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segunda-feira, 25 de maio de 2020

Pensadores Brasileiros - LUCAS BERLANZA CORREA (1992)


Lucas Berlanza (1992), jovem Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é editor dos sites: “Sentinela Lacerdista” e “Boletim da Liberdade”, e autor da obra intitulada: Guia Bibliográfico da Nova Direita – 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro.[1] Berlanza é colunista, há quase cinco anos, do Instituto Liberal do Rio de Janeiro, ocupando, hoje, a direção dessa instituição. Inspirando-se no também jornalista Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914-1977), uma das mais proeminentes lideranças políticas da República Nova (1946-1964), Berlanza publica, com regularidade, comentários políticos sob um viés liberal-conservador. Já foi palestrante em diversos eventos, entre eles os seminários: “Ideias da Liberdade” e “Semana da Liberdade”.
Que o chamado "pensamento da direita" está em ascensão, não há dúvida. Esclareçamos: por "pensamento da direita" entenda-se, primordialmente, aquele que se afina com as ideias políticas liberal-conservadoras, que se centram nos seguintes pontos: 1 - defesa da liberdade individual nos terrenos cultural, político e econômico; 2 - respeito às tradições vigentes na sociedade brasileira, levando em consideração que só podem vingar aquelas mudanças sociais que as preservarem; 3 – defesa das instituições do Governo Representativo e da tripartição de poderes; 4 – defesa do conceito de soberania, destacando que ela é limitada (ou seja, referida ao funcionamento das instituições políticas), não se sobrepondo, portanto, à dignidade e ao foro íntimo das pessoas.
A propaganda marxista encarregou-se, no Brasil, de confundir as coisas. Tudo aquilo que não se afinasse com o cientificismo gramsciano foi jogado, pelos militantes-propagandistas da esquerda vociferante, no saco sem fundo da "direita". Ora, o "pensamento da direita" tem muitas nuances, sendo a principal delas, a correspondente ao Liberalismo Conservador. É ao estudo dessa tendência que o jovem escritor carioca Lucas Berlanza dedica a sua obra, recentemente lançada, no Rio de Janeiro, com o sugestivo título de: Guia bibliográfico da nova direita - 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro.
Essa jovem direita liberal-conservadora eclodiu, ao longo dos últimos 15 anos. O seu ponto de partida foi o desencanto das novas gerações com a vulgata marxista, que, como pernicioso tsunami, tudo invadiu no universo cultural brasileiro, de mãos dadas com a conivência oficial e a pregação dos velhos chavões marxistas-leninistas, pela geração de mestres que se dedicou a essa inglória tarefa. Da radicalização simplificadora não escapou nem a Igreja Católica, a partir do momento em que os quadros dirigentes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil foram tomados de assalto, por militantes treinados na doutrinação marxista, que tudo centraram ao redor do messianismo político pregado pela Teologia da Libertação, como denunciou, com coragem, o padre português José Narino de Campos (1921), na sua obra intitulada: Brasil, uma Igreja diferente.[2] 
As desgraças da radicalização e da intoxicação ideológicas não ocorrem ao acaso: elas são preparadas por trabalho continuado de simplificação conceitual e propaganda. De há muito, o universo cultural brasileiro foi tomado de assalto pelos radicais marxistas. Já desde início dos anos 80 do século passado, o embaixador José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017) chamava a atenção para a silenciosa ocupação das Secretarias estaduais e municipais de Educação pela turma do PT, que se encarregou de radicalizar a formação de professores e alunos, no ensino básico e fundamental, bem como nas Faculdades de Educação, à sombra da doutrina socialista de Paulo Freire (1921-1997). Tudo foi potencializado pelo PT, no poder, abrindo espaço para os vícios da corrupção e do compadrio. A decisão dos militantes para manter vivo o pensamento marxista, entre nós, foi projeto acalentado pelas lideranças partidárias.
