Faço referência no título deste post à obrinha de Ortega y Gasset intitulada: España invertebrada (1922). Nela, o grande pensador criticava a falta de espírito público vigente na Espanha, às vésperas da Guerra Civil. Cada um no seu canto, com a sua bandeira. A Espanha de então era como o Brasil de hoje, dividido em patotas. Cada um zelando pelos seus interesses individuais, mas sem nenhuma perspectiva de respeito aos direitos dos outros. Era a ausência total do "interesse bem compreendido" apregoado por Tocqueville como condição necessária ao bom funcionamento de uma República.
Pois bem: o vício da privatização do poder para benefício próprio, fenômeno tipicamente ibérico, esse é o nosso mal, neste Brasil que se debate entre patotas. O lema dessa privatização do que é de todos é: "quanto pior melhor"! Fica isso claro no niilismo lulopetralha, que quer que definitivamente o barco afunde, visto que o Chefe já está com a água no pescoço. Mas desse imediatismo suicida não se salvam outros atores. Muitos querem negociar, no Parlamento, levando unicamente em consideração os interesses imediatos, sem pensarem no país e no que seria melhor para o Brasil.
Os vários grupos de esquerda arregimentados ao redor do lulopetismo consideram que como o Partido e os seus dois ex-presidentes, Lula e Dilma, estão já prestando contas à Justiça pelos malfeitos dos seus desgovernos, devem desconhecer, então, a legitimidade do governo Temer que, dentro dos marcos assinalados pela Lei, substituiu o regime lulopetralha. A minha posição é clara: deixem o Temer concluir o seu mandato-tampão, estabelecido à luz do que a Constituição e as leis mandam. Se ele tiver algo a responder perante a Justiça pelo seu desempenho político anterior à chegada ao Planalto, que o faça logo assim que terminar o seu mandato em 2019.
O que os militantes estão tentando, há meses a fio, é inviabilizar um governo de transição legitimamente constituído, para "pescar em águas turvas". É claro que entre os colaboradores parlamentares de Temer, nem todos são corretos e não poucos tem agido unicamente pensando nos seus benefícios imediatos, sem prestar atenção ao que seria melhor para todos os brasileiros. Agem assim os que aproveitam a próxima curva do caminho para assombrar o enfraquecido presidente com exigências que são mais chantagens de última hora.
O que os militantes estão tentando, há meses a fio, é inviabilizar um governo de transição legitimamente constituído, para "pescar em águas turvas". É claro que entre os colaboradores parlamentares de Temer, nem todos são corretos e não poucos tem agido unicamente pensando nos seus benefícios imediatos, sem prestar atenção ao que seria melhor para todos os brasileiros. Agem assim os que aproveitam a próxima curva do caminho para assombrar o enfraquecido presidente com exigências que são mais chantagens de última hora.
Mas o governo Temer tem resistido aos embates, negociando aqui e acolá. Afinal de contas, Michel Temer é um experimentado parlamentar que sabe de cor e salteado os ritos processuais do Congresso e da barganha política. Se algo de errado houver nos seus atos como presidente, que seja julgado conforme o rito legal. Até o presente, pelo visto das sessões do Parlamento dedicadas a apreciar as denúncias do Ministério Público contra o primeiro mandatário, ele tem sido poupado. Deixem o homem trabalhar neste seu curto mandato, a fim de que complete o trabalho de saneamento da economia, duramente golpeada pela irresponsabilidade criminosa de Lula, Dilma e dos seus colaboradores.
De negativo tenho a destacar a figura do ex-procurador Rodrigo Janot, que cedeu à tentação da mosca azul do poder e partiu com tudo para cima de Michel Temer, a fim de conquistar benefícios políticos e pavimentar a sua entrada ulterior na política partidária. Não podia o senhor Janot ter feito isso, investido como estava de altos poderes na Procuradoria Geral da República. O episódio da denúncia montada contra Temer à sombra da procuradoria, que negociou previamente com os criminosos empresários Joesley e Wesley (dois gangsteres de filme de velho oeste, mais do que dois honestos cidadãos), é de todo modo inaceitável. Janot achou que os brasileiros somos otários e que se sairia bem com a sua ópera bufa. Amargará as consequências que a opinião pública lhe obrigará a engolir nos próximos anos. A lei existe e é para todos, inclusive para Janot e comparsas!
Escreveu bem, a respeito das aventuras estratégicas de Janot, o sociólogo Demétrio Magnoli no seu artigo intitulado: "A Lava-Jato perecerá se não for contido o espírito jacobino" (Folha de S. Paulo, 24/06/2017), quando frisou: "Janot, nosso Ropbespierre carnavalesco, subscreveu o enunciado (de que o Terror é nada mais que justiça imediata, severa, inflexível), ao associar-se com o corruptor geral da República numa trama politicamente motivada. Já o Supremo Tribunal Federal, ao validar o prêmio escandaloso concedido ao delator, desperdiçou a primeira oportunidade para dissociar a palavra Justiça da palavra Terror". Segundo Magnoli, "Dois fatos são indisputáveis: 1 - antes de delatar oficialmente, Joesley foi instruído por um procurador e um delegado da Polícia Federal; 2 - como prêmio pela entrega das gravações, obteve imunidade judicial absoluta. Nas suas argumentações, os Ministros do Supremo Tribunal Federal esconderam-se atrás do biombo dos sofismas para não enfrentar tais flagrantes ilegalidades".
Uma segunda apreciação crítica das investidas da Procuradoria e do Ministério Público, tinha sido elaborada pelo sociólogo Luiz Werneck Viana na entrevista concedida no ano passado a Wilson Tosta, do jornal O Estado de S. Paulo (20/12/2016), sob o sugestivo título: "Tenentes de toga comandam essa balbúrdia jurídica". Nas suas declarações, Werneck Vianna reconhecia que há uma inteligência (a das corporações jurídicas, como o Ministério Público e o Judiciário) a comandar a crise política que assola o País. "Essa balbúrdia - frisava o entrevistado - é comandada e manipulada com perícia. Procuradores e juízes são tenentes de toga, uma comparação com os tenentes de 1920, mas, diferentemente dos revolucionários fardados, não tem programa além de uma reforma moral do país".
O certo é que essa investida moralizante insere-se no contexto da regeneração dos positivistas do século XIX, que pretendiam enxotar a representação de interesses como imoral, a fim de deixar unicamente no cenário os legítimos representantes dos interesses sagrados do governo, a nomenclatura cabocla e os seus mandantes, iluminados pela ciência social. Todos sabemos aonde conduzem essas nebulosas elucubrações: a "ditadura científica" dos "puros", que o Brasil já conheceu nos ciclos castilhista, getuliano e do ciclo militar. Tratar-se-ia de jogar a água suja da banheira junto com a criança. Isso a sociedade brasileira não quer.
O que reivindicamos os cidadãos nestes momentos é que haja uma reforma política que reestruture a nossa representação deformada pelas intervenções autoritárias. Uma das intervenções mais desastradas foi a efetivada pelo ditador Getúlio Vargas, que popularizou o slogan de que as eleições são para conscientizar, não para melhorar a representação. Outra intervenção desastrada foi a protagonizada pelo famigerado "Pacote de Abril" do general Geisel, que deformou a representação dando mais representatividade aos Estados atrasados que dependiam dos favores da União, tendo deixado sub-representados os Estados que representavam o Brasil moderno.
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