiro de Barros, cuja obra principal História do positivismo no Brasil
[1964] se tornou um dos clássicos para o estudo deste tema, justamente por
fazer um balanço objetivo e desapaixonado da contribuição das várias
manifestações do comtismo na cultura brasileira.
A vertente militar do
positivismo teve um importante representante neste século: o marechal Cândido
Mariano da Silva Rondon (1865-1956), que foi o principal discípulo do ideólogo
do positivismo no meio militar, Benjamin Constant Botelho de Magalhães.
Inspirado no ideal positivista de incorporação do proletariado à sociedade,
Rondon sempre insistiu na assimilação do índio à cultura ocidental, respeitando
as populações silvícolas nas suas propriedades, nas suas pessoas e nas suas
instituições políticas, sociais e religiosas. Essa atitude permitiu-lhe
realizar importante trabalho de penetração nos longínquos confins da Amazônia e
do Mato Grosso. Convém salientar que houve, no meio militar, um grupo de
oficiais que seguiram o positivismo castilhista, entre os quais cabe mencionar
o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro (1889-1956), que teve papel destacado
durante os dois governos de Getúlio Vargas.
Nas primeiras décadas do
século XX, a crítica ao positivismo foi realizada por Otto de Alencar
(1874-1912) e Amoroso Costa (1885-1928), ambos professores da Escola
Politécnica do Rio de Janeiro e precursores da corrente neopositivista. A
crítica era simples: o comtismo não corresponde a uma autêntica filosofia da
ciência, devido à sua índole dogmática, sendo necessária uma abertura à
evolução do conhecimento científico, nas suas várias manifestações,
especialmente no tocante à física-matemática. A finalidade essencial da
filosofia seria a formulação de uma teoria do conhecimento, que buscasse
fundamentar uma linguagem elaborada com o máximo rigor e que se inspirasse na
matemática. Os esforços de Otto de Alencar e Amoroso Costa conduziram à criação
da Academia Brasileira de Ciências, em 1916, que representou um espaço aberto
ao pensamento científico, livre, por completo, do dogmatismo comteano.
Na segunda metade do século
XX, dois pensadores representaram a tendência neopositivista: Pontes de Miranda
(1892-1979) e Leônidas Hegenberg (1925-2012). O primeiro caracterizou-se por
ter aplicado os princípios fundamentais dessa corrente à ciência do direito,
mas sem se restringir a ela, colocando-a num contexto mais amplo, em que medita
sobre a criação humana como um todo. O segundo foi considerado por Antônio Paim
como "o principal artífice do processo contemporâneo de superação do
conceito oitocentista de ciência e do triunfo sobre o positivismo comteano, por
parte dos cultores das ciências exatas, interessados na correspondente
problemática filosófica”.
A mais fecunda corrente de
pensamento filosófico, ao longo do século XX, foi a culturalista. Tal corrente
identifica-se como herdeira do neokantismo e da tradição surgida a partir da
crítica ao positivismo, desenvolvida pela "Escola do Recife",
especialmente por Tobias Barreto. Os principais representantes do culturalismo
brasileiro são Luís Washington Vita (1921-1968), Miguel Reale, Djacir Menezes
(1907-1996), Antônio Paim, Paulo Mercadante (1923-2013) e Nelson Saldanha (1931-2015).
As teses fundamentais
sustentadas pelos culturalistas poderiam ser sintetizadas da seguinte forma,
segundo Antônio Paim [1977]: a) A filosofia implica multiplicidade de
perspectivas, sendo que, no interior destas, existe a possibilidade de que
surjam pontos de vista diversos. A escolha de uma perspectiva determinada não
obedece a critérios uniformes. b) A ciência é a única forma de conhecimento
capaz de efetivar um discurso com validez universal, mas, para isso, são
estabelecidos objetos limitados,
evita-se a busca da totalidade e elimina-se o valor. c) As ciências
humanas experimentaram um processo de aproximação às ciências naturais, mas,
por outro lado, observa-se uma subordinação de todas elas a esquemas
filosóficos. d) Contudo, a elucidação acerca das relações entre ciência e
filosofia não chega a constituir objetivo primordial da corrente culturalista,
que centra a atenção, melhor, numa meditação de tipo ontológico. e) O ser do
homem constitui o objeto próprio dos pensadores culturalistas, que prestam
atenção, sobretudo, ao agir ou às criações humanas. f) A criação humana, ou
seja, a cultura, é entendida como "conjunto de bens objetivados pelo
espírito humano na realização de seus fins específicos". g) É necessário
atender, no terreno da cultura, ao âmbito da pura idealidade, que possui um
desenvolvimento autônomo, apesar de ser influenciado pelo conjunto da atividade
cultural. h) A autonomia da variável espiritual, no processo cultural, torna-se
visível através da capacidade humana de refletir filosoficamente acerca dos
problemas. i) Os problemas filosóficos são constituídos por questões controvertidas
no seio da tradição cultural, desde o ponto de vista do sentido do ser e do
agir humanos. j) Apesar de enfatizar a autonomia e a criatividade do espírito,
os culturalistas não deixam de reconhecer que a atividade humana é orientada
pelo interesse e pela necessidade. k) Contudo, interesse e necessidade humanos
são subjetivos, apesar de que, na sua concreção, se refiram a um determinado
contexto histórico e cultural. l) Os
ideais convertem-se em forças propulsoras da cultura humana, quando
amadurecidos pelos valores morais. m) O curso histórico, tomado na sua
totalidade, está longe de ser um processo racional, constituindo, melhor, a
esfera da violência e da força. n) A filosofia política é uma espécie de tensa
mediação entre as esferas da racionalidade e da violência. Esta forma de
reflexão filosófica alimenta-se de determinada concepção de pessoa humana,
situada no seu contexto histórico e aberta à problemática da moralidade.
Raimundo de Farias Brito
(1862-1917) é o mais importante pensador de tendência espiritualista no Brasil.
