Entre 7 e 10 de Julho teve lugar em Gramado (Rio Grande do Sul), na bela Estalagem St. Hubertus, à beira do Lago Negro, o Colóquio intitulado: "Latin American Populism and Neo-populism", promovido pelo Liberty Fund.
O evento realizou-se sob a direção de Roberto Fendt Jr. (Conselho Empresarial Brasil-China, Rio de Janeiro). Atuou como Discussion Leader Julio H. Cole (Universidade Francisco Marroquin, Guatemala) e, na qualidade de representante do Liberty Fund, Leonidas Zelmanovitz. Os demais participantes foram os seguintes: Gunter Axt (Consultor do Memorial do Ministério Público de Santa Catarina, Florianópolis), Marc Antoni Deitos (UniRitter, Porto Alegre), Sérgio Fausto (Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso, São Paulo), Ricardo Santos Gomes (Gomes y Takeda, Advogados Associados, Porto Alegre), Sary Levy-Carciente (Universidad Central de Venezuela, Caracas), Eduardo José Marty (Junior Achievement, Buenos Aires), Antônio Carlos Pereira (Jornal O Estado de São Paulo), Carlos Pio (Universidade de Brasília), Hélio Portocarrero de Castro (Consultor empresarial, Rio de Janeiro), Kathrin L. Rosenfield (UFRGS, Porto Alegre), Sandra Axelrud Saffer (Axelrud Arquitetura, Porto Alegre), Arno Wehling (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro) e Ricardo Vélez Rodríguez (Faculdade Arthur Thomas, Londrina). A Assistente do evento foi Daniela Becker (Porto Alegre).
O Colóquio constou de seis sessões que versaram sobre os seguintes temas: 1 - O que é Populismo? 2 - O Populismo Latino-americano. 3 - O Populismo: uma ameaça para a democracia? 4 - Os programas econômicos do Populismo. 5 - O líder carismático, as demandas não satisfeitas, o discurso e o "povo": Juan Domingo Perón. 6 - O líder carismático, as demandas não satisfeitas, o discurso e o "povo": Hugo Chávez Frías. Para alimentar os debates, os participantes do Colóquio leram a bibliografia que aparece no final deste post, que lhes foi distribuída um mês antes do evento. Uma documentação realmente de peso, como poderão observar os leitores.
Essa bibliografia foi primorosamente escolhida a partir dos autores que se debruçaram, nas últimas décadas, sobre o fenômeno do Populismo na América Latina. Somente faltou, a meu ver, inserir nessa lista de leituras alguma relativa ao fenômeno do Patrimonialismo, tão característico das nossas formações sociais. Porque, sem essa variável, a análise do Populismo fica incompleta, devido ao fato de que o mesmo se insere e se fortifica com a tradicional crença, típica do Patrimonialismo, de que o Estado é um bem a ser privatizado pelos clãs e patotas, a fim de garantirem o seu enriquecimento.
Um fenômeno tão forte como a onda de corrupção do Estado e do sistema produtivo, revelado pela Operação Lava Jato no Brasil, dá a medida da importância da variável de análise do Patrimonialismo, para bem compreender essa maré de privatização do Estado por partidos e clãs, que é o mal que afeta hodiernamente ao Brasil e a outros países latino-americanos como a Argentina (administrada pelo casal Kirschner, nas últimas décadas, como propriedade do peronismo), ou o México, às voltas com as tentativas dos cartéis de drogas para se sobreporem ao Estado de Direito (como, aliás, já tinha ocorrido na Colômbia das últimas décadas do século passado).
