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segunda-feira, 23 de maio de 2016

O SENTIDO DA MEDITAÇÃO FILOSÓFICA CONTEMPORÂNEA, SEGUNDO A NOVA GERAÇÃO DOS CULTURALISTAS BRASILEIROS

 Leonardo Prota (1930-2016) e José Maurício de Carvalho (1957) dois representantes da Corrente Culturalista Contemporânea da meditação filosófica brasileira.

A filosofia no mundo de hoje é pensada ao redor de problemas, tendo sido Nicolai Hartmann (1882-1950) quem primeiro elaborou uma metodologia para estudar o papel dos problemas na meditação filosófica. O seu pensamento estruturou-se a partir dos postulados da Escola de Marburgo, mas acabou por se separar do idealismo lógico daquela Escola, bem como do neokantismo, por influência imediata de Edmund Husserl (1859-1938) e Max Scheler (1874-1928), mas também, segundo o próprio filósofo destaca, graças à retomada, por ele, da antiga tradição metafísica presente na obra de Aristóteles (384-322 a. C.). Hartmann destaca que na elaboração da sua proposta filosófica influiu a leitura das obras de Immanuel Kant (1724-1804) e de Georg W. F. Hegel (1770-1831), notadamente no que tange à discussão das raízes ontológicas que são pressupostas no pensamento desses filósofos.

A formulação de uma nova ontologia amadurece, no pensamento de Hartmann, por volta de 1919. As primeiras obras nas quais o autor expôs essa teoria são Metaphysik der Erkenntnis (Metafísica da inteligência, 1921) e Ethik (Ética, 1925). Nos anos seguintes, Nicolai Hartmann publicou a sua obra dedicada à lógica, sob o título de Studien zur Logik (Estudos sobre lógica, 1931 a 1944), cujo manuscrito terminou se perdendo no meio à agitação vivida na Alemanha, no final da II Guerra Mundial.

Não há dúvida de que Hartmann é um dos autores que mais têm influído na filosofia do século XX. Possuía o que denominaríamos hoje de ética da responsabilidade intelectual, num meio em que pairavam as idéias do totalitarismo e da despersonalização. Dessa inspiração ética, profundamente enraizada na tradição kantiana, dão testemunho as suas palavras: "não há nenhuma consciência acima da pessoa singular". Ou estas outras: "só o espírito pessoal é dotado de intuição, de capacidade de assinalar fins e de orientação". Essa sua enraizada convicção intelectual levou-o a não ceder nunca às modas intelectuais, se norteando unicamente pela procura sempre renovada da verdade.

A essência da posição de Hartmann, no que tange à teoria do conhecimento, consiste na afirmação do caráter histórico dos grandes problemas da Filosofia, que constituem problemas-limite, comuns a todas as ciências, e que são, no fundo, problemas metafísicos atrelados a um núcleo irracional e insolúvel. Hartmann utilizou na sua meditação o método fenomenológico, mas desatrelando-o da redução transcendental, tendo unicamente adotado a redução ao eidos. Graças a isso, para Hartmann, o fenômeno não exclui a aporética, mas, ao contrário, torna possível o acesso à Filosofia. À descrição fenomenológica segue-se, em primeiro lugar, para Hartmann, a prática dos métodos analítico e dialético, que constituem uma perspectiva de caráter horizontal dos fenômenos (livre da dimensão triádica da dialética hegeliana); em segundo lugar vem o método sintético que, no nível mais alto da intuição, possibilita a unificação das categorias, dando ensejo à descoberta de todos os atos alicerçados em outros de nível inferior.

Nicolai Hartmann conferiu tal grau de importância ao método eidético, que terminou confundido redução ao eidos com a própria epoché fenomenológica. A respeito dessa confusão, afirma o autor na sua obra Der Aufbau der realen Welt (A construção do mundo real, 1940): "só por isso pode a intuição das essências, abstraindo do acidental, ganhar a essência a partir do singular; este processo é a redução fenomenológica" [cf. Fraga, 1990: 2, 1010-1014].

Contrariando a doutrina husserliana, Hartmann retoma o conceito de coisa em si e, ao contrário da Escola de Marburgo, afirma um ponto de vista realista, no sentido de que o objeto descrito no conhecimento transcende à própria consciência. A sua teoria do conhecimento abria a porta, destarte, à ontologia, cujos aspectos essenciais são os seguintes: o ente em si mesmo, apreendido no processo do conhecimento, dá-se-nos diretamente no fenômeno do ser. A metafísica, pensa Hartmann, já não pode ser uma doutrina de sistemas; nisso o pensador alemão retoma a crítica efetivada por David Hume (1711-1776) e Kant. A metafísica somente pode ser possível como uma ontologia crítica. Na sua obra intitulada Zur Grundlegung der Ontologie (Acerca do fundamento da ontologia, 1935), o autor propõe as quatro investigações básicas da sua ontologia. Destaquemos apenas as duas mais caraterísticas, que tratam da relação de essência e existência e do problema do ser ideal e da sua relação com o ser real.

No que tange à pesquisa da relação da essência com a existência, Hartmann dá destaque à apreensão da existência sobre a afirmação da essência. A respeito, afirma: "A existência da árvore no seu lugar é uma essência da floresta, a floresta seria outra sem ela; a existência do ramo na árvore é uma essência da árvore (...) a existência de uma coisa é simultaneamente essência de outra". De outro lado, "a essência da folha é a existência da nervura, a essência do ramo é a existência da folha, etc.". O realismo de Hartmann, chamado pelos seus críticos de voluntarista, e que recebe a influência de Max Scheler e de Wilhelm Dilthey (1833-1911) destaca a experiência do próprio eu: a afirmação mais clara do ser-em-si é-nos dada pela existência dos nossos atos emocionais-transcendentes, notadamente aqueles que "se deixam isolar e analisar" (que são os receptivos, os prospectivos e os espontâneos).

No que tange à investigação de Hartmann acerca do problema do ser ideal e da sua relação com o ser real, o pensador alemão destaca que o ser ideal não é o ser do pensamento, mas é o das essências, das formações ideais da matemática e dos valores. O caminho pelo qual pode ser provada a idealidade do ser ideal é o da essência do a-priori, observável na relação da matemática pura à aplicada, bem como na indiferença das essências para com os casos reais.

O cerne da ontologia de Hartmann é a sua teoria dos modos de ser ou análise modal, que o pensador alemão expõe na obra intitulada Mögichkeit und Wirklichkeit (Possibilidade e Realidade, 1938). Nesta obra, o pensador explica as leis fundamentais que regulam as relações de possibilidade e realidade, necessidade e acidentalidade, impossibilidade e não realidade. A lei real da necessidade é formulada nos seguintes termos: "o que é realmente possível também é realmente necessário". Essa lei deriva do antigo princípio metafísico de que o ser não pode provir do não ser ou, em outros termos, de que a possibilidade do ser não é simultaneamente possibilidade do não ser. Hartmann formula, ademais, a lei ou fórmula "de identidade", que reza assim: "as condições de possibilidade real de uma coisa são simultaneamente as condições da sua necessidade real". Esta lei exprime uma convicção contrária ao conceito popular de possibilidade, que foi aceito pela ontologia tradicional, desconhecendo o rigor que os pre-socráticos (de Megara) conferiam ao conceito de possibilidade. A lei real da necessidade não implica, no entanto, para Hartmann, um determinismo total do mundo, mas apenas o que ele denomina de uma sobreposição de várias formas de determinação [cf. Fraga, 1990: 2, 1010-1014].

Em que pese o fato da concessão que Hartmann faz à perspectiva realista na sua ontologia (difícil de justificar teoricamente, uma vez aceitos os princípios do neokantismo), um aspecto, contudo, deve ser ressaltado: em face da complexidade do mundo, é necessário reconhecer que o pensamento moldado em sistemas está fora de jogo. A respeito, escreve o filósofo alemão em Autoexposição sistemática [Hartmann, 1989: 4]: "Explicar o espírito a partir da matéria ou entender a matéria a partir do espírito, o ser a partir da consciência; reduzir o organismo ao mecanismo ou fazer passar o acontecer mecânico por uma vitalidade encoberta, tudo isso e muito mais é hoje uma coisa impossível de se realizar. Isso contradiz, já nos primeiros passos, o que com segurança sabemos nos domínios especiais. O pensamento construtivo ficou fora de jogo".

Embora os pensadores contemporâneos não renunciem a uma busca de nexo sistemático entre os fenômenos, Hartmann considera, no entanto, que essa pressuposição deve ser abandonada como ponto de partida. O que a meditação filosófica faz, no seu início, é tomar consciência de uma complexidade do mundo, que o autor alemão não duvida em identificar como perspectiva problemática do pensar.

Ao pensamento sistemático construtivo Hartmann contrapõe o pensamento problemático investigador. Essas duas grandes linhas epistemológicas são claramente identificáveis na história da Filosofia ocidental. Embora encontremos pensadores mais afinados com a perspectiva sistemática (como Plotino, Proclo, Tomás de Aquino, Duns Scot, Hobbes, Espinosa, Fichte, Schelling) e outros mais próximos da visão problemática (como Platão, Aristóteles, Descartes, Hume, Leibniz, Kant), em todos eles a meditação filosófica emerge a partir da base dos problemas metafísicos, que são os que acompanham a perplexidade da mente humana diante do mistério do Ser. "Em geral, escreve Hartmann, o morto e o simplesmente histórico pertencem ao pensar sistemático; pelo contrário, o supra-histórico e o vital pertencem ao pensar problemático puro. Nele se encontram as aquisições da história do pensamento" [Hartmann, 1989: 7].

