Platão. Detalhe do afresco "A Escola de Atenas" (1509-1511), de Rafael Sanzio de Urbino, Stanza dellla Signatura, Museus Vaticanos, Roma (Foto: Wikipédia). |
Platão nasceu em Atenas em 427 a.C. e ali morreu em
347 a.C. Filho de uma família da aristocracia ateniense, sofreu a influência de
dois pensadores notadamente: Pitágoras de Samos (580-497 a.C.) e Sócrates
(469-399 a.C.). Em 387 a.C., Platão fundou a Academia, que se constituiu, junto
com a Biblioteca de Alexandria, numa das mais importantes iniciativas culturais
do Mundo Antigo, tendo funcionado até 529 d.C., quando foi encerrada por ordem
de Justiniano I. Convidado pelo rei Dionísio, passou um bom tempo em Siracusa,
ensinando filosofia na corte.
Com a sua teoria das Idéias, Platão construiu um sistema que aproximava a filosofia pré-socrática das reflexões do seu mestre, Sócrates. Mas, em decorrência da abrangência e da profundidade que imprimiu ao seu sistema, Platão, por outro lado, formulou um pensamento com repercussões que nenhum outro filósofo conseguiu ter na História do Pensamento Ocidental. A respeito, Alfred North Whitehead (1861-1947) frisa: “Toda a filosofia ocidental não passa de notas de rodapé das páginas de Platão” [1].
Os aspectos básicos da Teoria das Idéias de Platão
podem ser sintetizados nos seguintes 12 itens:
1 – É
pressuposto, por Platão, um reino hipotético de essências imateriais,
eternas e imutáveis que constitui o mundo das Ideias (Eidos) As Ideias são arquétipos da realidade e, de acordo com elas,
são formados os objetos do mundo visível. A propósito, escreve Platão no seu
diálogo Fédon, destacando que as Ideias constituem o paradigma do Ser e
da Verdade: “(...). Assim, depois de haver tomado como base, em cada caso, a idéia,
que é, a meu juízo, a mais sólida, tudo aquilo que lhe seja consoante eu o
considero como sendo verdadeiro, quer se trate de uma causa ou de outra
qualquer coisa, e aquilo que não lhe é consoante, eu o rejeito como erro” [2].
2 – As Ideias
existem de forma objetiva, ou seja, independentemente do nosso pensamento.
Em que pese o fato de serem independentes dele, podem por ele ser conhecidas.
Em decorrência disso, a doutrina platônica foi caracterizada pelos estudiosos
como um idealismo objetivo. O fato de
que o nosso entendimento possa conhecer as Idéias, (ou seja, os arquétipos
subsistentes do real, que existem fora de nós), faz com que Platão seja
considerado pelos estudiosos como o fundador da perspectiva realista ou
transcendente, ou seja, aquela que pressupõe que o entendimento humano tem
acesso à coisa em si. Esta perspectiva contrapõe-se à transcendental, que parte do pressuposto de que o nosso
entendimento somente pode ter acesso aos fenômenos
(àquilo que aparece), não às coisas em si; esta perspectiva foi formulada e
sistematizada, no século XVIII, por Hume e Kant [3].
3 – Platão, por
outro lado, postula a teoria dos dois mundos. O primeiro é o mundo visível
ou sensível, no qual se desenvolve a nossa existência e que está submetido à
mudança e à degradação. O segundo é constituído pelo mundo inteligível (que fundamenta
a essência do primeiro). É o mundo das Idéias imutáveis. Este é um mundo do
tipo que os Eleatas encontravam como próprio do Ser: é o reino da permanência e
da imutabilidade. No diálogo Fédon é clara a contraposição que
Platão faz desses dois mundos, sendo que o de baixo, aquele em que habitamos, é
caracterizado pela precariedade, ao passo que o de cima, o verdadeiro, é um
mundo de luz e de perfeição.
4 – O mundo
sensível está submetido ao mundo das Idéias, tanto do ponto de vista ético,
quanto do ângulo ontológico. Ele só se estrutura por participação ou por imitação
do mundo verdadeira e plenamente existente das Idéias. São esses processos que
garantem a existência do mundo das coisas: elas existem, porque são
participação e imitação das Idéias. Em relação a este ponto, escreve Platão no
diálogo Parmênides, colocando em boca deste filósofo a teoria platônica
da participação e da imitação: “(...) – Dize-me uma coisa:
pelo que declaraste, admites a existência das idéias, das quais as coisas tiram
os nomes, na medida em que delas participam, a saber: a participação da semelhança
as deixa semelhantes, a da grandeza, grandes, e a da beleza e da justiça,
justas e belas? – Perfeitamente, teria respondido Sócrates” [4] .