Livros que analisam a questão do Patrimonialismo como pano de fundo do populismo não faltam. No caso brasileiro, por exemplo, menciono dois pesos pesados: de Antônio Paim, A querela do estatismo (1ª edição, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978) e do embaixador Meira Penna, O dinossauro (São Paulo: Queiroz, 1987). No caso latino-americano, menciono o meu livrinho: O Patrimonialismo e a realidade latino-americana (Rio de Janeiro: Documenta Histórica, 2006). Registro, por outro lado, que em Abril de 2013 publiquei neste blog detalhada caracterização do Neopopulismo, assinalando as suas linhas principais, que identificava em 12 pontos:
http://pensadordelamancha.blogspot.com.br/2013/04/consideracoes-acerca-do-conceito-de.html
Reinou entre os participantes do evento de Gramado o clima de amizade intelectual, de análise crítica e de liberdade de exposição, que constituem as marcas registradas dos Colóquios do Liberty Fund. Um clima bem diferente do que se vive atualmente nas Universidades públicas brasileiras, presas à luta pela manutenção de privilégios e sinecuras de docentes e administradores, sem que uma contribuição significativa apareça em meio ao clima de incertezas que domina o País. O que mais se destaca, pelo contrário, é o "nada a declarar" com que a musa do PT na USP, Marilena Chauí, responde corriqueiramente aos jornalistas abelhudos que lhe perguntam se a academia tem algo a dizer sobre a maior onda de corrupção em que mergulhou o Brasil, pela mão dos petistas no poder há quatorze anos.
Quando alguma análise de peso aparece, como as publicadas pelo historiador Marco Antônio Villa, professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos, o seu autor rapidamente é defenestrado pelos antigos colegas com a acusação de "neoliberal" que constitui, hoje, o grande xingamento da esquerda cartorial. Isso para não falar dos processos que o professor Villa enfrenta, movidos pelos advogados de Lula. Tudo porque se atreveu a criticar a horda de saqueadores em que degenerou o Partido dos Trabalhadores. Talvez seja essa uma das características fortes dos Populismos latino-americanos: o horror ao pensamento.
O horror ao pensamento se desenvolveu ali onde foi mais forte a onda populista na America Latina. Essa "flor do mal" abriu-se infelizmente aqui, no Brasil, acompanhando a onda lulopetralha; floresceu também na Venezuela chavista e também na Argentina, até ontem dominada pelos peronistas radicais que assassinaram (como acaba de revelar o agente Schiuso), com a colaboração de militantes do regime de Teherão, o fiscal Nisman, o maior crítico dos crimes da presidente Cristina Kirschner, ao ensejo do acobertamento oficial sobre a investigação em torno às ações terroristas praticadas pelos iranianos com o beneplácito peronista, no final do século passado. Terrorismo, aliás, perpetrado pelos populistas não em defesa de uma "ideologia" ou de um modelo de governo (como nas décadas passadas), mas por um motivo bem mais prosaico: manter o "bom negócio" do enriquecimento às custas do Tesouro da Nação. Talvez seja esta mais uma das características dos Populismos Latino-americanos nestes tempos sombrios e medíocres...
Seria difícil aqui fazer um resumo, mesmo que sumário, da totalidade dos itens debatidos no Colóquio. Destacarei os três aspectos que mais me chamaram a atenção: 1 - A amplitude do fenômeno populista, mais um estilo de governo do que um modelo acabado. 2 - Os fortes traços messiânicos dos populismos latino-americanos, notadamente do peronismo argentino e do bolivarianismo de Chávez. 3 - A base econômica dos populismos: o Estado como fator de enriquecimento e de distribuição de benesses.
1 - A amplitude do fenômeno populista, mais um estilo de governo do que um modelo acabado. Vários autores destacaram essa característica do populismo, dentre eles Benjamin Arditi, Gino Germani, Susanne Gratius e Ernesto Laclau. O Populismo abrange uma série de práticas de centralização do poder e de relativização das instituições, destacando, em contrapartida, o peso que têm as relações de caráter direto entre o líder populista e as multidões que se sentem espelhadas nele.
Não é de hoje, aliás, que se sedimentou essa característica, como se pode ver pela presença dela em versões anteriores, nos casos de Facundo Quiroga, na Argentina do século XIX, segundo a análise feita por Domingo Faustino Sarmiento em Facundo: civilização e barbárie no pampa argentino (1846), ou na belíssima versão romanceada por García Márquez em O outono do patriarca, da sanguinolenta e modernizadora ditadura (1908-1937) de Juan Vicente Gómez na Venezuela.