O ponto alto dessa estratégia de dar vida ao cadáver insepulto do comunismo foi a criação (em 1990), por Luís Inácio Lula da Silva (1945) e Fidel Castro (1926-2016), do Foro de São Paulo. Somaram-se a essa iniciativa os movimentos guerrilheiros atuantes na América Latina, a começar pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), bem como, anos depois, o coronel Hugo Chávez (1954-2013), militante comunista que se elegeu presidente da Venezuela, com a sua descabelada proposta de "Revolução Bolivariana".
Fidel Castro achava que a liderança militar do processo de revolução comunista, na América Latina, deveria ser de Hugo Chávez. De lá para cá só aumentou essa maré vermelha. Acontece que os jovens da nova geração se cansaram da dieta ideológica de fome. Começaram a questionar a simplória estória que lhes era contada. Nos últimos 15 anos, essa reação foi aumentando. Hoje, conta com estruturados analistas que colocam as coisas no seu lugar, mostrando as grosseiras simplificações armadas pelo marxismo.
São várias as jovens personalidades que se destacam, a meu ver, nessa nova geração. Correndo o risco de deixar por fora nomes de relevo, lembro alguns deles: Alex Catharino, Rodrigo Constantino, Alexandro Souza, Marco Antônio Barroso, Humberto Schubert Coelho, Bernardo Goitacazes de Araújo, Luciano Caldas Camerino, Jefferson Silveira Teodoro, Bruno Garschagen, Filipe Barros, Hélio Beltrão, Lucas Berlanza, César Kyn d´Ávila, Caroline de Toni, José Lorêdo Filho (com o magnífico empreendimento editorial da "Resistência Cultural"), Marcus Boeira, Caio Vioto, Débora Gois Torres, etc.
Efetivamente, são inúmeros os jovens que, em Faculdades e nos seus lugares de trabalho, bem como, a partir de grupos de estudo e thing tanks, elaboram uma visão crítica da propaganda marxista-leninista, defendendo, corajosamente, o sagrado valor da liberdade individual e da tradição da Civilização Ocidental, ancorada no Cristianismo.
Os cursos de História, quem diria, outrora terreno exclusivo dos marxistas, começaram a pensar com categorias diferentes, próximas do liberalismo e do conservadorismo, e abertas à pesquisa das origens da nossa realidade social. Essas análises críticas deixam de cabelo em pé os velhos propagandistas do marxismo-leninismo e do gramscismo cultural, que o PT apresentou como a última moda do bom-mocismo intelectual. Os bravos jovens liberais-conservadores optaram, também, pela luta político-partidária. Os exemplos desses jovens liberais-conservadores engajados na luta política multiplicam-se pelo país afora.
Analiso, a seguir, de maneira sumária, o conteúdo da nova obra de Lucas Berlanza. Em 6 capítulos, uma conclusão e um apêndice, o autor desenvolve o seu pensamento acerca da "nova direita" brasileira. Menciono os capítulos que integram a obra: I - Origens e fundamentos das ideias. II - Como entender o Brasil. III - Grandes ícones da política internacional. IV - Um olhar sobre adversários e inimigos. V - Grandes temas e controvérsias. VI - Um olhar sobre os dias atuais. Conclusão: Essa "direita" poderosa e onipresente, um mal absoluto a atrasar o Brasil, não passa de uma lenda. Apêndice: Por uma nova liberdade: o manifesto libertário.
