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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

ÉTICA E EDUCAÇÃO - CONCEITOS BÁSICOS

(Texto da entrevista concedida por Ricardo Vélez Rodríguez à jornalista Graça Loures, Juiz de Fora, dezembro de 2004)

1)      Quais os conceitos básicos acerca da ética e da moral?

 Os conceitos básicos são três: o de moral, o de ética e o de moral social. A moral consiste num conjunto de normas de conduta, adotado como absolutamente válido por uma comunidade humana, numa época determinada.  A ética consiste no estudo sistemático da moral. A moral social consiste no mínimo comportamental a ser exigido dos membros de uma comunidade, para que esta não se dissolva. Convêm distinguir, no que se refere à moral social, dois tipos: vertical, que ocorre quando aquele mínimo comportamental é imposto, ao resto da sociedade, de maneira autoritária, pela minoria que detém o poder. O outro tipo é a moral social horizontal, que acontece quando o mínimo comportamental é fixado consensualmente pelos membros da comunidade.

É evidente que a moral social horizontal constitui a base cultural para a democracia. Como na nossa tradição republicana (de privatização do poder para beneficiar amigos e apaniguados), as questões de moral social quase sempre foram fixadas verticalmente, estamos longe das condições culturais que embasam uma verdadeira democracia. Somente seremos uma sociedade democrática, quando todos os brasileiros tiverem condições econômicas, políticas e culturais para fixarem, de maneira consensual, os princípios de moral social que servirão de embasamento ao convívio e à legislação. Enquanto isto não for realidade, a nossa democracia será apenas um projeto.

2)      Em que consiste a moral de responsabilidade?

Este é um outro conceito importante. Consiste na moral que exigimos dos homens públicos e que se concretiza quando o governante age pensando nos resultados que da sua ação advirão para a sociedade. Nós vamos julgar Lula não pelas suas intenções, mas observando se o que ele fizer no governo for bom para o Brasil e estiver de acordo com as suas promessas de campanha. Difere a moral de responsabilidade da moral de convicção que deve guiar a nossa vida privada, no seguinte ponto: nós temos de agir consultando sempre a nossa consciência, sem calcularmos se o resultado da ação vai ser aprovado ou não pelos outros. Não devo roubar, não devo pregar mentiras, mesmo se dessa minha convicção resultados negativos acontecerem para mim.

3)      E sobre a ética empresarial?

A ética empresarial é um capítulo muito importante da moral social. Consiste em a empresa ajustar o comportamento dos seus membros a dois critérios básicos: produtividade, de um lado (não podemos renunciar, no caso das empresas, aos critérios do lucro e da produção de riqueza) e preocupação com o bem comum. O lucro não é tudo: a empresa tem também uma função social, que consiste em ela se inserir na comunidade, não agredindo o meio ambiente e levando em consideração o índice de desenvolvimento humano das pessoas. Ética empresarial é o melhor meio de garantir, no mundo de hoje, a produtividade e o lucro de uma empresa. As pessoas estão mais sensíveis, nos tempos atuais, a essa variável ética. Precisamos deixar claro que ser ético é, hoje, o melhor negócio. Ser esperto, passar por cima das pessoas é, cada vez mais, um péssimo negócio.

4)      Fale-nos sobre os conceitos básicos acerca dos valores e da pessoa.

O universo da pessoa é constituído pelos valores. Estes consistem em entidades ideais, de tipo relacional, que se atualizam quando a pessoa valora. O caso típico é o dos valores estéticos: os quadros de Van Gogh, ou de Di Cavalcanti têm valor estético, por exemplo, quando são apreciados. A Nona Sinfonia de Beethoven existe enquanto obra de arte, quando assistimos à sua execução pela Sinfônica Brasileira no Teatro da cidade. Se jamais for executada, a Nona Sinfonia não realiza o seu valor estético. Ora, quem confere valor à obra de arte é o expectador. Por isso é estúpida a posição dos que acham que a apreciação artística é coisa de minorias.Tem muita gente por aí que pensa que arte é privilégio de casa grande, deixando a senzala do lado de fora. Isso é burrice e conspira contra a essência da arte, que consiste em as pessoas apreciarem, cada vez mais, as obras artísticas.

Essa capacidade de as pessoas valorarem estende-se aos valores úteis, à economia. Marx lembrava que, na sua época, algumas pessoas fetichizavam as mercadorias, lhes atribuindo valor absoluto. Ora, o que produz valor é o trabalho humano. E quem valora, em economia, são as pessoas. Uma nota de cem reais na Lua não tem valor algum. Se as pessoas desconfiam umas das outras, não há relações econômicas. Não sou otário de comprar no açougue, quando sei que o açougueiro é ladrão. As relações econômicas são relações de valoração, como tudo no universo das pessoas. Mas, entre os valores, os mais importantes são os morais, porque são aqueles que carimbam a autenticidade da pessoa. Falamos em “boa pessoa”, quando alguém é autêntico. Ora, esse é o valor fundamental que nos torna pessoas. Se não formos morais, se formos insensíveis aos valores éticos, faltar-nos-á o que é essencial ao homem, a sua dignidade moral.

5) Quais os conceitos de moral social na cultura brasileira?

Falei anteriormente que se consolidou, na nossa cultura republicana privantizante do espaço público, uma moral social vertical. Esse modelito é ruim. Consiste na denominada “ética macunaímica” de levar vantagem em tudo, driblando o trabalho produtivo. Ser esperto é o mandamento fundamental dessa aberração. “O mundo é dos espertos”, estamos cansados de ouvir isso na sala de aula, no guichê da repartição pública, no sindicato, em casa. Esse modelo de moral social consolidou-se ao ensejo da conquista predatória feita nestas terras pelos portugueses, e chegou até nós. Apropriamo-nos espertamente do espaço público fazendo grilagem de terras, patrocinando queimadas na Amazônia, colocando no bolso o dinheiro do orçamento municipal, distribuindo cargos públicos entre amigos e parentes sem o menor critério de eficiência, passando para trás os otários que não perceberam que somos amigos dos poderosos de plantão. Essa espertice é a responsável pela desgraça de termos, no Brasil, cidadãos de primeira e de segunda. Se pertencermos ao Partido atualmente no governo, estamos feitos. Se não conseguirmos nos colocar bem situados na escala do poder, estamos perdidos. Vale na nossa cultura o “você sabe com quem está falando?”. A Lei tem peso para quem está por fora do privilégio. Essa é a verdadeira causa do nosso atraso. E essa é a causa da desvalorização do conceito de cidadania. O cidadão brasileiro, como afirma Roberto Da Matta, é um pobre João ninguém que tem vergonha de si mesmo.

6) Como deveria ser o comportamento ético das empresas em face de um mundo globalizado?