2 - Os fortes traços messiânicos dos populismos latino-americanos, notadamente do peronismo argentino e do bolivarianismo de Chávez. Duas leituras ilustram bem esse aspecto: no caso do peronismo, os discursos do líder, magnificamente apresentados por Carlos Altamirano em: Bajo el signo de las masas. No caso de Chávez, a análise crítica feita pela estudiosa venezuelana Margarita López Maya acerca do discurso de Hugo Chávez, ao longo da sua permanência no poder entre 1999 e 2013, no ensaio intitulado: "Popular Power in the Discourse of Hugo Chávez´s Government".
Tanto no caso peronista, quanto no de Chávez, fica clara a índole messiânica de que se revestem ambos os caudilhos, curiosamente vinculados a um estamento mediador, o "ejército" que repete, nos dias atuais, as gestas libertadoras de San Martín e de Bolívar, como numa espécie de reprodução litúrgica do Mito Primordial. Foram de especial interesse as páginas de Enrique Krauze na sua obra: Redeemers - Ideas and Power in Latin America, que ilustraram detalhadamente acerca da mediação messiânica dos atuais populismos latino-americanos, bem como dos populismos presentes em versões de poder anteriores, como as ensejadas pelo leninismo, no contexto da Revolução Russa, na autorizada interpretação de Plekhânov. Para ilustrar a dimensão messiânica do chavismo, recomendaria a leitura do vivo ensaio da jornalista espanhola Beatriz Lecumberri (que dirigiu a agência France Presse em Caracas) sobre o regime chavista, na sua obra: La revolución sentimental (Caracas: Puntocero, 2012).
3 - A base econômica dos populismos: o Estado como fator de enriquecimento e de distribuição de benesses. Ficou claro, a partir das leituras de autores como Rudiger Dornbusch, Sebastian Edwards, Hector E. Schamis, Enrique Peruzzotti e Francisco Panizza, que os populismos latino-americanos cuidam bem da sua sobrevivência econômica, mantendo, sempre, o Estado empresário como a fonte que garante duas realidades: de um lado, o enriquecimento do líder e dos seus seguidores e, em segundo lugar, a distribuição de benesses entre o povinho e os aliados internacionais da liderança populista. A identificação dessa dimensão econômica do populismo é muito importante, pois ela garante a sobrevivência do sistema.
No caso brasileiro, é clara a presença da empresa populista, através da manutenção dos mecanismos patrimonialistas de apropriação das empresas estatais e do seu patrimônio, transformando assim o Estado em fonte duradoura de recursos para o líder e a sua burocracia, cooptando, de outro lado, o setor empresarial mediante a transformação de alguns empresários escolhidos a dedo, em ícones de produtividade ou "campeões de bilheteria". Esse modelo, no caso luso-brasileiro, é bem antigo e se remonta até o Marquês de Pombal em pleno século XVIII, como foi analisado com riqueza de detalhes pelo saudoso Gilberto Paim na sua obra: De Pombal à reabertura dos portos (Rio de Janeiro: Reproarte, 2011).
A seguir, a lista das leituras feitas pelos participantes do Colóquio, a fim de alimentar o debate:
ARDITI, Benjamin. Populism in the Mirror of Democracy. (Editado por Francisco Panizza). London: Verso, 2005. Seleção do Cap. 3, "Populism as an Internal Periphery of Democratic Politics", pg. 78-87.
DI TELLA, Torcuato. "The Transformations of Populism in Latin America". Journal of International Cooperation Studies, vol. 5 nº 1 (June 199) pgs. 47-78.
DORNBUSCH, Rudiger / Sebastian EDWARDS. The Macroeconomics of Populism in Latin America. Chicago: Chicago University Press, 1991, Cap. 1, "The Macroeconomics of Populism", pg. 7-13.
GERMANI, Gino. Authoritarianism, Fascism and National Populism. New Brunswick: Transaction Books, 1978. Capítulo 8, "Middle Classes and Social Mobilization in the Rise of Italian Fascism: A Comparison with the Argentine Case", pgs. 225-242.
