Cumprem-se hoje quinze anos da agressão terrorista de Al Quaeda aos Estados Unidos. Essa data marca o início da 3ª Guerra Mundial, que é denominada de "Guerra contra o Terrorismo Islâmico" na qual, hoje, estão embarcadas todas as Nações, ricas, remediadas ou pobres que sofrem, indistintamente, os ataques brutais do Terrorismo Islâmico, diversificado em várias siglas, sendo a mais atuante, nos dias que correm, o denominado Estado Islâmico.
A resposta americana contra os ataques perpetrados pelos terroristas em Nova Iorque e Washington foi rápida e eficaz. Mas, como se trata de uma guerra difusa, o conflito continua. Paralelamente, pelo mundo afora disseminou-se a ideologia do ódio aos Estados Unidos e aos países que reproduziram formas livres de desenvolvimento capitalista, notadamente os pertencentes à Comunidade Européia e às Ilhas Britânicas.
Vale lembrar esta triste data, porque é algo que nos atinge também. A Argentina já foi vítima dos ataques do terror islâmico. E o Brasil hoje se preocupa com essa ameaça, como vimos na decidida resposta dada pelas autoridades ao ser aprovada a legislação antiterror, que possibilitou o rápido desmantelamento da rede nascente de apoio, no nosso país, ao Estado Islâmico, em momentos em que o Brasil recebia delegações esportivas do mundo todo, ao ensejo da Olimpíada do Rio.
Divulgo, a seguir, documento que escrevi em 2001, logo após os atentados do 11 de Setembro. É a minha colaboração para lembrar essa triste data e em homenagem às muitas vítimas do terror islâmico, que se contam aos milhares no mundo desde então.
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A prática da desinformação em que são especialistas os espíritos totalitários
tem espalhado pelo mundo afora a idéia de que a guerra iniciada pelos
americanos contra o terrorismo não tem nenhuma base moral de sustentação. A
ofensiva deflagrada pelo governo do presidente Bush contra os terroristas de Al
Quaeda e os seus colaboradores passou a ser considerada pela mídia a serviço do
totalitarismo como um crime contra a humanidade.
A resposta do governo americano não foi,
porém, decisão isolada da alta administração do Estado. Foi, antes de mais
nada, reação da sociedade americana, profundamente indignada por uma agressão
injusta. Convém analisar as razões de tipo moral em que se alicerçou essa
resposta armada. A melhor explicitação das mesmas está contida na carta que
sessenta reconhecidos intelectuais americanos divulgaram pela imprensa, ao
ensejo dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 contra o povo
estadunidense, com o título de Carta da América.
1) Os
assinantes da Carta da América.- Os assinantes do mencionado
documento, publicado na íntegra por vários jornais nos Estados Unidos e na Europa
(consultei a edição internacional do Le Monde de 23 de fevereiro de
2002), foram os seguintes: Enola Aird (pesquisadora do Institute for American Values e diretora do Motherhood project); John Atlas ( fundador e presidente do National Housing Institute, grupo de
reflexão dedicado ao estudo dos problemas da pobreza, do racismo, do desemprego
e da educação); Jay Belsky (professor e diretor do Institute for the study of children, familics and social issues do Birbeck College, vinculado à
Universidade de Londres); David Blankenhorn (fundador e presidente do Institute for American Values); David
Bosworth (escritor); R. Maurice Boyd
(pastor da Igreja Presbiteriana, em Nova Iorque); Gerard V. Bradley (professor
de direito na Universidade de Notre Dame,
Illinois); Margareth F. Brinig (professora de direito na Universidade de Iowa);
Allan Carlson (presidente do Howard
Center for Family, Religion and Society); Khalia Duràn (redator-chefe da
Revista Transislam Magazine); Paul
Ekman (professor de psicologia no departamento de psiquiatria da Universidade
da Califórnia - São Francisco); Jean Bethke Elshtain (professora de ética
social e política na Universidade de Chicago); Amitai Etzioni (professor de
sociologia da Universidade George Washington); Hillel Fradkin (presidente do Ethics and Public Policy Center); Samuel
G. Freedman (ex-jornalista do New York
Times e professor da escola de jornalismo da Universidade de Columbia);;
Francis Fukuyama (professor de economia política internacional na John Hopkins School of Advanced
International Studies); William A. Galston (professor de teoria política
na School
of Public Affairs da Universidade de Maryland e integrante da equipe de