No mundo globalizado, como frisei anteriormente, as pessoas estão cada vez mais sensíveis ao perfil ético das empresas. Firmas que não respeitam o meio-ambiente, que abrigam trabalho escravo ou infantil, não conseguem credenciamento internacional para exportarem os seus produtos. É evidente que ainda há muito caminho para andar. Mas as coisas estão ficando cada dia mais difíceis para os espertinhos. O melhor investimento que uma empresa pode fazer para se inserir no mundo globalizado é preparar o seu pessoal do ponto de vista ético, investindo na formação humanística dos executivos e dos funcionários em geral, e estimulando a criação dos Conselhos de Ética na empresa.

7) Como fica a integração mundial via redes?

Ela está aí, gostemos ou não. Não adianta assumir, em face da globalização, uma atitude infantil, do tipo: as velhinhas quebram a perna no buraco da rua porque existe a lei da gravidade; derroguemos, portanto, essa maldita lei... Algo semelhante observou-se há alguns anos, em assembléias universitárias, onde se votava contra a globalização. A integração mundial via redes é uma bênção tecnológica, que podemos utilizar para baratearmos custos no comércio, para agilizarmos a vida dos pacientes nos hospitais, para renovarmos o ensino. O mundo moderno assiste a fenômenos paradoxais, onde as pessoas comunicam-se via rede, como na preparação dos Fóruns Sociais Mundiais, para valentemente jogarem pedras na globalização e nos transgênicos. Já diziam os Romanos: “Infinitus stultorum est numerus” (“O número dos imbecis é infinito”).

8) A sociedade contemporânea aponta cada vez mais para a diminuição do trabalho e o aumento do tempo livre. Estamos caminhando para o ócio?

Sem dúvida que sim. O pensador italiano Domenico de Massi lembrava, numa das suas obras, que, dos seis bilhões de seres humanos que habitam a espaço-nave Terra, somente trabalham dois bi. O resto são crianças, ou aposentados, ou pessoas que esperam uma oportunidade para trabalhar. Não há dúvida de que o tempo livre hoje é uma constante. Ora, as pessoas foram programadas para o trabalho, ao longo da Era Industrial. Precisamos pensar no que vamos fazer quando nos aposentarmos, ou quando as condições de trabalho mudarem de tal forma que possamos ficar mais tempo em casa. O primeiro que se preocupou em discutir este assunto foi Lorde Maynard Keynes, nos anos vinte do século passado. Hoje é uma realidade que o tempo livre das pessoas aumentou. Daí porque, por exemplo, as empresas do que os americanos chamam de entertainment, são as que mais crescem. Aqueles que vendem serviços nessa área, como os futebolistas, os cantantes de música pop, os esportistas das grandes ligas dos Estados Unidos, são os que mais faturam. Todo mundo está com tempo livre para administrar.

O entretenimento é a grande jogada. Este é um filão que os educadores e as Universidades apenas estão descobrindo aqui no Brasil. O estudo das Humanidades deveria ser um produto oferecido ampla e abertamente pelas nossas escolas. O ser humano se amarra em conhecer como os seus antepassados viviam, quais eram os seus valores, como enfrentavam as incertezas da finitude, da doença, da morte, quais os seus anseios, etc. O melhor entretenimento deveria ser algo ligado ao estudo da história da cultura. Seria legal podermos conhecer como pensavam os Assírios, os Romanos, os Egípcios, os Maias, os Tucano, os Tupi-guaranis, os homens da Idade Média ou da Renascença. Ora, isso é cultura. Ainda estamos engatinhando em matéria de massificação de estudos humanísticos no Brasil. As pessoas querem saber. Mas os administradores do conhecimento ainda pensam com mentalidade profissionalizante ou de casa grande, como se os conhecimentos humanísticos fossem coisa de especialistas ou de minorias. Todo mundo, principalmente o povão, quer conhecer, se ilustrar. Não podemos sonegar essa riqueza aos nossos semelhantes.

9) Em um futuro bem próximo seria possível prosseguir com a educação sem ter o professor como mediador?

Certamente não. O professor como mediador é essencial. Só que a forma de se realizar essa mediação está mudando aceleradamente. Em primeiro lugar, destaquemos que a figura do professor como formador ainda é, ao lado dos pais, algo essencial para a educação da criança no ciclo básico. Hoje, com o desajuste da família, os pais se encostam, de forma comodista, na escola. Isso está errado. A crise da família é um dos nossos grandes problemas. Não podemos descarregar nos mestres toda a responsabilidade pela formação moral das nossas crianças. Os pais têm aí um papel fundamental. Valores morais são assimilados pelas crianças, no lar, via exemplo e vivência. Uma criança que não é amada no lar, dificilmente vai saber o que é solidariedade. Uma criança que assiste diariamente a cenas de violência e injustiça, no seio do seu lar, certamente terá problemas de desajuste social. Pressupondo que os pais são os primeiros responsáveis pela formação dos valores essenciais na criança, aos mestres compete completar essa formação, notadamente no terreno da moral, mediante o exemplo e a denominada “educação para a cidadania”, que deve ser ministrada nas quatro séries iniciais do Primeiro Grau. Uma escola que permite a discriminação das crianças por aparência, sexo, cor ou classe social, deseduca em termos éticos.

Todas as escolas deveriam ter os Conselhos de Ética, que zelassem pela reta educação moral dos alunos. Não se trata de comitês de moralismo, nem de juntas de censura. Trata-se de institucionalizar a reflexão sobre matérias éticas e acerca da forma em que cada escola está correspondendo a essa exigência. Como as questões morais não estão predeterminadas em manual, mas decorrem da reflexão diuturna em face da experiência cotidiana, os Conselhos de Ética são um mecanismo essencial ao bom andamento da escola. Infelizmente, no Brasil, as questões ligadas à ética foram relegadas a um segundo plano, como se se tratasse de algo de que não se pudesse falar em público. Ora, se a ética é a base da vida social, devemos falar muito nela, refletirmos muito sobre a forma em que está acontecendo o ato de educar em face dos valores morais. No caso da Universidade, a formação do bom profissional não se limita ao estudo das técnicas e das teorias. É necessário cuidar, também, dos valores que vamos incutir nos novos profissionais. Advogados inescrupulosos certamente levarão à sociedade mais advogados inescrupulosos, quando os seus discípulos se “deformarem” numa visão distorcida do direito. Médicos imorais, que não dão o mínimo valor à pessoa humana e que só pensam em faturar e em dominar, jogarão nas veias da vida social o sangue contaminado de mais médicos desumanos. Bons profissionais, ao contrário, formarão profissionais competentes e a serviço das suas comunidades.

10) Quais as exigências educacionais dos novos sistemas comunicativos?

