Acerca da
Política, a meditação ocidental elaborou, ao longo dos últimos 2500 anos, dois
modelos que foram sistematizados, inicialmente, por dois gênios da reflexão
filosófica: Platão e o seu discípulo Aristóteles. Segundo a concepção
platônica, expressa no diálogo A República, a política ideal consiste na unanimidade de
todos ao redor do rei filósofo, que é quem pensa pelo todo social.
Segundo
Aristóteles, no entanto, não existe política ideal, mas apenas possível. A
essência da política radica num fato importante: o ponto de partida do homem,
nas suas relações em sociedade, é o dissenso, correspondente às variadas ordens
de interesses que movimentam os indivíduos, sendo impossível se pensar, de
entrada, numa situação de unanimidade. A política consiste, segundo Aristóteles
deixou sistematizado na sua obra A
Política, na realidade do convívio humano. Ela é garantida mediante a formulação
de consensos, a fim de identificar aqueles interesses que são válidos para
todos, o que implica, evidentemente, numa negociação entre os interesses
individuais divergentes. O papel do político profissional seria, para o
Estagirita, o de mediador na busca de consensos a partir da diversidade de
interesses presentes na sociedade. Não se trataria, portanto, de uma entropia
em que ninguém dissente. Trata-se, para Aristóteles, de uma unidade viva, em
que a construção de consensos não pára e o diálogo entre os indivíduos é
essencial na caminhada rumo à finalidade buscada, o caminho para o convívio
pacífico em sociedade.
No mundo
moderno, essa visão dicotômica, a platônica e a aristotélica, encontrou fiéis
seguidores. O mais importante seguidor do modelo platônico da unanimidade ao
redor do Rei Filósofo, foi, no século XVIII, o filósofo genebrino Jean-Jacques
Rousseau, que considerava ser a empresa política uma grande obra de construção
da unanimidade. Nas democracias de massas que passaram a substituir as
comunidades isoladas da Idade Média, o segredo consistiria, pois em como
construir a unanimidade. Rousseau dá a dica na sua obrinha intitulada: Do
contrato social, onde, no capítulo VIII, o filósofo diz como se
constrói aquela: o “comitê de salvação pública” identificado com “os puros”,
aqueles que renunciaram à defesa dos mesquinhos interesses individuais,
constrói a unanimidade mediante o terror do Estado, apropriado por eles. Quem
divergir deve ser eliminado, como alguém que conspira contra a felicidade
geral. Essa é a dica para organizar solidamente o poder na modernidade. Ou
seja, abre-se a porta para o modelo totalitário, que terminou florescendo no
mundo no “curto século XX”, com os totalitarismos comunista e nazifascista. O
caminho seria cruel, mas necessário: a destruição dos dissidentes, aqueles que,
movidos por interesses particulares, fazem oposição ao rei filósofo, que
constrói o Estado a partir da unanimidade. Situam-se neste contexto unanimista,
na modernidade, os denominados por Weber de “Estados Patrimoniais”, aqueles que
emergiram da hipertrofia de um poder patriarcal original, que alarga a sua
dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extrapatrimoniais.
A concepção
aristotélica da política possível foi retomada por John Locke, no século XVII,
na sua obra intitulada: Dois tratados sobre o governo civil
(1690). Para o filósofo inglês, organizamos o Estado devido à necessidade de
nos unirmos na defesa dos nossos interesses individuais, que são ameaçados
pelas forças da natureza ou pelos nossos inimigos. O Estado surge da união dos
que, na busca de defender os seus interesses naturais de defesa da vida, da
liberdade e das posses, constituem a Comunidade Política com a finalidade de
melhor garantir a defesa dos interesses individuais, enfatizando a preservação
daqueles interesses que sejam comuns aos indivíduos. O Estado, portanto, surge
da defesa dos direitos inalienáveis dos indivíduos à vida, à liberdade e às
posses, e não pode se sobrepor a eles, negando os direitos fundamentais. Foi
formulado, assim, por Locke, o modelo contratualista de Estado, que é formatado
a partir da luta pela defesa dos interesses individuais. A essência da política
não seria o banimento do conflito entre indivíduos e classes, mas a superação
desse estado conflituoso mediante a negociação entre os interesses
representados. Não haveria, assim, um momento definitivo em que desaparecesse o
conflito de interesses. Mas há a posta em prática de um mecanismo de
sobrevivência da comunidade política, mediante os consensos que a comunidade
for formulando para superar os conflitos que aparecem. Situam-se neste contexto
de busca de consensos, na modernidade, os denominados Estados contratualistas,
aqueles que surgiram da luta de classes e que desaguaram na negociação entre as
classes que lutam pela posse do poder.