governo da primeira administração Clinton); Claire Gaudiani (ex-presidenta do Connecticut College e diretora de
pesquisa na faculdade de direito da Universidade de Yale); Robert P. George
(professor de jurisprudência e ciência política na Universidade de Princeton);
Neil Gilbert (professor de ciências sociais na Universidade da Califórnia -
Berkeley); Mary Ann Glendon (professora de direito na Universidade de Harvard);
Norval D. Glenn (professor de sociologia e
estudos americanos na Universidade de Texas - Austin); Os Guinness
(ensaista); David Gutmann (professor emérito de psiquiatria na Northwestern University); Kevin Hasson
(presidente do Becket Fund para a
liberdade religiosa); Sylvia Ann Hewlett (membro da National Parenting Assotiation); James Davison Hunter (professor de
sociologia e estudos religiosos na Universidade de Virginia); Samuel Huntington
(professor de ciências políticas da Universidade de Harvard); Byron Johnson
(diretor do centro de pesquisa sobre a religião e a sociedade civil urbana, na
Universidade da Pennsylvania); James Turner Johnson (professor de religião na
Universidade Rutgers - New Jersey); John Kelsay (professor de religião na
Universidade do Estado da Flórida); Diane Knippers (presidenta do Instituto
Religião e Democracia); Thomas C. Kohler (professor na faculdade de direito do Boston College); Glenn C. Loury (professor
de economia na Universidade de Boston); Harvey C. Mensfield (professor de
ciências políticas na Universidade de Harvard); Will Marshall (membro fundador
e presidente do Progressive Policy
Institute de Washington, entidade que colaborou estreitamente com a
administração Clinton); Richard J. Mouw (professor de filosofia cristã e
presidente do Fuller Theological Seminary);
Daniel Patrick Moynihan (ex-senador pelo Estado de Nova Iorque e professor da
Universidade de Syracuse, N Y); John E.
Murray (professor de direito na Universidade Duquesne - Pennsylvania); Michael
Novak (membro do American Enterprise
Institute); Val J. Peter (diretor executivo de Boys and Girls Town);David Popenoe (professor de sociologia na
Universidade Rutgers - New Jersey); Robert D. Putnam (professor de ciências
políticas na Universidade de Harvard); Gloria C. Rodríguez (fundadora e
presidenta de Avance); Robert Royal
(presidente do Faith and Reason Institute
- Washington); Nina Shea (diretora da Casa da Liberdade do Centro para a Liberdade
Religiosa); Fred Siegel (professor de história); Theda Skocpol (professora de
sociologia na Universidade de Harvard); Katherine Shaw Spath (professora de
direito na Universidade do Estado da Louisiana); Max L. Stackhouse (professor
de ética cristã no Seminário Teológico de Princeton); William Tell Jr. (membro
da Fundação William and Karen Tell);
Maris A. Vinovski (professor de história e de ciências políticas na
Universidade de Michigan); Paul C. Vitz (professor de psicologia na
Universidade de Nova Iorque); Michael Walzer (professor do Institute for Advanced Study de Princeton); George Weigel
(pesquisador do Ethics and Public Policy
Center); Charles Wilson (diretor do Centro de Estudos da Cultura Sulista da
Universidade de Mississippi); James D.
Wilson (professor emérito de administração e ciência política na Universidade
da Califórnia - Los Angeles); John Witte Jr. (professor de direito e ética na
faculdade de direito da Universidade Emory - Georgia); Christopher Wolfe
(professor de ciências políticas na Universidade Marquette - Wisconsin); Daniel
Yankelovich (presidente de Public Agenda).
2) Princípios
gerais.- Democratas
e conservadores moderados, os assinantes da Carta da América
alicerçam-se no princípio liberal, formulado por John Locke no seu Segundo
Tratado sobre o Governo Civil (1689), de que o corpo social pode reagir
contra uma ameaça externa que coloque em risco a sua existência, fazendo, para
isso, uso do "poder federativo" de fazer a guerra. Os assinantes da Carta
deixaram clara essa sua inspiração liberal, com as seguintes palavras, com as
que iniciam a sua declaração: "É às vezes necessário para uma nação se
defender pelas armas. Posto que a guerra é um assunto sério que entranha o
sacrifício de preciosas vidas humanas, a consciência exige que aqueles que a
fazem expressem claramente o arrazoado moral que subjaze aos seus atos, a fim
de que as partes envolvidas e o mundo inteiro sejam advertidos, sem
ambigüidades, dos princípios que defendem".
O arrazoado moral em que os assinantes da Carta
da América se alicerçam para defender a guerra contra os terroristas
que atacaram os Estados Unidos, consta de cinco princípios fundamentais. Esses
princípios, que se aplicam a todas as nações do mundo, sem exceção, são os
seguintes: "1) Todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos e
em dignidade (Declaração Universal dos
Direitos do Homem, ONU, artigo primeiro). 2) O sujeito fundamental da
sociedade é a pessoa humana. Um governo tem como papel legítimo proteger e
garantir as condições do crescimento humano. 3) Os seres humanos são
naturalmente inclinados a buscar a verdade acerca do sentido e do fim último da
vida. 4) A liberdade de opinião e a liberdade de culto são direitos invioláveis
da pessoa humana. 5) Matar em nome de Deus é contrário à fé em Deus. É a maior
traição contra a universalidade da fé religiosa. Nós lutamos por nos
defendermos e por defender esses princípios universais".
3) Os valores
americanos.- Os
assinantes da Carta da América
perguntam por que os Estados Unidos foram atacados no dia 11 de setembro de
2001. Fazer essa pergunta não significa, de forma alguma, que eles não sejam
conscientes das falhas que os Estados unidos têm cometido no seu relacionamento
com os outros países. Os assinantes fazem o seu mea culpa, reconhecendo as deficiências americanas no mundo
globalizado. Eis as suas palavras a respeito: "Reconhecemos que a nossa
nação tem, às vezes, dado provas de arrogância e de ignorância em face de
outras sociedades. A nossa nação tem posto em prática, às vezes, políticas mal
orientadas e injustas. Temos amiúde, enquanto nação, falhado em relação aos
nossos próprios ideais. Não podemos impor princípios morais a outras sociedades
se, ao mesmo tempo, não reconhecemos as
nossas próprias falhas em face desses princípios".
Mas, se a consciência das próprias falhas é
clara para os assinantes da Carta da América, também não deixa
de ser verdade que essa consciência não pode ser alegada pelos inimigos dos
Estados Unidos para que sejam atacados cidadãos americanos indefensos. A
respeito, os signatários afirmam: "Nós estamos unanimemente convictos (e
seguros, por isso, de que seremos aprovados por todos os homens de boa vontade
no mundo), de que a alegação de tal ou qual falta específica em matéria de
política externa não pode, em caso nenhum, justificar, nem sequer servir de
argumento válido para validar o massacre massivo de inocentes".
Ora, consideram os assinantes da Carta
da América, os motivos alegados pelos terroristas que perpetraram os
atentados de 11 de setembro, não se prendem a uma determinada exigência em
matéria de política internacional. O chefe de Al Qaeda definiu os "ataques
benditos" de 11 de setembro, como golpes desferidos contra a América
"capital do mundo dos infiéis".
Em relação a esse fato, os assinantes frisam que "é preciso, pois,
deduzir que os nossos agressores visam não somente o nosso governo mas a nossa
sociedade toda inteira, o nosso modo de vida em geral. Na realidade, os seus
ataques se endereçam fundamentalmente não ao nosso governo, mas àquilo que
somos".
Se os Estados Unidos foram atacados pelos
fundamentalistas islâmicos por aquilo que os cidadãos americanos representam,
os signatários da Carta da América consideram necessário explicitar a ordem de
valores que constitui a base da cidadania americana. Tal base axiológica,
advertem os intelectuais signatários da Carta, pode ser enxergada de dois
ângulos: ou do ponto de vista das deformações sociológicas sofridas pelos
valores fundantes, ou do ângulo da primordial expressão dos mesmos.
Ainda que seja desagradável, consideram os
signatários, é necessário encarar essas deformações, a fim de corrigi-las. Eis
as palavras com que eles traduzem essa dolorosa tomada de consciência dos
anti-valores que terminaram se instalando na sociedade americana: "Então o
que somos? Quais são os nossos valores?
Alguns, compreendidos aí numerosos americanos e especialmente vários
signatários desta Carta, consideram que certos valores americanos são pouco
atraentes, rejeitáveis até. O consumismo como modo de vida. A liberdade
entendida como ausência de regras. A idéia de que o indivíduo é o seu próprio
dono, se faz a si mesmo e não deve nada a ninguém, ou quase. O afrouxamento dos
laços do casamento e da vida de família. Para não mencionar a enorme teia de
comunicações e de produtos culturais de toda espécie que enaltece sem medida
esses valores, quer sejam bem ou mal realizados, e os difunde em quase todos os
cantos do mundo".
Mas, consideram os signatários da Carta,
essa não é a essência axiológica da cultura americana. Os princípios basilares
da mesma são outros e foram os que inspiraram aos criadores da República dos
Estados Unidos da América, no rico período em que se estruturaram as
instituições desse país, entre 1776 e 1787. Quatro são esses princípios: o
primeiro consiste na convicção de que a dignidade humana é um direito inato de
toda pessoa, a qual, em conseqüência,
deve ser tratada sempre como fim e nunca como meio. Eis a forma em que
os assinantes da Carta explicam o alcance desse princípio: "Os fundadores dos
Estados Unidos, se alicerçando na tradição da lei natural, bem como sobre a
asserção religiosa fundamental segundo a qual todos os homens foram criados à
imagem de Deus, consideraram como evidente
em si a noção de igual dignidade para todos. A expressão política mais
autêntica dessa crença numa dignidade humana transcendente, é a democracia. A
sua expressão cultural mais fiel tem sido, para as gerações recentes nos
Estados Unidos, a reformulação e o alargamento do princípio da igual dignidade
de todas as pessoas, independentemente de seu sexo, raça ou da cor da sua
pele".
O segundo princípio básico da cultura
americana consiste na convicção de que há verdades morais universais (que os
fundadores dos Estados Unidos chamaram de leis
da natureza e da natureza de Deus) e que essas verdades se aplicam a todos.
A respeito, os signatários da Carta frisam: "Os testemunhos
mais eloqüentes da nossa fidelidade a essas verdades encontram-se na nossa
Declaração de independência, no discurso de despedida de George Washington, o
discurso de Gettysburg e no segundo discurso de posse de Abraham Lincoln, bem
como na carta da prisão de Birmingham do Dr. Martin Luther King".
O terceiro princípio é a convicção de que,
sendo imperfeito o nosso conhecimento individual e coletivo da verdade,
"os desacordos sobre esses valores devem ser discutidos com civilidade e
tolerância, tendo como base a fé numa argumentação razoável".
O quarto princípio consiste na defesa da
liberdade de opinião e da liberdade de culto. Essas liberdades decorrem da
dignidade humana e são condição necessária para a realização das outras
liberdades cidadãs. A respeito da universalidade com que devem ser defendidas
as mencionadas liberdades, os assinantes da Carta escrevem:
"Para nós, o que esses valores possuem de mais sedutor, consiste em que
eles se aplicam a todos sem distinção e não podem, em conseqüência, serem
utilizados para negar a ninguém o respeito à sua raça, à sua língua, à sua
memória, à sua religião. É por isso que todo mundo pode, em princípio, virar
americano. Em princípio e de fato. Gentes acodem de todas partes ao nosso país
para, como reza a inscrição numa estátua no porto de Nova Iorque, poder
respirar livremente, e muito rápido convertem-se em americanos. Nenhuma outra
nação na História forjou desse jeito a sua identidade - a sua Constituição, os seus textos
fundamentais e ainda a sua própria percepção
- sobre a base de valores
humanos tão universais. Para nós, esse fato formata tudo neste país".
Os signatários da Carta frisam que, para alguns,
esses valores são apenas patrimônio do ocidente, estando as outras nações
dispensadas de respeitá-los. Culturas diferentes da denominada "ocidental
cristã" possuiriam outras prioridades, e seria uma violência intolerável
pretender que compartilhassem os princípios expostos. Os signatários não
concordam com esse ponto de vista. A propósito, afirmam, salientando a base
comum de princípios morais válidos para toda a humanidade: "Cremos que
todos os homens foram criados iguais. Cremos que a liberdade humana é universalmente possível e desejável. Cremos
que certas verdades morais fundamentais são reconhecidas em todos os lugares do
mundo. Concordamos com a assembléia internacional de eminentes filósofos que,
no final dos anos 40, participaram da redação da Declaração Universal dos
direitos do homem da ONU e concluíram que certas idéias morais expandiram-se de
tal forma, que elas podem ser
consideradas como inerentes à natureza do homem enquanto membro de uma
sociedade". Os autores da Carta crêem firmemente, com Martin
Luther King, que o ideal da justiça deve brilhar não apenas para alguns, mas
para todos. Aquilo que é considerado melhor nos chamados valores americanos, não é patrimônio exclusivo do povo dos Estados
Unidos, mas constitui, também, "a herança comum da humanidade, sendo,
portanto, fundamento possível da esperança numa comunidade mundial alicerçada
na paz e na justiça".
4) A questão
de Deus.- Em
face dos atos terroristas de 11 de Setembro, perpetrados à sombra da idéia de
"guerra santa", os signatários da
Carta da América consideram que se trata de uma utilização
ilegítima dos princípios religiosos. "Estamos unanimemente convencidos de
que a invocação do nome de Deus para matar ou maltratar seres humanos é imoral
e contrária à fé em Deus". As idéias de "guerra santa" ou
"cruzada" constituem não somente uma violação dos princípios
fundamentais da justiça, como também a negação da própria fé religiosa, pois
"transforma Deus em ídolo a serviço dos projetos humanos".
Os signatários da Carta consideram que a
dimensão religiosa é uma variável fundamental da vida humana, mas que constitui
um espaço não manipulável politicamente, em virtude do caráter transcendente da
própria religião. A propósito, é lembrada a afirmação do presidente Abraham
Lincoln: "Os caminhos do Senhor são impenetráveis". As guerras de religião, que já dilaceraram as
sociedades européias ao longo de séculos, tendo dado ensejo ao enorme fluxo
migratório que formou a população americana, são uma nódoa que afetou a
autenticidade da vivência religiosa. Voltar a pregar, nos dias que correm, a
"jihad" ou a "guerra santa", é querer fazer andar para trás
o relógio da história.
A pessoa humana, consideram os signatários da
Carta,
inclina-se, pela sua natureza, ao desenvolvimento do saber. "Avaliar,
escolher, determinar as razões pelas quais queremos o que queremos, isso é
próprio do homem. Para que nascemos? O
que nos acontecerá após a morte? Eis um conjunto de questões colocadas por essa
necessidade intrínseca de saber, que nos leva a nos perguntarmos pelos fins
últimos, notadamente pela existência de Deus".
Embora alguns dos signatários da Carta
não se confessem religiosos e outros achem que o homem é, por essência,
religioso, todos, no entanto, "reconhecem que a fé e as instituições
religiosas são, aqui e acolá, no mundo, importantes bases da sociedade civil
que têm produzido amiúde resultados benéficos e apaziguadores, mas que por
vezes têm sido também fatores de divisão e de violência". Em face desse fato, os signatários da Carta
se perguntam acerca das relações entre religião e política. Os signatários
consideram que há três posições que não devem ser aceitas: em primeiro lugar, a
dos que apregoam a repressão legal à religião; em segundo lugar, a dos que
consideram que deve ser adotada uma ideologia laica, que acobertaria um
ceticismo explícito ou uma real hostilidade contra a religião, pressupondo que
a explicitação pública desta acarretaria problemas sociais; em terceiro lugar,
a posição dos que apregoam a defesa pura e simples da teocracia, ou seja, a
instauração de uma única religião considerada como a verdadeira e que deveria
ser imposta a todo o corpo social pelo Estado, que passaria a financiá-la.
Em relação à primeira atitude, os signatários
da Carta
consideram que "a repressão legal implica num atentado às liberdades
públicas", sendo, portanto, "incompatível com uma sociedade
democrática". Em relação à segunda atitude, os signatários destacam que
"embora a ideologia laica pareça cada vez mais, na nossa sociedade, ganhar
a adesão das novas gerações, a desaprovamos porque ela vai contra a
legitimidade de uma parte importante da sociedade civil e tende a negar a
existência do que se pode considerar, com alguma razão, como uma dimensão
importante da pessoa humana". Quanto à atitude que defende a teocracia, os
signatários acham que deve ser rejeitada por razões sociais e teológicas. A respeito, frisam: "Socialmente, a
religião de Estado opõe-se à liberdade de culto, um direito fundamental do homem.
De outro lado, um controle estatal da religião tem o risco de exacerbar
conflitos religiosos e, mais grave ainda, ameaça a vitalidade e a autenticidade
das instituições religiosas. Teologicamente, mesmo para os fiéis firmemente
convictos da verdade da sua fé, a coerção em matéria religiosa é, definitivamente,
uma violação da religião mesma, pois priva aos outros do direito de responder
livre e dignamente ao convite do Criador".
Os signatários da Carta destacam os
princípios fundamentais que desde o início da República Americana têm presidido
às relações entre fé e política: o fundamental pressuposto deles é a separação
entre ambas as instâncias, bem como a defesa incondicional da liberdade dos
indivíduos em face do Estado e da tradição. Eis o seu arrazoado: "A
sociedade americana, no que ela tem de melhor, empenha-se em proceder de forma
que fé e liberdade caminhem paralelamente, cada uma enaltecendo a outra. Nós
temos um regime laico - os nossos
dirigentes políticos não são dirigentes religiosos - mas a nossa sociedade é de longe a mais
religiosa do mundo ocidental. A nossa nação respeita profundamente a liberdade
e a diversidade religiosa, compreendidos aí os direitos dos não crentes, mas
proclama nos seus tribunais e inscreve sobre cada uma de suas moedas a divisa: In God We Trust. Politicamente, a nossa
separação de Igreja e Estado visa a manter a política na sua própria esfera,
limitando o poder de intervenção do Estado nos assuntos religiosos e obrigando
assim o governo a alicerçar a sua legitimidade e os seus atos sobre bases
morais que ele próprio não inventou. Espiritualmente, a nossa separação entre
Igreja e Estado permite à religião ser religião, separando-a do poder
coercitivo do governo. Em resumo, esforçamo-nos por separar Igreja de Estado
para garantir a proteção e a vitalidade de uma e de outro".
5) A questão
da guerra justa. Princípios fundamentais.- A guerra, como manifestação da violência
humana, é um evento que causa perplexidade. Esta enraíza-se na natureza humana,
de forma que é impossível contemplar o mundo em preto e branco, como se uma
nação encarnasse o bem e outra o mal, ou como se houvesse uma religião positiva
e outra absolutamente negativa. Toda guerra é algo terrível e representa uma
falência das negociações diplomáticas. Mas essa perplexidade não significa que
seja impossível realizar uma aproximação racional do fenômeno bélico. A
respeito, os signatários da Carta da América frisam: "No
entanto, a razão e uma reflexão moral atenta ensinam-nos que, em face do mal, a
melhor resposta consiste em acabar com ele. Segue-se daí que a guerra é não
somente permitida do ângulo moral, mas também é moralmente necessária, para
responder a ignominiosas demonstrações de violência, de ódio e de injustiça. É
o caso presente".
Os signatários distinguem quatro
posicionamentos básicos em face da guerra, quando ela é analisada dos pontos de
vista intelectual e moral. O primeiro consiste na denominada posição realista dos que acham que "a
guerra é fundamentalmente uma questão de poder, de interesse, de necessidade,
de sobrevivência, que descarta portanto a análise moral abstrata". O
segundo posicionamento é o dos que sustentam a idéia de guerra santa, alicerçada na "crença de que Deus autoriza a
repressão e o assassinato dos infiéis", ou dos que acreditam que o domínio
de "uma ideologia laica particular autoriza a repressão e a eliminação dos
incrédulos". O terceiro posicionamento consiste na atitude pacifista, para a qual vale "a
crença de que toda guerra é intrinsecamente imoral". O quarto
posicionamento é o dos que defendem o conceito de guerra justa e consiste na crença "de que a razão moral
universal, denominada também de lei moral natural, pode e deve se aplicar à
guerra". O grupo dos assinantes da Carta da América, no seu conjunto, é
inclinado a se posicionar a favor da quarta atitude, rejeitando de forma
explícita as duas primeiras posições. Alguns dos signatários são, no entanto,
simpáticos ao terceiro posicionamento que defende a atitude pacifista.
