Dois itens desenvolverei neste artigo: Breve síntese biobibliográfica de José Maurício de Carvalho e II - O Pensador e o Historiador das ideias.
I – BREVE
SÍNTESE BIOBIBLIOGRÁFICA
José
Maurício de Carvalho nasceu em 13 de Julho de 1957, em São João Del-Rei (Minas
Gerais). Formou-se, ali, em Psicologia (1980), Filosofia (1983) e Pedagogia
(1984), na Faculdade Dom Bosco, que foi, posteriormente, integrada à
Universidade Federal local. Cursou mestrado em Filosofia (área de Pensamento
Brasileiro) na Universidade Federal de Juiz de Fora. Completou os estudos de
doutorado em Filosofia Luso-Brasileira na Universidade Gama Filho (1990), do
Rio de Janeiro, tendo cursado, a seguir, os estudos de pós-doutorado na
Universidade Nova de Lisboa (1994) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(2001).
Na
atualidade, é professor titular aposentado da Universidade Federal de São João
Del-Rei, tendo exercido funções administrativas na mesma Instituição. Leciona
no Centro Universitário Tancredo Neves, em São João del Rei. É
estudioso da vertente denominada de “Filosofia Clínica” e integra o Conselho
Editorial dos periódicos: Educação e Filosofia, Saberes
Interdisciplinares, Thaumazein, Anais
de Filosofia e Vertentes (da Universidade Federal de São João Del-Rei),
Educação e Saúde, etc.). É membro do Instituto Brasileiro de Filosofia
(São Paulo), do Instituto de Filosofia Luso-brasileira (Lisboa), da Academia
São-Joanense de Letras e da Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos
(Barbacena, MG). Atua como profissional liberal, na área de Psicologia Clínica,
em São João del-Rei.
Como
pesquisador de história das idéias, a sua obra se especializou no estudo do
pensamento filosófico luso-brasileiro, com destacada atuação nos Encontros
de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, que se
desenvolveram, em Londrina, sob a coordenação do saudoso Leonardo Prota
(1930-2016) e com apoio da Universidade Estadual, entre 1989 e 2003. No período
compreendido entre 1997 e 2019, na condição de membro do Instituto de
Filosofia Luso-Brasileira, tem participado, regularmente, como organizador,
dos Colóquios Antero de Quental (destinados a estudar, no Brasil, o
pensamento filosófico português), bem como dos similares Colóquios Tobias
Barreto (direcionados ao estudo, em Portugal, dos autores brasileiros). José Maurício de Carvalho participou do Proyecto Ensayo Hispánico (www.ensayistas.org) que o professor José Luis Gómez Martínez desenvolveu na Universidade de Georgia (USA).
Pelos
estudos publicados e pelo exercício docente, José Maurício de Carvalho
firmou-se, no panorama cultural brasileiro, como um dos mais importantes
representantes da nova geração de historiadores das idéias filosóficas no
Brasil.
II - O PENSADOR E O HISTORIADOR DAS IDÉIAS
Para José
Maurício de Carvalho, consoante a sua obra O Homem e a Filosofia (Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1998. 224 p.), o ponto de partida para uma reflexão
filosófica é constituído pela meditação em torno a dois eixos: a Existência e a
Cultura. A primeira é a categoria fundamental para falar do homem de hoje. A
Cultura é o ponto de partida da Existência, - o a priori cultural de
Miguel Reale (1910-2006) - e o produto das ações humanas. Ela se forma com os
valores que o homem criou na sua história. A Existência, entendida como roteiro
único e temporal, apenas é fecunda quando se volta para o horizonte cultural,
do qual emerge e que, por sua vez, é modificado pela ação humana. Quando o
autor aproxima Existência e Cultura não o faz na expectativa de estabelecer uma
equivalência entre elas, mas reconhecendo ser a Liberdade um dado ontológico
fundamental para entender o homem. Ela, contudo, só é tal, se se realiza num
espaço específico de valores e na História (ou na Cultura). A Liberdade do
homem não é uma possibilidade absoluta ou indeterminação infinita, é o
exercício de escolhas contra a natureza bruta e sua lógica, num certo tempo.
