No Caderno G – Idéias do jornal curitibano Gazeta
do Povo, foi publicada no dia 19 de Maio de 2012, matéria intitulada:
“Resquícios e controvérsias”, com parte muito pequena da entrevista que sobre o
tema da Comissão da Verdade dei à jornalista Isadora Raquel Raupp, no dia
16/05/2012. Com a finalidade de estimular o debate com razões claras acerca de
tão importante tema, transcrevo, nesta matéria, o texto completo da entrevista
por mim concedida.
1)Antes de ser empossada pela presidente (o
que ocorrerá amanhã), membros da comissão da verdade fizeram declarações
diferentes na imprensa: enquanto alguns acreditam que a investigação se
limitará aos agentes de Estado, outros (o ex-ministro da Justiça José Carlos
Dias,) dizem que as pessoas que participaram da luta armada contra o regime
também devem ser investigadas. Qual a análise do sr. sobre a comissão?
A minha posição é
contrária à Comissão da Verdade, na forma em que ela foi estabelecida. Quero
esclarecer, em primeiro lugar, que a verdade histórica deve ser pesquisada
pelos historiadores e apresentada à sociedade, de forma íntegra e colocando
todas as versões aceitáveis, a fim de que os cidadãos se ilustrem e escolham a
explicação que mais os satisfizer. A verdade histórica é patrimônio da Nação e
não pode ser sonegada. Somente os regimes totalitários se arrogam o direito de
reescrever a história e repassar aos cidadãos tutelados pelo poder total a
versão que convenha aos donos do poder. Isso foi o que Stalin e Hitler fizeram
e não pode ser tolerado. Isso é o que, em menor escala, mas sempre tentando esconder
os fatos incômodos para o regime, o governo da Argentina fez no ano passado,
quando passou a regulamentar a forma em que poderia a verdade histórica ser
pesquisada e repassada à sociedade. Isso é o que o PT tenta fazer com o famoso
chavão de que “nunca na história deste país”..., como se petistas e coligados
fossem os primeiros a se preocuparem com a questão social. Uma Comissão da
Verdade instaurada pelo governo, com figuras nomeadas por ele, certamente não é
a melhor forma de indagar acerca da verdade histórica. Os que melhor podem
fazer isso são os historiadores, e o Brasil conta com intelectuais dessa área
de grande valor, em todos os quadrantes ideológicos. O governo poderia, sim,
propor que os historiadores apresentassem a sua versão sobre um determinado
período histórico, abrindo um concurso, por exemplo, ou incentivando o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (criado em 1838 por Dom Pedro II e
que é uma das instituições mais respeitadas do País) a coordenar esse trabalho,
junto com os Departamentos de História das nossas Universidades. Como a verdade
histórica não é algo que possa ser auferido matematicamente, sendo o critério
de aceitação a “credibilidade”, cabe aos historiadores oferecer aos cidadãos as
suas diferentes versões dos fatos pesquisados, a fim de que eles escolham a que
lhes pareça mais crível.
2) A lei fala que o objetivo é examinar e
esclarecer violações aos direitos humanos e efetivar o direito à memória
histórica e promover a reconciliação nacional. O sr. acredita que isso será
possível?
Acho difícil uma
Comissão da Verdade nomeada pelo governo chegar a esse resultado, pelas razões
que apresentei na resposta ao item anterior. Muito mais o PT faria para
contribuir à reconciliação nacional se baixasse o tom da sua retórica que, ao
longo dos nove anos de governo petista, tentou colocar negros contra brancos,
pobres contra ricos, elites contra povão, etc. O populismo sempre traz consigo
essa cilada, de dividir a Nação entre os que adoram incondicionalmente o líder
populista e os que se contrapõem a ele. A presidente Dilma, nesse item, tem
sido, certamente, muito mais moderada do que o Lula, que em oito anos de
governo não conseguiu descer do palanque.