Discípulo da "Escola do Recife", combateu o positivismo não a partir
do neokantismo, como Tobias Barreto, mas a partir do espiritualismo, que estava
em ascensão, na Europa, graças à meditação de Henri Bergson (1859-1941). A
influência de Farias Brito se fez sentir no pensamento do seu mais importante
discípulo, Jackson de Figueiredo (1891-1928) que, apesar de não ter formulado
uma rigorosa proposta filosófica como seu mestre, teve o mérito de elaborar uma
doutrina conservadora centrada nas idéias de ordem e de autoridade, que serviu
de base teórica, aos católicos, para assimilar as instituições republicanas e
estabelecer um diálogo fecundo com outras concepções políticas, superando,
destarte, o dogmatismo ultramontano, no qual a Igreja Católica tinha ancorado
desde a proclamação da República, em 1889.
O mais destacado
representante desta última posição foi o padre Leonel Franca (1896-1948), da
Companhia de Jesus, que partiu do ponto de vista de defesa intransigente do
catolicismo para uma classificação apologética dos filósofos. Outros pensadores
de inspiração católica desenvolveram perspectivas mais abertas. Dentre os que
receberam a influência de Jacques Maritain (1882-1973) cabe mencionar a
Alceu Amoroso Lima (pseudônimo Tristão de Athayde) (1893-1983) e
Leonardo van Acker (1896-1986). Amoroso Lima sistematizou, na sua obra, os
princípios do que ele denominou de "humanismo cristão", contraposto
ao marxismo e ao existencialismo. Alicerçado nessa concepção, formulou críticas
a filósofos contemporâneos e lutou, no Brasil, pela defesa dos direitos
humanos. Van Acker, belga de nascimento, adotou um ponto de vista neo-tomista
para avaliar as filosofias contemporâneas e formulou uma concepção moderna do
que seria o papel dessa corrente de pensamento, no mundo de hoje, no sentido de
que deveria se abrir à análise, sem preconceitos, de todas as tendências.
Continuador desta esclarecida opção é, hoje, monsenhor Urbano Zilles (1937).
Outros pensadores de
inspiração católica são: Tarcísio Meireles Padilha (1928) que, inspirado na
meditação de Louis Lavelle (1883-1951), formula uma "filosofia da
esperança"; Geraldo Pinheiro Machado (1918-1985), que se destacou como
historiador das idéias filosóficas no Brasil; Ubiratan Macedo (1937-2007) e
Gilberto de Mello Kujawski (nasc. 1929), os quais elaboraram a sua obra
inspirando-se no pensador espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955); Fernando
Arruda Campos (1930), reconhecido estudioso do neo-tomismo brasileiro e o padre
Stanislavs Ladusans (1912-1993), da Companhia de Jesus, autor da obra, já
citada, Rumos da filosofia atual no
Brasil.
Tentando dar uma resposta
concreta ao problema da pobreza e das desigualdades sociais que afetam ao
Brasil, alguns pensadores de formação cristã desenvolveram, ao longo das
últimas décadas, o que poderia ser denominado de projeto imanentista de
libertação, que acolhe elementos conceituais provindos das teologias católica e
protestante, bem como do hegelianismo, dos messianismos políticos rousseauniano
e saint-simoniano, do personalismo de Emmanuel Mounier (1905-1950) e do
marxismo. As principais contribuições neste terreno pertencem ao padre jesuíta
Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), inspirador do movimento chamado Ação
Popular (que posteriormente converter-se-ia na Ação Popular
Marxista-Leninista); a Hugo Assmann (1933-2008), destacado professor universitário;
ao padre Leonardo Boff (1938), autor de numerosa bibliografia nos terrenos
teológico, político, filosófico e ecológico; e ao pedagogo Paulo Freire
(1921-1997).
É importante destacar que,
ao longo dos últimos vinte anos do século XX, apareceram estudos que analisavam
a problemática da pobreza de outros ângulos, como, por exemplo, a partir da
perspectiva liberal. A mais significativa contribuição, nesse sentido, foi a
obra de José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017), intitulada: Opção preferencial pela riqueza
[Penna, 1991].
No terreno do pensamento
tradicionalista sobressaíram: José Pedro Galvão de Souza (1912-1993), que aprofundou
na análise da teoria da representação (fato que o aproxima, curiosamente, do
liberalismo lockeano); Alexandre Correia (1890-1984), que realizou a tradução
íntegra ao português da Suma Teológica
de São Tomás de Aquino e Gustavo Corção (1896-1978).
Os pensadores de inspiração
marxista têm desenvolvido no Brasil amplo trabalho de análise, abordando,
especialmente, os aspectos socioeconômicos. Destaca-se, nesse terreno, Caio
Prado Júnior (1907-1990), para quem seria infantil a pretensão comteana,
adotada pela maior parte dos marxistas brasileiros, de enquadrar a explicação
científica acerca da evolução social, nos estreitos parâmetros de leis gerais e
eternas. "Tal prefixação de etapas", escreve Prado Júnior [1966: 23],
"através das quais evoluem ou devem evoluir as sociedades humanas, faz
rir". Apesar da advertência crítica deste autor, a tendência que veio a
prevalecer, no chamado "marxismo acadêmico" brasileiro, foi a
comteana ou cientificista. Os principais representantes desta vertente (que
possui como preocupação fundamental a implantação da sociedade racional, em
bases marxistas), foram Leônidas de Rezende (1899-1950), Hermes Lima
(1902-1978), Edgardo de Castro Rebelo (1884-1970), João Cruz Costa (1904-1978),
Alvaro Vieira Pinto (1909-1987) e Roland Corbisier (1914-2005).
Vale a pena destacar os
nomes de alguns autores de inspiração marxista, desvinculados da opção comteana:
Luiz Pinto Ferreira (1918-2009) e Gláucio Veiga (1923-2011), os quais fazem uma
avaliação da problemática herdada da "Escola do Recife", notadamente
no terreno do direito. Leandro Konder (1936-2014) desenvolveu uma crítica
sistemática à opção comteana seguida pelo marxismo brasileiro. Se apoiando em
bases que remontam a Hegel (1770-1831) e a Marx (1818-1883), este autor atribui
a "derrota da dialética", sofrida pelo marxismo brasileiro, à versão
positivista já apontada [Konder, 1988]. Leandro Konder situa-se, assim, como o
continuador da atitude crítica anteriormente sustentada por Caio Prado Júnior.