Os historiadores da filosofia e os comentaristas deformaram, infelizmente, o pensamento de Platão, apresentando-o como decorrente de uma visão sistemática pré-concebida. Ora, nada mais afastado do grande filósofo grego do que essa preguiçosa concepção sistemática. Nele era fundamental, antes de tudo, a perplexidade em face do Ser, a dimensão da dúvida, que o levava a considerar como cosmogonias mitológicas as concepções herdadas dos seus antepassados. É necessário recuperar, frisa Hartmann, a dimensão problemática da filosofia platônica, para que saibamos valorar a sua criatividade. Platão, ao manter viva a perplexidade diante do real, deu vida à meditação filosófica, abrindo a porta para a interrogação e a elaboração de novos caminhos.

Hartmann considera necessário, de outro lado, recuperar a valoração problemática da meditação aristotélica, que parte da aporética e que se encaminha para a construção de um sistema de pensamento. Acontece que a sistematização escolástica empobreceu essa dimensão dinâmica da meditação do estagirita, ressaltando o momento sistemático e esquecendo o ponto de partida problemático. Três razões explicariam, nos historiadores da filosofia, essa pressa em valorar o sistema por cima dos problemas: em primeiro lugar, a impaciência para descobrir soluções custe o que custar; em segundo lugar, a pressuposição (falsa) de que problemas insolúveis são filosoficamente inúteis; em terceiro lugar, o menosprezo em face das perguntas irrecusáveis.

Em relação à primeira razão, Hartmann considera que é muito mais filosófico legar aos nossos discípulos perguntas sem responder, do que pretender construir, a qualquer preço, respostas sistemáticas para tudo. Em relação à segunda razão, o filósofo alemão considera que os problemas insolúveis são filosoficamente úteis. A história do pensamento ocidental mostra que o verdadeiro progresso advém da abertura à indagação e do questionamento às soluções já adquiridas. Ora, as ciências somente progridem em face do princípio da refutabilidade que nos leva a adotar, perante o que recebemos dos nossos antepassados, uma atitude não de subserviência, mas de crítica.  O drama dos dogmatismos, estreitamente ligados aos totalitarismos do mundo contemporâneo, consiste justamente no fato de eliminarem a dúvida e o pensamento crítico.

Em relação à terceira razão, Hartmann destaca que há problemas que foram colocados num determinado momento e que jamais seria possível colocá-los antes. A formulação de indagações está sempre ligada a determinadas condições históricas irrepetíveis, bem como a um determinado estado do saber. Enquanto os filósofos estiverem preocupados unicamente com a dimensão sistemática, não perceberão o sentido dos eternos e irrecusáveis conteúdos problemáticos, que ancoram na perplexidade diante da realidade. Assim, frisa Hartmann, "acontece que é necessária previamente uma reflexão especial sobre a linha histórica do pensamento problemático, que se oculta por trás da fachada dos sistemas, para garantirmos aqueles conteúdos" [Hartmann, 1989: 13]

Os eternos e irrecusáveis conteúdos problemáticos: esse constitui o ponto de partida do filosofar. Ora, destaca Hartmann, esses eternos e irrecusáveis conteúdos emergem da consciência perplexa pela complexidade do real, que constitui um fenômeno básico não impugnável. "Os fenômenos, escreve, são sempre mais fortes do que as teorias. O homem não pode mudar os fenômenos; o mundo permanece como é, qualquer que seja o pensamento do homem sobre ele. O homem pode somente apreendê-lo ou errar em relação a ele" [Hartmann, 1989: 14].

Hartmann propõe um método progressivo para a razão não se afastar da realidade e construir as suas teorias sem falsear a apreensão dos fenômenos. O primeiro passo é constituído pela descrição fiel dos fenômenos. O segundo consiste na aporética ou estudo dos problemas, enquanto constituem o incompreendido dos fenômenos, explicitando com claridade as aporias naturais; este passo deve levar em consideração o estado da pesquisa respectiva. O terceiro passo, por fim, consiste na teoria, ou abordagem da solução das aporias.

Em relação à metodologia proposta, o filósofo alemão escreve: "Essa progressão: fenomenologia, aporética, teoria, não pode ser abreviada. Os dois primeiros graus, tomados cada um em si, constituem um amplo campo de trabalho, uma ciência inteira. E precisamente porque nenhum dos dois é o definitivo e verdadeiro, recai sobre eles a maior ênfase. O seu campo de trabalho é aquele onde os sistemas construtivos têm pecado. Estes precisamente ficaram curtos demais. E justamente por isso as teorias repousavam sobre bases frágeis. Aqui é preciso criar fundamentos sólidos -- não os fundamentos objetivos da teoria (que devem ser encontrados preferentemente só quando começa o estudo das aporias) --, mas os pontos de partida do conhecimento, enquanto deve ser algo mais do que simples descrição do encontrado anteriormente. No relativo ao terceiro grau, deve consistir num tratamento puro das aporias destacadas, e certamente com base no mesmo resultado presente nos fenômenos. Esse tratamento ou estudo não é mais do que uma solução das aporias. Somente pode tender em direção a uma solução. De antemão não pode dizer nem como resultará a solução, nem se alguma é possível absolutamente. O estudo das aporias é algo muito diferente quando pode se alicerçar num limpo trabalho prévio, realizado sobre o fenômeno e o problema, e quando parte, sem mais, de algo supostamente dado. Os problemas vistos com ingenuidade foram colocados na maior parte das vezes de forma inadequada, e atingem a realidade só de forma periférica. Pois a colocação problemática condicionada toma-se possível graças ao conteúdo problemático objetivo. Dessa forma, misturam-se muitas aporias artificiais e as naturais são encobertas. Mas, antes de mais nada, somente depois de efetivado o trabalho da aporética, resulta possível dar novamente à teoria mesma o seu valor e sentido original" [Hartmann, 1989: 16-17].

A radical inadequação entre o nosso pensamento e a realidade presente no mundo dos fenômenos, essa seria, no sentir de Hartmann, a metafísica dos problemas, a partir da qual tentamos, de várias formas, explicar a realidade (dando ensejo aos sistemas), sem que, contudo, consigamos nunca dar conta dela. Eis a raíz do que hoje denominamos de modéstia epistemológica, única atitude condizente com a busca diuturna da verdade.

Retomando os conceitos desenvolvidos por Hartmann, o pensador italiano Rodolfo Mondolfo (1877-1976) tematizou, por sua vez, o papel da indagação dos problemas na criação filosófica. A consciência da insuficiência dos nossos conceitos, esse seria o ponto de partida de uma autêntica reflexão. A respeito, escreve Mondolfo: " (...) na aquisição de conhecimentos e na reflexão intelectual, sempre acontece tropeçarmos com dificuldades que se baseiam no reconhecimento de faltas e imperfeições em nossas noções, cuja insatisfação, portanto, nos suscita problemas. E daí surge a investigação, isto é,  pela consciência de um problema, cuja solução nos sentimos impelidos a procurar, estando justamente a indagação voltada para a solução do problema, que nos foi apresentado" [Mondolfo, 1969: 30].

O pensador italiano considera que o sucesso da investigação filosófica decorre, sem lugar a dúvidas, da clareza com que tenha sido colocado o respectivo problema. É o ponto que os escolásticos chamavam de status quaestionis, que era colocado antes da elaboração doutrinária, na tradicional Lectio. Em relação a esse aspecto, Mondolfo escreve: "(...) a fecundidade do esforço investigador é proporcional à clareza e à adequação da formulação do problema; de maneira que a primeira exigência imposta ao investigador é a de conseguir, da melhor maneira possível, uma consciência clara e distinta do problema, que constitui o objeto de sua indagação. Esta exigência é válida preliminarmente para qualquer espécie de investigação, porém o é, sobretudo, na filosofia, sendo a filosofia antes de mais nada -- como já Sócrates o ressaltava--   consciência da própria ignorância, isto é,  da existência de problemas que exigem o esforço da mente na procura de uma saída dessa situação de mal-estar e de insatisfação" [Mondolfo, 1969: 30].

Na trilha da perspectiva genética apontada por Giambattista Vico (1688-1744) na sua famosa frase: "a natureza das coisas é o seu nascimento", Mondolfo escreve: "(...) Toda a investigação teórica que quiser encontrar seu caminho com maior segurança, supõe e exige, como condição prévia, uma investigação histórica referente ao problema, ao seu desenvolvimento e às soluções que foram tentadas para resolvê-lo" [Mondolfo, 1969: 30-31].

Mondolfo considera que a perspectiva problemática atrela-se à essência da pesquisa filosófica. Aparentemente haveria oposição entre a tarefa do historiador (inquiridor da verdade sub specie temporis) e a do filósofo, (perscrutador da alétheia sub specie aeterni). No entanto, a esta última só se chega pela porta estreita da historicidade, pois como frisa Karl Jaspers [1980: 34], "se saíssemos da História tombaríamos no nada".

A respeito deste ponto, escreve Mondolfo: "Com efeito, podemos distinguir um duplo aspecto na filosofia, conforme ela se apresente como problema ou como sistema. Como sistema, é evidente que o pensamento filosófico, apesar de sua pretensão, sempre asseverada, de uma contemplação sub specie aeterni, não consegue, na realidade, afirmar-se a não ser sub specie temporis, isto é, necessariamente vinculado à fase de desenvolvimento espiritual própria de sua época e de seu autor, e destinado a ser superado por outras épocas e outros autores sucessivos. Ao contrário, quanto aos problemas que suscita o pensamento filosófico, ainda que esteja sempre subordinado ao tempo em sua geração e desenvolvimento progressivo, apresenta-se, no entanto,  como uma realização gradual de um processo eterno. Com efeito, os sistemas passam e caem; porém, os problemas formulados sempre permanecem como conquistas da consciência filosófica, conquistas imperecíveis, apesar da variedade das soluções tentadas e das formas pelas quais tais problemas são propostos, pois esta variação representa um aprofundamento progressivo da consciência filosófica. Dessa maneira, a reconstrução histórica do desenvolvimento da filosofia aparece como um reconhecimento do caminho percorrido pelo processo de formação progressiva da consciência filosófica, o que vale dizer, como uma conquista da autoconsciência" [Mondolfo, 1969: 33-34].

