Alexis de Tocqueville (1805-1859) |
O Brasil vive,
atualmente, tempos de incerteza, decorrentes da crise das instituições
republicanas e do fato de as mentes e as vontades das pessoas não estarem
coadunadas ao redor de um projeto efetivamente democrático, que salvaguarde a
liberdade dos cidadãos. As manifestações que tomaram conta das ruas e praças
das nossas cidades, no final de Junho, revelam a insatisfação crescente da
população, em face da forma pouco transparente de gestão dos negócios públicos
e da não correspondência dos políticos, nas suas ações, às expectativas da
Nação. A sensação é de perplexidade perante o desconhecido e da agitação que
ainda perturba os espaços públicos de algumas cidades, tomadas por uma malta de
agitadores profissionais que visam a semear o desconcerto, mediante a prática
da violência e o vandalismo. Nestes tempos de incerteza, é recomendável
revisitar o pensamento dos clássicos do liberalismo, pois eles elaboraram
propostas que visavam a responder à insatisfação social, defendendo a liberdade.
Isso se torna mais necessário, levando em consideração os cantos de sereia dos
totalitários de plantão, que tentam aproveitar as manifestações de insatisfação
para colocar em prática conhecidos esquemas de poder total. Esses totalitários,
o que é mais grave, ocupam posições de comando no atual governo e não são novas
as suas tentativas de implantar, por vias transversas, as soluções despóticas
que sempre alimentaram.
Alexis de
Tocqueville legou-nos, na sua vasta obra, um escrito que foi elaborado em
circunstâncias bem semelhantes às que vive atualmente o Brasil. A obra Lembranças
de 1848 – As jornadas revolucionárias em Paris (São Paulo: Companhia
das Letras, 2011), efetivamente, foi escrita no contexto da agitação
revolucionária que tomou conta das ruas da capital francesa no final do reinado
de Luís Filipe e que marcou o começo do ciclo de instabilidade que levaria à
implantação da Segunda República. Todo esse complexo processo desaguou, como se
sabe, no regime despótico de Luís Napoleão e na agitação que posteriormente varreu
a França, ao ensejo da Comuna de Paris (1870). As reflexões tocquevillianas são
interessantes, pois valem, ao mesmo tempo, como um caminho a ser trilhado por
quem defende a liberdade e como uma agenda para os homens públicos afinados com
os interesses dos seus concidadãos. Lembremos que, em 1848, o pensador francês
desempenhava as funções de deputado na Assembleia Nacional.
Em primeiro
lugar, Tocqueville achava que a agitação, quando se torna generalizada, assume
um caráter indefinido. A propósito, escrevia: “Em um motim, tal qual em um romance,
o mais difícil é inventar o final” (p. 95).
Em segundo
lugar, recomendava que, em momentos de agitação revolucionária, os homens públicos
de bem permanecessem nos seus lugares, justamente para garantir um princípio de
ordem no meio à tormenta social. Ameaçada a sede do Legislativo pelas turbas inflamadas,
Tocqueville correu apressado, para ocupar o seu escaninho no Parlamento francês.
Decisão arriscada para quem, como ele, representava uma posição minoritária de
defesa da liberdade ameaçada pelos ultraconservadores que queriam uma volta ao
absolutismo monárquico e pelos revolucionários, herdeiros dos jacobinos, que se
diziam representantes das massas. A propósito, escrevia Tocqueville: “Depois de
ter observado por um instante esta sessão extraordinária, apressei-me em ocupar
o meu lugar costumeiro nos bancos altos do centro esquerdo; sempre tive por
máxima que, em momentos de crise, não só é necessário estar presente na assembleia
da qual se faz parte como também é preciso manter-se no lugar onde
habitualmente se é visto” (p. 88).
Em terceiro
lugar, Tocqueville achava que, em momentos de agitação generalizada, era
necessário defender aquela instituição que deveria representar
institucionalmente o povo, ou seja, o poder legislativo. Diante da pergunta do
seu amigo Beaumont que indagava: “Quem pensa na Câmara? Para que pode servir e a
quem pode prejudicar nesta situação?” Tocqueville escreve: “Achei que ele
estava errado ao pensar daquela forma e, com efeito, estava. Era verdade que,
naquele momento, a Câmara estava reduzida a uma singular impotência, com sua
maioria desprezada e sua minoria ultrapassada pela opinião do momento. Mas
Beaumont esquecia-se de que é sobretudo em tempos de revolução que as menores
instituições do direito – e mais: os próprios objetos exteriores - adquirem a máxima importância, ao recordar ao
espírito do povo a ideia da lei; pois é principalmente em meio à anarquia e ao
abalo universais que se sente a necessidade de apego, por um momento, ao menor
simulacro de tradição ou aos laivos de autoridade, para salvar o que resta de
uma Constituição semidestruída ou para acabar de fazê-la desaparecer completamente”
(p. 86).
Em quarto
lugar, o pensador francês considerava que não se podem reduzir os fatos sociais
a uma única causa, como se fossem simples charadas fáceis de resolver; mas, por
outro lado, achava que estavam errados aqueles que atribuíam total
irracionalidade ao processo histórico. O primeiro defeito era o dos
intelectuais; o segundo, o dos políticos. “De minha parte, escrevia
Tocqueville, detesto os sistemas absolutos, que tornam todos os acontecimentos
da história dependentes de grandes causas primeiras, ligadas entre si por um
encadeamento fatal, e que eliminam, por assim dizer, os homens da história do
gênero humano. (...) Creio (...) que muitos fatos históricos importantes só
podem ser explicados por circunstâncias acidentais e que muitos outros são
inexplicáveis; e enfim que o acaso (...) tem um grande papel em tudo aquilo
que, de antemão, já não esteja preparado. Os fatos anteriores, a natureza das
instituições, a dinâmica dos espíritos e o estado dos costumes são os materiais
com os quais o acaso compõe os improvisos que nos assombram e nos assustam” (p.
104).
Foi boa a reflexão professor Ricardo e bem a propósito a menção de Tocqueville. Vejo, também, outra tese dele: a tirania da maioria, exercida aqui no Brasil pelo PT E PMDB e aliados. Era preciso um basta. Agora, depois desta sacudida, está na hora de garantir as instituições democráticas e isto virá, penso, fazendo a reforma política. Entendo que se torna urgente o voto distrital para por um fim à tirania da maioria.
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