Os
conceitos sociológicos fundamentais para entender o Estado Patrimonial foram
desenvolvidos, basicamente, por dois grandes pensadores alemães do século XX:
Max Weber (1846-1920) e Karl Wittfogel (1896-1988). Para entendermos o que se
passa na América Latina no plano político, com a presença diuturna de Estados
autoritários que tentam aberturas democráticas, mas que, volta e meia, derrapam
no autoritarismo, torna-se necessário lembrarmos alguns conceitos básicos
desses autores.
É
o que tentarei fazer nas próximas páginas, tendo como ponto referencial a
exposição sumária do pensamento de ambos os sociólogos Aproximarei o conceito
de Patrimonialismo de duas formações sociais nas quais, segundo Weber e
Wittfogel, vingou, na modernidade, a modalidade patrimonialista de Estado: a
Rússia e a China. Farei essa aproximação, em decorrência do fato de estes
países se apresentarem, a partir do século XX, como modelos a serem seguidos,
na implementação das “revoluções” e / ou das medidas reformistas que tencionam
os países latino-americanos, como alternativa ao modelo proposto pelo mundo
desenvolvido, nos Estados contratualistas em que vingou a economia capitalista.
Serão
desenvolvidos, neste artigo, três itens: I - O Patrimonialismo contraposto ao
Feudalismo, segundo Max Weber. II - Patrimonialismo e Despotismo Oriental,
segundo Karl Wittfogel. III – A Rússia e a China, no contexto dos BRICs.
I
- O Patrimonialismo contraposto ao Feudalismo, segundo Max Weber.
Max
Weber entende o Estado como “uma comunidade humana que pretende, com êxito, o
monopólio do uso legítimo da força dentro de um determinado território”.[1]
Portanto,
a noção básica de Estado, para ele, é a de violência legalizada. A política,
nesse contexto, pode ser definida como o conjunto de esforços feitos com vistas
a participar do poder ou a influenciar na divisão do mesmo, seja entre Estados,
seja no interior de um único Estado. O poder, para Weber, pode ser valorizado
em si mesmo, sem que necessariamente tenha que estar referido a outros fatores,
por exemplo, os econômicos. O Estado, suposta essa concepção da política e do
poder, só pode existir sob a condição de que os homens dominados se submetam à
autoridade continuamente reivindicada pelos que exercem a dominação. Surgem,
aí, estas questões: em que condições se submetem aqueles e por quê? Em que
justificativas internas e em que meios externos se apoia essa dominação?
Weber
distingue três tipos puros de dominação legítima, que não se materializam,
enquanto tais, mas que podem caracterizar, em maior ou em menor grau,
misturando-se, as concreções históricas do Estado. Esses três tipos de dominação
são: a racional, a tradicional e a carismática. Na primeira, a autoridade de
quem exerce a dominação alicerça-se na crença da comunidade respectiva na
legitimidade da ordem estabelecida. Na dominação tradicional, a autoridade
alicerça-se na crença da comunidade em certas tradições que a consagram. Na
dominação carismática, a autoridade alicerça-se na crença da comunidade no
valor excepcional que para ela encarna uma determinada personalidade.
No
seio da dominação tradicional, Weber distinguiu dois tipos básicos: o
Patrimonialismo e o Feudalismo. No contexto deste último, prevalece o
“feudalismo de vassalagem ocidental”, cujo caráter fundamental reside no fato
de que o poder do nobre proprietário da terra (ou barão) não
procede diretamente do soberano, ensejando, assim, relações não de subordinação
pura e simples, mas de caráter contratual, que implicavam, evidentemente, numa
limitação do poder deste último.
O
exemplo mais puro deste tipo de feudalismo é encontrado por Weber na
Inglaterra, onde vários fenômenos concomitantes contribuíram para a limitação
do poder do monarca, entre os quais cabe mencionar: a - a
conservação da grande propriedade fundiária em mãos dos barões; b -
o papel desempenhado pela gentry (classe média rural), que não
se deixou burocratizar pelo príncipe; c - o poder desenvolvido
pelos juízes de paz; d - a participação dos notáveis no
governo, graças à instituição parlamentar; e - a redução, ao
mínimo, da administração burocrática.