Há evidentemente, para Mondolfo, uma lógica da história da filosofia. Nesse aspecto, o pensador italiano assume as teses fundamentais de Hegel nas suas Lições de História da Filosofia. Há um fio condutor na história do pensamento humano. Ora, esse fio corresponde à estrutura lógica da razão que busca, no meio aos fatos e aos fenômenos, se manter idêntica a si mesma. Daí por que Mondolfo considera que "a história da filosofia não pode, de maneira alguma, ser considerada como uma sucessão de criações contraditórias, que negam cada uma o que a outra afirmava, ou constroem a seu bel-prazer um edifício destinado a ser derrubado, a fim de deixar seu lugar para outra construção, que será igualmente demolida como produto arbitrário de uma fantasia caprichosa (...)" [Mondolfo, 1969: 57-58].

Em decorrência dessas observações no terreno da historiografia da filosofia, Mondolfo considera que se deve elaborar um método de pesquisa que respeite a essência da dimensão problemática da meditação ocidental. A respeito, Mondolfo [1969: 261] escreve: "Devemos reviver em nossa consciência a experiência filosófica da humanidade passada, tanto em seu conjunto, quanto na individualidade de cada pensador. E para viver de novo cada sistema temos que realizar o máximo esforço, a fim de colocarmo-nos na situação espiritual em que se encontrava o filósofo que o criou, isto é,  temos que reproduzir em nossa interioridade a consciência dos problemas que preocupavam a sua época, assim como as exigências particulares de sua personalidade, compenetrando-nos de seu processo de formação e de sua vida interior. E quando, nos filósofos que são objeto de nosso estudo, esta vida interior [tiver sido] muito intensa e ativa, deparamo-nos geralmente com um movimento contínuo de aprofundamento, renovação e evolução espirituais, que reúne, por assim dizer, múltiplas personalidades sucessivas numa única pessoa, o que complica e dificulta a tarefa do intérprete que procura a reconstrução histórica".

O pensador italiano frisa que no estudo historiográfico da filosofia deve-se reconhecer, como aspecto fundamental, o progresso contínuo do espírito humano. Mas esse fato não reduz a cinzas as conquistas dos nossos antecessores. Elas serão sempre importantes, como a escada que nos permitiu subir mais alto para enxergar, numa maior altura, o horizonte. Continua presente, aqui, a convicção filosófica de Hegel no progresso do espírito humano. A respeito, frisa Mondolfo [1969: 263]: "Naturalmente,  não ficam anulados ou destruídos os resultados das investigações e intuições de Hegel ou de Zeller, ou de outros grandes historiadores, por serem superados pelas indagações sucessivas, cuja realização foi condicionada e estimulada por eles próprios. O processo de superação, como pensava Hegel, sempre outorga uma verdade mais profunda ao que foi superado, o qual permanece vital e ativamente nas raízes dos novos resultados, cuja obtenção tornou possível, impulsionando-os para a sua realização. Neste aspecto, devemos expressar nosso respeito e reconhecimento para com os grandes historiadores do passado, cujo estudo será sempre ponto de partida e fonte de fecundas sugestões  -  positiva ou negativamente, por meio da aceitação ou da oposição que provoca, das soluções que indica ou dos problemas que formula  -  para os novos investigadores".

Os culturalistas brasileiros assumiram a herança de Hartmann e de Mondolfo, sendo necessário lembrar a pesquisa historiográfica sobre o pensamento brasileiro desenvolvida, ao longo dos últimos quarenta anos, por Miguel Reale (1910-2006) e Antônio Paim (1927) [cf. Reale, 1951; Paim, 1979]. Pela trilha aberta por Reale e Paim, novas gerações de estudiosos têm empreendido a marcha, sendo hoje as figuras de Leonardo Prota (1930-2016) e José Maurício de Carvalho (1957), duas importantes manifestações dessa caminhada intelectual.

O primeiro aprofundou na temática da meditação brasileira à luz dos problemas que surgiram no seio das várias filosofias nacionais e o segundo tem particularizado as análises acerca da corrente culturalista, no contexto de uma pesquisa historiográfica dos problemas [cf. Prota, 2000 e Carvalho, 1998b e 2000].

Leonardo Prota adotou o ponto de vista culturalista ao analisar a Filosofia como problema e centrou a sua investigação no estudo da problemática das Filosofias Nacionais. Com a finalidade de abrir um debate amplo a respeito, fez desse tema o item central a ser discutido nos Encontros Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, entre 1989 e o início deste século.  A respeito da forma em que abordou o tema, Prota escreve, destacando a perplexidade que o tema das Filosofias Nacionais ainda suscita entre os estudiosos: “Afinal, por que tanta desconfiança com esse tipo de investigação filosófica?
 Possivelmente a explicação esteja no entendimento equivocado a respeito do conceito de Filosofia Universal. O problema não pode ser colocado em termos de oposição e exclusão, [numa espécie de confronto entre a] Filosofia Universal [e as] Filosofias Nacionais (...), que constituem e formam a Filosofia Universal, assim como anteriormente eram os sistemas que constituíam o pensamento universal” [Prota, 1999].
Em relação à forma em que este pensador equaciona a problemática das filosofias nacionais, Antônio Paim escreve: “Naquela altura, Leonardo Prota demonstrava haver amadurecido em seu espirito a temática a ser desenvolvida na obra que daria por concluída no ano seguinte, justamente com a denominação de As filosofias nacionais e a questão da universalidade da filosofia (Londrina: Editora UEL, 2000). A primeira pergunta que se propõe resolver consiste no seguinte: como se explica o surgimento de filosofias nacionais? Obviamente, não poderia haver filosofias nacionais antes das nações (...). A Primeira Parte da obra intitula-se justamente: ‘A quebra da unidade linguística na Europa e o surgimento das filosofias nacionais’. Para resolver a questão proposta, procede à reconstituição do processo de formação das nações europeias, permitindo-lhe apresentar uma síntese e uma cronologia. Sentiu necessidade de deter-se no exame das duas forças que espontânea e naturalmente se contrapunham a tal processo: o Sacro Império Romano Germânico e o Império Otomano. Tenha-se presente que este ocupou a parte substancial dos Bálcãs e esteve às portas de Viena” [Paim, 2015].

Antônio Paim sintetizou as restantes etapas da pesquisa de Leonardo Prota acerca das filosofias nacionais, da seguinte forma: “(...) As filosofias nacionais e a questão da universalidade da filosofia contém, ainda, duas outras partes. Elas tratam (...) do processo de formação das principais filosofias nacionais, onde procede à reconstituição desse processo no caso das filosofias inglesa, alemã, francesa e italiana. Valeu-se do material resultante das discussões sobre cada uma delas, verificado nos mencionados Encontros. A Parte subsequente intitula-se: ‘universalidade da filosofia e filosofias nacionais’, na qual resume a meditação de Nicolai Hartmann e de Rodolfo Mondolfo sobre o sucessivo desaparecimento de sistemas em face da permanência dos problemas. Insiste em que a questão ‘não pode ser colocada em termos de oposição e exclusão, filosofia universal versus filosofias nacionais, mas em termos de constituição; ou seja, contemporaneamente, são as filosofias nacionais (reflexões e investigações suscitadas por problemas filosóficos que marcaram as distintas tradições nacionais), que constituem e formam a filosofia universal, assim como anteriormente eram os sistemas que constituíam o pensamento universal’. Tece, então, alguns comentários sobre as quatro filosofias nacionais que escolheu para ilustrar o seu pensamento. Escreve: ‘Se na filosofia inglesa salientamos como característica a valorização da experiência, ninguém pode levantar dúvidas de que essa peculiaridade do pensamento inglês não faça parte, hoje, do pensamento universal’. Prosseguindo, frisa: ‘igualmente, se a persistência na elaboração de sistema filosófico marcou a filosofia alemã, tendo como resultado a filosofia crítica, seria absurdo imaginar o contexto da filosofia moderna sem essa aportação do momento Kant-Hegel’. Que dizer da filosofia francesa? - Pergunta. Responde dizendo que é impossível negar que o empenho de fazer prevalecer a racionalidade faça parte do patrimônio comum da filosofia universal. Registra que, ao tratar da Filosofia italiana, adotou a tese de Bertrando Spaventa (1817-1883), segundo a qual as filosofias nacionais, na Europa, correspondem a momentos particulares do desenvolvimento da Filosofia Moderna, nas diferentes nações” [Paim, 2015].
Representante da nova geração de pesquisadores da filosofia brasileira formada na Universidade Federal de Juiz de Fora, ao ensejo do Curso de Mestrado em Filosofia que ali funcionou no período que se estende de 1984 até a primeira década deste século, José Maurício de Carvalho enveredou pela pesquisa da filosofia brasileira, adotando como ponto de vista a concepção da filosofia como problema, à luz da metodologia apontada de Hartmann e de Mondolfo e seguindo a trilha aberta por Miguel Reale e Antônio Paim. A sua tese de doutorado, defendida na Universidade Gama Filho no decorrer dos anos 90, acerca dos fundamentos saint-simonianos do pensamento econômico do visconde de Mauá, situa-se ainda nesse contexto epistemológico [Carvalho, 1997b].
À frente do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São João del Rei, José Maurício desenvolveu dinâmico trabalho de pesquisa sobre a formação da Filosofia brasileira, comparando esse processo com o que foi trilhado pela Filosofia portuguesa, ao longo dos século XIX e XX. Membro do Instituto de Filosofia Luso-brasileira, com sede em Lisboa, tendo efetivado os seus estudos de pós-doutorado, na Universidade Nova, sob a orientação de José Esteves Pereira, José Maurício passou a coordenar, na Universidade Federal de São João del Rei, a programação dos Colóquios “Antero de Quental”, que possibilitaram o confronto dos pensadores brasileiros com os seus homólogos portugueses.
 O fulcro da análise efetivada por José Maurício de Carvalho parte exatamente do ponto de vista firmado por Reale e Paim: Qual era o problema, ou os problemas, que inspiraram a obra de determinado pensador? A partir da resposta dada a essa questão, o pesquisador passou a estudar as relações entre os autores, mas sempre levando em consideração a problemática histórica à qual eles pretendiam responder. Essa metodologia foi posta em prática, por exemplo, na sua obra sobre o pensamento do filósofo e pedagogo português Delfim Santos (1907-1966) [Cf. Carvalho, 1996].
Destaco o valor pedagógico da metodologia utilizada por José Maurício de Carvalho, notadamente na sua obra: Curso de Introdução à Filosofia Brasileira [Carvalho, 2000], que foi por mim utilizada como texto básico para os seminários sobre Filosofia Brasileira, que dirigi na Universidade Federal de Juiz de Fora, entre 2003 e 2013. A adequada compreensão dos vários autores deve-se inserir, como faz José Maurício, no contexto dos problemas por eles levantados nas suas obras, aos quais tentaram responder. O confronto entre as várias respostas dadas às problemáticas levantadas permitiu, aos alunos, ter uma visão completa acerca do valor e do significado da sua contribuição na história das ideias filosóficas no Brasil.
Do exposto acerca do pensamento de Leonardo Prota e José Maurício de Carvalho fica claro que na trilha da reflexão crítico-histórica desenvolvida por Miguel Reale e Antônio Paim, abriu-se fecunda perspectiva para analisar, de forma aberta e objetiva, os principais problemas que afetam ao homem contemporâneo. Por esse caminho vai se identificando a forma brasileira de abordar a existência humana do ângulo filosófico, sendo que hoje podemos falar, como frisa com propriedade Zdenek Kourim [1997: 425]  de uma autêntica "emancipação intelectual" do nosso país.
No contexto da reflexão crítico-histórica firmada por Miguel Reale e Antônio Paim, desenvolvi a minha reflexão sobre os problemas ao redor dos que gira a meditação filosófica nos nossos dias, na obra: Tópicos especiais de filosofia contemporânea [Vélez, 2001], que é uma tentativa de reflexão, do ponto de vista culturalista, acerca da problemática da cultura, da interdisciplinaridade, da ciência contemporânea, da comunicação, da epistemologia da história, da cibernética nas suas implicações educacionais, do totalitarismo, do messianismo político, da ética econômica, da questão da transparência na política, da bioética, da problemática da violência, das questões debatidas pelos comunitaristas e da utopia socialista. Problemas atuais que, sem dúvida, nos desvelam e que a filosofia tenta iluminar, numa tentativa de garantir o equacionamento humanístico dos mesmos, preservando a consciência e a liberdade.

