Bartolomeu de Fruosino - Ilustração para o Mapa do Inferno de Dante Alighieri (1430). |
Uma das primeiras obras da narrativa moderna é a Divina
Comédia de Dante Alighieri. Nela, retomando o leitmotiv das obras
medievais (o mundo do Além), numa perspectiva individual que antecipa os
relatos de viagens da literatura do Iluminismo, o florentino conta a visita que
o seu personagem central, ele mesmo, faz ao mundo do além, dividido segundo a
imaginação cristã em três cenários: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Pela
mão do seu guia, o poeta latino Virgílio, Dante percorre os sombrios corredores
do Purgatório e os indescritíveis círculos do Inferno. E da mão da sua amada,
Beatrice, visita as fulgurantes escadarias e caminhos floridos do Paraíso.
Destaca-se, na bela poesia de Dante, a perspectiva humana: os
personagens que povoam o Mundo do além ocupam posições relacionadas ao papel
que desempenharam em relação à cidade do narrador: a sua amada Florença. Para
os amigos, o Céu; para os inimigos, o Inferno, com a incômoda companhia do
diabo em pessoa! Perspectiva bem moderna, aliás. Para os amigos, leia-se:
aqueles relacionados com a construção da Polis dos nossos sonhos, a eterna
lembrança da bem-aventurança. Para os que conspiraram contra esse ideal cívico,
o inferno do esquecimento!
Pois bem: Roberto Jefferson, o ex-presidente do PTB,
condenado no Mensalão, sai do inferno da penitenciária, perdoado pela Justiça,
e se reintegra ao mundo dos cidadãos. A entrevista que concedeu recentemente ao
Estadão
(01-04-2016) dá conta do que ele viu e a memória das trevas fá-lo lembrar daquilo
que constitui a essência do Estado Patrimonial.
No clima escatológico que estamos vivendo, um fato salta à
vista na citada entrevista. Nela, como numa revelação do que se passa nas
entranhas do Estado Patrimonial brasileiro, o ex-parlamentar que assumirá novamente
o seu cargo de Presidente do PTB, dá detalhes de como funciona o aparelho
patrimonialista na alta política.
A fonte de financiamento das atividades do Estado Patrimonial
são as estatais. Sem elas não haveria bala na agulha para os aliciadores de
fidelidades caninas aos donos do poder. Frisa Jefferson: “(A Petrobrás) sempre
foi a empresa elite dos partidos mais poderosos. As estatais no Brasil são o
braço financeiro das corporações sindicais e partidos. Quem financia partido
são as estatais. (...). A estatal é a semente da corrupção no Brasil. Partidos
disputam cargos nas estatais pera seu financiamento. O que vão assaltar nos
seis meses enquanto durar o processo de impeachment é uma loucura. Vai todo
mundo querer fazer caixa, porque ela cai em seis meses. Cobra 100% de comissão aí!”
Ora, a história moderna do Brasil mostra exatamente isso que
Jefferson revela. Os processos modernizadores, desde o Estado getuliano até a
contemporaneidade têm naufragado justamente por causa de que, potencializadas
pela produção de riqueza que o setor privado garantiu, as lideranças políticas
terminaram desviando o caminho do progresso, para garantirem uma ordem
clientelística mantida às custas dos recursos que financiariam a definitiva
entrada do Brasil na modernidade.
O Estado getuliano, pensado na rígida regra do estatismo
castilhista, se louvando, de outro lado, da experiência modernizadora de
Mussolini na Itália, terminou carregando mundos e fundos no financiamento dos
sindicatos dependentes do Estado, pensados como esteios da nova ordem. Os
partidos getulianos nasceram da visão corporativista que arregimentou os
apoiadores do regime, identificados com os que mantinham a sociedade organizada
ao redor dos sindicatos e dos empresários aglutinados em torno ao Estado,
presidido pelo Executivo tecnocrático.
Clima semelhante terminou afetando o regime militar de 64, no
final do ciclo, em meados dos anos 80 do século passado. A pesada estrutura
sindical janguista, herdeira do getulismo, terminou sendo substituída pelo bipartidarismo
artificial financiado pelas estatais que, de 90, no início do ciclo, pularam
para 490 no final desse período. Esse estatismo levou o general Médici, em
viagem presidencial ao Nordeste, a pronunciar a famosa frase: “Estado rico,
país pobre”.
Caem os panos da representação da ópera bufa em que se tornou
a nossa República nestes tempos de lulopetismo cínico e o que vemos pela lente
de Roberto Jefferson? Um panorama semelhante, justiça sendo feita ao passado,
sem a lisura da maior parte dos militares no comando do navio, que terminaram
remediados como entraram, descontados os espertalhões que se locupletaram ao
redor das Estatais e da própria Petrobrás, bem como nas Secretarias chefiadas
por técnicos militares, como a famosa Secretaria Especial de Informática, que
vendeu cara a entrada das empresas ao mundo digital mediante licenças
concedidas a preço de ouro.
Na festa iconoclasta e de cinismo explícito a que estamos
assistindo, o PT deixou claro para que veio: para se locupletar a partir das
estatais, beneficiando aqueles que os apoiam e deixando na sombra do
esquecimento (quando não do cemitério, como aconteceu com Celso Daniel),
aqueles que ousaram colocar obstáculos de monta aos engenheiros da nova ordem
que acabaria com a pobreza no Brasil.
A receita para o mal foi assinalada pelo próprio Roberto
Jefferson na sua entrevista: “Se
queremos país moderno, vamos ter que fazer privatização, porque (ela) não vai
permitir a concentração da corrupção”.
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