A primeira exigência é que o governo, nas suas várias instâncias (municipal, estadual, federal), passe a valorizar verdadeiramente os investimentos em educação. No Brasil, entra governo e sai governo e, em matéria da valorização da educação, tudo fica como “dantes no quartel de Abrantes”. É um crime dos políticos. Educação deveria ser algo sagrado. Preparar os mestres dos nossos filhos, esse deveria ser assunto de primeira linha. O que se vê é o menosprezo dos políticos em face dos nossos mestres. Professorinhas primárias ganhando salário mínimo, mestres sem a menor condição de aperfeiçoamento nos seus estudos, concursos que são feitos sem que os governos estaduais ou municipais jamais tomem providências para preencher os cargos (mantendo uma massa enorme de manobra para “negociar” em época de greve), são fatos de todos os dias. E os políticos o que fazem? Fabricam pesquisas de opinião mostrando que têm altíssimos índices de aprovação, apresentam como ideal de administração a extinção do déficit público, sem que tenha havido diminuição nos gastos secundários do governo com aviões, ministérios inúteis e mordomias, mas tendo extinguido bravamente cargos essenciais ao bom andamento dos projetos educacionais. É muito cinismo. Acho que o Brasil, em matéria educacional, não está fazendo o dever de casa.

Em segundo lugar, deveria ser criada já, no nosso país, a Universidade Federal de Ensino à Distância (de forma semelhante a como fizeram os socialistas espanhóis na década de 80), para garantir a cada um dos nossos mestres de ensino primário e secundário a possibilidade real de se formar e aperfeiçoar no domínio das novas tecnologias e nos conteúdos programáticos, passando a ganhar dignamente e sem ter de sair das suas comunidades. Na Espanha, hoje, qualquer mestre de ensino primário ou secundário pode fazer licenciatura, especialização, mestrado e doutorado on line, com um custo baixíssimo e sem ter de se afastar da sua cidade. Isso seria perfeitamente viável no Brasil. Essa idéia não constitui ainda prioridade política. Sinceramente, fiquei decepcionado com o governo do PT quando o ministro que poderia ter levado adiante essa tarefa foi demitido à distância (pelo telefone). Logo o PT que fala tanto em cidadania e em direitos humanos!

Juiz de Fora, 27 de Dezembro de 2004.


segunda-feira, 10 de setembro de 2018

A FACA, A RUA, A MULTIDÃO E O MECANISMO: O TERRORISMO NO CENÁRIO ELEITORAL

Algoz e vítima 2 minutos antes do ataque. Foto: Fábio Mota, O Estado de S. Paulo, 9-9-2018, p. A6.

Os acontecimentos da rua Halfeld, em Juiz de Fora, na quinta-feira 6 de setembro, deixaram uma lição: "O Mecanismo"  funciona. (Refiro-me à série de TV, lançada a começos deste ano e dirigida por José Padilha, Felipe Prado e Marcos Prado, que se debruça sobre as práticas de corrupção e violência sistêmicas introduzidas pelo PT, ao ensejo do Petrolão e que foram objeto da Operação Lava-Jato) .

Na arruaça que quase põe fim à vida do candidato Jair Bolsonaro revelou-se a ponta do iceberg do crime organizado, que motivou o famoso seriado da Netflix. Além da estrutura empresarial para roubar dinheiro público à sombra da Petrobrás, foi posta  em prática, pelos petistas, a tecnologia high tech do terrorismo midiático: a arruaça para movimentar a opinião pública e plantar a incerteza. Essa escalada já tinha mostrado a sua cara na confusão realizada pelos apoiadores de Lula quando da decretação da sua prisão, ao ensejo da visita  de despedida (com direito a show litúrgico e tudo o mais), que o condenado fez à sede do sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo, em abril deste ano. A escalada midiática foi repetida, depois, nas chicanas jurídicas que os causídicos do PT têm feito sucessivamente perante os tribunais, com a finalidade exclusiva de tumultuar o processo eleitoral e conferir visibilidade ao mandante de todo o esquema, o presidiário Lula. 

O empreendimento midiático fundamentou-se em pífia prova: um documento assinado por dois membros do Comitê de Direitos Humanos da ONU (integrado por 18 participantes), que exigiam a imediata libertação do Lula para que pudesse participar da campanha presidencial e das eleições. Ora, o documento não tem valor legal, pois o tal Comitê não possui nenhuma autoridade sobre os governos dos países filiados ao organismo internacional.

Mas voltemos à tecnologia da arruaça para conquistar audiência. No mundo globalizado de hoje, ela não é novidade. Trata-se de, com eventos produzidos a partir da cotidianidade, gerar a incerteza e plantar o sentimento de terror nas grandes massas, como nos atentados de 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas, em Nova York, que deram origem à forma até então inédita da guerra global. Simples decolagens de aviões de carreira tornaram-se, então, em mãos dos terroristas, eventos trágicos que movimentaram a opinião pública mundial, colocando em destaque o novo tipo de ator que aparecia na guerra high tech: o fundamentalista.

Essa modalidade delitiva foi rapidamente copiada por terroristas pelo mundo afora, gerando, ao longo do Planeta, a insegurança e o terror entre as mais variadas sociedades, desde as prósperas classes-médias estadunidenses (com ataques a bomba, como na maratona de Boston, em 2013), ou com os costumeiros tiroteios indiscriminados, passando pelas cidades europeias (com carros sendo jogados sobre pedestres na Inglaterra, na França, na Espanha e na Alemanha), com tiroteios como o que vitimou jornalistas do semanário Charlie Hebdo em Paris, no bar Bataclan e outros lugares da capital francesa em 2015 e com atentados terroristas no metrô de Moscou (em 2010) efetivados pelos militantes chechenos. A nova onda do terror global golpeou inclusive os mais pobres no Planeta como no Egito, na Nigéria e outros países  africanos, que conheceram também as desgraças do terrorismo midiático com as espetaculares investidas da Irmandade Muçulmana  e do Boko Haram contra indefesas populações civis. Isso para não falar do costumeiro terrorismo que mata indiscriminadamente na Síria, no Iraque, no Paquistão, no Afeganistão, etc.

Essa tecnologia da morte e da ameaça universal espraiou-se também pela América Latina, com a violência generalizada expandida no México e em outros países pelos cartéis da droga. O Brasil (com os nossos mais de 60 mil assassinatos por ano) não ficou alheio a esse mal. São conhecidos os espetaculares procedimentos terroristas dos "Salves" do PCC, que foram colocando em mãos dos marginais da sigla os presídios de norte ao sul do Brasil. Dividendos políticos começaram a aparecer ao longo dos anos dos governos petistas, com os meliantes desatando ondas de violência sistemática que abarcavam desde assassinato continuado de policiais até incêndios de veículos de transporte coletivo, notadamente em estados governados pela oposição ao PT como São Paulo, Santa Catarina, Paraná, etc. No Rio de Janeiro já tinha se sedimentado o terrorismo dos narcotraficantes contra a população civil e os agentes policiais desde finais do século passado, o que conduziu à atual intervenção federal na área de segurança. Na Colômbia, a nova onda de terror povoou de vítimas fatais as cidades do interior do país na guerra desatada pelas FARC e pelos cartéis das drogas contra o Estado (ao longo do período que vai de 1990 até 2002). Essa guerra foi, no sentir de um estudioso francês, "uma guerra contra a sociedade".

A arruaça da rua Halfeld e a tentativa de assassinato do deputado Jair Bolsonaro desmoralizaram a Polícia Federal que fazia a segurança do candidato. A vítima, carregada nos ombros dos policiais federais, recebeu a estocada assassina que quase a mata. A Polícia Federal, ferida na sua honra, reagiu com rapidez, prendendo e isolando o meliante, e pedindo à Justiça que o colocasse rapidamente numa prisão federal de alta segurança. 