Berlanza deixa clara a sua identificação com a renovação propiciada pelo "pensamento da direita", com as seguintes palavras, no prólogo à obra que comento: "Uma das características mais particulares desse 'novo' tipo de pensamento político, e do movimento que o orbita, é o fato de se fundamentarem em uma bibliografia filosófico-política e econômica toda especial, que não ocupa posição de protagonismo nas indicações didáticas tradicionais. O livre pensar dessa geração a levou a buscar outros ares e pesquisar novas fontes e indicações de leitura, a despeito do 'index' de educadores marxistas de ocasião. Por isso mesmo, entendemos que o vulgo não conheça suas ideias, não entenda do que se trata, e haja o risco de confusões serem semeadas por quem não tem interesse na divergência".[3]
Lucas Berlanza pretende apresentar, na sua obra, uma "guia de leitura" do ângulo liberal-conservador. No prólogo, frisa a respeito: "Este livro é nada mais que um esforço para apresentar, através de algumas dicas de leitura cuidadosamente selecionadas, marcos de ideias que tornam possível ao leitor apreender, em um quadro geral, a genealogia e a natureza de alguns princípios e posturas que circulam nesse grupo heterogêneo de liberais e conservadores - e que os definem. Das fontes bibliográficas mais antigas e clássicas até as mais modernas, reuni 39 resenhas de livros que ajudam a esclarecer do que se trata esse fenômeno social que vem inquietando e alimentando esperanças no Brasil. (...). É um livro sobre livros. Não que, em certo sentido, todos os livros não o sejam: mas as resenhas não são apenas artigos elogiando ou criticando determinado título. Todas elas contêm ilações e desdobramentos que delineiam as ideias que justificam sua inclusão e que, compreendidas em seu conjunto, fazem da relação um modesto guia bibliográfico, que não esgota, mas traça um retrato do núcleo de princípios dos grupos de que estamos falando".[4]
Berlanza identifica, como fontes inspiradoras do conservadorismo liberal da nova geração, as ideias de Burke (1729-1797), Bastiat (1801-1850), Hayek (1899-1992), Von Mises (1881-1973), Margaret Thatcher (1925-2013), Winston Churchill (1874-1965), Roger Scruton (1944-2020), Ronald Reagan (1911-2004), etc. No terreno da cultura brasileira, as fontes do liberal-conservadorismo são múltiplas: Roberto Campos (1917-2001), Meira Penna (1917-2017), Eugênio Gudin (1886-1986), Gilberto Ferreira Paim (1919-2013), Antônio Paim (1927), Carlos Lacerda (1914-1977), José Guilherme Merquior (1941-1991), Vicente de Paulo Barretto (1939), Alberto Oliva (1950), Mário Guerreiro (1944), Selvino Malfatti (1943), Ubiratan Borges de Macedo (1937-2007), Ubiratan Jorge Iorio (1946), João Pereira Coutinho (1976), com a sua original contribuição do ângulo luso-brasileiro, Rodrigo Constantino (1976), Maria Lúcia Victor  Barbosa, etc. Adicionaria o nome de Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999), pensador original que abriu as propostas liberal-conservadoras ao terreno da educação, alertando para o risco totalitário concretizado na vulgata marxista.[5] 
No terreno do conservadorismo com embasamento hermenêutico, devem ser mencionados os nomes de Paulo Mercadante[6] (1923-2013) e Olavo de Carvalho[7] (1947). Em relação a este pensador, convém destacar que realizou um detalhado levantamento dos caminhos percorridos pelo marxismo cultural para ocupar espaços no Brasil, ao ensejo da organização do Foro de São Paulo. Se bem Olavo de Carvalho desenvolveu atraente projeto de formação humanística para os jovens de inspiração liberal-conservadora, no entanto, no terreno estratégico, parece-me que terminou enveredando pelo caminho do confronto, inspirado no pensamento dos neoconservadores americanos.
Destaca-se, na obra que comento de Lucas Berlanza, a sua inspiração nos fundadores do Instituto Liberal e discípulos da Escola Austríaca, Donald Stewart (1931-1999) e Og Leme (1922-2004). Para Berlanza, contudo, é o pensador irlandês Edmund Burke (1729-1797), o whig que atraiu os tories para refundar o partido conservador britânico, no início do século XIX, o principal inspirador do liberal-conservadorismo brasileiro.
