Se há um termo para
resumir a vida de Leonardo Prota é o de Educador. Um Educador de tempo integral,
que alicerçou a sua vocação na mais larga missão de evangelizador, tendo como
fulcro a ideia da dignidade de todos os seres humanos. O texto com que o
historiador Jorge Jaime, fundador da Academia Brasileira de Filosofia (da qual
Leonardo Prota foi também sócio fundador) e que forma parte do Projeto Ensaio
Hispânico, da Universidade de Georgia, nos Estados Unidos, destaca em detalhe o
caminho percorrido por Leonardo nessa sua bela carreira de educador, no México
e no Brasil
[http://www.ensayistas.org/filosofos/brasil/prota/prota1.htm ].
Poucas coisas eu teria a adicionar à completa exposição do já
falecido Jorge Jaime sobre a vida intelectual e pedagógica do Leonardo. Por
esse motivo, gostaria, nestas linhas, de tecer um comentário mais pessoal
acerca do Amigo que partiu.
Conheci Leonardo Prota em
Londrina, em 1982, quando tive oportunidade de encontra-lo na UEL. Nessa
ocasião, eu me desempenhava como Diretor pro tempore do Centro de Ciências
Humanas dessa Universidade, na qual tinha ingressado por concurso no
Departamento de Filosofia no início do ano anterior. O então Reitor da UEL, o saudoso
amigo José Carlos Pinotti, tinha me pedido que falasse com Leonardo para ver a
possibilidade de ele se vincular à UEL. O encontro foi rápido. Descobri, em
Leonardo, uma pessoa com formação humanística ampla, tendo cursado estudos de
Filosofia, Educação e Teologia, uma tríade pouco comum no nosso meio.
Considerei que a sua participação no Departamento de Filosofia, como docente,
enriqueceria muito a ação educacional desenvolvida pelo Centro de Ciências
Humanas.
Apresentei o nome do
Leonardo ao colegiado do Centro, bem como aos professores do Departamento de
Filosofia, e foi rapidamente aprovada a sua vinculação. Um dado curioso
gostaria de lembrar: alguns colegas deste Departamento, após a contratação do
Leonardo, vieram me questionar acerca da sua vinculação à Universidade, me
dizendo que ele era uma pessoa de esquerda, pois figurava entre os fundadores
do recentemente criado Partido dos Trabalhadores. Respondi aos meus colegas que
essa consideração não tinha, para mim, nenhuma relevância, levando em
consideração o currículo acadêmico do Leonardo, bem como a aprovação para a sua
vinculação à UEL, que tinha sido dada pelos colegiados do Centro de Ciências
Humanas e do próprio Departamento de Filosofia.
Se havia reservas
ideológicas de parte de alguns dos meus colegas de Departamento, elas logo
desapareceram, após Leonardo se integrar à equipe docente. A sua indiscutível
preparação, a capacidade que tinha para se comunicar com os alunos e os
colegas, a sua tolerância para com todas as pessoas, independentemente de
ideologia ou religião, a sua dedicação aos discípulos, o seu brilhantismo como
expositor, a sua cordialidade e modéstia, desfizeram rapidamente as nuvens dos
empecilhos ideológicos que, aliás, jamais estiveram presentes nas atitudes do
meu Amigo. Anos depois, quando constatou que o Partido que ajudara a fundar
tinha se desviado dos ideais primigênios, distanciou-se dele, como fizeram
outras tantas figuras intelectuais que não aceitaram os desvios no terreno da
ética pública.
Uma vez vinculado o
professor Leonardo ao Departamento de Filosofia, considerei, pela experiência
que ele tinha como coordenador de atividades de pós-Graduação em outras
instituições (dentre as quais a FASP, em São Paulo), que ele poderia me
substituir como coordenador do Curso de Pós-graduação em História do Pensamento
Político Brasileiro, que eu tinha criado na UEL em 1981. Apresentei o seu nome
ao colegiado de Curso e Leonardo foi aprovado como coordenador do mesmo. Eu já
tinha tomado a decisão de aceitar o convite formulado pelos professores Antônio
Paim e Eduardo Abranches de Soveral, então coordenadores do Curso de Mestrado e
Doutorado em Pensamento Luso-Brasileiro da Universidade Gama Filho, no Rio de
Janeiro, para me integrar ao corpo docente desse programa. Em Janeiro de 1983
me desvinculei da UEL e parti para o Rio, a fim de assumir as minhas aulas no
mencionado Curso.
Pouco tempo depois, no
final de 1983, foi lançado novo edital para preencher as cinco vagas anuais que
a Gama Filho abria no seu curso de Doutorado em Pensamento Luso-brasileiro.
Leonardo Prota apresentou a sua candidatura com um projeto de pesquisa ligado à
discussão dos pressupostos filosóficos presentes no modelo da Universidade
brasileira. O meu Amigo foi selecionado pela Comissão da Pós-graduação da
Universidade Gama Filho e iniciou, no começo de 1984, os seus estudos para o
Doutorado, que terminou com brilhantismo, no final de 1986, com a sua tese
sobre o modelo único de Universidade que vingou no Brasil, analisado
criticamente nos seus fundamentos filosóficos, ainda situados no contexto do
cientificismo pombalino.
