Pesquisar este blog

sábado, 9 de abril de 2016

MEU AMIGO LEO (Texto em homenagem a Leonardo Prota, lido na sessão de 10 de Abril de 2016, da Academia de Letras de Londrina)

Leonardo Prota (à direita), com Arsênio Eduardo Corrêa e Antônio Paim, em Tiradentes (MG), ao ensejo do Colóquio Antero de Quental, realizado na Universidade Federal de São João del-Rei (Setembro de 2006).

Se há um termo para resumir a vida de Leonardo Prota é o de Educador. Um Educador de tempo integral, que alicerçou a sua vocação na mais larga missão de evangelizador, tendo como fulcro a ideia da dignidade de todos os seres humanos. O texto com que o historiador Jorge Jaime, fundador da Academia Brasileira de Filosofia (da qual Leonardo Prota foi também sócio fundador) e que forma parte do Projeto Ensaio Hispânico, da Universidade de Georgia, nos Estados Unidos, destaca em detalhe o caminho percorrido por Leonardo nessa sua bela carreira de educador, no México e no Brasil 
[http://www.ensayistas.org/filosofos/brasil/prota/prota1.htm ]. 

Poucas coisas eu teria a adicionar à completa exposição do já falecido Jorge Jaime sobre a vida intelectual e pedagógica do Leonardo. Por esse motivo, gostaria, nestas linhas, de tecer um comentário mais pessoal acerca do Amigo que partiu.

Conheci Leonardo Prota em Londrina, em 1982, quando tive oportunidade de encontra-lo na UEL. Nessa ocasião, eu me desempenhava como Diretor pro tempore do Centro de Ciências Humanas dessa Universidade, na qual tinha ingressado por concurso no Departamento de Filosofia no início do ano anterior. O então Reitor da UEL, o saudoso amigo José Carlos Pinotti, tinha me pedido que falasse com Leonardo para ver a possibilidade de ele se vincular à UEL. O encontro foi rápido. Descobri, em Leonardo, uma pessoa com formação humanística ampla, tendo cursado estudos de Filosofia, Educação e Teologia, uma tríade pouco comum no nosso meio. Considerei que a sua participação no Departamento de Filosofia, como docente, enriqueceria muito a ação educacional desenvolvida pelo Centro de Ciências Humanas.

Apresentei o nome do Leonardo ao colegiado do Centro, bem como aos professores do Departamento de Filosofia, e foi rapidamente aprovada a sua vinculação. Um dado curioso gostaria de lembrar: alguns colegas deste Departamento, após a contratação do Leonardo, vieram me questionar acerca da sua vinculação à Universidade, me dizendo que ele era uma pessoa de esquerda, pois figurava entre os fundadores do recentemente criado Partido dos Trabalhadores. Respondi aos meus colegas que essa consideração não tinha, para mim, nenhuma relevância, levando em consideração o currículo acadêmico do Leonardo, bem como a aprovação para a sua vinculação à UEL, que tinha sido dada pelos colegiados do Centro de Ciências Humanas e do próprio Departamento de Filosofia.

Se havia reservas ideológicas de parte de alguns dos meus colegas de Departamento, elas logo desapareceram, após Leonardo se integrar à equipe docente. A sua indiscutível preparação, a capacidade que tinha para se comunicar com os alunos e os colegas, a sua tolerância para com todas as pessoas, independentemente de ideologia ou religião, a sua dedicação aos discípulos, o seu brilhantismo como expositor, a sua cordialidade e modéstia, desfizeram rapidamente as nuvens dos empecilhos ideológicos que, aliás, jamais estiveram presentes nas atitudes do meu Amigo. Anos depois, quando constatou que o Partido que ajudara a fundar tinha se desviado dos ideais primigênios, distanciou-se dele, como fizeram outras tantas figuras intelectuais que não aceitaram os desvios no terreno da ética pública.

Uma vez vinculado o professor Leonardo ao Departamento de Filosofia, considerei, pela experiência que ele tinha como coordenador de atividades de pós-Graduação em outras instituições (dentre as quais a FASP, em São Paulo), que ele poderia me substituir como coordenador do Curso de Pós-graduação em História do Pensamento Político Brasileiro, que eu tinha criado na UEL em 1981. Apresentei o seu nome ao colegiado de Curso e Leonardo foi aprovado como coordenador do mesmo. Eu já tinha tomado a decisão de aceitar o convite formulado pelos professores Antônio Paim e Eduardo Abranches de Soveral, então coordenadores do Curso de Mestrado e Doutorado em Pensamento Luso-Brasileiro da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, para me integrar ao corpo docente desse programa. Em Janeiro de 1983 me desvinculei da UEL e parti para o Rio, a fim de assumir as minhas aulas no mencionado Curso.