A partir das propostas burkianas surgiu, no sentir de Berlanza, uma doutrina que propende pela mudança sem perder o sentido das conquistas do passado, permanecendo firme no compromisso com a defesa da liberdade individual, nos terrenos social, cultural e econômico. É o velho liberalismo conservador, originado em John Locke (1632-1704) e alargado, de forma a abarcar o ideal democrático, pelos Pais Fundadores dos Estados Unidos e pelos doutrinários, na França, ao longo do século XIX. Só que, para Berlanza e os jovens que redescobriram Burke, as fontes prioritárias passaram a ser os clássicos de origem anglo-saxã e irlandesa.
Considero que os doutrinários franceses tinham elaborado uma meditação nova acerca do liberalismo lockeano, a partir das fontes escocesas, naquela aventura intelectual que Ortega y Gasset (1883-1955) identificou como "o que de mais interessante ocorreu na Europa Ocidental ao longo do século XIX",[8] que desaguou na original proposta liberal-conservadora de Madame de Staël (1766-1817) e de Benjamin Constant de Rebecque (1867-1830), precursores daquela corrente.
Ora, penso eu, o liberal-conservadorismo brasileiro, como, de resto, na Espanha, em Portugal, na Colômbia e alhures, na América Latina, formatou-se, primordialmente, à luz dos doutrinários. Eles falavam uma linguagem mais acessível ao espírito ibérico, do que aquela falada pelos anglo-saxões. A experiência continental europeia, na defesa da liberdade, foi mais próxima de nós do que a defesa das teses dos liberais britânicos. Isso por conta da nossa tradição jurídica, herdeira do antigo "direito germânico", ao passo que os anglo-saxões ancoravam na tradição consuetudinária restrita a eles.
Capítulo importante da magna obra dos doutrinários foi a defesa incondicional da liberdade, de um lado, junto com a crítica sistemática ao democratismo rousseauniano, que consistiu na nova forma de servidão e, sob cuja inspiração, foram cometidos todos os excessos da Revolução Francesa e do Terror Jacobino. Os doutrinários destacaram, no entanto, que algo podia ser salvo da maré revolucionária: a defesa da liberdade individual, como elemento fundamental da libertação humana. Essa foi, aliás, a réstia de luz que Tocqueville (1805-1859) encontrou no tormentoso momento revolucionário de 1789, e que o próprio Immanuel Kant (1724-1804) identificou, inicialmente, no movimento revolucionário francês. François Guizot (1787-1874) considerava que a missão dos doutrinários consistiria em "completar a Revolução Francesa" mediante a defesa da liberdade individual, através das instituições do governo representativo. Tocqueville alargava a defesa da liberdade individual, com bicameralismo e instituições representativas para todos os franceses, não apenas para a burguesia encarrapitada no poder, a partir da restauração monárquica e o reinado de Luís Filipe (1830-1848). Acho que as jovens gerações de pensadores liberal-conservadores terão muito a ganhar com a leitura dos doutrinários, de Tocqueville e do representante dessa tendência, na França, no século XX: Raymond Aron (1905-1983).
A meu ver, a meditação brasileira do século XIX louvou-se, principalmente, dos doutrinários, embora conhecesse as fontes britânicas e o pensamento de Burke. O principal expoente dessa versão do nosso liberal-conservadorismo foi, no início desse século, Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846),[9] com a sua teoria da dupla representação (dos interesses permanentes da Nação e dos interesses mudáveis, dos indivíduos), tese que foi seguida nas propostas de criar a representação e o Poder Moderador pelos estadistas do Segundo Reinado, entre os que se destaca o visconde de Uruguai, com o seu Tratado de Direito Administrativo (1860).[10] Mas, já no final do século e no início da República, Rui Barbosa (1849-1923) retomou as teses tocquevillianas  de um liberalismo conservador, que quer fazer da República uma experiência liberal, acorde com a representação de interesses e a tripartição de poderes. Idêntico trabalho de arrumação teórica foi feito pelos liberais gaúchos que combateram o castilhismo no final do século XIX, notadamente Gaspar da Silveira Martins (1835-1901) e Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1838). Todas essas são as fontes inspiradoras dos nossos primeiros liberais-conservadores do século XX, Reale, Roque Spencer Maciel de Barros, Merquior, Antônio e Gilberto Paim, Ubiratan Macedo, Meira Penna, Alberto Oliva, Mário Guerreiro, Roberto Fendt, etc. Eu próprio me filio a essa tendência.