3)O Brasil teve uma lei da anistia em 1979,
o que, em tese, já garantiu essa reconciliação. O que pensa sobre o assunto?
Atualmente, se fala em rever a lei da anistia, alguns artigos, inclusive, foram
revistos em 2002. O sr. concorda com uma nova revisão?
Acho um desserviço à Nação desconhecer a Lei de Anistia, que
foi o passo inicial para a nossa redemocratização. Anistia é esquecimento. O
que não significa desconhecimento da história. Mas trata-se de um pacto
político dos brasileiros para superar uma quadra difícil da sua vida política.
A anistia permitiu que os exilados regressassem, que fundassem Partidos de
oposição, que elegessem os seus candidatos e que líderes oposicionistas de
esquerda (Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma) chegassem à Presidência da
República. Ignorar a Lei de Anistia é querer fazer regredir o relógio da
história, pretender reescrevé-la, ignorando todos os progressos que foram
conseguidos. A ferida da luta armada terrorista contra o Estado e da repressão
dos governos militares foi fechada com a Lei de Anistia. Pretender derrubá-la é
querer reacender conflitos do passado que já foram superados.
4) Nessa semana, jovens fizeram
manifestações contra agentes ligados à ditadura militar. Como o sr. observa
esses movimentos?
Acho normal os cidadãos manifestarem publicamente as suas
idéias, respeitando a lei e os direitos dos outros cidadãos. Quando, no
entanto, um grupo acha que tem o direito de, em nome do povo, agredir outros
que se situam em posições políticas diferentes (como foi o caso dos ativistas
de esquerda que agrediram militares da reserva e civis que compareceram a um
ato celebrado no Clube Militar do Rio de Janeiro, no final de Março), acho que
se perdeu de vista o limite entre o permitido e a prática de atos à margem da
lei. Intolerância em nada ajuda à construção da democracia.
5)Nas
últimas semanas, o tema Ditadura Militar voltou para as discussões e para a
grande imprensa por conta da comissão da verdade. Esse resgate do tema é
interessante?
O resgate desse tema é importante, como frisei no início
desta entrevista. Mas, certamente, se trata de um resgate a ser feito no
terreno da historiografia e levando em consideração a análise de todas as
variáveis. Uma variável do ciclo militar foi o terrorismo da esquerda, como ele
aconteceu, quais os motivos que levaram os jovens a essa radicalização, que
atos foram praticados pelos militantes, quem foi punido injustamente, etc. Parece-me,
aliás, muito pertinente a observação do ex-ministro José Carlos Dias, por você
mencionada no início desta entrevista, no sentido de que a verdade da luta
armada seja plenamente desvendada, a começar pelo que fizeram os que tomaram as
armas contra o Estado.Uma outra variável é a que diz relação à repressão. Como
ela ocorreu, quais os extremos que foram praticados, quem foi o mandante dos
mesmos, etc. Considero que os militares cumpriram com o seu papel de defender
as instituições republicanas contra os radicais de esquerda que praticaram a
luta armada para derrubar o governo e substituí-lo por uma ditadura comunista.
É necessário conhecer, em toda a sua extensão, a verdade histórica. Não para
fazer voltar o relógio da história e derrubar a Lei de Anistia, que foi o
primeiro passo para a normalização da nossa vida política. Mas para que as
novas gerações aprendam com o estudo dos fatos históricos e encontrem o caminho
mais adequado para preservar as instituições democráticas e os direitos de
todos os brasileiros. Acho gozado que muitos dos que propõem a derrubada da Lei
de Anistia são espíritos autoritários que querem a hegemonia do seu partido, a
desaparição da oposição, o fim da imprensa livre e a impunidade para os que
saquearam os cofres públicos na roubalheira do mensalão. Autoritarismo e
patotismo não combinam com vida democrática que é, antes de tudo, respeito às
instituições e à igualdade que deve haver
entre todos os cidadãos perante a lei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário