Dizia Benjamin Constant no seu clássico livrinho Princípios
de Política que as ideias têm consequências. Uma defeituosa definição
do que é democracia, por exemplo,
pode nos conduzir ao contrário do que pretendemos e dar ensejo ao despotismo.
Em momentos de grande turbulência social, faz-se necessário lembrar o sentido
das palavras. É o que Constant pretendia fazer com o seu livro, que foi
redigido ao ensejo das tensas jornadas que preencheram os “cem dias”, aquele
período em que o Imperador Napoleão, deposto e preso na Ilha de Elba, fugiu do
seu cativeiro e deu a volta por cima, voltando ao poder. Silvestre Pinheiro
Ferreira, o nosso bravo pensador do liberalismo no início da trajetória do
Brasil independente, fez algo semelhante entre 1813 e 1819, ao redigir as suas Cartas
sobre a revolução brasileira, dirigidas a Dom João VI, nas quais, à
maneira de Constant, fixava o sentido exato das palavras e elaborava a proposta
que deu ensejo à passagem da monarquia absoluta para a constitucional.
Nos atuais momentos de confusão tanto nas ruas quanto nos
gabinetes oficiais, é imprescindível que nos tomemos o trabalho de definir
claramente as ideias. A primeira coisa consiste em identificar os modelos de
governança que estão sobre o tapete. Dois arquétipos, a meu ver, contrapõem-se
subliminarmente na presente conjuntura. O primeiro, inspirado em Jean-Jacques
Rousseau, entende o poder como questão de unanimidade e a política como a forma
de tornar realidade esse ideal. Nesta proposta não há limites para a soberania
do povo, que seria absoluta.
O segundo, inspirado em John Locke, entende o poder como
dissenso necessário entre os vários tipos de interesses presentes na sociedade,
para, a partir daí, construir as instituições num grande processo de consensos.
A questão da soberania do povo é limitada à representação dos seus interesses
materiais no Legislativo. Mas a soberania tem limite e não pode açambarcar a totalidade
da vida das pessoas. Os estudiosos filiam o primeiro modelo a Platão e à sua
tentativa de construir a pólis com
fundamento na unanimidade, a ser implantada pela ação reguladora do rei filósofo.
O segundo modelo estaria mais do lado de Aristóteles e da política do possível
na politéia, que buscava o justo meio,
na estruturação de uma denominada pelo Estagirita classe média.
Ora, para Rousseau a “felicidade geral da nação” depende da
construção da unanimidade e do banimento do dissenso. É sabido que tal modelo
inspirou a grande tsunami dos tempos modernos, a Revolução Francesa, com a sua sequela
de terror e de cabeças cortadas com eficiência pela guilhotina. Tal é o modelo
de que se louvaram as várias revoluções populares levadas a efeito pelos
bolcheviques na Rússia e pelos comunistas na China e alhures, ao longo do
século XX. É o arquétipo que encantou aos petistas e que, no âmbito
latino-americano, tomou carona na “revolução bolivariana” do finado coronel
Chávez, na Venezuela. Diante do clamor das ruas, a presidente Dilma, seguindo a
pauta traçada pelo diretório petista, apresenta mais do mesmo que o PT tem dado
aos brasileiros ao longo da última década: a hegemonia partidária, construída
em assembleias sem fim que já chegam votadas pela militância e em discussões
que propõem o plebiscito que dará origem a todos os entendimentos de que o país
carece.
Ora, sabemos sobejamente que o que o governo propõe é farinha
do mesmo saco de evidências totalitárias. Os espíritos que buscam a unanimidade
propõem sempre essa tal consulta popular, como na Cuba de Fidel ou no Segundo
Império francês presidido pelo corrupto Luís Bonaparte, que se tornou eficiente
administrador de “plebiscitos” ou “consultas diretas à população”. O próprio
Rousseau, aliás, no oitavo capítulo do seu Contrato Social, assinalava o caminho das
pedras para a conquista da unanimidade: a consulta plebiscitária, na qual, o
Legislador que governa, mediante perguntas habilmente formuladas, consegue que
o povo diga o que ele quer. Como a convicção fundamental é a de que o melhor
para todos consiste na unanimidade ao redor de quem governa, qualquer meio para
conseguir esse estado de entropia coletiva é válido: desde o terrorismo de
Estado até o plebiscito.
Não nos enganemos. O que os milhares de jovens e cidadãos de
todos os matizes disseram nas ruas na última semana de Junho é que estão
cansados da monocórdia proposta petista de buscar, em tudo, a hegemonia
partidária, colocando o Brasil como simples apêndice do PT. O que o milhão e
meio de brasileiros que se manifestaram queriam era o fim da hegemonia partidária,
bem como a busca por um entendimento real entre os variados interesses que
compõem a Nação brasileira. Ou o governo da presidente Dilma realmente escuta a
voz dos cidadãos deste país ou abrirá a porta para um clima de instabilidade
ainda pior.
É claro que no núcleo duro do PT já está pronta a saída se as
coisas não derem certo: Lula já! Mas será que os alquimistas do Partido já chegaram
à convicção de que esse medicamento, pior do que a doença, é o que a sociedade
brasileira quer?
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