Mesmo sem tratar a vida como indeterminação absoluta, como fez Jean Paul Sartre
(1905-1982), Carvalho não acredita que a existência perca o caráter dramático,
pelo fato de inseri-la no universo cultural. A dor continua conosco, os riscos
nos acompanham, a degradação da humanidade é uma possibilidade real, nossos
limites estão aí. A vida do homem se realiza numa certa circunstância. Neste
ponto, o nosso autor revela-se tributário do filósofo espanhol José Ortega y
Gasset (1883-1955).
Além do
pensador espanhol, Carvalho se reconhece como seguidor de Miguel Reale
(1910-2006) e Djacir Menezes (1907-1966), herdeiros do legado culturalista de
Tobias Barreto (1839-1889). À luz desse legado, Carvalho entende que os valores
culturais, tecidos no decorrer da história, estão na base da Existência
concreta dos homens. Esses valores, com o passar do tempo, acabam assumindo
objetividade universal e se manifestam na tessitura existencial, como se inatos
fossem.
O nosso
pensador se considera, outrossim, tributário da meditação de Antônio Paim
(1927), Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999) e Ricardo Vélez Rodríguez
(1943). Com Paim e Vélez, Carvalho considera que o Culturalismo consiste numa
filosofia voltada para esclarecer o modo de ser do homem. À luz da meditação de
Roque Spencer, o nosso autor conclui que a Existência humana, ainda que vista
de modo predicativo, e mesmo quando se objetiva em criações magníficas, não
deixa de ser marcada pela dramaticidade. Roque Spencer, considera Carvalho,
ocupou-se da existência concreta e a tratou como tal. Acabou deixando o
Culturalismo, mas legou à posteridade uma das obras filosóficas mais
significativas da filosofia brasileira.
É com base
nessa herança que o nosso autor desenvolve o cerne do seu pensamento, que se
alicerça no princípio de que o modo de ser do homem se manifesta, no
interminável processo de renovar o que já foi experimentado. O sentido da Existência
se revela no drama que brota da vida pessoal, que é projetado no mundo e passa
a valer por si só. Esta questão foi desenvolvida, com amplitude, na obra
intitulada: Ética [São João Del-Rei: UFSJ, 2010. 240 p.], em cuja
primeira parte, Carvalho mostra a forma em que esta disciplina filosófica
ingressou no panorama cultural brasileiro; na segunda parte, o autor faz uma
análise acerca da questão da responsabilidade pessoal, considerada como
complemento necessário à vida humana, pensada como Liberdade.
Para o nosso
pensador, os costumes e as regras de convivência são históricos, embora possam
ficar consagrados em normas com reconhecimento coletivo. Princípios aceitos
pela sociedade ocidental como verdadeiros, acabaram adquirindo um sentido de
permanência e se manifestam na formulação de normas verdadeiras de orientação,
seguras e eternas. A cultura, considera Carvalho, nasce como intencionalidade
objetivada. O mundo social aparece como uma hierarquia de valores e constitui a
casa do homem. Neste lugar artificial em que se sente mais à vontade, ele se
move com maior naturalidade do que no espaço natural, ao expressar algo do seu
modo de ser e dos ideais que projeta. Em decorrência destas teses, assiste
razão a Antônio Paim, ao enquadrar o nosso autor no seio da terceira corrente
de culturalistas brasileiros.
José
Maurício de Carvalho insere, na concepção antropológica que acaba de ser
resumida, a sua tarefa como historiador das idéias. Segundo ele, o registro do
andamento das pesquisas na filosofia brasileira (e portuguesa) permite observar
como, do interior da grande tradição filosófica ocidental, as filosofias
nacionais emergiram e são suscetíveis de um adequado entendimento. Este se
concretiza quando as diferentes filosofias são interpretadas como registro de teses
intelectuais, nascidas da vida e da tradição de um povo.
Essas
filosofias, frisa Carvalho, são respostas desse grupo humano, numa determinada
época, aos questionamentos dos seus integrantes acerca do sentido da sua
presença no mundo. As respostas efetivadas pelos pensadores contribuem para
burilar os contornos da cultura desse determinado povo, no contexto da vasta
história das civilizações. A meu ver, neste ponto José Maurício de Carvalho
recebeu a influência de Leonardo Prota, no que tange, especificamente, à caracterização
da filosofia moderna, como meditação sobre problemas específicos das várias
nações.
Explicitando
a sua inspiração em Ortega, Carvalho conclui que somente quando se capta a
historiografia filosófica como um diálogo do pensador com as circunstâncias,
chega-se, com mais fidelidade, ao material por ele produzido. As criações
filosóficas pressupõem o contato com a tradição nacional, que para os filósofos
aparece como a realidade mesma a ser explicada. Os estudiosos da filosofia
luso-brasileira de nossos dias perceberam que os movimentos filosóficos, em
todo o mundo, não se orientam para a criação de um único sistema capaz de
englobar toda a filosofia ocidental. Essa noção, que prevaleceu até meados do
século XIX, hoje está abandonada, abrindo margem para o exame das tradições
nacionais e, no interior delas, dos problemas que elas privilegiam. A tarefa de
historiador das idéias não se circunscreve, na obra de José Maurício de
Carvalho, à análise dos pensadores luso-brasileiros. Ele tem estudado, com
igual afinco, a obra de dois destacados filósofos do século XX: Karl Jaspers
(1883/1969), com a obra intitulada: Filosofia e Psicologia - O pensamento
fenomenológico existencial de Karl Jaspers (Lisboa: Imprensa Nacional,
2006, 265 p.) e Ortega y Gasset, cujo pensamento filosófico analisou no livro: Introdução
à filosofia da razão vital de Ortega y Gasset (Londrina: CEFIL, 2002, 499
p.).
CARVALHO, José Maurício de. A idéia de filosofia em Delfim Santos.
Londrina: UEL, 1996. 226 p.
CARVALHO, José Maurício de. Antologia do culturalismo brasileiro -
Um século de filosofia.
Londrina: CEFIL, 1998. 300 p.
CARVALHO, José Maurício de. As idéias
filosóficas e políticas de Tancredo Neves. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1994. 198 p.
CARVALHO,
José Maurício de. A vida é um mistério, contribuição de José Severiano de
Rezende para a doutrina tradicionalista. Londrina: CEFIL, 1999. 212 p.
CARVALHO,
José Maurício de. Contribuições contemporâneas à história da filosofia
brasileira. Londrina: UEL, 1998. 379 p.; 2a edição revista e ampliada,
Londrina: CEFIL, 1999. 452 p.; 3a edição
revista e ampliada, Londrina: CEFIL, 2001. 630 p.
CARVALHO, José
Maurício de. Curso de introdução à História da Filosofia Brasileira.
Londrina: UEL, 2000. 446 p.
CARVALHO,
José Maurício de. Estudos de filosofia clínica, uma abordagem
fenomenológica. Curitiba: Ibpex, 2008. 284 p.
CARVALHO,
José Maurício de. Ética. São João Del-Rei: UFSJ, 2010, 240 p.
CARVALHO,
José Maurício de. Filosofia Clínica, estudos de fundamentação.
São João Del-Rei: UFSJ, 2005. 321 p.
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Ideias e Letras, 2012.
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CARVALHO,
José Maurício de. Filosofia e Psicologia - O pensamento fenomenológico
existencial de Karl Jaspers. Lisboa: Imprensa Nacional, 2006, 265 p.
CARVALHO,
José Maurício de. História da filosofia e tradições culturais.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. 436 p.
CARVALHO,
José Maurício de. Introdução à filosofia da razão vital de Ortega y
Gasset. Londrina: CEFIL, 2002. 499 p.
CARVALHO,
José Maurício de. Mauá e a ética saint-simoniana. Londrina: UEL,
1997. 293 p.
CARVALHO,
José Maurício de. Miguel Reale, ética e filosofia do direito.
Porto Alegre: Edipucrs, 2011.
CARVALHO,
José Maurício de. O homem e a filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1998. 224 p.; 2ª edição revista e ampliada, Porto Alegre: EDIPCURS, 2007. 236 p.
CARVALHO,
José Maurício de (Organizador e autor de dois capítulos). Poder e
moralidade. São Paulo: Annablume, 2012.
CARVALHO,
José Maurício de. Os caminhos da moral moderna; a experiência
luso-brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995. 342 p.
CARVALHO,
José Maurício de. Situação e Perspectivas da Pesquisa da Filosofia
Brasileira. Londrina: UEL/CEFIL, 1995. 81 p.
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