O
Patrimonialismo é caracterizado por Weber como aquela forma de dominação
tradicional em que o soberano organiza o poder político de forma análoga ao seu
poder doméstico. Ao lado da organização do poder político segundo o modelo
doméstico, é igualmente essencial ao Patrimonialismo a estruturação do quadro
administrativo, através do qual se exerce a dominação. Quando esse quadro
recebe do soberano, ou conserva, com o consentimento dele, determinados poderes
de mando e as suas correspondentes vantagens econômicas, temos o que Weber
chama de dominação estamental.
A
expressão mais extremada da dominação patrimonial é, para Weber, a patriarcal,
que é caracterizada como pré-burocrática. Nela, a autoridade não se
baseia no dever de servir a uma “finalidade impessoal e objetiva” (como
acontece na dominação racional), obedecendo a normas abstratas, mas justamente
no contrário: na submissão ao pater-famílias, em virtude de uma devoção
rigorosamente pessoal. A expressão original do patriarcalismo é a autoridade
paterna no seio da comunidade doméstica. O Patrimonialismo é uma extensão dessa
autoridade tradicional para além das fronteiras do lar, conservando o aspecto
doméstico de uma administração não racional e os traços privatizantes da
autoridade unipessoal e do direito costumeiro, sendo que no âmbito patrimonial,
como frisa Weber, a submissão pessoal ao senhor “garante como legítimas as
normas procedentes do mesmo”.[2]
Weber
encontra no Antigo Egito, no Império Chinês e na Rússia Czarista três casos
típicos de dominação patrimonial. O Antigo Egito foi o primeiro regime
burocrático-patrimonial. Desenvolveu-se originariamente a base da clientela
real. A necessidade de uma política unitária, em decorrência das condições
físicas, levou a um aprimoramento burocrático mediante a ascensão da casta dos
escribas e a institucionalização do trabalho compulsório da população livre nas
obras públicas. O resultado desse modelo de dominação patrimonial é assim
caracterizado por Weber: “Todo o território pareceu ser um só e único oikos (domicílio)
real, junto ao qual, como entidades aproximadamente equivalentes, existiam só
os oikos (domicílios) dos sacerdotes do templo. E assim foi
tratado, do ponto de vista jurídico, pelos romanos”.[3]
Além
dos trabalhos hidráulicos, feitos na China mediante um sistema de serviço
compulsório dos habitantes livres, Weber salienta a presença de um fator que
reforçou o Estado Patrimonial: a religião oficial. Esse papel foi desempenhado
pelo confucionismo, que dava base à virtude cardeal da piedade filial, não só
no meio doméstico, mas também no âmbito das relações de subordinação dos
funcionários em relação ao soberano, dos funcionários inferiores em relação aos
superiores e, principalmente, dos súditos perante o estamento burocrático e o
monarca. Em relação ao outro caso-tipo de dominação patrimonial, o Estado
russo, Weber salienta a supremacia do Czar, mediante a atomização da nobreza,
graças ao sistema de sinecuras criadas pelo soberano ao redor dos cargos tschin,
que estavam à testa do estamento burocrático e do exército.
Weber
enfatiza o caráter centrípeto do Patrimonialismo, que conduz a pôr em prática
medidas tendentes à concentração e à perpetuação do poder unipessoal do
monarca. Isso leva à valorização, no contexto patrimonialista, das funções
administrativas apropriadas ou controladas pelo soberano, como instrumentos que
garantem o seu poder. Por isso, sob esse ângulo, o Patrimonialismo colide
frontalmente com o Feudalismo, que promove a redução das funções burocráticas.
A fim de controlar qualquer surto de dignidade (de autoridade baseada nos
sentimentos de independência e honra das camadas nobres), a dominação
patrimonial manipula as massas desprotegidas mediante o paternalismo de Estado,
ensejando assim o ideal do “pai do povo”, tão comum em contextos patrimoniais,
como o russo. Essa idéia associou-se à permanência do Patrimonialismo na época
moderna, pelo menos no Ocidente.
Outras
práticas patrimonialistas dirigidas ao fortalecimento do poder central do
monarca são as cargas tributárias, a concessão de sinecuras aos servidores
fiéis, o desmembramento da propriedade fundiária a fim de impedir o
fortalecimento da nobreza, a divisão de competências entre os funcionários
locais para que não acumulem poder excessivo, o emprego de funcionários
totalmente dependentes, a organização de exércitos armados e mantidos pelo
soberano (exércitos patrimoniais), a utilização, por parte do senhor
patrimonial, dos serviços de intermediação por delegação aos senhores
territoriais locais (no caso em que tivesse sido impossível a eliminação total
da autoridade deles), etc.
