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terça-feira, 25 de abril de 2017

INDEPENDÊNCIA JUDICIAL E ABUSO DE AUTORIDADE - SÉRGIO FERNANDO MORO - Juiz Federal

O juiz federal Sérgio Moro [Reuters / O Globo]
Amigos, divulgo neste espaço o corajoso artigo do Juiz Federal Sérgio Moro, publicado no jornal O Globo, no dia de hoje 25 de abril de 2017. Divulgo esse importante documento num momento em que setores da classe política tentam inviabilizar a Operação Lava-Jato, mediante uma esdrúxula proposta que tira a independência dos Juízes e de outros funcionários ligados à administração de Justiça. Ora, isso vai contra toda a tradição democrática brasileira que, desde 1897, sob a liderança de Rui Barbosa - como lembra com propriedade o magistrado no seu artigo - firmou a independência do Judiciário, em face das ameaças do Executivo hipertrofiado. Essas ameaças eram proferidas, no século XIX, pelo líder gaúcho Júlio de Castilhos, a fim de manietar o Judiciário em face dos desarranjos institucionais por ele patrocinados no Estado sulino. Hoje, senadores como Roberto Requião e o presidente do Senado Renan Calheiros lideram inglória tentativa nesse mesmo sentido. Só a pressão da opinião pública para fazer frente a essa tentativa de achincalhamento das nossas Instituições Republicanas. Fechemos fileiras com o Juiz Sérgio Moro na defesa da independência do Judiciário.


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As Cortes de Justiça precisam ser independentes. Necessário assegurar que os julgamentos estejam vinculados apenas às leis e às provas e que sejam insensíveis a interesses especiais ou à influência dos poderosos.

A independência dos juízes tem uma longa história. Na Idade Média, os juízes do rei se impuseram, inicialmente, às Cortes locais, estas mais suscetíveis às influências indevidas nos julgamentos. Sucessivamente, os juízes se tornaram independentes do próprio rei e, posteriormente, daqueles que o substituíram no exercício do poder central, o executivo ou o parlamento.

Nos Estados Unidos, a independência judicial foi definitivamente afirmada ainda no ano de 1805 com o fracasso da tentativa de impeachment do juiz Samuel Chase da Suprema Corte. O impeachment foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas foi rejeitado no Senado. Tratava-se de tentativa do então presidente Thomas Jefferson, notável por outras realizações, de obter domínio político sobre a Suprema Corte. O célebre John Marshall, então juiz presidente da Suprema Corte, afirmou, sobre o episódio, que o impeachment tinha por base o equivocado entendimento de que a adoção por um juiz de uma interpretação jurídica contrária à legislatura tornaria-o suscetível ao impeachment. A recusa do Senado, mesmo pressionado pela Presidência, em aprovar o impeachment propiciou as bases da tradição de forte independência das Cortes norte-americanas e que é uma das causas da vitalidade da democracia e da economia daquele país.

No Brasil, a independência das Cortes de Justiça é resultado de uma longa construção, trabalho não de um, mas de muitos.

Seria, porém, injustiça não reconhecer a importância singular de Rui Barbosa nessa construção.

‘Lei precisa de salvaguardas expressas para prevenir a punição do juiz’

Rui Barbosa é um dos pais fundadores da República. Foi o maior jurista e o mais importante advogado brasileiro. De negativo em sua história, apenas o seu envolvimento na política econômica do encilhamento, a confirmar o ditado de que bons juristas são péssimos economistas e vice-versa.

Rui Barbosa assumiu a defesa, no final do século XIX, do juiz Alcides de Mendonça Lima, do Rio Grande do Sul. O juiz, ao presidir julgamento pelo júri, recusou-se a aplicar lei estadual que eliminava o voto secreto dos jurados, colocando estes à mercê das pressões políticas locais.

O então presidente do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, contrariado, solicitou que fosse apurada a responsabilidade do “juiz delinquente e faccioso”. O tribunal gaúcho culminou por condená-lo por crime de abuso de autoridade.

Rui Barbosa levou o caso até o Supremo Tribunal Federal, através da Revisão Criminal nº 215.

Produziu, então, um dos escritos mais célebres do Direito brasileiro, “O Jury e a responsabilidade penal dos juízes”, no qual defendeu a independência dos jurados e dos juízes. Argumentou que um juiz não poderia ser punido por adotar uma interpretação da lei segundo a sua livre consciência. Com a sua insuperável retórica, afirmou que a criminalização da interpretação do Direito, o assim chamado crime de hermenêutica, “fará da toga a mais humilde das profissões servis”. Argumentou que submeter o julgador à sanção criminal por conta de suas interpretações representaria a sua submissão “aos interesses dos poderosos” e substituiria “a consciência pessoal do magistrado, base de toda a confiança na judicatura”, pelo temor que “dissolve o homem em escravo”. Ressaltou que não fazia defesa unicamente do juiz processado, mas da própria independência da magistratura, “alma e nervo da Liberdade”.