Falta que sejam cumpridas outras providências, como prender os outros membros da quadrilha que certamente estava na rua dando apoio ao criminoso mor, como revelam vários vídeos postados nas redes sociais. Sabe-se que até uma funcionária pública do setor bancário teria participado, entregando a faca ao executor, pois foi identificada num desses vídeos. Falta que seja esclarecido de onde provieram os fartos recursos financeiros que pagaram a turma dos meliantes da Rua Halfeld e quem contratou em tempo recorde a banca de advogados para defender o criminoso. Falta que seja divulgado à opinião pública o roteiro dos terroristas em Juiz de Fora, em Minas Gerais e em outros estados. O meliante principal já tinha seguido os passos da sua vítima em Santa Catarina. Falta identificar os militantes que nas redes sociais postaram, antes do atentato contra Jair Bolsonaro, mensagens em que pediam claramente o assassinato dele. É necessário que tudo seja plenamente esclarecido perante a opinião pública, inclusive elucidando se houve - como parece - partidos políticos que atuaram por trás da iniciativa criminosa e que sejam chamados às suas responsabilidades, perante a lei, aqueles que a tenham transgredido acobertando ou facilitando a ação terrorista. E que celeremente sejam colocados atrás das grades todos os envolvidos na tentativa de assassinato.

Algumas conclusões: em primeiro lugar, deve ficar bem claro perante a opinião pública que o monopólio do uso legítimo da violência é do Estado, representado no caso da segurança pública pelas suas instituições: Ministério Publico, Magistratura, Forças Armadas e Forças Policiais. Acho muito pertinente o alerta dado pelo Comandante do Exército, general Vilas Boas,  na sua entrevista de domingo passado ("Legitimidade de novo governo pode até ser questionada", O Estado de S.Paulo, 09/09/2018, p. A4), quando, se referindo às chicanas jurídicas realizadas pelos advogados de Lula, frisou: "O pior cenário é termos alguém sob judice, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro governo e dividindo ainda mais a sociedade brasileira. A Lei da Ficha Limpa se aplica a todos. (...). As Forças Armadas são instituições de Estado, de caráter apolítico e apartidário. (...). A postura e a conduta das Forças Armadas serão exatamente as mesmas em um governo de esquerda ou de direita, sem fulanizar (...)". Os protestos da presidente do PT e da militância petista contra a autoridade moral do Comandante do Exército são apenas esperneios de afogado. Não têm nenhuma legitimidade. 

Em segundo lugar, na atual campanha é de primordial importância que rigorosos protocolos de segurança sejam adotados, imediatamente, pela Polícia Federal, a fim de garantir efetivamente a integridade física dos candidatos, impedindo, por exemplo, como ocorreu em Juiz de Fora, a indiscriminada mistura deles com a multidão. A PF já aumentou o número de agentes que cuidarão da segurança dos candidatos

Em terceiro lugar, a última instância do Judiciário Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, deve cumprir a contento com a sua missão de garantir o respeito à Constituição e a sadia aplicação das leis. A prática de solturas inesperadas de presos condenados, como ocorreu com José Dirceu, um conhecido e perigoso agitador, deve cessar imediatamente. Os juízes togados do Supremo não podem, com as suas decisões esdrúxulas de soltura indiscriminada de meliantes condenados, espalhar a insegurança jurídica que hoje campeia.

Em quarto lugar, a sociedade brasileira já está dando a sua resposta, no apoio incondicional que tem externado ao candidato Jair Bolsonaro, via redes sociais e em manifestações públicas, como a carreata que teve lugar em Fortaleza, no domingo passado. Os índices nacionais de preferência do eleitorado pelo candidato ferido na rua Halfeld aumentaram sensivelmente no início desta semana.

sábado, 8 de setembro de 2018

UMA SEMANA SOMBRIA, ENTRE INCÊNDIOS E FACADAS



Vi e não gostei da sabatina que, na sexta-feira 7 de setembro, à noite, a Globo News fez ao candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro à Presidência da República. De novo o jornalismo fazendo o jogo global. Parece que os profissionais da emissora têm um ponto de vista solidificado: é um delito no Brasil ser conservador. Ora, o que mais se critica na imprensa contra Bolsonaro é o fato de ele representar os interesses conservadores da sociedade. É chamado de radical porque levanta uma bandeira que incomoda à esquerda. 

A grande preocupação dos amedrontados jornalistas (o ar compungido foi manifesto em todos eles) era com a atitude que as Forças Armadas tomariam em face da dissolução pela que passa o nosso país. O general Mourão, respeitando a recomendação de Bolsonaro, que lhe ligou desde o hospital, não aprofundou nas questões prementes de segurança e de dissolução das instituições. É compreensível a sua atitude num momento em que o cabeça de chapa se recupera da violência que quase o leva à morte em Juiz de Fora. 

Mas, como diria Galileu Galilei (1564-1642) aos inquisidores na saída do tribunal, após se ver obrigado a negar que a Terra gira ao redor do Sol ("Eppur si mouve", teria dito o cientista perseguido: ou seja: "E  a Terra continua, no entanto, se movimentando"), em que pese a censura do tribunal e a burrice dos inquisidores. Pois em que pese o clima global que pretende aliviar a responsabilidade dos socialistas, a coisa continua ruim no Brasil. E o maior responsável é a esquerda incompetente, covarde e corrupta que nos levou a este beco sem saída.

Como frisava na sua coluna "Avenida Paraná" o amigo jornalista Paulo Briguet ("Esfaquearam você", Folha de Londrina, 8 e 9 de setembro de 2018, p. 8), "A tragédia brasileira parece não ter fim. Em plena Semana da Pátria, o Museu Nacional foi destruído por um incêndio e um candidato presidencial sofreu um atentado terrorista. O incêndio ocorreu em 2 de setembro, no dia e no lugar em que a Imperatriz Leopoldina assinou a Declaração de Independência. O atentado ocorreu em 6 de setembro, véspera do Grito do Ipiranga. O simbolismo dos acontecimentos grita aos ouvidos e salta aos olhos: é como se alguma poderosa força do mal impedisse a liberdade de raiar no horizonte do Brasil".

É claro, meridianamente claro, que o que ocorre hoje no nosso país foi plantado pelos quatorze anos de desgovernos petistas. Os petralhas conseguiram fazer com que a economia afundasse, não contentes com os repetidos atentados à estabilidade das instituições perpetrados pelos populistas Lula e a sua sucessora, Dilma. Mensalão, petrolão, pedaladas fiscais, tudo aquilo que tem sido desvendado pela Operação Lava-Jato foi urdido cinicamente pelos engenheiros do caos nas sombras do Planalto. 

O incêndio que consumiu a nossa memória no Palácio Imperial do Campo de Santana foi deflagrado na incompetência continuada dos gestores da UFJF, provenientes da esquerda radical. E o terrorista que atentou contra o candidato em Juiz de Fora não era um "lobo guará solitário". Era militante a serviço da radicalização esquerdista, como revelam as primeiras evidências divulgadas à imprensa.

A Polícia Civil de Juiz de Fora, bem como a Polícia Federal estão fazendo o seu trabalho de identificação dos nexos que o criminoso tinha e do seu percurso por vários estados nos meses anteriores ao atentado, seguindo os passos da vítima. Para isso precisava de apoio financeiro. O advogado que apareceu para defendê-lo certamente está sendo pago por alguém. E alguém pagou os deslocamentos e a manutenção do criminoso na sua passagem por Santa Catarina e nos seus deslocamentos em Minas Gerais. Nas redes sociais apareceram, antes do atentado, mensagens de ativistas incentivando a radicalização em Juiz de Fora. De tudo isso, com certeza, os peritos policiais estão tomando nota e fazendo as investigações do caso.

Para bem do Brasil e tranquilidade de todos nós, esperamos que as investigações cheguem a feliz término, indicando a rede de responsáveis pelo cruel atentado. Esperamos, também, que o Judiciário saiba conter os ímpetos anarquistas de Lula, que se dedicou nos últimos meses a fazer chicana perante os tribunais, a fim de conturbar mais ainda o já incerto panorama nacional. Já é uma afronta o Supremo ter liberado um ativista perigoso como José Dirceu, sem que tenha cumprido a condena a que foi submetido pela Justiça ordinária. 

Esperamos, finalmente, que o candidato Jair Bolsonaro se recupere completamente das graves lesões que sofreu no atentado, a fim de que possa culminar a sua corajosa campanha em defesa da classe média, tão aviltada nestes tempos de populismo apátrida.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

DA PROIBIÇÃO DO ÁLCOOL ÀS POLÍTICAS DE SEGURANÇA (Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo, em 25/08/2018)


A Câmara Municipal de Londrina aprovou a lei do prefeito que proíbe o consumo de bebidas alcoólicas nas ruas da cidade. O texto sofreu modificação no Legislativo, proibindo a ingestão de álcool apenas no período noturno. Uma emenda deve fazer nova alteração quando o texto for discutido em segunda votação.

A notícia é positiva. Vai de encontro à busca do sossego. Chega de consumo indiscriminado de álcool à noite nas ruas, o que traz riscos à segurança dos cidadãos, à tranquilidade dos lares e à formação dos nossos jovens.

Considero, contudo, que os vereadores, o prefeito, os empresários e a sociedade deveriam pensar em políticas públicas mais arrojadas, para trazer redução verdadeira da violência. Por que não adotar, no município de Londrina, uma política de incentivo à cultura para afastar os jovens e adolescentes do consumo das drogas e do álcool? O remédio seria, como se fez na Colômbia nos últimos quinze anos e como se faz, hoje, na Finlândia, fomentar o lazer sadio das famílias e a educação básica de qualidade, a fim de combater na sua raiz o consumo de drogas.

Em Medellín, Bogotá e outras cidades que, na década de 80 do século passado, apareciam como os lugares mais violentos do mundo em decorrência do narcotráfico e da violência daí decorrente, os prefeitos adotaram a criação de parques / bibliotecas nas áreas mais perigosas da cidade, ali onde imperavam os traficantes e os membros das milícias.

O ponto de partida foi a identificação dos lugares onde os marginais mandavam. Foram identificados, inicialmente, 3 lugares em cada uma dessas cidades, ali onde a polícia não entrava. Comandos da Polícia e das Forças Armadas, sob a liderança do prefeito, entravam nesses lugares, após a inteligência policial ter identificado os meliantes e os prendiam. 120 dias após a intervenção, o prefeito entregava à comunidade um conjunto de obras denominado de parque / biblioteca que constava de: escola municipal com creche, quadra de esportes com campo de futebol, posto de saúde, delegacia policial, agência bancária e acesso ao transporte de massa (metrô em Medellín e “Transmilênio”, ou corredor de ônibus expressos em Bogotá).

O resultado da intervenção foi que em um ano a violência despencou: em Medellín chegou a cair 90 %. Em Bogotá caiu 60% no mesmo lapso de tempo. Um verdadeiro milagre, que levou os prefeitos a levar essa iniciativa para outros bairros das suas respectivas cidades. Hoje, os parques / biblioteca estão por todo lado, chegando a mais de dez regiões que se espalham nessas duas cidades. Estive em Medellín e Bogotá em 2007, com uma comitiva da Confederação Nacional do Comércio (que contava com 38 empresários), verificando os surpreendentes resultados obtidos. Era necessário ver para acreditar.

Pergunta que todo mundo faz: quem financiou essas obras? Resposta: foram feitas na modalidade de parcerias público-privadas, financiadas num 90% com recursos colombianos. Os outros 10% vieram de ajudas internacionais. Se levarmos em consideração que a Colômbia é um país mais pobre que o Brasil, a possibilidade real de financiamento de empreendimentos dessa modalidade em cidades brasileiras certamente é possível. Basta vontade política da sociedade e do governo. 

Nas cidades colombianas a iniciativa partiu das Câmaras de Comércio. Em Londrina a iniciativa talvez pudesse ser estimulada pela Associação Comercial.


quinta-feira, 16 de agosto de 2018

TERRA DE PROMISSÃO À VISTA


Estou incomodado com os comunas oportunistas que acham que os seus fajutos princípios de morte ao indivíduo e à liberdade vão ser aceitos mais uma vez. Não é que alguns intelectuais soi disants "socialistas civilizados" estão tentando vender sua maluca versão de que Lula & Comparsas roubaram porque são de direita, enquanto eles, os socialistas intelectuais puros, vão salvar o Brasil?

Pois bem: essa é uma das hipóteses levantadas pelo professor Luiz Werneck Vianna no seu artigo publicado no Estadão ("Terra à vista" 4 de agosto). O que acontece de verdade é o seguinte: Lula & Comparsas são de esquerda, da esquerda vulgar e comuna, e roubaram tanto que desqualificaram a esquerda dita moderada de Fernando Henrique Cardoso & Companhia e de outros segmentos messiânico-intelectuais.

A verdade nua e crua é que a esquerda brasileira está mortinha da silva. Como alternativa só nos resta a opção liberal-conservadora de defesa do indivíduo, de luta pela liberdade e a livre iniciativa, de preservação corajosa das nossas tradições cristãs. O conservadorismo liberal é a solução. Na atual campanha, com certeza, essa alternativa não é defendida nem por Alckmin, nem por Boulos, nem pela Marina, nem pelo Ciro, nem muitíssimo menos pelo Haddad (que já vestiu a fantasia de poste da vez do Lularápio).  Sejam honestos, senhores intelectuais ditos "progressistas". Não tergiversem a história. A esquerda mergulhou fundo junto com a roubalheira petista.