Não
há, no mundo de hoje, sobre a Terra, uma nação que tenha, como a China, uma
memória cultural que abarque 4.500 anos. Esse fato confere aos chineses uma
característica única no seio da globalização. Eles constituem o único país
identificado com uma civilização milenar, que foi acumulando, ao longo das
centúrias, memória invejável, que se preservou em decorrência da existência de
um estamento que cuidou, sempre, dessa tarefa de manter vivo o DNA cultural: o
Mandarinato.
Os
chineses inseriram, na sua cultura, duas importantes tradições: por um lado,
de férrea unificação e de defesa; por outro, de expansão
comercial. A primeira tradição sedimentou-se muito cedo, com a dinastia
Chin (entre 221 e 202 antes de Cristo), quando da unificação do país, após o
ciclo conturbado dos Estados combatentes. Essa unificação deu-se de modo feroz,
no contexto de um agressivo Estado Patrimonial construído ao redor do Imperador
e com o auxílio de poderoso estamento burocrático, o Mandarinato, mediante a
eliminação das forças oponentes ao poder central do soberano. A unidade
primordial do Estado identificou-se com a imposição da unanimidade ao redor do
Imperador. Sedimentou-se, assim, a prática defensiva do vasto império mediante
o isolamento do mundo exterior, garantido pela construção da Grande Muralha
(com quase 5.000 quilômetros de extensão), uma obra somente possível graças ao
modelo de despotismo hidráulico, que foi reforçado, alguns séculos mais tarde,
com as obras empreendidas pela dinastia Tang (490-919).
A
segunda tradição, de expansão comercial, nasceu também muito cedo, ao longo da
dinastia Han (202-265), mediante a adoção do Confucionismo. Essa tradição foi
reforçada em momentos posteriores como a dinastia Tang, e especialmente ao
longo da dinastia mongólica Yuan (1279-1368), mediante a efetivação de grandes
trabalhos de construção de vias de comunicação, o incremento da navegação e a
publicação do Grande Atlas (tudo isso, evidentemente,
em função da expansão comercial).
A
novidade da China atual repousa, justamente, na retomada, nos atuais momentos
de agressiva globalização, desses dois elementos culturológicos, que funcionam,
como diria o general Golbery, à maneira das “sístoles e diástoles do coração do
Estado”. Afirmação de uma política defensiva, pensada ao redor do conceito de
“Mundo Murado”, ao mesmo tempo em que ocorre o desenvolvimento de uma agressiva
expansão comercial. Abertura à ciência e à tecnologia ocidental, sem, no
entanto, abrir mão da preservação da própria identidade. Um aspecto não pode
ser equacionado, na mentalidade da elite dirigente chinesa, sem que o outro
seja também levado em consideração.
Uma
palavra sobre o conceito de Mundo Murado, que forma uma espécie de
pivô da segurança do regime. A propósito, escreve Mark Leonard: “O fio condutor
que liga as idéias emergentes da China sobre globalização é uma busca por
controle. Pensadores chineses querem criar um mundo onde governos nacionais
possam ser donos de seu próprio destino, ao invés de se sujeitarem aos
caprichos do capital global e da política externa americana. Eles querem
investimentos, tecnologia e acesso ao mercado, mas não querem absorver valores
ocidentais. Seu objetivo não é isolar a China, mas, sim, permitir que a China
se junte ao mundo nos seus próprios termos. Em resumo, eles querem impedir que
a China continue sendo achatada pela globalização” [Leonard, O
que a China pensa? 2008: 134].