O
caráter de intermediação por delegação conferida pelo soberano patrimonial aos
senhores territoriais locais, bem como a feição dinâmica do seu relacionamento
com eles, são explicados por Weber nestes termos: “A camada dos senhores territoriais
locais exige, sempre (...), que o príncipe patrimonial não atente contra o seu
próprio poder patrimonial sobre os súditos, ou o garanta diretamente. Por
conseguinte, exige, sobretudo, a supressão de qualquer intervenção dos
funcionários administrativos do príncipe na esfera de seu domínio, quer dizer,
exige imunidade. Pela sua natureza, o senhor territorial pretende ser a
autoridade por meio da qual o soberano deva entrar em relação com os súditos. À
sua autoridade deve subordinar-se a responsabilidade criminal e tributária dos
mesmos. A ela deve ser confiado o recrutamento militar, a arrecadação e a
aplicação dos impostos. E como o senhor territorial deseja aproveitar para si
mesmo a capacidade de prestação (de serviços) dos súditos (...), reduz, no possível,
ou determina a parte que deve corresponder ao soberano patrimonial”.[4]
Exemplo desse relacionamento – magnificamente ilustrado, aliás, por Oliveira
Vianna (1883-1951)[5] em Populações meridionais do
Brasil e em Instituições políticas brasileiras –
foi a administração colonial do Brasil.
A
utilização da força armada por parte do soberano patrimonial, é colocada por
Weber em estreita relação com os serviços extraordinários que podem ser
exigidos aos súditos, sendo, de outro lado, como já frisamos, um meio eficaz
para garantir a dominação. O “exército patrimonial” pode ser de muito diversa
procedência; essa tropa poderá compor-se de escravos dominados
patrimonialmente, arrendatários, colonos, jovens recrutados dos povos
submetidos, súditos recrutados por conscrição entre as massas camponesas,
etc. Oliveira Vianna faz uma detalhada análise da forma em que o
patronato rural brasileiro organizou verdadeiros exércitos patrimoniais de
mulatos, índios e mamelucos, para proteger o latifúndio e ampliar os seus
domínios.
Frisávamos
que a dominação tradicional, para Weber, abrange dois tipos fundamentais: o
Patrimonialismo e o Feudalismo. A distinção entre ambos, no entanto, não é
estática, mas dinâmica. Quer dizer: o trânsito das formas patrimoniais de
dominação às feudais realiza-se, através da presença de elementos que se
contrapõem ao poder unipessoal do príncipe, de forma que, historicamente,
organizações sociais como a inglesa que, em determinados períodos, estiveram
submetidas a uma dominação com fortes tendências patrimoniais podem, graças ao
desenvolvimento de forças sociais novas, evoluir até formas diferentes,
semelhantes às provenientes do mundo feudal. É de capital importância salientar
a importância da descoberta ensejada pelos estudos de Weber: o moderno constitucionalismo europeu
veio do Feudalismo que, em alguns casos, conseguiu superar o Patrimonialismo.
Assim explicaríamos as democracias sociais do continente europeu e,
logicamente, a primeira materialização da democracia representativa na
Inglaterra, após a Revolução Gloriosa de 1688 e o advento da Monarquia
Constitucional.
Em
outros países, no entanto, como na Península Ibérica e no leste europeu, a
história do Patrimonialismo seria mais longa, projetando-se até os nossos dias.
Segundo o próprio Weber[6] salientou, a adoção do sistema
representativo deve ser valorizada, como modalidade de fixação dos limites em
que se pode exercer a violência. Em outros termos, o sociólogo alemão remete ao
conceito de legitimação-dominação no contexto do governo
representativo, o único que permite passar de um Obrigkeitsstaat (Estado
das autoridades) de inspiração patrimonial, a um Volksstaat (Estado
do povo), que revive a tradição feudal de controle moral ao poder. Mas, para
isso, reconhece a necessidade de ser fortalecido o Parlamento, incumbindo-o de
funções de governo e de controle sobre o aparelho burocrático do Estado, e
colocando-o a salvo de vícios que poderiam esvazia-lo como, por exemplo, a
adoção de uma modalidade exclusivamente corporativa de representação.