Todos aqueles que acreditaram no Lularápio estão desacreditados. Não venham dizer que o Lula roubou porque era conservador! Haja paciência! Não nos insultem acreditando que vamos engolir essa pérola "progressista". FHC e os tucanos pelo menos já desceram do muro e disseram, pela boca do seu chefe, que num segundo turno não terão problema em fazer aliança com os petistas, para derrotar os liberais e conservadores e dar sobrevida à esquerda larápia que saqueou o Brasil.

A esquerda está desprestigiada e o eleitorado busca opções ligadas ao liberal-conservadorismo, aquele de John Locke, de Immanuel Kant, de Edmund Burke, dos Patriarcas da Independência Americana, de Tocqueville, de Madame de Staël, de Constant de Rebecque, de Silvestre Pinheiro Ferreira, de José Bonifácio, dos nossos imperadores Dom Pedro I e II, dos estadistas do Império como o Visconde de Uruguai, de Assis Brasil, de Gaspar da Silveira Martins, de Rui Barbosa, de Miguel Reale, de Gilberto Paim, de Paulo Mercadante, do mestre Eugênio Gudin, de Og Leme, de Donald Stewart, de Hayek e Von Mises, de Roberto Campos, de Meira Penna, de Olavo de Carvalho, de Carlos Lacerda, de Antônio Paim e os seus discípulos como Ubiratan Macedo e de tantos outros que defenderam e ainda defendemos a liberdade com coragem e sem medo de confronto com os fantasmagóricos esquerdistas.

Os contornos da luta eleitoral que já está em curso vão se definindo aos poucos. Ficaremos do lado dos que, inspirados nas soluções liberal-conservadoras, apostam na defesa da liberdade e da tradição cristã no Brasil do século 21.

Temos, sim, "Terra à vista", não aquela embalada num pacote falsamente progressista e anunciada pelo professor Werneck Vianna, que oculta os vícios de sempre, de privatização do poder e das suas vantagens para poucos, mas aquela "Terra de promissão" que defende a liberdade para todos contra o estatismo, e que luta sem medo pela preservação dos valores mais caros da nossa tradição brasileira, republicana e cristã.

domingo, 5 de agosto de 2018

RECORDANDO RAYMOND ARON (1905-1983) - João Carlos Espada (Artigo publicado no jornal Observador, de Lisboa, em29-07-2018)


Recordando Raymond Aron (1905-1983) 

  •  Diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa - espadajc@gmail.com
As Memórias de Raymond Aron foram agora publicadas entre nós, 35 anos depois da publicação original. Por que motivo foi Aron em França odiado pela esquerda e respeitado pela direita — mas à distância?
As Memórias de Raymond Aron acabam de ser publicadas entre nós pela editora Guerra & Paz. Como observei nas minhas sugestões de livros para férias, a publicação ocorre 35 anos depois da publicação original em França pela editora Julliard. O evento é sem dúvida digno de nota.
Espero que possa ser um sinal de que existem hoje entre nós mais admiradores de Raymond Aron do que havia na altura da sua morte, em Outubro de 1983, poucos meses depois da publicação das suas Mémoires. Nessa época, fui convidado pela RDP 2 (creio que era assim que se chamava) para coordenar um programa emitido ao longo de vários dias (talvez meia hora por dia, não me recordo exactamente) sobre a vida e a obra de Aron. Costumo dizer que foi um sinal de pluralismo radiofónico — mas também da escassez de admiradores de Raymond Aron entre nós.
Essa escassez era particularmente intrigante, uma vez que a nossa cultura política era sobretudo dominada pela influência da cultura política francesa — o que aliás aconteceu ao longo de quase todo o século XX (para dizer o mínimo). Mas a verdade é que o próprio Raymond Aron, sendo francês, nunca foi particularmente reconhecido em França. Odiado pela esquerda marxista, era por esse motivo respeitado pela direita — mas à distância.
As razões do ódio da esquerda marxista a Aron são relativamente simples e podem resumir-se no título da sua obra de 1955, O Ópio dos IntelectuaisTrata-se de uma eloquente crítica da mitologia das esquerdas de inspiração marxista: o mito da ‘esquerda’, o mito da ‘revolução’ e o mito do ‘proletariado’, culminando no mito do ‘determinismo histórico’. Juntamente com A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, de Karl Popper (publicado em inglês em 1945 e, entre nós, traduzido em… 1990, reeditado em 2012), O Ópio dos Intelectuais permanece uma das mais devastadoras críticas ao marxismo.
Mais interessantes são os motivos da desconfiança da direita francesa relativamente a Aron. No plano meramente político, esses motivos decorreram certamente da independência pessoal de Raymond Aron, que nunca foi um “incondicional” de qualquer partido, nem sequer do General De Gaulle. Tendo dirigido em Londres, durante a II Guerra, a revista da resistência Gaullista, La France libre, Raymond Aron mais tarde distanciou-se do General em várias ocasiões, sobretudo a propósito da animosidade gaullista relativamente aos EUA e a Inglaterra.
E este é talvez o ponto central da respeitosa distância da direita francesa relativamente a Aron: ele era visto como expressão da chamada “escola inglesa” na tradição cultural e política da França. Esta “escola” inclui autores famosos como Montesquieu, Guizot, Tocqueville e Elie Halévy. Pelo menos no caso de Tocqueville, Aron foi sem dúvida o grande responsável por ter-lhe devolvido em França a respeitabilidade de que a sua obra sempre desfrutou no mundo de língua inglesa.
Basicamente, Aron concordava com Tocqueville no contraste que este estabelecera entre a cultura política francesa e a cultura política de lingua inglesa. Este contraste assentava entre, por um lado, a histórica “oscilação da França entre a servidão e o abuso”, entre a contra-revolução e a revolução, e, por outro, a evolução gradual e parlamentar do mundo de língua inglesa.
Seria impossível resumir aqui os factores explicativos a que Tocqueville e Aron atribuíam este contraste entre o espírito revolucionário e contra-revolucionário da França e o espírito reformista dos povos de língua inglesa. Mas pelo menos dois factores devem ser recordados.
Em primeiro lugar, a limitação do poder do Estado e a primazia concedida à liberdade da sociedade civil sob a lei, na tradição de língua inglesa. Como observou Tocqueville, o fanatismo estatista jacobino contra o pluralismo da sociedade civil foi em grande medida um prolongamento, de sinal contrário e muito mais acentuado, do estatismo do Antigo Regime absolutista francês. Por contraste, o regime inglês assentava na limitação do poder do Estado desde a Magna Carta de 1215 — e a sua última revolução, de 1688, fora feita com o modesto propósito de restaurar essa tradição.
Em segundo lugar, o cepticismo dos povos de língua inglesa relativamente a teorias gerais, por contraste com o fascínio da cultura política francesa precisamente por teorias gerais e abstractas.
A conjugação destes dois factores é fatídica. Se a mais pequena diferença de opinião for interpretada como expressão de uma diferença fundamental entre doutrinas abstractas e incompatíveis; se o papel do Estado for entendido como o de uniformizar (ou talvez “ilustrar”, ou talvez “libertar”, ou talvez “doutrinar”) a sociedade civil, de acordo com a correcta doutrina abstracta; se estes dois factores se conjugarem, temos aqui a receita para aquilo que Aron e Tocqueville designavam como “o estéril conflito entre o Antigo Regime e a Revolução” ou para “a perpétua oscilação entre a servidão e o abuso”.
Raymond Aron não terá caído na tentação de fornecer uma contra-receita para contrariar a receita revolucionária das cultura políticas inflexíveis de inspiração francófona. Mas, em O Ópio dos Intelectuais, ele descreveu a cultura política reformista inglesa da seguinte forma:
 “O inglês é tentado a acreditar que ninguém fora da sua ilha feliz será capaz de jogar cricket ou o jogo parlamentar. É uma curiosa mistura de arrogância e modéstia, que talvez possa ter a sua recompensa: os povos da Índia, de África e de outros lugares, educados e emancipados pelos britânicos, vão continuar a jogar cricket e o jogo parlamentar” (p. 235 da edição inglesa).
PS:Acabo de ler numa notícia meteorológica do Daily Telegraph de Londres uma inesperada e não intencional homenagem a Raymond Aron. Parece que uma das mais graves consequências da onda de calor que tem afectado o Reino Unido foi a alteração sem precedentes do código de vestuário do MCC (Marylebone Cricket Club, de Londres): os sócios foram pela primeira vez, na centenária história do clube, autorizados a entrar sem vestir o casaco, enquanto no passado apenas ocasionalmente eram autorizados a tirar o casaco quando assistiam aos jogos — mas nunca a entrar no clube sem o casaco vestido.