Seis princípios gerais são lembrados pelos
signatários, em relação à questão da guerra
justa: a) Não há neutralidade moral em face da guerra. A respeito, afirmam:
"O fato de não levar em consideração a moral em face da guerra, já é, em
si, uma posição moral; aquele que rejeita a razão aceita a não regulamentação
das relações internacionais e capitula em face do cinismo. Fazer entrar a
guerra no quadro de um raciocínio moral objetivo, é tentar fundar a sociedade
civil e a comunidade internacional sobre a justiça".
b) Não se pode aceitar as guerras de agressão
ou de conquista. "Os princípios da guerra justa ensinam-nos que as guerras
de agressão e de conquista não são aceitáveis jamais. Não existe o direito de
fazer a guerra para engrandecimento do próprio país, para vingar erros
passados, para conquistar territórios ou por qualquer outro motivo não justificável".
c) O princípio básico que justifica a guerra
é o da defesa do inocente. A respeito, os signatários da Carta frisam: "A
primeira justificativa moral da guerra é a proteção do inocente contra o mal.
Santo Agostinho, cuja obra A cidade de Deus é uma contribuição
essencial sobre a guerra justa, sustenta (se fazendo eco de Sócrates) que, para
o cristão, é melhor suportar o mal do que cometê-lo. Mas a renúncia à
autodefesa, que é uma decisão pessoal, pode ser moralmente imposta a outra
pessoa? Para Santo Agostinho e para a maior parte dos outros defensores da
guerra justa a resposta é não. Se possuirmos a prova indubitável de que um
recurso à força pode impedir o massacre de inocentes incapazes de se defenderem
por si próprios, então o princípio moral do amor ao próximo manda-nos recorrer
à força".
d) A guerra deve ser deflagrada em última
instância, quando os meios pacíficos para evitá-la foram esgotados. "Não
se pode legitimamente fazer a guerra quando o perigo é mínimo, duvidoso, de
conseqüências incertas ou pode ser superado pela via da negociação, ou por meio
do apelo à razão, pela mediação de uma terceira parte ou por outros meios não
violentos".
e) A guerra somente é justa se for deflagrada
contra combatentes, jamais contra populações civis indefensas. A propósito deste ponto, os signatários da Carta
frisam: "Os que defendem a guerra justa ao longo da história, em todos os
lugares do mundo (quer sejam muçulmanos, judeus, cristãos, fiéis de outras
religiões ou laicos), têm apregoado sempre a imunidade dos não combatentes. Em
outros termos, matar civis por espírito de vingança, ou mesmo para dissuadir
eventuais agressores partidários da sua causa, é uma falta moral (...) É
moralmente inaceitável considerar a morte de não combatentes como objetivo operacional
de uma ação militar".
f) Necessidade de reconhecer sempre o caráter
inviolável da vida humana. A respeito, os signatários consideram que "cada
vez que seres humanos tencionam ou deflagram uma guerra, é ao mesmo tempo
possível e necessário que afirmem o caráter sagrado da vida humana, bem como o
princípio da igual dignidade de todos os homens". Deve ser lembrada sempre
"a verdade moral segundo a qual os
outros, ou seja, aqueles que são estranhos para nós, que diferem de nós
pela raça ou pela língua, cuja religião pode nos parecer errada, têm, tanto
quanto nós, o direito de viver e são portadores da mesma dignidade humana e dos
mesmos direitos em geral".
6) Julgamento
acerca dos atos terroristas e conclusão.- Os signatários da Carta passam, na parte
final do documento, a julgar acerca dos fatos acontecidos. Lembram que em 11 de
setembro de 2001 um grupo de indivíduos atacou deliberadamente os Estados
Unidos, utilizando aeronaves comerciais como armas para assassinar pelo menos 3
mil cidadãos indefensos em New York, Pennsilvânia e Washington. "Os que
morreram nessa manhã - frisam os signatários - foram cobardemente eliminados, a
esmo e com premeditação, ou seja, em termos jurídicos, assassinados. Entre
esses mortos havia gentes de todas as raças, de diversas etnias, de quase todas
as religiões. Havia, outrossim, tanto garis quanto diretores de empresas".