O Supremo Tribunal Federal acolheu o recurso e reformou a condenação, isso ainda nos primórdios da República, no distante ano de 1897.

Desde então sepultada entre nós a criminalização da hermenêutica, passo fundamental na construção de um Judiciário independente.

Passado mais de um século, o Senado Federal debruça-se sobre projeto de lei que, a pretexto de regular o crime de abuso de autoridade, contém dispositivos que, se aprovados, terão o efeito prático de criminalizar a interpretação da lei e intimidar a atuação independente dos juízes.

Causa certa surpresa o momento da deliberação, quando da divulgação de diversos escândalos de corrupção envolvendo elevadas autoridades políticas e, portanto, oportunidade na qual nunca se fez mais necessária a independência da magistratura, para que esta, baseada apenas na lei e nas provas, possa determinar, de maneira independente e sem a pressão decorrente de interesses especiais, as responsabilidades dos envolvidos, separando os culpados dos inocentes.

Ninguém é favorável ao abuso de autoridade. Mas é necessário que a lei contenha salvaguardas expressas para prevenir a punição do juiz — e igualmente de outros agentes envolvidos na aplicação da lei, policiais e promotores — pelo simples fato de agir contrariamente aos interesses dos poderosos.

A redação atual do projeto, de autoria do senador Roberto Requião e que tem o apoio do senador Renan Calheiros, não contém salvaguardas suficientes. Afirma, por exemplo, que a interpretação não constituirá crime se for “razoável”, mas ignora que a condição deixará o juiz submetido às incertezas do processo e às influências dos poderosos na definição do que vem a ser uma interpretação razoável. Direito, afinal, não admite certezas matemáticas.

Mas não é só. Admite, em seu art. 3º, que os agentes da lei possam ser processados por abuso de autoridade por ação exclusiva da suposta vítima, sem a necessidade de filtro pelo Ministério Público. Na prática, submete policiais, promotores e juízes à vingança privada proveniente de criminosos poderosos. Se aprovado, é possível que os agentes da lei gastem a maior parte de seu tempo defendendo-se de ações indevidas por parte de criminosos contrariados do que no exercício regular de suas funções.

Há outros problemas na lei, como a criminalização de certas diligências de investigação ou a criminalização da relação entre agentes públicos e advogados, o que envenenará o cotidiano das Cortes.

Espera-se que uma herança de séculos, a construção da independência das Cortes de Justiça, não seja desprezada por nossos representantes eleitos. Compreende-se a angústia do momento com a divulgação de tantos casos de corrupção. Mas deve-se confiar na atuação da Justiça, com todas as suas instâncias, para realizar a devida depuração. Qualquer condenação criminal depende de prova acima de qualquer dúvida razoável. A aprovação de lei que, sem salvaguardas, terá o efeito prático de criminalizar a hermenêutica e de intimidar juízes em nada melhorará a atuação da Justiça nessa tarefa. Apenas a tornará mais suscetível a interesses especiais e que, por serem momentâneos, são volúveis, já que — e este é um alerta importante — os poderosos de hoje não necessariamente serão os de amanhã.


Rui Barbosa também foi Senador da República. É o seu busto que domina o Plenário do Senado. Espera-se que a sua atuação como um dos fundadores da República e em prol da independência da magistratura inspire nossos representantes eleitos.

Um comentário:

  1. Não vejo nada de corajoso. Corajoso seria manter o 03 de maio. Corajoso seria dizer que errou ao permitir 85 testemunhas de defesa para LULA, enquanto exigia a presença ILEGAL dele. Vejo sim um representante de casta se defendendo. Gastou muita lábia para defender-se baseado na história da Justiça, mas não explicou por que essa história gerou castas, e favorecimentos absurdos no Brasil. Por exemplo, como foi que essa história tão exuberante gerou o famoso "vc sabe com quem está falando?". Quanto aos Renans e Requiões é diversionismo. Essa lei foi desenhada por notáveis em 2009, com GM à frente. Ficou engavetada, portanto, durante 6 anos!, por força do lobby das castas que ele tão bem representa. Sim, castas! Ou ele vai negar que está ganhando uma baba fora da lei? Que os procuradores idem? Bastaria ele ter dito que é mentira dos que afirmam, desde 2014, que eles ganham até 3 vezes mais do que o que a lei permite. Sim, Renan desengavetou porque resolveu retaliar! É ação política legítima, na medida em que não tem poder para manter preso, por mais de dois anos sem provar nada! tomando banho gelado em Curitiba, ao arrepio da lei, gente que ele considera suspeita. Depois a pessoa faz uma delação premiada, paga 32 milhões de fiança e vai testemunhar no TSE de Range Rover com motorista!Vão acabar inocentando LULA!MAM

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