Nos dias 25 e 26 de Maio teve lugar, Na UNIMEP, Piracicaba - São Paulo, colóquio em homenagem à professora doutora Constança Marcondes Cesar. Em anexo, aparece o texto que preparei para abrir o mencionado evento.
Cabe-me a
alegria, e a honra, de abrir este evento em homenagem à querida amiga Constança
Marcondes César. Já lá se vão várias décadas desde esse remoto ano de 1978,
quando tive com ela o primeiro contato, ao ensejo de número especial da Revista
Reflexão,
que ela coordenava na PUC de Campinas, para o qual a minha amiga pedia-me colaboração
a respeito da temática do positivismo na realidade brasileira. Nessa época, eu
trabalhava na Colômbia, como pro-reitor de Pós-graduação e Pesquisa da
Universidade de Medellín.
Interessava-me
iniciar, nessa Universidade, programa de pós-graduação em História das Idéias
Filosóficas na América Latina. Levou-me a pensar nesse programa o fato de ter
cursado, entre 1973 e 1974, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, o mestrado em Pensamento Brasileiro (com bolsa da Organização dos Estados
Americanos). Esse programa foi organizado pelos caros amigos Antônio Paim e
Celina Junqueira e funcionou entre 1972 e 1979, ano em que foi fechado por
pressão do MEC, atendendo a interesses político-partidários de antigos
militantes da Ação Popular. Essas pessoas achavam incômodo o fato de o
mencionado programa ter iniciado pesquisa sobre a evolução das idéias
filosóficas no Brasil contemporâneo, abrangendo a obra do padre Lima Vaz,
inspirador da AP.
Pois bem: eu considerava
que poderia a Universidade colombiana dar uma contribuição ao estudo das idéias
filosóficas no âmbito latino-americano, instituindo um programa de
pós-graduação stricto sensu. Outras
Universidades da Colômbia, aliás, por essa época, cogitavam iniciar programas
semelhantes, notadamente a Universidade Santo Tomás, de Bogotá, coordenada
pelos padres dominicanos. Elaborei, então, proposta de criação do mencionado
programa, que foi acolhida pela Reitoria da Universidade de Medellín e pelo
Conselho Diretivo da mesma. Corria então o ano de 1975. Estabeleci contato com
o sub-secretário para assuntos culturais da Organização dos Estados Americanos
em Washington, o professor paranaense Armando Correia Pacheco, que se mostrou
interessado em apoiar a minha proposta, concedendo algumas bolsas para
estudantes latino-americanos cursarem, em Medellín, o mestrado em História das
Idéias Filosóficas na América Latina, complementando, assim, a iniciativa que
tinha sido iniciada pela PUC do Rio com o mestrado em Pensamento Brasileiro,
que tinha recebido também apoio da OEA. Na obtenção do apoio desta Organização
para o meu projeto, foi de particular importância a opinião favorável do então
reitor da Universidade de Medellín, professor Orion Alvarez (que tinha se
desempenhado anteriormente como expert
do Banco Mundial em vários países latino-americanos), bem como a acolhida que a
minha proposta teve da parte de Antônio Paim e do saudoso Ubiratan Borges de
Macedo, que então exercia as funções de representante brasileiro perante a
Escola Interamericana de Defesa, em Washington.
Como a criação do curso de pós-graduação em História
das Idéias Filosóficas na América Latina precisava do aval do Ministério da
Educação da Colômbia, a Universidade de Medellín submeteu a esse órgão a
proposta de minha autoria. O relator do respectivo processo foi o então
vice-ministro de Educação, um furibundo heideggeriano que achava que só se
podia filosofar em alemão. A minha proposta, em que pese a acolhida da
Universidade de Medellín e da Organização dos Estados Americanos, foi definitivamente
engavetada pelo Ministério da Educação do país andino.