Mundo
Murado seria,
portanto, a construção de uma globalização econômica presidida pela China, como
potência hegemônica, e como formatadora de uma nova escala de valores, que
incluiriam, certamente, o capitalismo, mas sobre bases diferentes das
elaboradas pela cultura americana, no modelo que os chineses passaram a
denominar de “Capitalismo Rio Amarelo”. Tal modelo capitalista “encoraja o uso
de dinheiro público para inovação, um impulso de proteger a propriedade pública
e reformas graduais de Zonas Econômicas Especiais”. Ora, esse
modelo estaria seduzindo, na atualidade, não apenas os países africanos. “Em
sua busca por imitar o sucesso chinês, - frisa Leonard - países tão diferentes
como Rússia, Brasil e Vietnã estão copiando a política industrial ativa de
Pequim, que usa dinheiro público e investimentos estrangeiros para construir
indústrias de capital intensivo. Esses países (...) desaceleraram – por vezes
até mesmo reverteram – os programas de privatização que adotaram nos anos 1990”
[Leonard, Ob. Cit., 2008: 137].
Como
o poderio americano ainda é muito grande, pensam os intelectuais chineses,
convém, por enquanto, administrar o declínio dos Estados Unidos, de forma a que
não seja por demais acelerado (uma queda excessiva impediria aos chineses de se
beneficiarem, como o fazem agora, da tecnologia e dos recursos financeiros
fornecidos pelos Estados Unidos). Mas, ao mesmo tempo, trata-se de que a China
ganhe degraus no mundo globalizado, polarizando outros países ao redor do seu
modelo de capitalismo marcado pela forte presença do Estado e por valores
provenientes do patrimonialismo chinês.
O
modelo de gestão do Estado chinês assemelha-se, a meu ver, ao do
patrimonialismo modernizador getuliano, em que o Executivo governa alicerçado
nos Conselhos Técnicos Integrados à Administração. Justamente para garantir a
criatividade em todos os aspectos da gestão pública, o governo chinês dá grande
importância, hoje, ao desenvolvimento da sua elite pensante. Os chineses têm
feito, nas duas últimas décadas, um esforço notável em prol de constituir
centros de pesquisa de ponta e para preparar quadros para estes. Esses centros
agem como órgãos permanentes de consulta do Estado. Um exemplo: a CASS, que é a
mais alta organização de pesquisa acadêmica nos campos da filosofia e das
ciências sociais, reúne 50 centros de pesquisa, que abrangem 260 disciplinas e
4 mil pesquisadores em tempo integral. Essa elite efetiva “a busca da China por
autonomia intelectual”, sob o férreo comando do governo, que não desmobilizou,
de forma nenhuma, os seus mecanismos repressivos, mas que também não toma
medidas sem prévia consulta aos cientistas. Diríamos que as regras do jogo
foram claramente assinaladas: você, como intelectual, pode participar desses
organismos (nos quais será muito bem pago), pode até criticar o governo, mas em
tudo isso há um limite: a manutenção incólume da estrutura de poder do Partido
Comunista. Avançar o sinal tem como resposta a eficaz repressão que faz
desaparecer dissidentes ou que, se necessário, não duvida em mandar passar os
tanques por cima de ativistas ousados, como aconteceu na Praça Tiannamen em
1989.
Dentro
desse marco de tolerância, muito bem delimitado, os pensadores chineses estão
preocupados com uma dupla pesquisa, que visa a reconciliar dois objetivos
concorrentes: como ter acesso aos mercados globais, protegendo a China, ao
mesmo tempo, “da ventania da destruição criativa que poderia (desabar) sobre
seu sistema político e econômico”. Em outros termos, eles tratam de responder à
indagação acerca de como “a China virá para desafiar o mundo achatado da
globalização americana com um Mundo Murado, de criação própria”
[Leonard, Ob. Cit., 2008: 29].
Algo
ficou de fora da escala de valores da civilização chinesa, nessa evolução de
séculos que deságua na atual globalização? Certamente, o valor ausente é o da
liberdade, na forma incondicionada e simples em que vingou na civilização
ocidental, como direito inalienável do indivíduo, que o leva a organizar o
poder de baixo para cima, a partir do reconhecimento dos direitos individuais à
vida, à liberdade, às posses, como apregoava John Locke. Justamente os dois
problemas enfrentados, a ferro e fogo, pela China contemporânea, dizem relação
aos espaços em que a ameaçadora forma da liberdade individual passou a inspirar
o funcionamento das instituições: o Tibet e Taiwan. No caso tibetano, é claro
que a China sempre encontrou uma não sintonia figadal com a forma de liberdade
religiosa, que se traduzia em instituições teocráticas liberais no regime de
Lhasa (que levaram Leibniz a imaginar, no século XVII, uma China protocristã
que faria aliança com o Ocidente, contra o Islã). No caso taiwanês,
os chineses não aceitam o modelo republicano de liberdades presente na
“província dissidente”. Se houver, nas próximas décadas, um confronto armado em
que a China se engaje, certamente ele começará por Taiwan. A experiência de
Hong-Kong situa-se, no contexto do vasto experimento democrático dos chineses,
como uma “Área Especial” em que vigora a liberdade de comércio, mas em que
foram garantidas, preventivamente, as instituições que ligam essa província ao
governo central da China, sem que haja a possibilidade de emergirem formas
contestatórias de gestão.