5 - Do ponto de vista da forma segundo a qual conhecemos as realidades essencial e aparente que acabam de ser mencionadas, Platão formula quatro tipos de conhecimento, sendo que dois pertencem ao mundo visível e dois são próprios do mundo que somente é acessível ao espírito. Os quatro tipos são estes:
5 - Do ponto de vista da forma segundo a qual conhecemos as realidades essencial e aparente que acabam de ser mencionadas, Platão formula quatro tipos de conhecimento, sendo que dois pertencem ao mundo visível e dois são próprios do mundo que somente é acessível ao espírito. Os quatro tipos são estes:
- Aquilo que é perceptível indiretamente (exemplo: as sombras e os
reflexos dos espelhos).
- Aquilo que é perceptível diretamente (exemplo: os objetos materiais
e os seres vivos).
- Aquilo que é conhecido pelas ciências (exemplo: a matemática, a
qual, superando o suporte material – as figuras geométricas –, atinge um
conhecimento intelectual como o relativo aos teoremas universais).
- Aquilo que constitui o reino das Idéias e que é acessível à “razão
pura”, que está na base de todas as representações intelectuais.
6 - Ponto
central da doutrina platônica: a Idéia do Bem. Embora o Bem ocupasse um
lugar de destaque no pensamento de Sócrates (como valor ético que deve inspirar
ao cidadão), para Platão, no entanto, reveste-se de uma radicalidade maior: o
Bem é o fim almejado e o começo de todo ser, tanto do ângulo gnosiológico,
quanto do ponto de vista da ontologia. O Bem, segundo Platão, é o princípio
radical de todas as Idéias e se situa acima delas. É nele que se fundam as
Idéias de Ser e de Valor e, com elas, se instauram os fundamentos do mundo
inteiro. O Bem cria a ordem, a medida e a unidade do mundo. A respeito, frisa
O. Gignon: “Para Platão, a questão: por que o Bem? É uma pergunta que não faz
sentido. Podemos indagar por aquilo que há para além do ser, mas não podemos
perguntar acerca do que há a por trás do Bem” [5].
7 – O homem não
pode ter acesso ao conhecimento do Ser, senão à luz do Bem. Essa luz é,
para a razão humana, como o sol para os olhos. No entanto, é um sol que não
somente ilumina, mas que também garante a presença dos objetos iluminados no
Ser. Em A República, Platão afirma: “Podes estar seguro de que aquilo que
comunica a verdade aos objetos cognoscíveis e ao espírito a faculdade de
conhecer, é a Idéia do Bem (...)”.
8 – Sobre o
pano de fundo metafísico e gnosiológico que acaba de ser exposto, Platão
constrói a sua Física. O mundo da natureza é, segundo o filósofo no diálogo
Timeu
[6],
constituído da seguinte forma: “O mundo material do devir é instaurado por um
operário do mundo, um demiurgo, de
forma ordenada e conforme à razão (teleologia),
na medida em que ele o modela segundo o arquétipo das Idéias”. O mundo, assim,
constitui uma ordem harmônica, o que em grego se traduz pelo termo Cosmos. A matéria prima na qual é
concretizada a encarnação das Idéias é o receptáculo (déchoménon).
9 – Sobre as
bases metafísicas e físicas que acabam de ser mencionadas, Platão elabora a sua
Gnosiologia (ou Teoria do Conhecimento), inserindo os quatro tipos
possíveis de conhecimento no contexto da teoria acerca das faculdades
cognitivas da alma. Os tipos de conhecimento e as respectivas faculdades são os
seguintes, a começar pelos que se ligam ao mundo material e seguindo até
aqueles que o superam. O quadro a seguir sintetiza estas variáveis:
TIPOS DE CONHECIMENTO
I – Conhecimentos Visíveis, através de imagens (eikónes).
II- Conhecimentos de Totalidades Visíveis (fóa - hóla).
III – Conhecimentos Científicos Racionais, ou
Invisíveis Inteligíveis inferiores (mathémata,
noetá).
IV – Contemplação Intelectiva (eide).
FACULDADES DA ALMA
I – Sensibilidade (aísthesis)
e Imaginação (eikasía).
II – Opinião (dóxa)
e Crença (pístis).
III – Razão (dianóia)
equivalente da ratio, para os
Latinos.
IV – Intelecção (nous,
theoría), equivalente do intellectus, para os Latinos.