O
Patrimonialismo é, portanto, passível de superação, se chegando até formas de
governo que adotem a democracia representativa. Podem surgir, no entanto,
elementos modernizadores que visem, apenas, aprimorar “de forma planejada a
capacidade tributária” do Estado, bem como criar monopólios que funcionem
racionalmente. Nesses casos, a atuação racionalizadora do Estado Patrimonial
torna-se semelhante à administração burocrática, sem chegar, contudo, à superação
do Patrimonialismo. O único motivo (que leva o soberano patrimonial a aceitar
esse tipo de atuação racional) é o perigo representado pela concorrência de
vários poderes patrimoniais inferiores. Nesse contexto, o poder patrimonial
busca se apoiar nos estamentos profissionais, a fim de conjurar o risco de
desestabilização do seu poder unipessoal.[7] Essa parte da doutrina weberiana ensejou,
no seio da sociologia brasileira, a significativa contribuição representada
pelo conceito de patrimonialismo modernizador.
II
- Patrimonialismo e Despotismo Oriental, segundo Karl Wittfogel.
Este
autor ensejou, no seio do marxismo, uma ampla discussão ao redor do conceito
de despotismo oriental com a publicação, em 1957, de sua obra
que leva o mesmo título[8] e que foi considerada, no mundo
comunista, como assaz provocadora.[9] Marxista alemão, no primeiro
pós-guerra escreveu obras teatrais, bem como estudos de sociologia geral e
realizou pesquisas de história econômica e social da China (campo no qual é considerado
um dos pioneiros). Durante vários anos Wittfogel foi disciplinado membro do
Partido Comunista, tendo recebido de Trotsky (1879-1940), em 1923, a
incumbência de estudar as características despóticas da Rússia czarista. No
entanto, Wittfogel preferiu pesquisar, diretamente na China, o modelo asiático
assinalado por Karl Marx (1818-1883) e que foi denominado, posteriormente, de
“despotismo oriental”.
Durante
alguns anos, Wittfogel foi um dos especialistas do Komintern para assuntos do
Extremo-Oriente, tendo colaborado em importantes revistas. Como o próprio autor
confessa, desde 1920 as suas pesquisas sobre o despotismo oriental eram mal
vistas por Josef Stalin (1878-1953), que temia ver desmascarada, pelos próprios
intelectuais do Partido Comunista, a feição despótico-oriental que empolgara a
Revolução Bolchevique e o regime instaurado em 1917. Em 1931, após a publicação
da obra intitulada: Economia e sociedade na China, Wittfogel
foi censurado pelo PC, no debate realizado em Leningrado sobre o modo de
produção asiático. Em 1933, o sociólogo alemão foi internado pelos nazistas num
campo de concentração. Libertado, empreendeu nova viagem de estudos na China
(1935-1937). Em 1938, quando Stalin condenou oficialmente a chamada “tese
geográfica”, que visava censurar a teoria asiática de Marx,
Wittfogel teve de se refugiar nos Estados Unidos, onde ensinou história chinesa
na Universidade de Washington (em Seattle), a partir de 1945 até sua morte,
ocorrida em 1988.
Wittfogel,
como marxista, interessou-se pela análise acerca do modelo de produção
asiática, que sempre constituiu motivo de grande perplexidade para os
partidários daquela doutrina, porquanto sugere que o modelo desses modos de
produção (em que se baseavam para afirmar a substituição do capitalismo pelo
socialismo), somente poderia ser aplicado à Europa. Se a doutrina da sequência
histórica dos modos de produção (escravagismo, feudalismo, capitalismo,
socialismo) não se revestisse de universalidade, então as famosas previsões
marxistas quanto à marcha inexorável da humanidade para o socialismo ver-se-iam
minadas pela base. Além disto, sendo o Estado uma criação da sociedade, como
poderia dar-se o fato – expresso precisamente no modelo asiático – de que se
tenha criado um Estado mais forte do que a sociedade? Radicalizando dessa forma
a questão, Wittfogel iria identificar a origem do Estado mais forte do que a
sociedade, nos grupos sociais que se formaram em torno das áreas irrigadas.
No
detalhado estudo que o sociólogo alemão dedicou à questão, o essencial consiste
no fato de que a agricultura irrigada estabelece um tipo de propriedade que não
se pode transmitir por herança ou, em outros termos, que não se pode fracionar.