O
elemento que seduz, na China contemporânea é, certamente, o fabuloso
desenvolvimento econômico, que age como uma espécie de chamariz para a
modalidade de capitalismo “Rio Amarelo”. As características dele quebram todas
as expectativas estatísticas. Como frisa conhecido estudioso: “A escala da
China é impressionante; é quase impossível, para nós, entender suas
estatísticas vitais. Com um habitante a cada cinco do globo, a entrada da China
no mercado mundial, quase dobrou a força de trabalho global. Metade das roupas
e calçados do mundo já têm uma etiqueta onde se lê Made in China; e
a China produz mais computadores do que qualquer outro lugar do planeta. O
apetite voraz da China por recursos está devorando 40% do cimento do mundo, 40%
do carvão, 30% do aço e 12% de energia. A China está tão integrada na economia
global que seus prospectos têm impactos imediatos em nossas vidas diárias: ao
mesmo tempo em que dobra o preço do petróleo e corta pela metade o custo dos
nossos computadores, mantém a economia dos EUA em circulação, mas afunda a
indústria calçadista da Itália” [Leonard, Ob. Cit., 2008:
18].
Terminemos
destacando as perspectivas que se abrem, para a China, nesta quadra do seu
desenvolvimento histórico:
1
– Mudança de rumo, não abandono do Patrimonialismo e retomada, sob Xi Jinping,
atualmente, da ortodoxia comunista.
A China, com certeza, está longe de sair da tradição patrimonialista que já
tinha sido apontada, nela, por Weber e por Wittfogel. Continuará o poder a ter
“donos”. O abandono temporário do comunismo maoísta no final do século XX não
significou, de forma nenhuma, um rompimento com a tendência à privatização do
poder por parte de uma elite ou de uma casta. O Mandarinato chinês se
modernizou. Tornou-se o gestor de uma nova Sociedade Limitada capitalista. O
capitalismo chinês não é uma economia aberta às sociedades anônimas. É um
modelo de capitalismo dirigido desde o Estado. Ou seja, é um modelo capitalista
administrado pelo Estado Patrimonial. Os proprietários da Sociedade
Limitada são os dirigentes do Partido Comunista. Acionistas minoritários são
aceitos. Mas não podemos deixar de ter dúvidas quanto ao alcance do poder deles
em face dos interesses do Mandarinato. Quem não se ajustar – como aconteceu com
a Google e, como nos dias que correm, está acontecendo com os jovens da elite chinesa
que protestam em Hong-Kong – tem de tirar
a máscara e se conformar, fazer as malas e ir embora, ou simplesmente ser
trancafiado na cadeia. A nova ortodoxia de Xi-Jinping é uma volta a um Mão
vestindo terno ocidental, mas, afinal contas, um líder comunista que doutrina e
põe ordem em casa.
2
– Inserção da prática democrática no contexto do Patrimonialismo de tipo
estamental-confuciano. A
China pós Mao mudou a base cultural da dominação patrimonialista. O antigo
comunismo foi trocado por uma versão afinada com a secular tradição confuciana.
Se vivo fosse, Napoleão diria: “arranhai um chinês, encontrareis um
confuciano”. Lembremos que o grande general já tinha dito: “arranhai um russo,
encontrareis um tártaro”. Ora, o Mandarinato chinês se reciclou, deixou de
vestir trajes de militante camponês para aderir ao terno e gravata, engavetou
Marx e desengavetou Confúcio. O Mandarinato, que é o estamento dominante do
poder, professa essa milenar religião da disciplina, do trabalho, do comércio,
do capitalismo à la chinesa. Professa e fortalece a crença de
uma “democracia dos melhores” nas várias instâncias da administração.