Pode-se arguir falta de sistematização nesse meu trabalho. Mas, após as considerações de Hartmann e Mondolfo, talvez fique claro que a falta de sistema não encobre carência de reflexão, muito pelo contrário: revela atenção à complexidade do real, que nos coloca, sempre, diante dos grandes e eternos problemas que dão vida à meditação filosófica e que não se deixam esgotar pelos sistemas. Em que pese a falta de sistema, a minha reflexão deixa claro o pano de fundo transcendental que a anima, ao considerar a ampla gama dos problemas contemporâneos à luz do ideal de pessoa como consciência e liberdade, que constitui, sem dúvida, a mais importante herança cultural do Ocidente.  Essa metodologia inspirada na ideia de Hartmann da “Filosofia como Problema”, já tinha sido posta em prática por mim na obra intitulada: Tópicos especiais de filosofia moderna [Vélez, 1995].

BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, José Maurício de [1986]. A causalidade no pensamento de Moritz Schlick. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora (dissertação de Mestrado).

CARVALHO, José Maurício de [1994]. As ideias filosóficas e políticas de Tancredo Neves. Belo Horizonte: Itatiaia. Coleção Reconquista do Brasil.

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CARVALHO, José Maurício de [1995b]. Situação e perspectivas da pesquisa da filosofia brasileira. Londrina: UEL / CEFIL.

CARVALHO, José Maurício de [1996]. A ideia de filosofia em Delfim Santos. Londrina: UEL.

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VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [2001]. Tópicos especiais de filosofia contemporânea. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

ANTÔNIO PAIM - INFLEXÃO DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA E SEUS REFLEXOS NO BRASIL

Amigos, divulgo a seguir o mais recente estudo do Professor Antônio Paim acerca das características que marcam a Filosofia Contemporânea e os seus reflexos no Brasil. 

O conjunto da obra deste pensador constitui, certamente, na circunstância da crise de valores que ora enfrentamos no país, norte seguro para as futuras gerações, no que tange ao arcabouço de ideias essenciais da nossa cultura e da herança recebida da Civilização Ocidental. 

O professor Antônio Paim (1927), o maior estudioso da Filosofia Brasileira.
      Tudo indica que o ciclo da Filosofia Contemporânea vivenciado desde o último pós-guerra experimenta uma certa exaustão. Notadamente desde a última década do século passado, a filosofia ocidental estaria ingressando num novo período, embora os dados disponíveis ainda não permitam indicar quais seriam precisamente as suas características. São visíveis seus sinais no que respeita ao ambiente filosófico brasileiro, com a peculiaridade de que, na ausência de sistemas dominantes, tradições seculares  ocupariam inteiramente a cena, o que dificulta uma previsão quanto a uma provável  configuração futura.
     No plano internacional sobressaem o fim do predomínio de sistemas filosóficos dotados de universalidade e o avanço da contra-cultura, em especial na INTERNET.
     No plano nacional, o principal efeito da ausência de sistemas de projeção internacional parece ter sido a inusitada visibilidade, na esfera correspondente do ensino superior, das tradições contra-reformista e cientificista.  O culto da meditação filosófica propriamente dita circunscreve-se a uns quantos núcleos dispersos. Nesse ambiente, a  filosofia brasileira busca sobreviver marcando presença na INTERNET, visivelmente prejudicada pelo falecimento do prof. Miguel Reale, em 2006, de que resultou a perda, pelo Instituto Brasileiro de Filosofia, da capacidade de  continuar exercendo o papel aglutinador que desempenhou ao longo de meio século. Tenha-se presente que o IBF buscou educar as novas gerações de estudiosos da filosofia no aprendizado prático da convivência das diversas correntes, na contra-mão das tradições consagradas no país, empenhadas no estabelecimento de samba de uma nota só.
    Os indícios comprobatórios do quadro antes esboçado são reunidos nesta breve nota.
Capa da obra de Antônio Paim intitulada: História das Ideias filosóficas no Brasil, considerada um estudo clássico sobre a cultura brasileira. 

Ausência de sistemas predominantes
    e avanço da contra-cultura

    Adotamos na  História das idéias Filosóficas no Brasil a forma encontrada, pela historiografia filosófica, para estabelecer uma clara distinção entre Filosofia Moderna e Filosofia Contemporânea. Nesta, o eixo principal de desenvolvimento é impulsionado pelo propósito de superação do positivismo. Basicamente, consistia em restaurar a inquirição metafísica, abolida por essa corrente.
    O propósito em causa foi alcançado, plenamente, entre a década de oitenta do século XIX e a época da primeira guerra mundial. Naquela altura, o neokantismo tornara-se a principal corrente filosófica na Alemanha, estimulando o surgimento de duas outras vertentes que iriam ajudá-la a restaurar o pensamento filosófico em sua plenitude, isto é, não confinado apenas a esse ou aquele país, mas abrangendo as diversas nações do Ocidente. Temos em vista a fenomenologia e o existencialismo. O quadro se completa com a vivacidade e abertura de espírito reveladas pelo empenho dos católicos em restaurar o tomismo, escoimando-o do precedente empenho dogmático e repetitivo. Tal era o quadro vigente nas décadas subseqüentes à Segunda Guerra.
     Tratava-se contudo, num ou noutro dos países, do predomínio de um ou outro dos sistemas apontados. A esse tempo, pensadores dos mais representativos já se tinham dado conta de que a perenidade da filosofia era assegurada não pelos sistemas mas pelos problemas que inevitavelmente suscitavam. Para dizê-lo na palavra de um dos mais eminentes historiadores da filosofia da época: Rodolfo Mondolfo (1877/1976) na obra tornada clássica que intitulou de Problemas e métodos de investigação em historia da filosofia (1949):
    
      “Como sistema é evidente que o pensamento filosófico, apesar de sua pretensão, sempre asseverada, de uma contemplação sub specie aeterni, não consegue na realidade afirmar-se senão sub specie temporis, isto é, vinculado necessariamente com a fase de desenvolvimento espiritual própria de sua época e de seu autor, destinado a ser superado por outras épocas e outros autores sucessivos. Ao contrário, no aspecto dos problemas que coloca, ainda que subordinado sempre ao tempo de sua geração e desenvolvimento progressivo, o pensamento filosófico mostra-se não obstante como uma realização gradual de um processo eterno. Os sistemas, com efeito, passam e caem; mas sempre ficam os problemas colocados, como conquistas da consciência filosófica, conquistas imorredouras apesar da variedade de soluções que se intentam e  das próprias formas em que são colocados, porque esta variação representa o aprofundamento progressivo da consciência filosófica.”