No que tange à
fenomenologia, a trajetória do pensamento brasileiro é bastante rica. Ao longo
das décadas de cinquenta e sessenta, a filosofia de Edmund Husserl (1859-1938)
foi divulgada por Evaldo Pauli (1925-2014) e Luís Washington Vita (1921-1968).
Interpretações da obra husserliana projetada sobre a meditação brasileira foram
realizadas por Miguel Reale no seu livro Experiência
e cultura [1977], por Antônio Luiz Machado Neto (1930-1977) na sua obra
Para uma eidética sociológica
[1977] e pelo já mencionado pensador católico Leonardo van Acker, no seu livro A filosofia contemporânea [1981].
Especial contribuição, no
terreno dos estudos fenomenológicos, tem sido dada por Creusa Capalbo (1934-2017),
para quem a meditação husserliana, longe de constituir um sistema, é mais um
método que não se pode reduzir a uma teoria intuitiva do conhecimento, mas que
se desenvolve no seio de uma hermenêutica e de uma dialética. Sobressaem, ainda,
no terreno dos estudos fenomenológicos, Aquiles Côrtes Guimarães (1937-2016),
que aplica a perspectiva husserliana à historiografia da filosofia brasileira e
Beneval de Oliveira (1916-1986), que realizou um balanço da evolução desta
corrente na sua obra A fenomenologia
no Brasil [1983]. Alguns estudiosos utilizam a fenomenologia como
método de pesquisa no terreno das epistemologias regionais. Tal é o caso, por
exemplo, de Nilton Campos (1898-1963), Isaias Paim (1909-2004) e João Alberto
Leivas Job (1936-1991).
A filosofia existencialista,
no sentir de Antônio Paim [1967], teve dois momentos no período contemporâneo.
O primeiro corresponde à entrada das idéias de Jean-Paul Sartre (1905-1982) no
panorama cultural brasileiro, imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial. O
segundo corresponde à influência deixada pelo pensamento de Martin Heidegger
(1889-1976), a partir da década de sessenta.
As idéias de Sartre foram
divulgadas, inicialmente, por Roland Corbisier e Alvaro Vieira Pinto. A
influência do filósofo francês no meio brasileiro consolidou-se com a série de
conferências que Sartre pronunciou no Rio de Janeiro em 1961. A entrada do
existencialismo sartreano produziu uma forte reação dos pensadores católicos,
que passaram a criticar especialmente o ateísmo do pensador francês. O autor
que mais definidamente sofreu a influência de Sartre foi Otávio de Mello
Alvarenga (1926-2010)[cf. Mourão, 1986]. À luz do existencialismo sartreano
foram discutidas questões sociais relativas ao desenvolvimento, ao colonialismo
e outras, no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).
Pelo fato de se ajustar
melhor à tradição espiritualista brasileira, a filosofia hedeggeriana contou
com mais seguidores. Dentre os pensadores que sofreram a influência de
Heidegger podem ser mencionados os nomes de Vicente Ferreira da Silva
(1916-1963), Emmanuel Carneiro Leão (1927), Gerd Bornheim (1929-2002), Ernildo
Stein (1934), Wilson Chagas (1921), Eduardo Portella (1932-2017) e Benedito
Nunes (1929-2011).
No seio dos existencialistas
brasileiros mencionados, deve ser destacada a figura de Vicente Ferreira da
Silva (1916-1963), cujas Obras
completas [1964] abrem um caminho profundamente rico e original, que
une a problemática existencialista à melhor tradição do espiritualismo de
origem portuguesa. Referindo-se à peculiaríssima contribuição de Ferreira da
Silva, Miguel Reale [in: Silva, 1964: I, 13] afirmou: "A sua preocupação
pelas origens e pelo valor do infra estrutural, já na raiz da personalidade
(...), já no evoluir das idéias, como revela a sua nota sobre Heráclito ou o
estudo sobre a origem religiosa da cultura,
tem, efetivamente, o alcance de uma historicidade
transcendente, de um regresso às origens, para dar início a um ciclo
diverso da história, diferente deste em que o homem estaria divorciado da
natureza e das fontes do divino; para um retorno, em suma, ao ponto original
onde emergem todas as possibilidades naturais espontâneas, liberadas das
crostas opacas do experimentalismo tecnológico, bem como das objetivações
extrínsecas platônico-cristãs".
Adolpho Crippa (1929-2000)
desenvolveu a vertente espiritualista trabalhada por Ferreira da Silva,
aprofundando no tema do mito como gerador da cultura. Uma perspectiva de
análise semelhante foi desenvolvida pelo filósofo português Eudoro de Sousa
(1911-1989), que criou na Universidade de Brasília o Centro de Estudos
Clássicos.
Vale a pena mencionar os
nomes de alguns autores não filiados a correntes determinadas e que se têm caracterizado
pela sua ativa participação no debate filosófico, se aproximando, em alguns
aspectos, da corrente culturalista. Tal é o caso, por exemplo, de Vamireh
Chacon (1934), Renato Cirell Czerna (1922-2005), Silvio de Macedo (1920-1998),
Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999) Evaristo de Moraes Filho (1914-2016),
Francisco de Alcântara Nogueira (1918-1989), Jessy Santos (1909) e Tércio
Sampaio Ferraz (1941). O mais importante representante do espiritualismo, na
segunda metade do século XX, foi João de Scantimburgo (1915-2013), que se
inspirou no pensamento de Maurice Blondel (1861-1949).