O grande sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983) e a sua obra Memórias, que acaba de ser publicada pela Editora Guerra&Paz, de Lisboa.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

O ESTADO FRATURADO

Este artigo, resumido, foi publicado na edição do dia 03 de agosto de 2018 do jornal O Estado de S. Paulo, pg. A2. [ https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-estado-fraturado,70002428256 ]

Prof. Denis Rosenfield (Foto: Zero Hora  / fundação Astrojildo Pereira)

A obra recentemente publicada  por Denis Rosenfield (O Estado fraturado - Reflexões sobre a autoridade, a democracia e a violência. Rio de Janeiro: Topbooks, 2018, 273 p.) é um balanço feito à luz da filosofia política e da sociologia, do drama vivido pelo Estado brasileiro nas últimas décadas, notadamente após o ciclo lulo-petista (2003-2016) que praticamente desmontou as instituições republicanas numa maré de corrupção, fisiologismo, infiltração ideológica marxista leninista e compadrio. A obra do professor Rosenfield analisa criticamente o momento mencionado, alargando a sua visão para as reformas que os Estados europeus sofreram ao longo do século XX, centrando a atenção na saga que a social-democracia percorreu nesse século. Em quatro capítulos (I - Democracia e autoridade, II - Autoridade estatal e retórica, III - O Positivismo e a política científica) e uma conclusão (A questão democrática) o autor desenvolve uma análise crítica e historiográfica que joga luz sobre os atuais momentos de perplexidade que se abatem sobre a Nação brasileira.

É deveras dramática a situação de anomia vivida pelo Estado brasileiro após o ciclo lulopetista. Tal situação é assim caracterizada pelo autor: "O resultado é evidente: a dissolução da autoridade pública e o enfraquecimento do Estado Democrático de Direito. Ou seja, em nome da democracia e dos direitos humanos, a própria democracia e os direitos humanos são pervertidos. A autoridade pública, por sua vez, vem a ser identificada ao exercício arbitrário da força. A violência fica franqueada aos particulares que não estão mais obrigados a seguir nenhuma lei, enquanto o Estado deve renunciar ao monopólio do exercício da força. Chega-se, paradoxalmente, a uma situação em que policiais não podem reprimir e juízes não podem punir. Criam-se, assim, condições de dissolução do Estado e, por via de consequência, da democracia. O próximo passo é a própria captura do Estado pelo crime organizado, seja em suas formas políticas,  seja em suas formas propriamente criminosas, como é o caso do Rio de Janeiro"(p. 29).

O desmantelamento institucional patrocinado por Lula e o PT produziu efeitos perversos para a economia do país. Eis a forma em que, sem meias-palavras,o autor denuncia o desmonte da economia nacional: "Do ponto de vista econômico, o país sofreu um processo de intervenção estatal progressiva na seara econômica, sobretudo a partir da segunda metade do segundo mandato do presidente Lula. O Estado foi apresentado como um Poder demiurgo capaz de qualquer realização, conquanto seus recursos fossem também apresentados como ilimitados. A coisa pública poderia ser vilipendiada, pois sempre haveria uma reparação estatal de tipo financeiro.A economia de mercado passaria, então, a ser conduzida por esses ditos representantes da vontade ilimitada, como se para tal tivessem sido eleitos. A Constituição e a lei seriam meros detalhes a serem considerados ou não, conforme as conveniências políticas e os interesses particulares. Na perspectiva da encenação política e, sobretudo, de sua retórica, as aparências democráticas seriam mantidas. De uma forma decidida, o Brasil acentuou os traços de seu capitalismo de compadrio, evoluindo, se assim se pode dizer, para um capitalismo de comparsas" (p. 78).

A síntese de todos os males encontra-se, segundo o professor Rosenfield, na morte do espírito público, que constituiu uma entropia fatal para as perspectivas do Brasil como Nação. A respeito, frisa o autor: "A noção de coisa pública desapareceu e veio a ser, mesmo, assim percebida pela sociedade. A classe política, em seu sentido genérico, passou a ser considerada como composta de criminosos e aproveitadores dos mais diferentes tipos. Em consequência, a imagem do Poder Legislativo foi, em muito, enfraquecida. Se uma questão se coloca a respeito deste Poder é a de que não mais exerce a função de representação política que deveria ser sua. Em termos institucionais, dir-se-ia que é um Poder que só mantém capacidade de decisão no que diz respeito aos interesses particulares e fisiológicos de seus membros. Não se pode dizer que eles mantenham, hoje, uma fatia da soberania, de decisão, salvo neste seu sentido muito particular de consecução de interesses particulares, desvinculados da cena pública" (p. 79).

A tarefa de reconstruir as instituições republicanas esfaceladas pela aventura criminosa do PT no poder foi precariamente cumprida pelo transitório governo Temer, em decorrência da presença, no seio do Estado, no atual cenário, de atores políticos comprometidos com a velha ordem de coisas. Essa presença ficou clara sobretudo no Parlamento, com a inspiração de não poucos congressistas no mais descarado fisiologismo, como moeda de troca para a aprovação das reformas necessárias. Essa pescaria em águas turvas viu-se agravada pela falta de espírito público de alguns integrantes do Ministério Público e do Judiciário, que extrapolaram em suas funções de combate à corrupção, movidos por mesquinhos interesses políticos e defesa de privilégios. Os eventos ocorridos na passagem de Rodrigo Janot pela PGR, bem como as confusas e contraditórias decisões do STF embaladas em rocambolesca retórica jurídica, terminaram jogando mais lenha na fogueira da crise institucional, com grave recado de insegurança jurídica, num momento em que era necessária firmeza no combate ao crime organizado e à corrupção. Esperava-se que os agentes do Estado passassem à sociedade uma mensagem de tranquilidade no funcionamento das instituições. Ocorreu todo o contrário e hoje nos ressentimos dessa insegurança, que abre as portas para a ação deletéria do condenado Lula e da sua turma. O imperativo categórico deles hoje consiste em tornar realidade o princípio de "quanto pior melhor".

Qual é a causa remota, situada na origem do Estado moderno, que, retomada na nossa tradição republicana, deu ensejo às atuais aventuras do populismo lulopetista, que se irmanam a outras desgraças vividas atualmente por povos latino-americanos, como o cubano, o venezuelano e o nicaraguense?

Para o professor Rosenfield, o caminho errado tomado no Brasil pelo PT e coligados decorre de uma deformação da tradição social-democrata, que já tinha acontecido em alguns países europeus ao ensejo do esforço de reconstrução no segundo pós-guerra. Tudo justificado pelo esforço dos governos nacionais para garantir às populações famintas a sobrevivência e o progresso econômico e social. A velha tradição liberal (que tinha animado aos sociais-democratas no início do século XX com as reformas comandadas na Alemanha por Edward Bernstein) foi sendo em parte posta de lado, dando ensejo a um estatismo que crescia sobre os direitos individuais. O professor Rosenfield lembra que para o liberalismo clássico lockeano, a defesa do indivíduo e dos seus direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à propriedade privada era um ponto sagrado. Esse aspecto, contudo, passou a ser relativizado no contexto europeu por parte de teóricos da social democracia e se espelhou também em concepções jurídicas que tiveram grande destaque como a veiculada pelo professor americano John Rawls ou na visão de socialismo democrático de líderes como o alemão Billy Brandt. 

De maneira semelhante, na tentativa em prol de garantir o bem-estar geral no seio do Welfare State, os nossos socialistas caboclos consideraram que o caminho deveria ser o do crescimento descontrolado do Estado, que seria o natural benefactor da sociedade e com cujas políticas públicas de distribuição de renda via "bolsa família" e outras iniciativas desse teor, garantir-se-ia o acesso de todos aos bens e serviços essenciais, bem como a aquisição da casa própria. O Estado de Bem-Estar Social poderia avançar com legitimidade sobre a propriedade dos cidadãos mais abastados, na tentativa de inaugurar uma nova classe média com os outrora marginalizados e pobres. 

O Estado inchado tinha legitimidade para isso, em decorrência das largas cifras eleitorais com que foi contemplado nas eleições de Lula e Dilma. Gozado como o Castilhismo, no Rio Grande do Sul, argumentava de forma parecida. Júlio de Castilhos e colaboradores defendiam-se, no início da República, da acusação de terem se desviado do constitucionalismo adotado na Carta de 1891, com a tradição estatizante que tornou todos os poderes públicos reféns do Executivo hipertrofiado. Ora, os reformadores castilhistas tinham legitimidade, pois tinham sido eleitos! 

O Estado teria legitimidade, inclusive, para desmontar qualquer oposição que setores liberais e conservadores tentassem fazer. As propostas de controle social da mídia elaboradas por militantes no governo, como Franklin Martins achava, pareciam perfeitamente justificáveis. Os petistas foram eleitos, logo tinham legitimidade para acuar as classes mais favorecidas. Essa carta branca está na origem não só das politicas sociais estatizantes desenvolvidas pelos petistas, mas também nas iniciativas menos santas de comprar adesões de outros partidos políticos no Congresso, dando ensejo ao Mensalão. Ora, como os salvadores da Pátria eram eles, poderiam também cooptar, via empréstimos generosos do BNDES, setores do empresariado, a fim de fazer crescer os "campeões de bilheteria", que, de outro lado, garantiriam ao partido do governo polpudas comissões com obras sobrefaturadas. Empréstimos do BNDES a governos estrangeiros que se mostrassem favoráveis às pretensões hegemônicas do PT eram plenamente justificáveis. Os militantes petralhas poderiam até comprometer com desvios bilionários a saúde financeira de uma próspera estatal como a Petrobrás. Essa foi a origem do Petrolão denunciado pela Operação Lava-Jato.

Considero, contudo, que o arrazoado do professor Rosenfield não foi completo. Faltou analisar a fonte primeira dessa tentativa estatizante surgida no seio do pensamento social-democrata e dos partidos socialistas em geral. Lembro a propósito que o precursor dos doutrinários, Benjamin Constant de Rebecque, (na obra Principes de Politique applicables à tous les Gouvernements - Version de 1806-1810, prefácio de Tzvetan Todorov, introd. de Étienne Hoffmann, Paris: Hachette, 1997) colocou o dedo na ferida quanto atribuiu a Jean-Jacques Rousseau a torta ideia de que a soberania popular não tem limites por ter emergido da "vontade geral". Essa é, no meu entender, a causa da deturpação do sentido do republicanismo brasileiro, como deixei exposto em duas obras de minha lavra: Castilhismo, uma filosofia da República (2a. edição, apresentação de Antônio Paim, Brasília: Senado Federal, 2010) e O Republicanismo Brasileiro (Londrina: Instituto de Humanidades, 2012, edição digital). 

Ora, quando os Positivistas derrubaram a Monarquia fizeram-no a partir da convicção de que o poder estabelecido não tem limites pelo fato de encarnar a "vontade geral", em decorrência do fato de terem sido balizadas as instituições republicanas na ciência. A aplicação sistemática desse princípio positivista à política nacional ocorreu por obra de Getúlio Vargas, que foi quem materializou a ideia da  ausência de limites para a soberania, herdado do castilhismo sul-riograndense. O Estado brasileiro getuliano tornou-se uma entidade todo-poderosa e mais forte do que a sociedade, pelo fato de ter ancorado na ciência aplicada mediante os Conselhos Técnicos Aplicados à Administração. Essa é a causa de todos os nossos males de deformação do espírito republicano, que Alexis de Tocqueville definia como "O reino tranquilo da maioria", enquanto que no Brasil passou a identificar-se com  "O reino intranquilo da minoria".

À luz do Estado tecnocrático todo-poderoso justificar-se-iam todas as medidas excepcionais tomadas pelos donos do poder para financiar as operações do lulopetismo, como as pedaladas fiscais. E se explica, assim, de outro lado, a desfaçatez lulista que acha que não deve prestar contas a ninguém pelo fato de ter sido eleito pela maioria dos eleitores. Ora, a soberania é limitada e se restringe à gestão do Estado no sentido de preservar os direitos inalienáveis dos cidadãos, que continuam gozando dos seus direitos à vida, à liberdade e às posses, pois sobre eles não tem nenhum poder a "vontade geral" expressa no voto. Esta só se refere à organização, pelos governantes eleitos, das Instituições, com a finalidade de garantir os direitos inalienáveis dos cidadãos, que em nenhum momento podem ser espoliados deles.