Ora, os assassinos não detinham nenhum tipo
de poder que legitimasse a sua ação. Mas também não agiram sozinhos. Eles
pertenciam a uma organização islamista internacional, enraizada em alguns
países e que respondia ao nome de Al-Qaida. Eles agiram com a conivência de
alguns governos e proclamaram abertamente a sua disposição de utilizar
quaisquer meios, inclusive assassinatos massivos, para atingir as suas
finalidades.
Os signatários deixam claro que utilizam os
termos islã e islâmico para se referirem a uma das maiores religiões do mundo,
com mais de um bilhão de fiéis, entre os quais se contam milhares de
americanos. Trata-se de uma respeitável confissão religiosa, pacífica y cujos
seguidores são pessoas honestas. Difere essencialmente dela o grupo de
terroristas que utiliza uma falsa imagem desse credo para perpetrar os seus
crimes. Os signatários reservam os termos
islamismo e islamista radical
para se referirem aos membros de Al-Qaida e seus simpatizantes. Ressaltam, de
outro lado, o caráter bárbaro desses terroristas, que pretendem negar os
fundamentos da civilização ocidental e do mundo moderno. As suas palavras são
duras e vale a pena repeti-las: "Esse movimento violento e radical opõe-se
não somente a uma certa política americana e ocidental - vários signatários desta Carta
opõem-se também a ela em parte - mas
opõem-se ainda ao princípio fundador do mundo moderno, a tolerância religiosa,
bem como aos direitos fundamentais do homem, especialmente à liberdade de
religião e de culto, inscritos na Declaração universal dos direitos do homem
da ONU, e que devem ser a base de toda civilização orientada ao
aperfeiçoamento do homem, à justiça e à paz".
A filosofia que anima a esses terroristas,
identificada com o menosprezo pela vida humana "ao conceber o mundo como
uma luta a morte entre crentes e infiéis (sejam estes muçulmanos não radicais,
judeus, cristãos, hindus e outros), nega claramente a igual dignidade de todas
as pessoas e, fazendo isso, trai a religião e rejeita o fundamento mesmo da
vida civilizada e a possibilidade de paz entre as nações". A ameaça dessa
falsa filosofia é tanto mais grave, quanto que os terroristas inspirados por
ela mostram-se dispostos a utilizar todos os recursos da tecnologia de
destruição massiva para atingir os seus objetivos. Dessa forma, os terroristas
de Al-Qaida representam, hoje, uma ameaça não apenas para americanos e
europeus, como também para todos os seres humanos que não compartilhem os seus
diabólicos pontos de vista.
Assim concluem os signatários da Carta
da América: "Assassinos organizados, infiltrados no mundo inteiro
ameaçam-nos a todos hoje em dia. Em nome da moral universal e plenamente
conscientes das restrições e exigências da guerra justa, apoiamos a decisão do
nosso governo e da nossa sociedade de
utilizar contra eles a força armada". Mas os intelectuais americanos são
conscientes de que a sociedade civil deve permanecer vigilante, a fim de que os
limites da guerra justa não sejam ultrapassados. Eles consideram que devem se
engajar nesse esforço de vigilância de forma clara e diuturna.
"Comprometemo-nos a fazer todo o possível
para evitar as desastrosas tentações (arrogância e chauvinismo
principalmente), às que as nações em guerra parecem se render tão
freqüentemente". E vislumbram uma luz de esperança no final de todo esse
conturbado episódio que deu início paradoxal ao novo milênio: "Esperamos
que esta guerra, pondo fim a um flagelo mundial, poderá fazer aumentar as
possibilidades de alicerçar a comunidade mundial na justiça".
Terminam fazendo um apelo aos "irmãos e
irmãs das sociedades muçulmanas", no sentido de que deponham os ânimos
agressivos e preconceituosos em face dos americanos. Eis as palavras finais dos
signatários da Carta: "Nós não
devemos ser inimigos. Temos muitos pontos em comum. Temos tantas coisas a fazer
conjuntamente. A vossa dignidade humana, não menos do que a nossa, o vosso
direito a uma bela vida, não menos do que o nosso, eis aquilo pelo qual
acreditamos combater. Sabemos que alguns dentre vós desconfiam enormemente de
nós e sabemos que somos, nós Americanos, em parte responsáveis por essa
desconfiança. Mas não devemos ser inimigos. Esperamos poder agir com vós e com
todos os homens de boa vontade na construção de uma paz justa e
duradoura".