10 – A teoria
de Platão acerca do homem insere-se no contexto de sua doutrina acerca do
Conhecimento e do Ser, que foi sintetizada nos itens anteriores. Como se
torna possível, aos homens, a Contemplação Intelectiva, mediante o pleno
exercício da Intelecção? Esse tipo de conhecimento, o mais perfeito ao qual o
homem pode aspirar, não procede dos níveis inferiores de apreensão da realidade
(a partir do mundo sensível). Procede tal conhecimento intelectivo, no entanto,
de uma reminiscência da alma da sua passagem ou da sua proveniência do Mundo
Inteligível. Todo conhecimento intelectivo é, portanto, reminiscência ou anámnese.
A alma do homem, segundo Platão, contemplou as Idéias numa existência anterior,
mas as esqueceu depois da sua entrada no corpo. Nele, a alma vive encadeada.
A alegoria da
caverna, que Platão apresenta na sua obra A República [7],
ilustra essa situação da alma presa no corpo. Os homens são semelhantes a
prisioneiros encadeados no fundo da caverna, não podendo ver nada do mundo
real. Aquilo que eles tomam como a realidade são sombras de objetos fabricados
cujas silhuetas uma fogueira projeta sobre a parede da caverna. A anámnese é representada mediante a
visita que um dos prisioneiros faz ao mundo exterior, onde contempla os objetos
naturais e o sol, tal como eles são na realidade. As sombras e os objetos na
caverna correspondem à experiência sensível, ao mundo situado fora do
inteligível. A força que conduz o homem em direção à região do Ser e do Bem é Eros. Ele acorda, em nós, o desejo de
nos levantarmos até o conhecimento das idéias. No diálogo Banquete, Platão
caracteriza Eros como a busca filosófica
da beleza e do conhecimento. Ele estabelece, para os humanos, a ponte entre o
mundo sensível e o inteligível. Platão denomina de dialética o método que conduz à descoberta do mundo das Idéias, sob
o impulso de Eros. A dialética (ou a busca filosófica da
Beleza e do Conhecimento) ocorre na relação do eu com os outros homens, na qual
se concretiza o ato pedagógico (épimeléia)
de procurar a verdade que diz relação aos humanos, superando o conhecimento do
mundo físico.
Platão, certamente, herdou do seu mestre Pitágoras de
Samos (580-497 a.C.), a concepção bipolar do homem, como cindido entre dois
princípios irreconciliáveis, corpo (soma)
e alma (psyché). É herança
pitagórica, outrossim, a concepção segundo a qual a alma deve controlar o
corpo. A alma, substância homogênea que se compara às Idéias imutáveis e
eternas, justamente por essa sua característica elevada (que a coloca por cima
da matéria), está habilitada para conhecer o mundo dos Arquétipos e é capaz de
se movimentar por si própria. Platão afirma que a vida é característica
essencial da alma, não podendo ela, em consequência, admitir a morte.
A alma, por sua vez, possui três partes: a razão
(faculdade que é portadora da fagulha divina que os homens levam consigo), a coragem
(a parte nobre) e os apetites (a parte inferior). A razão
é simbolizada por Platão como o cocheiro que conduz o carro, sendo que a
coragem é o cavalo que obedece e os apetites são simbolizados pelo cavalo
rebelde. Três virtudes emergem, segundo o filósofo, dessas partes da alma: a
sabedoria (da razão), a perseverança (da coragem) e a moderação (dos apetites
controlados pela razão). No entanto, há uma virtude que, presente na alma,
permite ao homem estabelecer um equilíbrio harmonioso entre as três virtudes
mencionadas: ela é a justiça (dikaiosyne).
11 – A Política, para Platão, espelha a concepção
antropológica que acaba de ser resumida. O Estado repete a estrutura do
indivíduo. Platão deixa claro que entramos na ordem política, não por causa das
nossas virtudes, mas em decorrência das carências que nos afetam. O Estado,
para o filósofo, divide-se em três ordens[8]: a dominante, integrada pelos filósofos ou sábios (representantes da razão
e os únicos que são aptos para buscar a maneira justa segundo a qual os
cidadãos devem pautar a sua vida); em segundo lugar vem a ordem dos guerreiros (que são aqueles que
constituem a parte sensível da alma,
ou que representam a coragem) e a
ordem dos produtores, que
corresponde à parte sensível da alma
(artesãos, comerciantes, camponeses que devem garantir os bens materiais de que
a sociedade carece).