GRATIUS, Susanne. "The 'Third Wave of Populism' in Latin America". Fundación para las Relaciones Internacionales y el Diálogo Exterior. Madrid, October 2007 pgs. 1-19.
KRAUZE, Enrique. Redeemers - Ideas and Power in Latin America. (Tradução ao inglês de Frank Heifetz e Natasha Wimmer). New York: Harper Collins, 2011.
LACLAU, Ernesto. On Populist Reason. London: Verso, 2005, Parte I, Capítulo 1º:"Populism: Ambiguities and Paradoxes", pg. 3-20.
LÓPEZ MAYA, Margarita. "Popular Power in the Discourse of Hugo Chávez´s Government (1999-2013)", In: The Promise adns Perils of Populism: Global Perspectives. (Obra editada por Carlos de La Torre). Lexington: The University Press of Kentucky, 2015.
PANIZZA, Francisco. Populism and the Mirror of Democracy. (Editado por Francisco Panizza). Londron: Verso, 2005. Seleção da Introdução: "What is Populism?", "The Conditions of Emergence of Populism", "Who are the People?", pgs. 2-17 e "The Populist Gaze", pg. 24-31.
PERUZZOTTI, Enrique. "Populism in Democratic Times: Populism, Representative Democracy, and the Debate on Democratic Deepenig". In: Latin American Populism in the Twenty-First Century, (editado por Carlos de la Torre e Cynthia J. Arnson), Baltimore: John Hopkins University Press, 2013, pg. 61-84.
PERÓN, Juan Domingo. Bajo el signo de las masas (1943-1973) - Biblioteca del Pensamiento Argentino, Volumen VI. (Edición preparada por Carlos Altamirano). Buenos Aires: Emecé, 2007.
RIKER, William H. Liberalism Against Populism. Prospect heights: Waveland Press, Inc., 1982. Cap. 1, "The Connection Between the Theory of Social Choice, and the Theory of Democracy". pg. 1-16.
SCHAMIS, Hector E. "From the Peróns to the Kirchners", in: Latin American Populism in the Twenty-First Century. (Editado por Carlos de La Torre e Cynthia . Arnson). Baltimore: John Hopkins University Press, 2013, pg. 151-163.
SIGAL, Silvia / Eliseo VERÓN. Perón o muerte - Losd fundamentos discursivos del fenómeno peronista. Buenos Aires: Biblioteca Virtual Universal, 2006, Pg. 1-28.
WEBER, Max. On Charisma and Institution Building. University of Chicago Press, 1968.
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(Em sentido horário): Gunter Axt, Sandra Axelrud Saffer, Ricardo Santos Gomes, Sérgio Fausto, Kathrin L Rosenfield. (Foto: Ricardo Vélez Rodríguez) |
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(Em sentido horário): Helio O. Portocarrero de Castro, Roberto Fendt Jr., Sary-Levy Carciente, Eduardo José Marty, Antonio Carlos Pereira, Ricardo Vélez Rodríguez. (Foto: Ricardo V. Rodríguez). |
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(Em sentido horário): Kathrin Rosenfield, Sandra Axelrud Saffer, Sary Levy-Carciente, Roberto Fendt Jr., Eduardo José Marty, Ricardo Santos Gomes. (Fotografia de Daniela Becker). |
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(Em sentido horário): Antonio Carlos Pereira, Leonidas Zelmanovitz, Júlio H. Cole, Ricardo Vélez Rodríguez. (Fotografia de Daniela Becker). |
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(Em sentido horário): Arno Wehling, Sérgio Fausto, Gunter Axt, Marc Antoni Deitos, Hélio O. Portocarrero de Castro. (Fotografia de Daniela Becker). |
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Foto final do Colóquio. (Fotografia de Daniela Becker). |
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Este cronista na entrada posterior da Estalagem St. Hubertus, em Gramado. (Foto de Ricardo V. Rodríguez). |