Esse tipo de propriedade exigiu um sistema defensivo contra as populações circunvizinhas
sujeitas às intempéries naturais, bem como trabalhos regulares de conservação e
toda uma administração centralizada. Esses fatores ensejaram instituições
políticas extremamente estatizadas e submetidas a um poder central de tipo
patrimonial e absolutista. Ao fazer essa identificação, Wittfogel
automaticamente ultrapassava a camisa de força em que o marxismo pretendera
enquadrar a realidade, retomando a melhor tradição da sociologia alemã,
iniciada por Weber.
As
mais representativas manifestações das sociedades hidráulicas apareceram,
segundo Wittfogel, na Índia, na China, no Meio Oriente e, no continente
americano pré-colombiano, na América Central, no México e no Peru. Além disto,
tais formas de organização social foram transplantadas a outras civilizações.
Exemplo ilustrativo dessa incorporação de estilos governamentais despóticos
(áreas geográficas que Wittfogel denomina de zonas marginais ou submarginais,
em relação aos centros de economia hidráulica) são os traços encontradiços na
Rússia pré-mongol e o processo ulterior de introdução do despotismo oriental
naquela região do mundo, independentemente do desenvolvimento da agricultura
irrigada. Tal foi o caso, também, de Bizâncio, dos califados árabes (incluída a
Península Ibérica durante os oito séculos de dominação muçulmana), da Turquia
otomana, etc.
Essas
influências, no entanto, bem como a que, no decorrer do século XVI, proveio da
Turquia otomana, não foram as responsáveis pela perda de identidade feudal da
Rússia de Kiev. A influência decisiva, que destruiu a fidelidade kieviana e
deitou os alicerces do Estado despótico de Moscóvia e da Rússia pós-moscovita,
foi ensejada pela dominação tártara, no decorrer do século XIII até 1480,
quando Ivã III (1440-1505) tornou o Principado de Moscou independente da
dominação da Horda Dourada. Embora vencidos pelos russos no século XV, os
tártaros imprimiram à sociedade da Rússia fortes tendências centralizadoras e
estatizantes, num contexto despótico, como os recenseamentos para fins
tributários, a tendência a diminuir o poder dos nobres tornando-os funcionários
públicos, a diminuição da propriedade fundiária em poder daqueles e o aumento
das propriedades territoriais do Estado. Para Wittfogel, é claro que o
desenvolvimento cada vez mais estatizante seguido pelo Estado russo, ao longo
dos séculos XIV, XV e XVI, foi conseqüência da duradoura dominação oriental que
tinha sofrido e que o tornava “pelas suas instituições organizativas e
aquisitivas, comprometido com o caminho do estatismo despótico, baseado no serviço
ao Estado”.[10] Tudo isso aconteceu na Rússia de
uma forma submarginal, sem que fosse necessário o desenvolvimento de uma
economia hidráulica e conservando, durante vários séculos, muitas aparências
feudais.
No
decorrer do século XX, as mais completas materializações do despotismo asiático
foram, sem sombra de dúvida, a Rússia e a China, as duas maiores expressões do
Estado Patrimonial. A temida “restauração asiática” foi, para Wittfogel, o
traço marcante que encarnou o totalitarismo russo, e que esvaziou de qualquer
conteúdo democrático o regime instaurado a partir da Revolução de 1917. A
respeito, o sociólogo alemão escreve:
“Eis
o terrível segredo da revolução que Lenin concebeu e realizou. Para inúmeros
intelectuais e operários em muitos países, essa revolução era um chamado à
pregação do Socialismo na Rússia: um chamado a lutar por esse Socialismo e, se
fosse necessário, a morrer por ele. O que acontece quando essa revolução perde
a sua bandeira, o seu poder unificador? O que acontece se se comprova, segundo
as próprias palavras de Lenin, que essa revolução conduz, não ao Socialismo,
mas a uma nova forma de despotismo oriental? Quem, com exceção dos
privilegiados, aceitaria morrer pela restauração asiática?”[11]
Referindo-se
ao quadro natural da sociedade hidráulica, Wittfogel salienta que as relações
entre homem e natureza nunca foram estáticas. Muito pelo contrário, o homem
sempre transformou a natureza que o rodeava. Ele, frisa Wittfogel, não deixa,
jamais, de agir sobre o meio natural. Ele o transforma constantemente. E
utiliza forças novas todas as vezes que os seus esforços o fazem ter acesso a
empresas de nível superior. A respeito, frisa: “(...) Em condições
institucionais iguais, a diferença do meio sugere e permite – ou exclui – o
desenvolvimento de formas novas de tecnologia, de subsistência, de poder
social.[12]
O
potencial hidráulico das regiões da terra pobres ou carentes de água
atualiza-se em condições históricas bem específicas. Tais condições dão-se no
momento em que o homem aprende a utilizar os processos de reprodução do mundo
vegetal, materializando a possibilidade da agricultura, em regiões dotadas de
recursos hídricos independentes das chuvas. É assim como surge a agricultura
hidráulica, ou uma agricultura de irrigação, em grande escala. Semelhante
atividade iria exigir administração centralizada, mais precisamente, a direção
estatal. É, então, quando aparecem, no sentir de Wittfogel, “reunidas as
condições favoráveis a formas despóticas de governo e sociedade”. Os registros
históricos, por ele compulsados, evidenciam que o homem tende a um modo de vida
especificamente hidráulico, como reação a um meio pobre em água, num contexto
em que se ache suficientemente desenvolvida a propriedade privada, longe da
influência dos centros poderosos de agricultura pluvial.