Os fundadores do Instituto Liberal (notadamente Donald Stewart e Og Leme) e alguns pensadores próximos deles como Meira Penna, filiam-se, sobretudo, aos liberais austríacos e partem para discutir os afazeres da política à luz da velha tradição liberal pensada por eles, mas que entronca em Locke e nos patriarcas da Independência americana, bem como no liberalismo telúrico dos pensadores da segunda escolástica ibérica capitaneados por Francisco Suárez (1548-1617), levando em consideração, também, a mediação de Tocqueville e Aron. A essa turma junta-se, como muito bem mostra Berlanza nas suas páginas, o grande Roberto Campos (1917-2001), na sua última fase, sendo que ele se inspira, também, nas teses do liberalismo econômico já defendidas pelo professor Eugênio Gudin (1886-1986) e pela Escola Austríaca.
Os jovens da novel geração à qual Berlanza pertence, partem, com desassombro, para uma meditação liberal-conservadora que tece fios de ligação com a primeira geração de liberais conservadores do século XIX, bem como com os seus discípulos brasileiros, ao longo do século XX. Parece-me sobremaneira alvissareira a perspectiva que se abre entre os participantes da nova geração, que não se intimidam diante da discussão de questões acirradas como a que diz relação às teses sustentadas pelos libertários (tipo Rothbard) e que enfrentam, de peito aberto, os seus adversários e inimigos, como faz Berlanza no capítulo IV do seu livro.
No seio dos adversários, ganham destaque, nas páginas de Berlanza, os teóricos da social-democracia capitaneados por Fernando Henrique Cardoso (1931), cujo pecado principal foi o festival de tributação que impulsionou, nos seus dois governos, e que se prolongou, acintosamente, na lamentável gestão lulo-petista, ao longo dos últimos 14 anos. Entre os inimigos figuram os já conhecidos ícones do totalitarismo do século XX, a dupla Lenin (1870-1924) e Stalin (1878-1953); o pai do nazismo, Hitler (1889-1945), e Benito Mussolini (1883-1945), formatador do fascismo. Entre os adversários aparecem, no Brasil, estatistas conhecidos: à direita, Ernesto Geisel (1907-1996) e à esquerda Nelson Werneck Sodré (1911-1999).
A nova geração de liberais-conservadores brasileiros (e coisa semelhante está a acontecer em outros países latino-americanos como Chile, México, Argentina, Colômbia, Argentina e Peru) lê, diretamente, os clássicos britânicos, irlandeses e americanos do pensamento liberal-conservador. A redescoberta de Burke, pela atual geração brasileira, situa-se nesse contexto.
Lucas Berlanza dá continuidade ao liberalismo-conservador que inspirou ao grande Carlos Lacerda, um dos ícones do liberalismo brasileiro. Lacerda foi injustiçado pelo regime militar, que identificou, erradamente, com os liberais, o inimigo a ser combatido, como lembra o professor Antônio Paim na sua obra, A querela do estatismo,[11] quando o real inimigo eram os totalitários comunistas mimetizados, após 1985, em vários partidos e movimentos da esquerda revolucionária.