O pensamento brasileiro foi
canalizado, no século XX, por um número crescente de pensadores, em direção a
um estudo sistemático dos principais autores e correntes, a partir de
determinadas instituições não universitárias. As mais destacadas entidades foram:
o Centro dom Vital (criado em 1922, no Rio de Janeiro, por Jackson de
Figueiredo); o Instituto Brasileiro de Filosofia (criado em 1949, em São
Paulo, por Miguel Reale); a Sociedade
Brasileira de Cultura Convívio (criada em 1962, em São Paulo, por Adolpho
Crippa); o Conjunto de Pesquisa Filosófica (organizado em 1967, em São Paulo,
pelo padre Stanislavs Ladusans); a Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos
(com sede no Rio de Janeiro e presidida, desde 1973, por Tarcísio Padilha); o
Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (organizado em Salvador-Bahia
em 1983 por Antônio Paim e que possui, hoje, o mais importante acervo na área
do pensamento brasileiro); a sociedade Tocqueville (criada no Rio de Janeiro,
em 1986, por José Osvaldo de Meira Penna e um grupo de intelectuais liberais);
o Centro de Estudos Luso-Brasileiros (criado em 1986, no Rio de Janeiro, por
Anna Maria Moog Rodrigues, Ítalo Joia e Gisela Bandeira Pereira); o Instituto
de Humanidades (com sede em Londrina, Paraná,
e criado, em 1987, por Leonardo Prota, Antônio Paim e Ricardo Vélez
Rodríguez); a Academia Brasileira de Filosofia (criada em 1989, no Rio de
Janeiro, por iniciativa de Jorge Jaime, e que foi presidida, na última década,
por João Ricardo Moderno); o Centro de Estudos Filosóficos de Londrina (criado
em 1988 por Leonardo Prota); o Centro de Estudos Filosóficos de Juiz de Fora
(criado em 1991 pelos ex-alunos do Curso de Mestrado em Pensamento Brasileiro
da Universidade Federal local), etc.
Surgiram, nas últimas
décadas do século XX, em várias universidades, programas de pós-graduação
orientados ao estudo da história das idéias filosóficas no Brasil. As
principais iniciativas foram tomadas pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, pela Universidade Gama Filho (do Rio de Janeiro), pela
Universidade Estadual de Londrina e pela Universidade Federal de Juiz de Fora
(em Minas Gerais). De outro lado, em
aproximadamente 25 universidades, passou a ser ensinada, regularmente, a
disciplina "filosofia brasileira". Esse crescente interesse pelo
estudo do pensamento brasileiro levou o Centro de Estudos Filosóficos de
Londrina, sob a direção de Leonardo Prota (1930-2016), a realizar, a cada dois
anos (a partir de 1989 e até 2001), os Encontros Nacionais de Professores e
Pesquisadores da Filosofia Brasileira.
No terreno documental,
sobressaiu a iniciativa do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro de
Salvador-Bahia, que sob a orientação de Antônio Paim publicou, desde 1983,
bibliografias e estudos críticos acerca de pensadores e publicações periódicas.
No plano internacional, é digno de menção o Anuario
del Pensamiento Ibero e Iberoamericano, que a Universidade da Geórgia,
nos Estados Unidos, publicou, desde 1989, sob a direção de José Luis
Gómez-Martínez, com uma seção dedicada ao estudo do pensamento brasileiro. Esta
publicação constituiu o mais completo instrumento bibliográfico no seu gênero,
a nível mundial, somente comparável ao Handbook
of Latin-American Studies, publicado, sob a coordenação de Juan Carlos
Torchia Estrada (1927-2016), pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
Por último, cabe mencionar o
importante trabalho de difusão do pensamento brasileiro que Luiz Antônio
Barreto (1944-2012) realizou em Aracajú (Sergipe), a partir da Fundação Augusto
Franco. As suas duas mais recentes contribuições foram a edição das Obras Completas de Tobias Barreto
[1991] e a promoção anual, a partir de 1989, com a colaboração de José Maurício
de Carvalho (1957), dos Colóquios Luso-Brasileiros de Filosofia, realizados,
alternadamente, em Portugal e no Brasil, com a colaboração do Instituto de
Filosofia Luso-Brasileira, com sede em Lisboa, (sob a presidência de José
Esteves Pereira). O fruto mais importante da cooperação luso-brasileira foi a Enciclopédia Lógos, que, entre
1989 e 1992, foi publicada, em Lisboa, pela Editorial Verbo, sob a direção de
Francisco da Gama Caeiro (1928-1993), Antônio Paim e outros, com o patrocínio
da Universidade Católica Portuguesa.
Conclusão.
Na primeira parte deste
trabalho foi feita uma síntese acerca das principais figuras e correntes do
pensamento filosófico brasileiro, no período que vai do século XVII até finais
do século XIX. Caracterizamos essas figuras e correntes ao redor dos problemas
aos que tratou de responder a meditação filosófica nesse período.
Repassemos, rapidamente, os
principais problemas que aborda o pensamento brasileiro no transcurso desses
séculos. A partir da problemática do homem, entendido como peregrino nesta terra pelo "saber de salvação" (século
XVII e primeira metade do século XVIII), a meditação filosófica da segunda
metade do século XVIII estrutura-se ao redor de uma questão mais concreta e
mais terrena: como modernizar o Estado, mediante a incorporação da ciência
moderna, a fim de que, com a sua intervenção tutelar, se garantisse a riqueza
da nação; tal foi o objetivo perseguido ao longo do ciclo pombalino. Essa
mentalidade de despotismo esclarecido influiria diretamente na formação da
elite intelectual que efetivou a independência do Brasil (1822). Consequentemente,
o empirismo mitigado, que foi a
filosofia que exprimiu o ponto de vista reformista de Pombal, reduziu a
filosofia à ciência aplicada, deitando as bases da tendência cientificista, que
tão fortemente influiria na cultura brasileira, ao longo dos séculos XIX e XX.
A corrente eclética, que se
estrutura e se desenvolve ao longo do século XIX, responde, basicamente, aos
dois problemas deixados em branco pelo empirismo
mitigado: a consciência e a liberdade. A resposta a essas duas questões
será de capital importância, em primeiro lugar, para consolidar a idéia de
nação - tarefa que empreende Gonçalves
de Magalhães com o seu romantismo de corte pedagógico - e, em segundo lugar,
para dar fundamento firme à prática da representação política, profundamente
enraizada numa concepção espiritualista da liberdade humana.