“Democracia dos melhores” que consiste em eleger unicamente aqueles candidatos
que se afinem com o conceito oficial de “Mundo Murado”. Assim como em algumas
regiões surgiram as áreas econômicas especiais, também o governo de Pequim
estimulou, recentemente, uma experiência de democracia à la ocidental
no remoto município de Pingchang, sob a orientação de um dos intelectuais do
Partido Comunista mais preparado em matéria de inovações, Yu Keping. No
entanto, esta é uma experiência que mais parece, como diríamos no Brasil, “para
inglês ver”, ao não ultrapassar os limites estreitos de um remoto município do
interior; experiência que, se apresentar riscos, pode muito bem ser suspensa,
de forma instantânea, pelo governo central.
3
– Reforço ao Patrimonialismo de regimes ao redor do mundo, na Ásia, na África,
no Oriente Médio e na América Latina.
A forma pragmática em que a nova liderança chinesa está se relacionando com os
diferentes países nessas regiões é muito especial. Não questiona direitos
humanos nem liberdades fundamentais (como faz, por exemplo, com o ditador do
Sudão, com os generais da Birmânia, com os sucessores dos irmãos Castro em Cuba
ou com o líder de plantão da “Revolução Bolivariana”, Nicolás Maduro, em
Caracas). Interessa a Pequim que as relações econômicas andem bem. De forma
indireta, via pragmatismo comercial, os chineses terminam reforçando os regimes
de patrimonialismo tribal na África, de estalinismo atômico na Coréia do Norte,
de patrimonialismo macunaímico e populista na América Latina, de terrorismo
fundamentalista dos Aiatolás, no Irã. Os Mandarins vêm com bons olhos os
problemas que esses países causam à diplomacia europeia e norte-americana. É
uma forma indireta de ver reforçado o seu poder no cenário internacional. Só
não toleram, e aniquilam, qualquer intento de patrimonialismo islâmico no seu
próprio território, como fizeram com os revoltosos da província de Xianjiang em
2007 e 2008. Os chineses cultivam ousadas iniciativas no terreno da cultura,
hoje, por exemplo, investindo pesadamente em Hollywood, de forma a explorar as “contradições
do Ocidente” em torno à impossibilidade da prática da democracia liberal.
4
– Reforço à presença militar chinesa em potências emergentes e em países do
terceiro mundo. Essa
estratégia inclui venda de armas e visitas de oficiais latino-americanos à
China. A propósito, o estudioso Loro Horta informa: “Desde 2000, a China
emprega uma estratégia diplomática paciente e de amplo escopo em relação à
América Latina. A nova ofensiva sedutora do Exército de Libertação Popular
(ELP) vem se consolidando de forma gradual, numa posição segura. As
iniciativas, além da venda de armas, permitem cada vez mais ao ELP criar uma
base para a cooperação militar de longo prazo, num futuro não muito distante”
[Horta, Military Review, 2009: 30]. Nos últimos anos, formaram-se
em academias militares chinesas mais de 100 oficiais representantes das três
forças de 12 países latino-americanos. Esses números tendem a aumentar e a
tornar cada vez mais forte a presença militar chinesa no subcontinente
latino-americano. É o fenômeno que os estudiosos chamam de “diplomacia militar
da China”.
5
– Modelo estatal de financiamento da pesquisa. Aqui radica um dos gargalos para
o regime de Pequim alcançar os Estados Unidos. No sistema americano, o próprio
Estado estimula as indústrias privadas a realizarem trabalhos de pesquisa nas
áreas mais sensíveis para o desenvolvimento tecnológico do país. Mas a pesquisa
é financiada apenas em parte pelo setor público. Compete à iniciativa privada
desenvolver os trabalhos, a fim de manter a competitividade em face das
exigências do Estado. A iniciativa privada, estimulada, arca com o ônus da pesquisa.
Na China, o financiamento é inteiramente estatal. Conseguirá o regime de Pequim
desenvolver o volume de pesquisas em alta tecnologia que o país precisa para
superar aos seus competidores ocidentais, notadamente os Estados Unidos?
Conseguirão os chineses criar e manter, por longo tempo, um regime adequado de
liberdade intelectual, sem o qual as pesquisas não avançam? Por enquanto, em
áreas muito sensíveis, ainda eles dependem da tecnologia ocidental.
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