O atual liberal-conservadorismo brasileiro não se colocou contra as mudanças, muito pelo contrário: aposta naquelas que se enraízam na tradição. Insere-se, assim, no seio dessa secular tradição liberal que endossa as "revoluções conservadoras", como a Gloriosa Revolução inglesa de 1688, cujo grande propagandista foi John Locke e a Revolução Americana de 1776. O Brasil, também, conheceu essas "revoluções conservadoras" com o "Fico" de Dom Pedro I (1798-1834), em 1822, ou o Ato Adicional de 1841. A nova geração de liberais-conservadores, da qual Berlanza é lúcido expoente, aposta, também, nessas mudanças de longo curso, à maneira da "revolução conservadora" de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan, dando continuidade à gesta de estadistas da talha de Winston Churchill e, entre nós, dos Construtores do Império, lembrando o título de conhecida obra de João Camillo de Oliveira Torres (1915-1973).[12]
A obra de Lucas Berlanza: Lacerda: a virtude da polêmica,[13] destaca que vivemos tempos semelhantes aos enfrentados pelo líder liberal. Duas notas sobressaem em Lacerda: a defesa da liberdade e o alerta constante e combativo, contra os que pretendem dar sobrevida ao Estado Patrimonial, que encara a coisa pública como bem de família.
O traço marcante do Estado brasileiro, nestes tempos de luta contra o lulopetismo e de triunfo de uma opção liberal-conservadora, representada por Jair Bolsonaro, continua sendo o Patrimonialismo, que teima em sobreviver, encarando o público como privado. Nesse combate, Lacerda revive o clima de luta periclitante pela liberdade, que foi o traço marcante dos Doutrinários e de Tocqueville, na França. E retoma o melhor da nossa tradição política liberal-conservadora que, inspirada em figuras como Winston Churchill, não tem medo de lutar o bom combate, em prol da liberdade e dos valores da nossa civilização cristã, sem ceder à tentação de um regime de força para superar, definitivamente, o marxismo cultural lulopetista.
Lacerda deixou, para o Brasil, frisa Berlanza, “o legado de Ícaro”, encarnando o papel do “líder que (...) sustentou simultaneamente princípios como a descentralização do poder e da administração, a valorização da herança cultural ocidental e cristã (...), o receio do Estado agigantado e opressor, o apreço pela sensibilidade patriótica e pelas virtudes cívicas”.

BIBLIOGRAFIA

BARROS, Roque Spencer Maciel de. O fenômeno totalitário. Belo Horizonte: Itatiaia, 1990. Biblioteca de Cultura Humanística, v. 6.
BERLANZA, Lucas. Guia bibliográfico da nova direita - 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro (Prefácio de Rodrigo Constantino, São Luís: Resistência Cultural, 2017, 255 pgs.).
BERLANZA, Lucas. Lacerda: a virtude da polêmica. São Paulo: LVM, 2019.
CAMPOS, José Narino de. Brasil, uma Igreja diferente. São Paulo: T. A. Queiroz, 1981.
CARVALHO, Olavo de. A longa marcha da vaca para o brejo: o imbecil coletivo II. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
CARVALHO, Olavo de. O futuro do pensamento brasileiro: estudos sobre o nosso lugar no mundo. Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade, 1997.
CARVALHO, Olavo de. O imbecil coletivo: Atualidades Inculturais brasileiras. Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade / Academia Brasileira de Filosofia, 1996.
CARVALHO, Olavo de. Os gêneros literários: seus fundamentos metafísicos. Rio de Janeiro: IAL & Stella Caymmi, 1993.
CARVALHO, Olavo de. Símbolos e mitos no filme “O silêncio dos inocentes”. Rio de Janeiro: IAL & Stella Caymmi, 1993.
FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Manual do cidadão em um governo representativo. (Introdução de Antônio Paim). Brasília: Senado Federal, 1998, 3 vol. (Edição fac-similar).
GUIZOT, François. Historia de la civilización en Europa. (Prólogo: “Guizot y la historia de la civilización en Europa”, de José ORTEGA y Gasset). (Tradução ao espanhol de F. Vela). Madrid: Alianza Editorial,  1990.
MERCADANTE, Paulo. A coerência das incertezas. Símbolos e mitos na fenomenologia histórica luso-brasileira. (Introdução de Olavo de Carvalho). São Paulo: É Realizações, 2001.