O clima cientificista que
acompanha o surto de idéias novas
encontraria a sua culminância na filosofia positivista que, de outro lado,
serviu como fundamento doutrinário - na
versão política cultivada no Rio Grande do Sul - para a experiência republicana autoritária.
Ao determinismo típico do positivismo contrapôs-se a "Escola do
Recife", que assumiu novamente a discussão dos temas prediletos da
filosofia eclética, a consciência e a liberdade, tratando-os já não no contexto
carregado de psicologismo em que foi formulado o ecletismo de Cousin, mas na
perspectiva mais moderna e mais filosófica do transcendentalismo kantiano. A
"Escola do Recife" constituiu-se, assim, em porta de entrada do neokantismo
na meditação filosófica brasileira, e haveria de ser a precursora da corrente
culturalista, que encontrou formulação completa ao longo do século XX.
As outras correntes analisadas
- krausismo e tradicionalismo - ocupariam espaços menos destacados no
pensamento brasileiro, mas revestir-se-iam, também, da originalidade legada
pelas peculiares condições da história e da cultura do Brasil. Essas
circunstâncias fizeram dos krausistas mais pensadores do direito (e não
pedagogos, como na Espanha, ou filósofos sociais como na América espanhola). Por outro lado,
tal conjuntura histórico-cultural ensejou, no seio dos tradicionalistas, um
tinte de tolerância que os fez, definitivamente, diferentes dos seus
semelhantes franceses, espanhóis, portugueses e hispano-americanos.
Na segunda parte desta
introdução fiz uma síntese acerca das principais figuras e correntes do
pensamento brasileiro no século XX. A nossa meditação consolidou-se, nesse
período, como um segmento bem caracterizado e representativo no contexto do
pensamento ibero-americano. Prova da maturidade atingida é o diálogo que se tem
estabelecido com pensadores de outras nacionalidades, não só em congressos e
eventos internacionais, mas, também, a nível da pesquisa e dos cursos de
pós-graduação.
Duas tendências firmaram-se
no pensamento brasileiro do século XX: a definitiva superação do cientificismo
oitocentista, graças, especialmente, à obra dos pensadores de inspiração
culturalista, que, como foi assinalado, têm realizado as mais significativas
aplicações da meditação filosófica nos terrenos do direito, da política, da
historiografia das idéias e da educação. Em segundo lugar, cabe mencionar a
tendência espiritualista que prolongou, sem lugar a dúvidas, o legado da
meditação portuguesa em terras brasileiras. Nesse terreno sobressaem as figuras
de Farias Brito e de Vicente Ferreira da Silva.
No que tange à questão
metodológica, a mais importante contribuição do pensamento brasileiro, no
século XX, foi a formulação do método culturalista de abordagem dos autores:
antes de identificá-los como pertencentes a esta ou àquela corrente, seria
necessário ver qual era a problemática que os preocupava, a fim de reconstruir
o caminho seguido pelo seu pensamento. Esse método permitiu à meditação
brasileira se compreender a si mesma, superando o vício apologético ou de
"filosofia em mangas de camisa", identificado e criticado, em fins do
século XIX, pelo grande Tobias Barreto.
Em que pese o
fato de os Cursos de pós-graduação em Pensamento Brasileiro e Luso-Brasileiro
terem sido extintos pela Capes ao longo dos últimos trinta anos, a vitalidade
dos estudos dessa variante filosófica continua presente em segmentos
universitários do nosso país, bem como em Portugal, aí sim na área da
pós-graduação e com pleno apoio das autoridades. Lembro-me de que, em 1986, eu
e o saudoso amigo Ítalo da Costa Jóia (então docentes do Doutorado em
Pensamento Luso-Brasileiro da Universidade Gama Filho), fomos convidados pela
Fundação António de Almeida e pelo saudoso professor e amigo Eduardo Soveral,
da Universidade do Porto, para participar de colóquio que visava discutir a
importância do estudo da filosofia portuguesa, no momento em que os países ibéricos
abriam-se ao Mercado Comum Europeu. Os nossos amigos portugueses estavam
preocupados com uma realidade que poderia mudar o perfil cultural do seu país:
a entrada na Comunidade Européia.
A pergunta que
portugueses e espanhóis se faziam então era a seguinte: qual a melhor forma de
conservar a identidade, num universo variado do ângulo político, econômico e
cultural, como era o cenário europeu de então? De lá para cá ocorreu um duplo
movimento, em Portugal e no Brasil: a criação, no país irmão, dos Cursos de
Mestrado e Doutorado em Pensamento Português (hoje plenamente consolidados nas
Universidades do Porto, na Católica Portuguesa – seções do Porto e Lisboa, na
Universidade Nova de Lisboa, na Universidade de Lisboa, bem como na centenária
Universidade de Coimbra). O movimento, no Brasil, foi inverso: a já mencionada
extinção, pela Capes, dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Pensamento
Brasileiro e Luso-Brasileiro existentes nas seguintes Universidades:
Católica do Rio de Janeiro, Gama Filho e Federal de Juiz de Fora.
Menciono apenas
(o meu interesse aqui é resenhar a realidade existente em Portugal e no Brasil)
o acontecido na Espanha nestes últimos trinta anos: o desenvolvimento de Cursos
de pós-graduação em pensamento espanhol e hispano-americano nas mais
importantes Universidades, bem como nas Fundações Culturais (como a que
preserva a memória de Xavier Zubiri, em Madri e a Fundação Ortega y Gasset, na
mesma cidade). É de se destacar, pela sua dinâmica cultural, a Asociación de
Hispanismo Filosófico, que reúne a nova geração de pesquisadores do pensamento
espanhol e ibero-americano e que conta com importante publicação periódica de
alto valor acadêmico. O link da Asociación mencionada é o seguinte: http://www.ahf-filosofia.es/index.htm
A pesquisa do
pensamento brasileiro recebeu incomum impulso com a criação, em 1982, pelo
professor Antônio Paim (o nosso mais importante historiador das idéias
filosóficas), do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro, que foi
organizado em Salvador, na Bahia, a partir da biblioteca pessoal do autor. Hoje
o Centro reúne mais de 13 mil volumes, com as obras dos principais autores
nacionais nas áreas da filosofia, a antropologia e a sociologia, constituindo o
mais importante acervo de cultura brasileira existente no nosso país, na área
de história do pensamento.
No terreno dos
eventos acadêmicos realizados em Portugal e no Brasil, cinco são as iniciativas
mais importantes: em primeiro lugar, os Congressos Nacionais de Filosofia
realizados, desde os anos 50 do século passado até o final da década de 1990,
por iniciativa do Instituto Brasileiro de Filosofia, criado pelo saudoso
professor Miguel Reale, em 1949; em segundo lugar, o Congresso de Filosofia
Luso-Brasileira efetivado pela Universidade Católica Portuguesa – sede de
Braga, em 1981, bem como o Congresso sobre a Escola de Braga, realizado em
2009; em terceiro lugar, os colóquios Tobias Barreto (em Portugal) e Antero de
Quental (no Brasil), levados a cabo ininterruptamente desde 1992, por
iniciativa do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, sob a coordenação de
Antônio Braz Teixeira, José Esteves Pereira e José Maurício de Carvalho, com a
finalidade de estudar as relações entre as filosofias portuguesa e brasileira,
além da obra de autores específicos, representativos da meditação filosófica em
ambos os países, com o apoio das Universidades Nova de Lisboa e Federal de São
João Del-Rei (em Setembro deste ano será realizado, nesta cidade mineira, o IX
Colóquio Antero de Quental); em quarto lugar, os Encontros Nacionais de
Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, realizados, entre 1989 e
2001, pelo Centro de Estudos Filosóficos de Londrina e pela Universidade
Estadual da mesma cidade, sob a coordenação de Leonardo Prota, com a finalidade
de estudar os traços marcantes das Filosofias Nacionais, colocando-os em
relação com a Filosofia Brasileira; em quinto lugar, os Congressos de Filosofia
Portuguesa promovidos pela Universidade Católica Portuguesa – sede do Porto –
sob a iniciativa do Reitor dessa instituição, monsenhor Arnaldo de Pinho. Dois
eventos destacam-se desse conjunto de iniciativas culturais: o I Congresso
Luso-Galaico-Brasileiro, reunido em 2007, e o Colóquio Internacional sobre o
pensamento e a obra de Teófilo Braga, realizado entre 19 e 21 de Maio de 2011.
Participei deste
último evento, que teve como sede o belo campus da Foz da Universidade Católica
do Porto. A abertura dos trabalhos esteve a cargo dos professores doutores
Joaquim de Azevedo (presidente do Centro Regional do Porto da Universidade
Católica Portuguesa) e Arnaldo de Pinho (Presidente da Comissão Científica do
Colóquio e Reitor da Universidade). As várias conferências e comunicações
tiveram como finalidade analisar os aspectos mais relevantes em que se
desdobrou a obra e o pensamento do maior positivista português, o açoriano
Teófilo Braga. Mencioná-los-ei a seguir: 1 - “Certezas e incertezas de uma
geração” (António Machado Pires, Universidade dos Açores); 2 - “A filosofia da
religião no pensamento de Teófilo Braga: um sincretismo histórico-simbólico”
(Afonso Rocha, Universidade Católica Portuguesa – Porto); 3 - “Os mitos
cristãos, ou os limites do positivismo em Teófilo Braga” (José Ignácio Aguiar
de Castro, Universidade Católica Portuguesa – Porto); 4 - “Filosofia Positiva”
(Celeste Natário, Universidade do Porto); 5 - “O conceito de Direito em Teófilo
Braga” (Ana Paula Loureiro de Sousa, Universidade de Lisboa); 6 - “A filosofia
do direito de Teófilo Braga” (Maria Clara Calheiros, Universidade do Minho); 7
- “História da literatura em Teófilo Braga” (António Cândido Franco,
Universidade de Évora); 8 - “História da literatura em Teófilo Braga: séculos
XVI-XVII” (Zulmira Santos, Universidade do Porto); 9 - “Entre o
ultrarromantismo e os poetas da Escola Nova” (Fernando Guimarães, Porto); 10 -
“Teófilo Braga, a geração de 70 e o teatro (Luiz Francisco Rebello,
Universidade de Coimbra); 11 - “A ética em Teófilo Braga” (Jorge Cunha,
Universidade Católica Portuguesa, Porto); 12 - “A estética em Teófilo Braga”
(Leonel Ribeiro dos Santos, Universidade de Lisboa); 13 - “Teófilo Braga e a
revista O Positivismo” (Daniel Pires, Universidade de Lisboa); 14 -
“Teófilo Braga, Antero e Faria Maia” (Manuel Cândido Pimentel, Universidade
Católica Portuguesa – Lisboa); 15 - “O legado cultural de Teófilo Braga”
(Miguel Real, Lisboa); 16 - “Teófilo Político - 1910-1917” (Ernesto Castro
Leal, Universidade de Lisboa); 17 - “Teófilo Braga: soluções políticas para a
República” (Pedro Baptista, Universidade do Porto); 18 - “Teófilo Braga e a
Constituinte de 1911” (Luis Bigotte Chorão, Universidade de Coimbra); 19 - “O
pensamento filosófico de Teófilo Braga” (António Braz Teixeira, Universidade
Lusófona – Lisboa); 20 - “Teófilo Braga e o Positivismo” (Amadeu Carvalho
Homem, Universidade de Coimbra); 21 - “Teófilo Braga e a difusão do Positivismo
em Portugal” (Manuel Gama, Universidade do Minho); 22 - “Teófilo Braga e a
religião civil republicana” (Mendo Castro Henriques, Universidade Católica
Portuguesa – Lisboa); 23 - “Teófilo Braga: legitimação e apoio ao processo
emergente do Galeguismo no século XIX” (Elias Torres Feijó, Universidade de
Santiago de Compostela); 24 - “O pensamento de Teófilo Braga no contexto do
positivismo luso-brasileiro” (Ricardo Vélez Rodríguez, Universidade Federal de
Juiz de Fora); 25 - “Incidências positivas em Leonardo Coimbra e Teófilo Braga”
(António Martins da Costa, Universidade Católica Portuguesa – Porto); 26 - “O
ensino e a educação em Teófilo Braga” (Manuel Ferreira Patrício, Universidade
de Évora); 27 - “Teófilo Braga e o Curso Superior de Letras” (Pedro Calafate,
Universidade de Lisboa); 28 - “Soluções positivas para a educação portuguesa”
(Artur Manso, Universidade do Minho); 29 - “O pensamento econômico em Teófilo
Braga” (António Almodóvar, Universidade do Porto); 30 - “Disciplinar as paixões
e moldar o carácter – A pedagogia de Teófilo Braga” (Maria da Conceição
Azevedo, Universidade de Trás os Montes e Alto Douro); 31 - “Educação, religião
e progresso em Teófilo Braga” (José António Afonso, Universidade do Minho); 32
- “O papel de Teófilo Braga nos estudos sobre o Romanceiro” (Pedro Ferre,
Universidade do Algarve); 33 - “História da literatura em Teófilo Braga:
Barroco e século XVIII” (Luísa Malato, Universidade do Porto); 34 - “História
da literatura em Teófilo Braga – Romantismo, gestão de informação e estratégias
de luta ideológica” (Pedro Vilas Boas Tavares, Universidade do Porto); 35 -
“História da literatura em Teófilo Braga – Segunda metade do século XIX” (Maria
José Reynaud, Universidade do Porto); 36 - “Teófilo Braga na intimidade – Minha
freira, cartas familiares” (Maria de Lourdes Sirgado Ganho, Universidade
Católica Portuguesa – Lisboa); 37 - “Editar a tradição sem trabalho de campo”
(Teresa Araújo, Universidade Nova de Lisboa); 38 - “Teófilo Braga e Leite de
Vasconcelos” (Luís Raposo, Museu Nacional de Arqueologia); 39 - “História
universal e filosofia da história em Teófilo Braga” (António José de Brito,
Universidade do Porto); 40 - “História do direito” (Eduardo Vera Cruz Pinto,
Universidade de Lisboa); 41 - “História da Universidade de Coimbra” (Manuel
Augusto Rodrigues, Universidade de Coimbra); 42 - “A revelação positiva face às
interpelações da etnografia” (Mons. Arnaldo de Pinho, Universidade Católica
Portuguesa – Porto); 43 - “Teófilo Braga e o orientalismo português” (Rui Lopo,
Universidade de Lisboa); 44 - “A teorização literária de Teófilo Braga –
Fundamentos e implicações” (José Carlos Seabra Pereira, Universidade de
Coimbra); 45 - “A reflexão e a teorização sociológica” (José Esteves Pereira,
Universidade Nova de Lisboa); 46 - “A simbólica jurídica em Teófilo Braga”
(Paulo Ferreira da Cunha, Universidade do Porto); 47 - “Manchas de negativismo
no positivismo português – A propósito de Teófilo Braga e Camilo Castelo
Branco” (Isabel Ponce Leão, Universidade Fernando Pessoa; Carlos Mota Cardoso,
Universidade do Porto); 48 - “Teófilo Braga e Cunha Seixas” (Pinharanda Gomes,
Lisboa); 49 - “Teófilo Braga e Bruno” (Joaquim Domingues, Braga); 50 - “Teófilo
Braga e a filosofia portuguesa” (Renato Epifánio, Lisboa); 51 - “A teoria da
história de Fidelino de Figueiredo e a reação anti-teofiliana” (José Cândido de
Oliveira Martins, Universidade Católica Portuguesa – Braga); 52 - “Teófilo
Braga e a crítica literária em Portugal no século XIX” (Álvaro Manuel Machado,
Universidade de Lisboa); 53 - “Uma fé firme e profunda – Teófilo Braga e a
História da literatura portuguesa medieval” (Filipe Moreira, Universidade do
Porto); 54 - “Em torno da recepção da Visão dos Tempos” (Maria
Luísa do Couto Linhares de Deus, Universidade dos Açores); 55 - “O último
romântico” (Rodrigo Sobral Cunha, Instituto de Artes Visuais, Design e
Marketing – Lisboa); 56 - “Teófilo Braga, os Monárquicos e o Integralismo
Lusitano” (Norberto Cunha, Universidade do Minho); 57 - “Teófilo Braga,
republicanismo e democracia” (Luís de Araújo, Universidade do Porto); 58 -
“Teófilo Braga e a ética republicana” (Luís Crespo de Andrade, Universidade
Nova de Lisboa); 59 - “Soluções positivas da Política portuguesa” (Carlos
Leone, Universidade de Lisboa); 60 - “Palavra final da Comissão Científica
sobre o Colóquio” (Mons. Arnaldo de Pinho, reitor da Universidade Católica
Portuguesa – Porto).
Da simples
enumeração dos itens desenvolvidos nas várias sessões do Colóquio sobre Teófilo
Braga, pode-se tirar a conclusão de que é grande a vitalidade da pesquisa
acerca do pensamento nacional, no Centro de Estudos do Pensamento Português da
Universidade Católica do Porto, sob a orientação de Mons. Arnaldo de Pinho.
Esta vitalidade é visível, também, nas demais Universidades portuguesas
envolvidas no estudo da filosofia autóctone e é confirmada com outro dado
importante: a variedade e o número das publicações que surgem, a cada ano,
sobre pensadores portugueses, e ainda acerca dos filósofos brasileiros.
Menciono três grandes empreendimentos editoriais que testemunham a vitalidade
do estudo do pensamento luso-brasileiro em terras portuguesas: a Enciclopédia
Luso-brasileira de filosofia Logos, em 5 volumes (publicada em Lisboa
pela Editorial Verbo, com o patrocínio da Universidade Católica Portuguesa,
entre 1989 e 1992, sob a coordenação de Roque Cabral, Francisco da Gama Caeiro,
Manuel da Costa Freitas, Alexandre Fradique Morujão, José do Patrocínio Bacelar
e Oliveira e Antônio Paim). Em segundo lugar, destaca-se a História
do Pensamento Filosófico Português, em 5 volumes (publicada em Lisboa
pela Editorial Caminho, entre 1999 e 2000, sob a direção de Pedro Calafate). Em
terceiro lugar, deve ser mencionada a magna obra de difusão das filosofias
portuguesa e brasileira efetivada por António Braz Teixeira na Imprensa da Casa
da Moeda, ao longo das duas últimas décadas. É grande o panorama das
publicações dedicado às culturas lusófonas nas obras publicadas pela Editorial
da Casa da Moeda. Essas publicações distribuem-se por uma vasta
série de coleções, como a «Biblioteca de Autores Clássicos», a «Biblioteca de
Autores Portugueses», a dos «Escritores dos Países de Língua Portuguesa», a
dedicada ao «Pensamento Português», a de «Estudos e Temas Portugueses», as de
«Estudos Gerais», entre as quais se conta a «Série Universitária» dedicada aos
«Clássicos de Filosofia», a de «Arte e Artistas» e a «Essencial».
Para terminar,
não podia deixar de mencionar as iniciativas que são empreendidas pela nova
geração de estudiosos do pensamento, tanto no Brasil quanto em Portugal.
Mencionaria, em primeiro lugar, a Revista Nova Águia, publicada em
Sintra pelo selo editorial Nova Águia e Zéfiro, sob a direção de Renato
Epifánio, Celeste Natário e Miguel Real; esta publicação conta com uma ampla
rede de distribuição no mundo lusófono, como também na América Latina e chega
já ao seu sexto número semestral. Em segundo lugar, menciono a série de
publicações eletrônicas sobre pensamento luso-brasileiro e latino-americano
acolhidas no Portal Sophia (www.portalsophia.org), de iniciativa
de dois jovens estudiosos brasileiros, Alexandro Souza e Marco Antônio Barroso.
Dentre as
publicações abrigadas nesse portal, vale a pena destacar duas, relacionadas com
o estudo dos temas da filosofia portuguesa e brasileira: as revistas Ibérica (www.estudosibericos.org) e Cogitationes (www.cogitationes.org). Em terceiro lugar, mencionaria o Portal Defesa (www.ecsbdefesa.com.br), criado em 2003 pelo pesquisador Expedito Bastos, da
Universidade Federal de Juiz de Fora; este Portal é o órgão de divulgação das
pesquisas efetivadas pelo Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de
Sousa”, sob a minha coordenação (até novembro de 2018); várias das pesquisas
desenvolvidas pelo Centro abrangem os aspectos políticos e estratégicos do
pensamento brasileiro e português. Em quarto lugar, gostaria de mencionar a
iniciativa editorial que, no Centro de História da Universidade de Lisboa,
desenvolve o jovem estudioso Ernesto Castro Leal. Duas publicações recolhem os
trabalhos organizados por este estudioso, no terreno da história das idéias
políticas: Republicanismo, socialismo, democracia, com
ensaios de António Reis, António Ventura, Ernesto Castro Leal, José Esteves
Pereira, Leonel Ribeiro dos Santos, Norberto Ferreira da Cunha, Pedro Calafate,
Ricardo Vélez Rodríguez e Sérgio Campos Matos, (a obra foi publicada em Lisboa,
em 2010, pelo Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa). A segunda publicação intitula-se República e Liberdade (Lisboa:
Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011) e
nela aparecem ensaios de António Ventura, Carlos Cordeiro, Ernesto Castro Leal,
José Eduardo Franco, José Esteves Pereira, José Maurício de Carvalho, Leonel
Ribeiro dos Santos, Norberto Ferreira da Cunha, Pedro Calafate e Ricardo Vélez
Rodríguez.
Uma palavra para terminar. A
filosofia francesa tem sido, junto com a alemã e a inglesa, uma das fontes
básicas da meditação brasileira. Poderíamos identificar os seguintes seis
momentos em que a filosofia francesa exerceu grande influência no pensamento
brasileiro: a) em primeiro lugar, no momento pombalino, quando o empirismo mitigado inspirou-se nas
idéias de aritmética política e de fisiologia social cultivadas pela
Ilustração, no século XVIII, com pensadores como Condorcet e Laplace (no caso
da aritmética política) e Cabanis,
Bichat, Pinel, Vicq d'Azur e Sait-Simon (no caso da fisiologia social). b) Em segundo lugar, no momento da formulação
do ecletismo espiritualista, cujos
inspiradores foram Maine de Biran e Victor Cousin. c) Em terceiro lugar, no
esforço em prol de instaurar as instituições do governo representativo, momento
em que os estadistas e publicistas inspiraram-se no liberalismo doutrinário de Guizot, Constant de Rebecque,
Royer-Collard, etc., e no liberalismo
democrático de Tocqueville. d) Em quarto lugar, no momento de elaboração do
tradicionalismo, que deita raízes na
meditação de Joseph de Maistre e Louis de Bonald. e) Em quinto lugar, no ciclo
de ascensão do positivismo, centrado
ao redor da idéia de física social
desenvolvida por Augusto Comte. f) Em sexto lugar, no momento da reação
anti-positivista, quando o espiritualismo
brasileiro se abeberou em fontes como Bergson e Blondel. A presença da
filosofia francesa é, destarte, marcante em momentos significativos do
pensamento brasileiro.
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Este
ensaio apareceu publicado, em espanhol, em dois números da Revista Interamericana de Bibliografia, com os seguintes títulos: "La Historia del pensamiento filosófico brasileño
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pensamiento filosófico brasileño (siglo XX): problemas y corrientes" (RIB,
Washington, vol. XLIII, no. 1, 1993, pgs.45-62).
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