A guerra do
narcotráfico tinha entrado, na Colômbia, a partir de meados dos anos 70, numa
etapa de perigosa escalada que terminou cobrando inúmeras vidas ao longo dessa
década. Somente em 1978, por exemplo, na Universidade de Antioquia, a maior de
Medellín, com cerca de 40 mil estudantes, onde eu lecionava a disciplina
História das Idéias Políticas na América Latina, foram assassinados 18
professores de várias tendências políticas. Achei conveniente passar uma
temporada no Brasil, aproveitando para cursar o Doutorado em Pensamento Luso-Brasileiro,
no novo programa que acabava de ser iniciado na Universidade Gama Filho do Rio
de Janeiro. Pedi, então, uma licença às Universidades onde trabalhava e vim ao
Rio de Janeiro para cursar o Doutorado, no início de 1979. Como não tinha
bolsa, comecei a trabalhar em São Paulo como pesquisador da Sociedade
Brasileira de Cultura, Convívio, dirigida pelo saudoso amigo Adolpho Crippa,
que me liberou parcialmente para cursar no Rio as disciplinas do Doutorado. Terminei
o curso, felizmente, em 1982, com a tese intitulada: Oliveira Vianna e o papel
modernizador do Estado brasileiro, sob a orientação de Antônio Paim,
(que já tinha orientado, aliás, a minha dissertação de mestrado, que levou como
título: A filosofia política de inspiração positivista, e que dediquei
a estudar o pensamento de Júlio de Castilhos e da primeira geração castilhista,
integrada por Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e Getúlio Vargas.
Em São Paulo,
entrei em contato com a professora Constança. Conversando com ela acerca dos
nossos projetos acadêmicos, contei-lhe o que tinha acontecido na Colômbia com o
meu programa de mestrado em História das Idéias Filosóficas na América Latina.
Ela mostrou-se interessada em apresentar à PUC de Campinas, onde trabalhava, um
projeto dessa índole. Fiquei empolgado com essa possibilidade e elaborei
proposta semelhante à que tinha apresentado, anos atrás, à Universidade de
Medellín. A professora Constança programou, em Campinas, algumas reuniões de
trabalho com os seus colegas de Departamento. Encontrei, neles, um ambiente
aberto para a iniciativa. Aperfeiçoei com ela o projeto inicial que ficou pronto em fins de 1979, tendo sido
apresentado imediatamente à PUC de Campinas. Paralelamente, entrei em contato
com o professor Armando Correia Pacheco em Washington, e o coloquei a par do
que então se passava. Ele imediatamente aceitou apoiar, desde a sub-secretaria
de assuntos culturais da OEA, o novo projeto, oferecendo bolsas para estudantes
latino-americanos. Alguns meses depois, em 1980, fiquei sabendo, no entanto, pela
minha amiga Constança, que o projeto de Mestrado em História das Idéias na
América Latina tinha ficado sob a coordenação de um outro professor da PUC de
Campinas que nada tinha a ver com a proposta inicial, tendo sido ela alijada do
mesmo. O nosso projeto tinha virado motivo de rixa burocrática, o que, para a
professora Constança e para mim, estava fora de cogitação. Desta forma,
terminou sendo engavetado novamente o projeto acalentado. A causa foi a mesma:
a incompreensão, por burocratas, da importância de um projeto acadêmico aberto
ao estudo do pensamento latino-americano.
A minha amiga
Constança continuou, no entanto, fiel à idéia de estudar, de forma sistemática,
a história das idéias filosóficas na América Latina. Foi assim como publicou,
em 1980, a sua obra intitulada: Filosofia na América Latina (São
Paulo: Paulinas, 1988), que constitui uma das primeiras contribuições
brasileiras nesse terreno. Ainda neste campo, Constança estabeleceu estreitos
nexos de colaboração com o grande estudioso francês da história do pensamento
latino-americano, Alain Guy, da Universidade de Toulouse-le-Mirail. Como fruto
dessa colaboração, vários estudos da Constança sobre o pensamento
latino-americano, português e brasileiro foram publicados na França,
notadamente os seus escritos sobre Vicente Ferreira da Silva. Dessa estreita
colaboração com a mencionada Universidade francesa, surgiu a idéia de Constança
doar ao acervo daquela instituição a sua biblioteca particular, o que foi
feito, tendo a minha amiga recebido calorosas e justas homenagens das
autoridades acadêmicas dessa Universidade.