Ao ensejo das aulas no
Curso de Pós-graduação, Leonardo Prota fez logo amizade com Antônio Paim, que foi
o seu orientador. Impressionou-me vivamente a claridade com que Leonardo
analisava a situação da Universidade brasileira, que no seu entender estava
presa a um modelo que a empobrecia enormemente, porquanto fechada no estreito
conceito de preparar técnicos a serviço do Estado, deixando de lado a formação humanística
que, aliás, tinha também desaparecido do ensino de segundo grau. A sua proposta
endereçava-se a retomar a tradição humanística da Universidade brasileira,
mediante a sua estruturação polimórfica, atendendo às necessidades regionais.
Uma proposta ousada que entrava em atrito com o modelo tecnocrático e
estatizante em vigor. Admirava no meu amigo a claridade e a profundidade
conceitual com que desenvolvia o seu projeto de pesquisa. A sua tese de
doutorado logo foi publicada em livro, em 1987, pela Editora Convívio de São
Paulo, com o seguinte título: Um novo modelo de Universidade.
No decorrer do ano 1986,
Leonardo propôs ao Prof. Paim e a mim, a criação do Instituto de Humanidades,
que teria como finalidade preencher o vácuo de formação humanística nas
Universidades brasileiras, mediante o oferecimento de Cursos Livres nessa área,
adotando a modalidade de ensino à distância utilizada na Open University
inglesa. Rapidamente foram elaborados os estatutos do Instituto, e começamos os
trabalhos de preparação do material instrucional, nas áreas de: Introdução à
História da Cultura Ocidental, Política, Religião, Filosofia e Ética. O
trabalho foi intenso ao longo da restante parte da década de 80. Três intelectuais vincularam-se ao Instituto como membros do Conselho Acadêmico: Maria Clutilde
de Abreu (do Rio de Janeiro), Maria Christina de Oliveira Espínola (de Londrina)
e Arsênio Eduardo Corrêa (de São Paulo). O próprio Leonardo Prota encarregou-se
de publicar todos esses materiais, tendo criado, para tal finalidade, a Editora
Humanidades, em Londrina. Ele já tinha assumido, na UEL, a coordenação da
Editora, que foi por ele dinamizada até coloca-la entre as principais editoras
universitárias do Brasil.
Com a finalidade de
estimular o estudo das ideias filosóficas, Leonardo criou o Centro de Estudos
Filosóficos de Londrina (CEFIL), a partir do qual desenvolveu uma dupla tarefa:
organizar, a cada dois anos, os Encontros Nacionais de Professores e
Pesquisadores da Filosofia Brasileira (tendo ocorrido o 1º encontro em 1989) e
estimular o estudo das Humanidades no meio acadêmico do Paraná. Uma realização
de vulto foi o convênio efetivado entre a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Campo Mourão e o Instituto de Humanidades, a fim de oferecer, aos
funcionários municipais e à comunidade acadêmica local, em nível de
Pós-graduação lato sensu, o Curso de Humanidades. O mencionado programa foi
desenvolvido ao longo de uma década, sendo palpáveis os resultados que a
formação humanística trouxe para o Município de Campo Mourão. A qualidade de
vida melhorou sensivelmente, com a adoção de regras de trânsito civilizadas em
que o pedestre era respeitado e de gestão humana do espaço público.
Na editora por ele
criada, o professor Leonardo publicou os anais dos Encontros Nacionais de
Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, que se realizaram ao longo
de duas décadas, em Londrina, com apoio da UEL. Como fruto das suas pesquisas
no terreno das Filosofias Nacionais (ponto que passou a ser estudado nos
Encontros de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira), Leonardo
publicou a sua obra: As filosofias nacionais e a questão da
universalidade da Filosofia (Londrina: UEL, 2000).
Leonardo Prota soube
vincular a sua vocação docente à missão evangelizadora que tinha assumido
quando foi ordenado sacerdote da Congregação de São José. Embora desligado da
atividade pastoral havia já muitos anos, o meu amigo continuou a sua
infatigável tarefa de educador, sem abandonar o espírito evangelizador que
sempre o animou. A sua esposa Lessy pode testemunhar acerca da entrega
desinteressada de Leonardo às atividades educativas e culturais, das quais foi
coroamento a sua eleição como presidente da Academia de Letras de Londrina.
Com aquela atitude meiga
e discreta que o caracterizava, vi-lo pela última vez, já na UTI do Hospital do
Coração, semanas antes de falecer. Despediu-se de mim com um abraço trêmulo e
com aquele sorriso inconfundível, que imprimia alegria e calor humano. Partiu
na manhã do dia 19 de Março, festa de São José, o padroeiro da Congregação à
qual tinha servido durante décadas e que o trouxe para o Brasil. A memória do
nosso Amigo e Presidente ficará viva, para sempre, nos nossos corações!
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