MERCADANTE, Paulo. A consciência conservadora no Brasil. Contribuição ao estudo da formação brasileira. Rio de Janeiro: Saga,  1965.
MERCADANTE, Paulo. . Militares & Civis: a ética e o compromisso. Rio de Janeiro: Zahar,  1978.
MERCADANTE, Paulo, PAIM, Antônio. Tobias Barreto na cultura brasileira: uma reavaliação. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
PAIM, Antônio. A querela do estatismo. 1ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.
SOARES, Paulino José, visconde de Uruguai. Tratado de Direito Administrativo. Ensaio sobre o direito administrativo com referência ao Estado e instituições peculiares do Brasil. (Apresentação de Nelson Jobim; introdução de Célio Borja). 3ª edição. Brasília: Ministério da Justiça, 1997.
TORRES, João Camillo de Oliveira. Os Construtores do Império: Ideias e lutas do Partido Conservador brasileiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional 1968.



NOTAS

[1] BERLANZA, Lucas. Guia bibliográfico da nova direita – 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro. (Prefácio de Rodrigo Constantino).  São Luís: Resistência cultural, 1917.
[2] CAMPOS, José Narino de. Brasil: uma Igreja diferente. São Paulo: T. A. Queiroz, 1981.
[3] BERLANZA, Lucas. Guia bibliográfico da nova direita – 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro. Ob. cit., p. 19.
[4] Guia bibliográfico da nova direita – 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro. Ob. cit., p. 19-20.
[5] Cf. BARROS, Roque Spencer Maciel de. O fenômeno totalitário. Belo Horizonte: Itatiaia, 1990. Biblioteca de Cultura Humanística, v. 6.
[6] Cf. MERCADANTE, Paulo. A consciência conservadora no Brasil. Contribuição ao estudo da formação brasileira. Rio de Janeiro: Saga,  1965. Do mesmo autor, cf. Tobias Barreto na cultura brasileira: uma reavaliação. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. Do mesmo autor, ainda: cf. Militares & Civis: a ética e o compromisso. Rio de Janeiro: Zahar,  1978. Outra obra que merece ser lembrada deste autor é: A coerência das incertezas. Símbolos e mitos na fenomenologia histórica luso-brasileira. (Introdução de Olavo de Carvalho). São Paulo: É Realizações, 2001.
[7] Cf. CARVALHO, Olavo de. Símbolos e mitos no filme “O silêncio dos inocentes”. Rio de Janeiro: IAL & Stella Caymmi, 1993. Do mesmo autor, cf. Os gêneros literários: seus fundamentos metafísicos. Rio de Janeiro: IAL & Stella Caymmi, 1993. Do mesmo autor, cf. também: O imbecil coletivo: Atualidades Inculturais brasileiras. Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade / Academia Brasileira de Filosofia, 1996, bem como: O futuro do pensamento brasileiro: estudos sobre o nosso lugar no mundo. Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade, 1997 e A longa marcha da vaca para o brejo: o imbecil coletivo II. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
[9] Cf. FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Manual do cidadão em um governo representativo. (Introdução de Antônio Paim). Brasília: Senado Federal, 1998, 3 vol. (Edição fac-similar).
[10] Cf. SOARES, Paulino José, visconde de Uruguai. Tratado de Direito Administrativo. Ensaio sobre o direito administrativo com referência ao Estado e instituições peculiares do Brasil. (Apresentação de Nelson Jobim; introdução de Célio Borja). 3ª edição. Brasília: Ministério da Justiça, 1997. 
[11] Cf. PAIM, Antônio. A querela do estatismo. 1ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.
[12] Cf. TORRES, João Camillo de Oliveira. Os construtores do Império. Ideais e lutas do Partido Conservador. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.
[13] BERLANZA, Lucas. Lacerda: a virtude da polêmica. São Paulo: LVM, 2019.

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