Constança é,
hoje, junto com Zdenek Kourim, o mais importante elo de ligação entre as
Universidades francesas e o Brasil, no que tange à pesquisa da história do
pensamento brasileiro e latino-americano. Constança Marcondes Cesar dedicou
estudos importantes ao aprofundamento da filosofia francesa contemporânea,
destacando-se os seus trabalhos sobre Paul Ricoeur (Paul Ricoeur – Ensaios,
obra da qual é organizadora, São Paulo: Paulus, 1998), as linhas mestras do
pensamento hermenêutico (A hermenêutica francesa, São Paulo:
Alínea, 1996), a estética de Bachelard (Bachelard, ciência e poesia, São
Paulo: Paulinas, 1989), a antropologia filosófica francesa (Crise
da liberdade em Merleau-Ponty e Paul Ricoeur, Aparecida-SP: Idéias e
Letras, 2011), o pensamento de Sartre no seu contexto histórico (Sartre
e os seus contemporâneos, obra organizada juntamente com Marly Bulcão,
Aparecida-SP: Idéias e Letras, 2008), etc.
No terreno mais
largo da filosofia européia contemporânea, é de capital importância e de
originalidade indiscutível a obra que a nossa pesquisadora dedica ao pensamento
grego, centrada no estudo do filósofo Evanghelos Moutsopoulos (Filosofia
da cultura grega - Contribuição para o estudo do pensamento neo-helênico
contemporâneo, Aparecida-SP: Idéias e Letras, 2008).
No terreno
específico dos estudos da filosofia luso-brasileira, coube a Constança formular
a valiosa hipótese da existência da “Escola de São Paulo” (O grupo de São Paulo, Lisboa:
Casa da Moeda, 2000), que teria se formado ao redor do pensamento de Vicente
Ferreira da Silva e que abarcou expoentes portugueses da filosofia
hermenêutica, como Agostinho da Silva e Eudoro de Souza. É de incalculável
valor a participação da minha amiga Constança nos Colóquios Luso-brasileiros de
Filosofia, que ao longo dos últimos vinte anos tem sido desenvolvidos por
iniciativa do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, sob a coordenação de
António Braz Teixeira e José Esteves Pereira e com a colaboração decisiva do
saudoso Luís Antônio Barreto, Leonardo Prota, José Maurício de Carvalho e
Antônio Paim. (Os trabalhos apresentados
por Constança nesses eventos aparecem, entre outras obras, nas seguintes: Natureza,
cultura e meio-ambiente, São Paulo: Alínea, 2006 e Papéis filosóficos,
Londrina: UEL, 1999). Os centos de
páginas dos Anais desses eventos, bem como a volumosa obra a que deu ensejo
a colaboração entre pesquisadores portugueses e brasileiros e que eclodiu na Enciclopédia
Luso-Brasileira de Filosofia (publicada em Lisboa entre 1989 e 1992),
dão testemunho inegável da grande fecundidade do pensamento luso-brasileiro,
terreno no qual Constança Marcondes Cesar ocupa, de direito, lugar de primeira
importância.
A obra de
Constança Marcondes César ainda está para ser estudada de forma sistemática. O
seu pensamento, além da seara luso-brasileira e latino-americana, tem se
espraiado pelos campos férteis da filosofia francesa e da estética
contemporânea. Testemunho desse interesse da nossa autora nos terrenos
mencionados são, como já foi frisado, os seus estudos sobre Paul Ricoeur, bem
como os seus trabalhos sobre estética. Pela relevância que a figura de
Constança Marcondes Cesar tem, hoje, para o pensamento filosófico
luso-brasileiro, proponho aos meus amigos do Instituto de Filosofia
Luso-brasileira que a sua obra seja objeto de estudo num dos nossos próximos
Colóquios Luso-Brasileiros. Nada mais justo para reconhecer o trabalho desta
incansável pesquisadora das idéias filosóficas em Portugal, no Brasil, e na
América Latina.