A educação deve ser conduzida rigorosamente pela
Cidade-Estado, a fim de garantir o máximo de eficiência e racionalidade na sua
defesa e na gestão dos assuntos públicos. A
educação para a cidadania (paidéia) deve abarcar a vida toda dos
cidadãos e contempla as seguintes quatro etapas: educação elementar pela música, a poética e a ginástica (até os 20
anos); educação científica, que
abarca: matemáticas, astronomia e ciência da harmonia (deve durar 10 anos); iniciação à dialética ou filosofia
(com duração de 5 anos); educação
política (que consiste na prática da gestão do Estado e que deve durar 15
anos). Após todas essas etapas, o cidadão poderia escolher entre o acesso ao
poder do Estado ou a Vida Contemplativa.
O filósofo cultuava um modelo de gestão total do Estado sobre os cidadãos,
segundo o qual o Rei Filósofo e os seus colaboradores deveriam prever todos os
aspectos da vida privada (concernentes às relações sexuais, à geração dos
filhos, à religião e à educação de jovens e crianças). A idéia seria garantir a
seleção dos melhores para a condução e a administração do Estado, bem como para
a sua defesa. A célula mater da
sociedade não seria, pois, a família, nem o clã, e passaria a ser o aparelho administrativo rigorosamente
controlado pelo Rei-Filósofo. A constituição
do Estado proposto por Platão seria, portanto, uma aristocracia, ou governo dos melhores. Na parte final da sua obra
política (que é constituída pela obra intitulada As Leis, escrita na
velhice), o pensador insistia menos no Rei-Filósofo e enfatizava o papel das
leis (corretamente entendidas pelos cidadãos), na estruturação do regime ideal.
12 – Caminho
pedagógico para a dialética: o diálogo. É através dele que os
homens encontram os conceitos que representam as Idéias. Estas vão se revelando
aos homens dialeticamente, sem
recurso à representação das coisas do mundo sensível. O diálogo entre os humanos possibilita a análise e a síntese dos
conceitos, bem como a formulação de hipóteses
que são examinadas e, logo, aceitas ou rejeitadas. Os personagens presentes nos
diálogos platônicos defendem, deliberadamente, posições opostas, com o objetivo
de examinar as teses, à luz das suas antíteses. Dessa oposição emerge a
verdade.
Sócrates é o personagem principal dos diálogos
platônicos (uma evidente homenagem de Platão ao seu mestre). A interpretação
dos diálogos insere-se numa dinâmica
dialética do pensamento, como foi frisado pouco antes. A estrutura dialogal da
sua obra possibilita ao pensador se esconder por trás da figura de algum dos
interlocutores. A temática tratada nos 25
Diálogos considerados autênticos
é variada: a questão da virtude (que é o ponto central dos diálogos de
juventude), passando pela problemática do conhecimento (Menon e Teeteto,
por exemplo), e chegando à política (A República, As Leis), bem como à
filosofia da natureza (Timeu).
A forma literária dos diálogos platônicos, certamente,
é um instrumento em mãos do pensador para realizar a ponte entre mito e lógos. No pensamento do filósofo, a estrutura da realidade
alicerçada no Sumo Bem e nos Arquétipos nele subsistentes, ocupa o lugar da
antiga teomaquia (ou combate entre os
deuses, que teria dado origem ao Cosmo). O diálogo
equivale, no pensamento platônico, ao rito, na estrutura mítica.
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[1] Cit. por Kunzman –
Burkard – Wiedmann, in: Atlas de la Philosophie, trad.
francesa de Desanti, Droit et alii,
Paris: Librairie Genérale Française,
1993, p. 39
[2] PLATÃO, Diálogos. (Tradução e
notas de J. Paleikat e J. Cruz Costa; seleção de textos de J. A. Motta
Peçanha). 4ª edição. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 106.
[3] Cf. PAIM, Antônio. Roteiro
para o estudo da Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant. Juiz de Fora:
UFJF - Curso de Mestrado em Filosofia, 1984, p. 2, (mimeo.).
[4] PLATÃO. Diálogos – Volume VIII Parmênides
– Filebo. (Tradução de Carlos Alberto Nunes). Belém: Universidade
Federal do Pará, 1974, p. 26-27. Coleção Amazônica – Série Farias Brito.
[5] Cit. por Kunzman –
Burkard – Wiedmann. Atlas de la philosophie, ob. cit., p. 39.
[6] Cit. por Kunzman –
Burkard – Wiedmann. Atlas de la philosophie, ob. cit., p. 39.
[7] PLATÃO. L´État ou la République.
(Tradução francesa de A. Bastien). Paris: Garnier, s/d, p. 271-275.
[8] PLATÃO. L´État ou la République.
(Tradução francesa de A. Bastien). Paris: Garnier, s/d, p. 86 seg.
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