     Se considerarmos as décadas mais recentes, parece evidente que a filosofia experimenta um novo ciclo, representado, como os precedentes, pelo fim do predomínio dos sistemas dominantes. As últimas décadas do século XX e primeiras do novo milênio marcariam, assim, o término do ciclo configurado pela Filosofia Contemporânea (existência de filosofias nacionais que ganhavam projeção mundial, sendo a diferente preferência por uma das correntes dominantes explicável pela preferência da nação respectiva por determinado problema)..
     A distinção que se poderia estabelecer consiste em que tenhamos adquirido a compreensão de que as filosofias nacionais distinguem-se umas das outras justamente pela preferência (histórica) que atribuem a determinados problemas. No que respeita ao Brasil, na ausência de sistemas catalisadores, o mais provável seria que viessem a sobressair os eixos tradicionais, com maior destaque para as vertentes que orbitam em torno das nossas tradições culturais mais arraigadas, quais sejam, o contra-reformismo e o cientificismo. Como indicaremos, dispomos de indícios eloqüentes que corroboram essa hipótese. A inquirição sobre a pessoa humana, onde a filosofia brasileira revelou-se mais criativa, parece amortecida embora não se deva descartar a possibilidade de que,  a médio prazo,  venha a dar o ar de sua graça.
     No quadro internacional o que sobressai é o avanço da contra-cultura. No que respeita à filosofia, dada a influência que exerce entre nós a filosofia francesa, cumpre termos presente que assumiu-se abertamente como demolidora da cultura ocidental, embora não se saiba ao certo o que colocaria no lugar, já que o prenúncio é de um simples vazio.
      O papel assumido pela filosofia francesa vem de ser caracterizado por Guillaume le Blanc (nascido em 1966). Professor de universidade em Bordeaux,  ocupa a cátedra Foucault no College de France. Trata-se de figura popular nos meios universitários brasileiros, a julgar pelo fato de que acham-se disponibilizados na INTERNET a gravação de 13 de seus cursos no College de France.
       Vem de publicar La philosophie comme contre-culture. Philosophie française contemporaine. Paris, PUF, 2014.
       Entende que a filosofia é crítica por definição. De Sócrates a nossos dias, não cessa de colocar à prova as nossas idéias. É recentemente, de modo singular na França, que se torna voluntariamente contestação, revolução, transgressão, dito  de outra forma, contra-cultura, em luta ativa contra a dominação sob todas as formas. Desejoso  de tornar-se o arauto desse combate, esboça uma vibrante defesa e ilustração desta contra-cultura filosófica sob as diferentes formas de gênero, da razão econômica, do ethos democrático, da via “não-fascista”, apoiando-se sobretudo em Judith Butler, Foucault, Derrida e  Deleuze. Depois dessa época, a mudança do papel da filosofia é inevitável, pretendendo para tanto dar a sua contribuição.
         No livro que publicou em 2012, com o título de A civilização do espetáculo (tradução brasileira Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2013), Vargas Llosa considera que os meios de comunicação colocam em lugar da cultura o empenho de reduzir-se progressivamente a alimentar as paixões baixas do comum dos mortais. Ao mesmo tempo, repetem exaustivamente que o importante é dispor da informação instantânea. Justamente esta tem passado a ser a característica de nosso tempo. Enquanto a obra de cultura que erigimos no passado pretendeu construir algo a ser preservado no tempo, a INTERNET de nossa época cuida de tudo reduzir a fenômenos instantâneos.    
Capa da obra de Antônio Paim intitulada: Momentos decisivos da história do Brasil, em que o autor analisa as relações entre Estado Patrimonial e Decadência Cultural e Econômica na história brasileira.

               Correntes de filosofia
                e tradições culturais

    A documentação reunida sobre a evolução do pensamento filosófico brasileiro --de que considero ter dado conta na História das idéias filosóficas no Brasil e nos sete volumes de Estudos complementares-- permite concluir que nos seus diversos momentos históricos por aqui repercutem as principais correntes européias mas somente umas poucas deitam raízes. Como explicar a circunstância?
     Louvei-me da hipótese de que somente deitaram raízes aquelas que se afeiçoaram a tradições culturais que se formaram a partir do século XVIII.
     Para a cultura portuguesa, da qual fazemos parte e à época considerada dela não nos distinguíamos, o século XVIII, de um lado, marca a derrota do empreendimento açucareiro que nos colocava na rota que conduziu à Revolução Industrial. Ficamos com os valores que nos foram impostos pela Contra Reforma: o ódio ao lucro e à riqueza. Em termos práticos, opção pela pobreza.
     De outro lado, especialmente na segunda metade, graças ao Marquês de Pombal, abrimos as portas ao que a Época Moderna trazia de novo e até então obstinadamente recusado: a física newtoniana. Mas o fizemos de uma forma limitadora dos seus efeitos, graças ao que se chamou de cientificismo.
     Falando em nome da ciência moderna, o cientificismo nega o essencial de seu espírito, que consiste no anti-dogmatismo, nutrido pelo que Karl Popper (1902/1994) iria denominar como sendo típico de sua feição: a dependência da conjectura (formulação da hipótese, para dizê-lo de outra forma), seguida da aceitação de que os resultados obtidos acham-se sujeitos à refutação.
     Pombal impôs pela força a incorporação da física newtoniana, não recuando nesse propósito nem mesmo diante do radical enfrentamento da então poderosa Ordem dos Jesuítas. Mas entendeu que se tratava de um tipo de saber pronto e acabado. Incumbia tão somente incorporá-lo.
     Lançadas assim as bases dessas duas componentes fundamentais da cultura, a valoração fundada no ódio ao lucro e à riqueza e na idéia de ciência pronta e acabada, a partir do século XIX, quando nos tornamos independentes, emergiriam formas poderosas de enraizá-las, tornando-as perenes e, porque não dizê-lo, praticamente insuperáveis.
     No primeiro caso, através da pregação incessante da Igreja Católica do princípio de que seria mais fácil a passagem de um calabre (cabo de certa espessura usado em embarcações) pelo fundo de uma agulha do que ocorrer a entrada do rico nos reinos dos céus.
     E, no segundo, pelo enraizamento da mencionada noção de ciência, desde os tempos da Real Academia Militar, entendimento que se perpetuaria com a ascensão do positivismo, sob a República, do mesmo modo que a sua simbiose com o marxismo, a famosa versão positivista do marxismo que seria a nossa marca distintiva. Sem embargo da vertente cientificista da versão brasileira do marxismo, sua presença assinala-se, sobretudo, pelo reforço à tradição contra-reformista, ao direcioná-la contra o capitalismo.
     No século XIX dá-se ainda a emergência da tradição liberal, que não deve ser entendida como limitando-se à doutrina política. Esta esbarraria com uma outra tradição herdada de Portugal, que lhe é limitadora e a tem impedido de florescer plenamente. Temos em vista o patrimonialismo. Contudo, tem uma outra parcela que poderia ser agrupada sob a denominação de educação liberal, à qual incumbe, justamente, opor-se e tratar de derrotar, no plano cultural, as tradições contra-reformista e cientificista.
     Vejamos, como o término do predomínio dos sistemas filosóficos, emergentes no Período Contemporâneo, reflete-se no panorama filosófico brasileiro destas últimas décadas.
  
Capa da obra de Paim intitulada: Balanço do marxismo e descendência, um corajoso e aprofundado estudo sobre a influência do marxismo na cultura brasileira.
                    O contra-reformismo
                       recalcitrante

     Os cursos de filosofia, formalmente destinados a diplomar professores da disciplina --no período considerado reintroduzido no ensino médio-- mantêm a média da fase anterior: em 2011 eram em número de 67, com 6.323 alunos matriculados e conclusões anuais de 1087. A expansão deu-se nos cursos de pós-graduação que em 2014 ascendiam a 43.  
    Em grande número desses cursos, o mais visível consiste no  renascimento  da propaganda marxista, como se no início dos anos noventa tivéssemos assistido não ao fim do comunismo mas ao prenúncio do fim do capitalismo. Como  escrevem  Armando Boito (professor da UNICAMP) e Luiz Edmundo Motta (professor da UFRJ) “na segunda metade da década de noventa, o modelo capitalista neoliberal começou a apresentar fortes sinais de desgaste”. Na verdade, contudo, tratava-se da simples evidência de quão arraigada é a tradição contra reformista em nosso meio (ódio ao lucro e à riqueza que se expressa na obstinada recusa do capitalismo).
     São ainda os mencionados docentes que enumeram os feitos a seguir.
     Em 1988, comemorou-se amplamente os 150 anos do Manifesto Comunista e, logo a seguir, em 2001, os 130 anos da Comuna de Paris de 1871. Em decorrência dessas iniciativas foram criados Centros de Estudos Marxistas (CEMARX) na Universidade Estadual de Campinas (1996), seguindo-se na Universidade Federal Fluminense, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e em algumas outras. Coube às novas instituições realizar, em 1999, na UNICAMP, o I Congresso Internacional Marx e Engels. Logo esse trabalho desdobrou-se em encontros de pesquisadores marxistas na área de educação. Não tendo cabimento que ficasse de fora, a USP promoveu o Colóquio Marx e Engels. Dizem os autores que estamos seguindo: “esses e outros encontros reúnem, se somados, milhares de pesquisadores, anual ou bienalmente.”
    Por fim, mais essa indicação: “Nesses últimos 15 anos de revitalização do marxismo no Brasil, foram publicados aproximadamente trinta livros que trataram diretamente da obra de Marx, em grande parte resultados de pesquisas universitárias, e, em destaque, oriundos das faculdades de filosofia.”
     O balanço em causa data de 2010, disponibilizado na INTERNET com a indicação de que a versão em inglês se publicou na revista Socialism and Democracy. A versão em português intitula-se “Karl Marx no Brasil”.
      A vertente considerada domina a Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF),  que dispõe de amplo apoio das instituições oficiais, notadamente  a CAPES. Criada em 1983, realiza desde então congressos bi-anuais. Assim, para o ano de 2014, convoca-se o XVI Encontro Nacional de Filosofia. Em média, nesses encontros são apresentados dois mil trabalhos. Como o domínio marxista compreende a recusa da coexistência de múltiplos pontos de vista --que deveria ser a característica dominante da inquirição de natureza filosófica-- os núcleos de outra índole são pouco numerosos e não alcançam maior visibilidade, como teremos oportunidade de referir.
      Nessa matéria, o fato novo corresponde à amplitude com que editoras e instituições afins mobilizam-se para oferecer alternativas teóricas a essa profusão do que há de típico no marxismo brasileiro, isto é, tratar-se de uma versão positivista, primando por reduzi-lo à mais grosseira simplificação de algumas de suas teses centrais, como se não tivessem sido refutadas pelo próprio processo histórico, a começar do reconhecimento da experiência soviética como a Grande Mentira, para usar o enunciado devido a Leszek Kolakowski (1927/2009). Um único exemplo  comprobatório da pertinência da caracterização. Ainda nos tempos de Gorbachov (segunda metade dos anos oitenta), ficou-se sabendo que metade da população soviética vivia na faixa da pobreza. A par disto, que o país  não dispunha  de nenhum sistema de seguridade. A salvação viria, com o fim do regime comunista, pela mão da renascida Igreja Ortodoxa, que iria incumbir-se de organizar a assistência social.
       Em 2011, passamos a dispor de uma edição primorosa da tese que explica a peculiaridade da versão brasileira do marxismo, a cargo do Senado Federal:  A formação do capital e seu desenvolvimento, de Leônidas de Resende (1889/1950), apresentação de Antonio Paim. Elaborada para concorrer a cátedra da Faculdade  Nacional de Direito, em 1932, efetiva amplo confronto entre Marx e Comte (a presente edição tem 666 páginas) para comprovar que, tendo vivido na mesma época tinham as mesmas idéias e uma única diferença: o primeiro era revolucionário e o segundo reformista. Tenha-se presente que o positivismo de Comte tornara-se uma espécie de filosofia oficial da República brasileira. A comprovação de que passou a nutrir a vertente brasileira do marxismo é efetivada neste livro.
     Complementada por João Cruz Costa (1904/1978) --a quem coube a tarefa de organizar o Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP)--, passou a dispor de tribuna privilegiada de difusão, assegurando a primazia daquela versão de índole positivista, no entendimento do marxismo, que passou a vigorar no país.
     Sediada em São Paulo, a Editora É Realizações assumiu a responsabilidade de colocar à disposição, dos eventuais interessados,  livros de filósofos que evidenciam --como sempre insistiu o saudoso Miguel Reale-- o caráter plural da filosofia, ao contrário da unanimidade (mesmo compulsória) buscada pelo nosso marxismo positivista. A par disto, dá uma grande contribuição à preservação da cultura clássica.
     O catálogo dessa editora reúne hoje grande número de títulos, agrupados em diversas coleções.
     Sem pretender referi-los exaustivamente, destacaríamos a presença de importantes filósofos e estudiosos contemporâneos, a exemplo de Charles Taylor, Louis Lavelle, Xavier Zubiri, Thomas Sowell,  Gertrude Himmerfarb, Eric Voeglin, Eric Weil e Michele Frederico Sciacca, entre outros.
      Em matéria de cultura clássica editou a obra de Mortimer Adler (1902/2001) que, entre outros títulos, figura entre os inspiradores da famosa coleção Great Books, da Britânica.
      É Realizações prestigia autores brasileiros como José Guilherme Merquior, Gilberto Freyre, Vicente Ferreira da Silva e Olavo de Carvalho.
      Duas outras editoras vêm igualmente  contribuindo  no sentido e reduzir os efeitos do patrulhamento ideológico estabelecido pela área de humanidades de diversas universidades: Vide Editorial, de Campinas, São Paulo, e Resistência Cultural, de São Luís, Maranhão.
       A Vide Editorial inclui em seu catálogo uma interessante coleção do pensador Peter Kreeff que encontrou uma forma original de difusão de textos filosóficos, imaginando que Sócrates dialoga com os principais deles. Apareceram aqueles em que o diálogo se dá com Marx, Sartre, Maquiavel, Kant, Hume e Descartes.
       Editou textos fundamentais da Escola Austríaca de Economia, a saber, de Ludwig Von Mises: A mentalidade capitalista e Caminho da Servidão; e, de Eugene von Bohm-Bowerk: Teoria da exploração socialismo-comunismo; textos filosóficos de Olavo de Carvalho (Aristóteles em nova perspectiva e A filosofia e seu inverso); e Marxismo e descendência, de Antonio Paim.
        A Resistência Cultural, a par de secundar o empenho de manter viva no país a chama do pluralismo, desenvolve notável trabalho de superar o isolamento cultural existente entre estados e regiões, tendo se disposto a organizar a difusão de livros editados no Sudoeste, que atendam ao propósito de preservar o legado liberal. Neste sentido, organizou uma biblioteca de obras dessa índole, com base em doações.
        A Resistência Cultural patrocina o funcionamento do Instituto Liberal do Nordeste que, entre outras atividades, realiza as Semanas da Liberdade, alternativamente, em capitais do Norte e Nordeste.      
         Dando início ao programa editorial, lançou uma coletânea de textos de Roberto Campos, organizados por Aristóteles Drumond, com o título de O homem mais lúcido do Brasil.
        Tem programada a edição da obra completa de João Camilo de Oliveira Torres (1915/1973).
Capa da obra de Antônio Paim intitulada: Problemática do Culturalismo, em que o autor aprofunda nas raízes filosóficas da Corrente Culturalista, herdeira do neokantismo e da fenomenologia.

           A sobrevivência
           do cientificismo

       O cientificismo corresponde a uma tradição cultural tão antiga quanto o contra-reformismo porquanto é cultuado desde os tempos de Pombal. Acabou impondo-se à sociologia brasileira, em que pese, nessa matéria, tenhamos produzido  notável grupo de pensadores independentes, a exemplo de Silvio Romero, Oliveira Viana, e, em nossos dias, a obra criativa de Roberto da Matta.
       No período recente, basicamente, nutre-se da tradição sociológica francesa que, pela mão de Emile Durkheim 1858/1917),  atribui à sociologia a função de contribuir para a instauração do socialismo, enquanto equipara o  fato social ao fato natural. Ao privá-lo do valor, retira-lhe toda especificidade, como se pode evidenciar dos que deram continuidade a tais ensinamentos e criaram autêntica tradição durkheiniana.
       Ademais, no período considerado, tivemos uma herança pesada. O endurecimento dos governos militares levou à mais brutal perseguição de numerosos intelectuais. Em diversas universidades,  foram criadas comissões de inquérito, integradas por militares. O resultado não poderia ser mais desastroso. Sobretudo no ciclo de vigência do AI5, quando o empenho consistia em eliminar toda e qualquer oposição, cometeram-se toda sorte de arbitrariedades, difíceis de serem sanadas quando a alta hierarquia do Exército impôs o que passou à história como abertura (demasiado) “lenta e gradual.”
        Do combate às idéias pela força resultou  sobretudo que professores que não tinham méritos para sobressair, vítimas de perseguição, tornaram-se mártires. Aqueles que teriam condições de derrotá-los no plano ideológico sentiram-se inibidos, porquanto não concordavam com a perseguição política de que estavam sendo vítimas. E assim, a emenda ficou pior que o soneto.
        Exemplo edificante do imbróglio criado é a notoriedade alcançada pela profa. Maria Yeda Linhares (1921/2011), professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da UFRJ, resultante do desmembramento dos cursos mantidos pela Faculdade Nacional de Filosofia, determinado pela reforma universitária de 1968. Presa, processada e demitida em decorrência do AI5, mais tarde viria a alcançar notoriedade inusitada, sem dispor de obra que justificasse tais deferências. Com a anistia decretada pelo último governo militar, foi readmitida.
         Ainda no governo Geisel, passou a dirigir grupo de estudos da Fundação Getúlio Vargas destinado a reconstituir a história da agricultura brasileira. Desse trabalho resultaria, na UFRJ, a criação em 1977 do CPDA (Ciências Sociais em Desenvolvimento da Agricultura) que viria a tornar-se o principal centro irradiador da hostilidade ao agronegócio, dispondo de ampla cobertura internacional. Como curso de pós-graduação, iria constituir uma ampla rede integrada por diversas universidades, dispondo da possibilidade de assegurar bolsas de estudo tanto no país como no exterior.
        Pessoalmente, Maria Yeda Linhares tornou-se professora emérita da UFRJ, mereceu homenagem patrocinada pelo CNPq. Ao completar 80 anos, em 2001, a FAPERJ incumbiu-se de organizar publicação em sua homenagem.
         Em vão procurar-se-á em sua bibliografia o que explicaria tal notoriedade. Consta dois livros, um como organizadora (História geral do Brasil, Editora Campus, 1980) e outro em parceria com Francisco C.T. da Silva (História da Agricultura Brasileira, Ed. Civilização Brasileira, 1981).
         Dispomos de amplo quadro do desenvolvimento alcançado pelos cursos universitários dedicados às ciências sociais, devido ao prof. Enno d. Liedke Filho, do curso de pós-graduação em sociologia  da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), publicado na revista Sociologia (Porto Alegre, ano 7 nº 14; julho/dezembro, 2005).
      Em 2002, achavam-se em funcionamento, nas áreas de  Antropologia, Ciência Política e Sociologia, 51 cursos de pós-graduação, com um corpo docente de 901 professores em sua quase totalidade dispondo de doutorado, e possuindo um total de 1.742 alunos de mestrado e 1.476 de doutorado. A julgar pelos dados disponibilizados pela USP, em torno da metade desses alunos são absorvidos pelas próprias instituições gestoras dos cursos, destinando-se os demais para outras universidades.
      O levantamento do professor gaúcho refere que uma das questões a que deve dar conta essa proliferação de cursos refere-se à própria utilidade da sociologia. Enumerando as respostas, vê-se que o entendimento predominante diz respeito à orientação de determinada atuação política. Senão vejamos: identificação dos instrumentos de dominação racial e de dominação de fração de classe; disciplina auxiliar do que denomina “progressismo pedagógico” (que se pode perfeitamente imaginar o que seja, no ambiente considerado); instrumento de modernização societária; instrumento de libertação nacional; elemento de apoio aos espaços de democratização da sociedade brasileira.
      Levando em conta que núcleos constituídos nas principais universidades tornaram-se a fonte do mais aguerrido combate ao agronegócio,  fica claro o que entendem por “modernização societária.” O desenvolvimento experimentado pela agricultura brasileira nas últimas décadas, levando-a a figurar entre as maiores fornecedoras de alimentos do mundo, corresponde a um tipo de modernização (capitalista) que recusam liminarmente. O patrulhamento ideológico que se instaurou nos mencionados centros universitários, por sua vez, demonstra o que entendem por “democratização”.
     Ainda segundo o estudo em apreço, a principal influência é francesa, com destaque para Pierre Bourdieu (1930/2002). Tive oportunidade de examinar amplamente suas teses no livro Marxismo e descendência (Vide Editorial, 2009, págs. 382/385). Apontarei brevemente tais considerações, para termos presente o grau de simplificação a que se resume o seu entendimento da vida social.
     A representatividade desse autor é demonstrada pelo fato de que, como professor da École Normale Supérieure alcançou notoriedade suficiente para ganhar uma cadeira no Collège de France. Em 1993, foi homenageado com a Medalha de Ouro do Centre National de la Recherche Cientifique (CNRS).
     Seguindo o exemplo de Durkheim, ao criar o L´Année Sociologique como meio de organizar uma rede internacional difusora de sua sociologia, Bourdieu editou a publicação periódica Actes de la recherche em sciences sociales, ao que tudo indica (à luz do exemplo brasileiro) com pleno sucesso.
      Em sua numerosa bibliografia estudou detidamente o que denominou de “reprodução das classes sociais” e de “formas do capital”. A este último desagregou em capital econômico (detém o controle dos recursos econômicos); capital social (relações de grupos, redes de influência); capital cultural (conhecimento; educação, entendendo que a escola é um instrumento de preservação de privilégios e sua reprodução), e finalmente, capital simbólico (prestígio, honrarias) A partir esse tipo de análise, estruturou a difusão da tese de que o capitalismo engendraria uma teia diabólica, exigindo contrapor-lhe um “savoir engagé”. Empenhou-se decididamente, desde os anos oitenta, em tornar-se um dos principais artífices da luta contra as elites políticas e o capitalismo “neoliberal”, ao qual atribui todos os males do mundo.
     Bourdieu chegou a um exagero tal na demonização da vida social, por esse monstro chamado globalização capitalista (neoliberal), que afirma que basta ler os relatórios da Organização Mundial do Comércio (OMC) para conhecer a política educacional que teremos em cinco anos. “O ministro da educação nacional, escreve, somente reproduz as diretrizes elaboradas pelos juristas, sociólogos, economistas que, uma vez formuladas, são postas em circulação”. O intelectual engajado pode mudar esse quadro.
     Como se não dispusesse de toda a liberdade para expressar a convicção de que vivemos num clima de opressão sob o capitalismo que compara literalmente o Estado Liberal de Direito ao Estado Totalitário, de que os soviéticos nos deram uma amostra.
      À pessoa não intoxicada por esse tipo de pregação, a catilinária de Bourdieu parecerá algo de alucinatório. Como explicar que a sociologia ensinada na universidade brasileira se haja ajustado a esse tipo de pregação se não tivermos em conta a crença arraigada numa ciência social fornecedora de um saber equivalente ao conhecimento difundido pelas ciências exatas?
Capa da obra do Paim intitulada: A meditação ética portuguesa. O autor é um dos mais profundos analistas das relações entre as filosofias portuguesa e brasileira.

Capa da obra intitulada: Nascimento da ética social moderna, um aprofundado estudo acerca da forma em que foi tematizada, na Inglaterra, a Moral Social de tipo Consensual.
        Sobrevivência de apropriada
          meditação filosófica

      Nos dois séculos de vida independente como país, no ensino superior brasileiro formaram-se  importantes centros de investigação científica, primeiro nas Escolas Politécnicas bem como nas Faculdades de Direito e Medicina, núcleos estes que foram abrigados por universidades, quando finalmente se constituíram, ou em estabelecimentos estruturados para funcionar isoladamente. Tais centros não poderiam sobreviver apoiando-se no conceito oitocentista de ciência, sustentado pelo positivismo e pela versão marxista que a este se fundiu. A busca de familiaridade com o conceito de ciência que se forma a partir de fins do século XIX e começos do seguinte seria buscada, desde o seu surgimento, pelas Escolas Politécnicas do Rio de Janeiro e de São Paulo. O próprio movimento em prol da Universidade seria devido a esse grupo, do mesmo modo que a organização da Academia Brasileira de Ciências, fundada em 1916.
       
     O cerne da questão reside no adequado entendimento da relação entre desenvolvimento tecnológico e pesquisa científica. Os estudiosos da história da ciência assinalam que embora a investigação científica possa conduzir --e tenha conduzido-- a aplicações de ordem tecnológica, sempre que estas são colocadas como seu objetivo primordial a ciência entra em declínio. Portanto, a realização da aspiração magna das gerações que vivenciaram os desdobramentos da Revolução de 30 --que consistia na realização de nossa revolução industrial-- pressupunha a superação da idéia de que a ciência achava-se pronta e conclusa, o que nos privava de participar do seu incessante desenvolvimento, motor do progresso material das nações líderes do Ocidente.
    Exemplo edificante da promissora relação existente entre pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico encontra-se no que tem sido denominado de  “modelo de desenvolvimento tecnológico da Aeronáutica”. Tivemos oportunidade de proceder a uma ampla caracterização dessa experiência, no estudo que leva essa denominação e pode ser acessado no site www.institutodehumanidades.com.br/OBRAS, razão pela qual vou aqui limitar-me a assinalar o essencial.
     É certo que o impulso básico provinha da compreensão da necessidade de modernização de nossas Forças Armadas. No documento que se encontra à base da Revolução de 30 --Plataforma da Aliança Liberal, divulgada a 2 de janeiro de 1930-- assinala-se a necessidade  de “desenvolver-se entre nós a indústria militar (assinalando-se que sobretudo no que se refere à artilharia e à aviação) libertando-nos,tanto quanto possível, dos mercados estrangeiros na compra de material bélico.” O propósito de implantar indústria siderúrgica é relacionado diretamente a essa necessidade.
     O notável é que, na criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) se haja começado por desenvolver a pesquisa científica. Desejava-se criar quadros capazes de estar a par do desenvolvimento da pesquisa nos grandes centros, em especial dos Estados Unidos.
     Criado em 1945, toma por modelo o famoso Tecnological Institute of Tecnology (MIT) de Massachusetts. Seu primeiro reitor seria o prof. Richard M. Smith, do Corpo Docente daquele Instituto, que se incumbiu diretamente de sua implantação, de 1946 a 1949. Depois dessa data, continuou exercendo as funções de consultor. Nessa última condição, escreveria no relatório que elaborou em 1952: “A  capacidade de pesquisa em uma nação depende mais dos pesquisadores com que conta do que dos meios e facilidades para pesquisa. Especialmente no campo da pesquisa pura, bons pesquisadores, livres de burocracia, alcançam bons resultados com orçamentos reduzidos e modestos recursos de laboratório.”
     Cumpre, pois, na consideração do sucesso da EMBRAER, ter presente o modelo que lhe deu origem.
      O ITA proporcionou um modelo que se revelou como uma forma criativa de incorporar à nossa meditação um importante segmento da filosofia ocidental, modelo esse que, pelos indícios de que se dispõe, tem sobrevivido.
     A par das disciplinas diretamente relacionadas à engenharia, com destaque para a engenharia aeronáutica, o ITA passou a dispor de Departamento de Humanidades, contando com duas cadeiras: lógica matemática e filosofia da ciência.  Implantou-as Leônidas Hegenberg (1925/2012) que, além de preparar o material didático requerido, popularizou no país a obra dos principais estudiosos contemporâneos das duas disciplinas. (1)     
     Preservado no ITA, o modelo em apreço veio a ser adotado em outros centros, a exemplo do que adiante se refere.
     Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o prof. Francisco Caruso (nascido em 1959) -- do Instituto de Física da UERJ e editor da revista Ciência Hoje--ocupa-se da disciplina Aspectos epistemológicos e históricos do espaço físico. Paralelamente, desenvolve atividade sistemática de vulgarização científica. Pertence à Academia Brasileira de Filosofia.
     Iniciativa análoga, desta vez na Universidade Federal do Paraná, confirma a hipótese difundida pela profa. Creusa Capalbo, segundo a qual a fenomenologia não deveria ser entendida como um sistema mas como método destinado a ocupar-se da fundamentação (filosófica) das ciências humanas. Temos em vista o trabalho desenvolvido, na citada Universidade, pelo prof. Adriano Furtado Holanda, no Departamento de Psicologia, a que pertence. Doutor em psicologia pela PUC de Campinas (2002), a simples menção de alguns de seus livros indica a natureza da atividade acadêmica que desenvolve: O campo das psicoterapias. Reflexões (2012); Gestalt-terapia e contemporaneidade  (2005); Fenomenologia e humanismo. Reflexões  (2004); Psicologia, religiosidade e fenomenologia (2004)
     Ao que parece, a forma indicada de aproximar-se da filosofia da ciência parece ser o modo apropriado de enraizá-la e permitir que prospere, vindo a ocupar-se de temática que não se limite a dar conta do que faz o centro correspondente da London Sochool of Economics. Este é parte de uma tradição filosófica secular, consistindo numa autêntica filosofia nacional e não se acha fadado a desaparecer em seu próprio país de origem mas apenas como um sistema a ser imitado e copiado por outras nações..
     A maneira como se estruturou o sistema de ensino da filosofia em nossas universidades, atribuindo-lhe a exclusiva função de formar professores da disciplina, condena os estudiosos dessa ou daquela disciplina a não deixar herdeiros. A filosofia deveria ser ensinada a todos que ingressam nesse nível de ensino e teria que ser adaptada ao desempenho da nova função. A insistência no modelo atual a condena a tornar-se instrumento de grupos políticos (ou religiosos), caudatários das tradições culturais arraigadas. Para a formação de especialistas a pós-graduação teria que reduzir-se a uns poucos institutos de pesquisa, onde as pessoas vocacionadas para esse mister pudessem ser devidamente aproveitadas.

  Experiências de preservação
     da filosofia brasileira

     A filosofia brasileira, para criar “elos e derivações” --se quisermos usar a expressão consagrada pelo prof. Miguel Reale-- não precisou que o país dispusesse de  universidades. Ao longo de nossa história como país independente mentes criativas defrontaram-se com problemas concretos que exigiam ser considerados do ângulo filosófico. Progressivamente alguns temas teóricos acabaram impondo-se. A começar da pergunta pela natureza da pessoa humana mas também o problema de identificar seu papel em face do prestígio crescente e da vocação imperialista da ciência. Como aproximar-se dessas categorias de forma a dar-se conta de suas peculiaridades essenciais? Nessa inquirição, a filosofia brasileira produziu  textos admiráveis. Nessa matéria, o grande mérito do prof.  Reale consiste em ter-nos facultado um método capaz de superar as antigas preocupações com originalidade e outros aspectos, na matéria, de fato irrelevantes. E, por essa via, documentar a reconstituição de tal trajetória.
    A tarefa que se colocava para a geração que nos substituiu consistia em preservar as conquistas alcançadas, como condição primordial de seu ulterior desenvolvimento. Ter-se-ia de fazê-lo mesmo diante da circunstância de que, na medida em que se consolidava no país a universidade limitada à profissionalização, menores as possibilidades de, em seu seio, prosperar atividades relacionadas à cultura geral. Esta, ainda que figure entre as funções do sistema de ensino, é completamente ignorada.
     As experiências que parecem mais afeiçoadas ao nosso tempo consistem naquelas  que repousam na utilização dos meios de comunicação que emergiram e passaram a ser dominantes em nosso tempo. Temos em vista a difusão mediante o recurso à computação.
      O Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (CDPB), estruturado como uma biblioteca detentora do acervo disponível de livros e publicações periódicas, relacionadas à filosofia, ao pensamento político, à sociologia e à antropologia, organizou um site destinado a torná-los acessíveis na INTERNET. O projeto consiste em digitalizar todos os estudos realizados no período recente, sob a ótica do método que aplicamos na elaboração da História das Idéias Filosóficas no Brasil”, bem como textos de autores relevantes.
   Presentemente, no site em apreço -- www.cdpb.olrg.br -- a matéria disponibilizada acha-se estruturado desta forma:

         ESTUDOS DESTACADOS
         BIBLIOGRAFIAS E ESTUDOS CRÍTICOS
         DICIONÁRIO BIO-BIBLIOGRÁFICO
         ÍNDICE DE REVISTAS
         LEITURA BÁSICA DE HISTÓRIA DO BRASIL

     Os ESTUDOS DESTACADOS abrigam os estudos dedicados  à filosofia brasileira no período recente bem como a obra de autores de destaque, subdivididas assim:


         Obras gerais  sobre o pensamento brasileiro (16 títulos)
         Silvestre Pinheiro Ferreira (3 títulos)
         Tradicionalismo (6 títulos)
         A meditação ética brasileira (3 títulos)
         Escola Eclética (6 títulos)
         Escola do Recife (7 títulos, entre estes os Estudos de filosofia, de Tobias Barreto
                                         e os Ensaios de crítica de Artur Orlando)
         Farias Brito; reação espiritualista e correntes afins (2 títulos)
         Movimento fenomenológico e existencial; Culturalismo (8 títulos)
         Estética; Filosofia do Direito, da Educação e diversos (8 títulos)
         Pensamento político (10 títulos)
         Lógica e filosofia da ciência (4 títulos)

                TOTAL: 73 títulos

    BIBLIOGRAFIAS E ESTUDOS CRÍTICOS. Além das biografias e bibliografias, reúne estudos dispersos, de difícil acesso, sobre pensadores destacados. Até o presente acham-se acessíveis: Jackson de Figueiredo; Ubiratan Borges de Macedo; Leonel Franca; Antonio Carlos Vilaça; Ivan Lins; Roque Spencer Maciel de Barros; Silvestre Pinheiro Ferreira; Sílvio Romero; Miguel Reale; Tobias Barreto; Djacir Menezes e  Alceu Amoroso Lima. Insere ainda a Bibliografia Filosófica Brasileira (1808/1985).

    DICIONÁRIO BIO-BIBLIOGRÁGFICO  contem verbetes de cerca de 400 autores brasileiros de obras de filosofia; pensamento político; sociologia e antropologia.
    ÍNDICE DE REVISTAS. Acha-se digitalizado o Índice da Revista Brasileira de Filosofia (1945/2000) e estudo sobre a Revista Convivium, da autoria de Ronaldo Polletti.

    LEITURA BÁSICA (antologias) de História do Brasil, destinada a preservar parte do notável acervo da historiografia nacional (20 livros)

     O trabalho desenvolvido pelo CDPB tem sido secundado por outras iniciativas. Entre estas, destacaria as que têm sido patrocinadas por Ricardo Vélez Rodriguez.
     Ao tempo em que pertencia ao Corpo Docente da Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais) experimentou o patrulhamento da CAPES ao promover o descredenciamento do Curso de Pós Graduação em Filosofia Brasileira, em que pese tenha sido uma iniciativa muito bem sucedida, contando com grande acolhimento de parte da intelectualidade local, já que não se limitava a aceitar alunos oriundos da filosofia mas figuras representativas daquele grupo social, notadamente médicos e engenheiros.
     Diante desse desfecho, Vélez passou a ocupar-se da disciplina para a qual, desde então, fora designado pelo Departamento de Filosofia. É interessante  destacar que a retomada daquele empreendimento caberia a alunos da Universidade, nem todos provindos do curso de filosofia. Tal se deu uma década depois da mencionada extinção do estudo da filosofia brasileira na UFJF. Sua disposição era a de organizar o estudo da filosofia brasileira de forma independente do Departamento, inicialmente designado como Núcleo de Estudos. A formalização deu-se em 2003.
     O mérito de iniciativas desse tipo advém do fato de que o estudo autônomo da filosofia brasileira livra-a dos humores dos responsáveis pela disciplina Filosofia Contemporânea --onde, segundo o programa oficial, figura a Filosofia Brasileira-- nem sempre dispostos a atuar segundo o espírito acadêmico, preferindo a linha do proselitismo.
     A atividade básica desenvolvida pelo Núcleo de Estudos correspondeu à efetivação de seminários. A par disto, editou revista (impressa e eletrônica) destinada a divulgar o trabalho realizado.  Promoveu ainda Colóquio de Pesquisadores da Filosofia Brasileira em Minas Gerais (2006);  Semana de Estudos sobre os duzentos anos da vinda da Corte Portuguesa para o Brasil (2008); participação dos integrantes do Núcleo de Estudos no Colóquio em Homenagem a Miguel Reale, realizado em 2009, em Lisboa, pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira; análise dos escritos de Silvestre Pinheiro Ferreira e estudo da concepção ética em autores luso-brasileiros no decorrer do século XIX.
     Por iniciativa dos alunos, o Núcleo de Estudos ampliou o escopo de suas atividades para abranger pensadores espanhóis e ibero-americanos. A extensão tornou-se possível à vista de que Ricardo Vélez é especialista na matéria.
     Sem embargo dessa extensão, fornece um modelo interessante de sobrevivência do estudo da filosofia brasileira na Universidade, independentemente do que pensem eventuais responsáveis pela disciplina Filosofia Contemporânea. Nesta suposição, vamos concentrar-nos no detalhamento dos seminários, forma principal e permanente de funcionamento do Núcleo de Estudos.
     Para fazer-se uma idéia dos estudos desenvolvidos na matéria, o Núcleo de Estudos adotou  como fonte o ordenamento produzido por José Maurício de Carvalho, acessível no site do CDPB. O material de que se trata acha-se subdividido em cinco partes, a saber: I-Principais autores plenamente estudados; II-Problemas e estudiosos contemporâneos; III-Outros autores de destaque; IV-Contribuições em torno de problemas específicos; V-Bibliogrfia.
     Os seminários, principal atividade desenvolvida pelo Núcleo de Estudos tiveram por objetivo o estudo conjunto de determinada obra. Dispondo da informação relativa ao método empregado no estudo da filosofia brasileira (centrado nos problemas teóricos enfrentados pelos autores), bem como da indicação das obras mais destacadas que os espelham, é fácil efetivar uma seleção de tais textos. A título de sugestão, poder-se-ia iniciar com duas obras capazes, desde logo, de comprovar a fecundidade dessa meditação.: os Estudos de Filosofia, de Tobias Barreto (acessível no site do CDPB; a par disto, em 2013, o governo de Sergipe promoveu uma nova edição) e Experiência e Cultura, de Miguel Reale, de fácil aquisição notadamente da 2ª edição (reproduz a primeira, sem alterações).
      No modelo implantado por Ricardo Vélez, a obra escolhida é subdividida para estudo em determinado número de sessões, tomando por base os capítulos ou temas que seriam centrais. Sua discussão dá-se a partir de uma apresentação do relator, designado na oportunidade da aprovação do programa de sessões. Deve conter os temas que, a seu ver, deverão ser obrigatoriamente debatidos. Naturalmente, cabe a todos os participantes proceder ao estudo respectivo de forma independente para que possam ter participação ativa no debate.
     Outro aspecto digno de ser destacado diz respeito a que a escolha da obra seja sempre consensual.
           
NOTA

(1) O conjunto da obra de Leonidas Hegenberg foi estudado por José Maurício de Carvalho, texto este que pode ser acessado  no site do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro, a saber:

(www.cdpb.org.br/ESTUDOSDESTACADOS/LOGICAEFILOSOFIADACIÊNCIA).
Capa da obra Tratado de Ética, de Antônio Paim, um estudo sistemático acerca dos fundamentos da Moral Ocidental e das suas decorrências culturais no Brasil.