Pouco tempo depois, no final de 1983, foi lançado novo edital para preencher as cinco vagas anuais que a Gama Filho abria no seu curso de Doutorado em Pensamento Luso-brasileiro. Leonardo Prota apresentou a sua candidatura com um projeto de pesquisa ligado à discussão dos pressupostos filosóficos presentes no modelo da Universidade brasileira. O meu Amigo foi selecionado pela Comissão da Pós-graduação da Universidade Gama Filho e iniciou, no começo de 1984, os seus estudos para o Doutorado, que terminou com brilhantismo, no final de 1986, com a sua tese sobre o modelo único de Universidade que vingou no Brasil, analisado criticamente nos seus fundamentos filosóficos, ainda situados no contexto do cientificismo pombalino.

Ao ensejo das aulas no Curso de Pós-graduação, Leonardo Prota fez logo amizade com Antônio Paim, que foi o seu orientador. Impressionou-me vivamente a claridade com que Leonardo analisava a situação da Universidade brasileira, que no seu entender estava presa a um modelo que a empobrecia enormemente, porquanto fechada no estreito conceito de preparar técnicos a serviço do Estado, deixando de lado a formação humanística que, aliás, tinha também desaparecido do ensino de segundo grau. A sua proposta endereçava-se a retomar a tradição humanística da Universidade brasileira, mediante a sua estruturação polimórfica, atendendo às necessidades regionais. Uma proposta ousada que entrava em atrito com o modelo tecnocrático e estatizante em vigor. Admirava no meu amigo a claridade e a profundidade conceitual com que desenvolvia o seu projeto de pesquisa. A sua tese de doutorado logo foi publicada em livro, em 1987, pela Editora Convívio de São Paulo, com o seguinte título: Um novo modelo de Universidade.

No decorrer do ano 1986, Leonardo propôs ao Prof. Paim e a mim, a criação do Instituto de Humanidades, que teria como finalidade preencher o vácuo de formação humanística nas Universidades brasileiras, mediante o oferecimento de Cursos Livres nessa área, adotando a modalidade de ensino à distância utilizada na Open University inglesa. Rapidamente foram elaborados os estatutos do Instituto, e começamos os trabalhos de preparação do material instrucional, nas áreas de: Introdução à História da Cultura Ocidental, Política, Religião, Filosofia e Ética. O trabalho foi intenso ao longo da restante parte da década de 80. Três intelectuais vincularam-se ao Instituto como membros do Conselho Acadêmico: Maria Clutilde de Abreu (do Rio de Janeiro), Maria Christina de Oliveira Espínola (de Londrina) e Arsênio Eduardo Corrêa (de São Paulo). O próprio Leonardo Prota encarregou-se de publicar todos esses materiais, tendo criado, para tal finalidade, a Editora Humanidades, em Londrina. Ele já tinha assumido, na UEL, a coordenação da Editora, que foi por ele dinamizada até coloca-la entre as principais editoras universitárias do Brasil.

Com a finalidade de estimular o estudo das ideias filosóficas, Leonardo criou o Centro de Estudos Filosóficos de Londrina (CEFIL), a partir do qual desenvolveu uma dupla tarefa: organizar, a cada dois anos, os Encontros Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira (tendo ocorrido o 1º encontro em 1989) e estimular o estudo das Humanidades no meio acadêmico do Paraná. Uma realização de vulto foi o convênio efetivado entre a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Campo Mourão e o Instituto de Humanidades, a fim de oferecer, aos funcionários municipais e à comunidade acadêmica local, em nível de Pós-graduação lato sensu, o Curso de Humanidades. O mencionado programa foi desenvolvido ao longo de uma década, sendo palpáveis os resultados que a formação humanística trouxe para o Município de Campo Mourão. A qualidade de vida melhorou sensivelmente, com a adoção de regras de trânsito civilizadas em que o pedestre era respeitado e de gestão humana do espaço público.

Na editora por ele criada, o professor Leonardo publicou os anais dos Encontros Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, que se realizaram ao longo de duas décadas, em Londrina, com apoio da UEL. Como fruto das suas pesquisas no terreno das Filosofias Nacionais (ponto que passou a ser estudado nos Encontros de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira), Leonardo publicou a sua obra: As filosofias nacionais e a questão da universalidade da Filosofia (Londrina: UEL, 2000).

Leonardo Prota soube vincular a sua vocação docente à missão evangelizadora que tinha assumido quando foi ordenado sacerdote da Congregação de São José. Embora desligado da atividade pastoral havia já muitos anos, o meu amigo continuou a sua infatigável tarefa de educador, sem abandonar o espírito evangelizador que sempre o animou. A sua esposa Lessy pode testemunhar acerca da entrega desinteressada de Leonardo às atividades educativas e culturais, das quais foi coroamento a sua eleição como presidente da Academia de Letras de Londrina.


Com aquela atitude meiga e discreta que o caracterizava, vi-lo pela última vez, já na UTI do Hospital do Coração, semanas antes de falecer. Despediu-se de mim com um abraço trêmulo e com aquele sorriso inconfundível, que imprimia alegria e calor humano. Partiu na manhã do dia 19 de Março, festa de São José, o padroeiro da Congregação à qual tinha servido durante décadas e que o trouxe para o Brasil. A memória do nosso Amigo e Presidente ficará viva, para sempre, nos nossos corações!

Nenhum comentário:

Postar um comentário