Para
Wittfogel é claro o seguinte princípio: em condições históricas iguais,
diferenças naturais fundamentais causam, eventualmente, fortes diferenças
institucionais. Esse princípio aplica-se aos casos em que o trabalho humano se
desenvolve num meio de agricultura pré-industrial, com recursos hídricos
diferentes das chuvas. Levando em consideração que, para a produção agrícola,
são necessários elementos como plantas úteis, terra arável, umidade
conveniente, temperatura apropriada e uma configuração adequada do terreno, a
ação humana deve remediar a ausência de um desses fatores essenciais. Quando
falta o fator umidade, a única solução é o trabalho coletivo, a fim de fazer
frente à falta de água.
Apesar
da importância atribuída aos fatores naturais, a aparição da economia
hidráulica não é algo que acontece de maneira determinística. Pois a história,
frisa Wittfogel, ofereceu, sempre, “uma escolha autêntica e o homem nunca foi o
instrumento passivo de uma forma irresistível e unilinear, mas um ser que
pensa, que participa ativamente da criação do seu futuro”.[13] Pressuposta essa liberdade humana
fundamental, o autor salienta que os modelos de agricultura hidráulica
consolidam-se quando uma comunidade de pioneiros descobre importantes reservas
de água numa região fértil, mas carente de irrigação. Em decorrência das
exigências técnicas para o controle da água, esses grupos humanos ensejam um
processo institucional que conduz muito além do ponto de partida. Os seus
sucessores organizam colossais estruturas políticas e sociais. E fazem isso com
o sacrifício de inúmeras liberdades. Essa é a remota origem do Estado
hidráulico.
Wittfogel
considera que, nas sociedades regidas por um Estado hidráulico, encontram-se
estas características: uma divisão específica do trabalho, intensificação da
agricultura e desenvolvimento da cooperação em larga escala. A divisão do
trabalho abrange vários tipos de atividade, como trabalhos preparatórios e de
proteção para garantir a irrigação, bem como trabalhos pesados e indústria
pesada que visam garantir a distribuição de água, mediante a construção de
reservatórios e canais, em grande escala. A divisão do trabalho, nas sociedades
hidráulicas, abarca, também, outras atividades como o estabelecimento do
calendário e o desenvolvimento da astronomia, ligada ao controle das águas.
Encontra-se, também, uma série de trabalhos não hidráulicos (enormes estruturas
defensivas, caminhos, palácios, capitais, túmulos e templos), cujas
características essenciais são o estilo monumental (Grande Muralha chinesa,
Pirâmides Astecas ou do Antigo Egito, etc.) e a significação estratégica para a
defesa do Estado.
Referindo-se
ao caráter estatal da economia hidráulica, frisa Wittfogel: “O poder do Estado
hidráulico sobre os trabalhadores é maior do que o poder das empresas
capitalistas”.[14] Isso porque o funcionamento das
obras exigidas pela economia hidráulica necessitava de um fundo de organização
que (abarcasse) o conjunto, ou, pelo menos, os nódulos dinâmicos da população
do país. Em conseqüência, os administradores desse modo de organização
preparam-se, de uma forma excepcional, para a administração do poder supremo.[15]
Assim,
o Estado hidráulico desempenha numerosas funções organizativas e produtivas,
sendo o único motor dos grandes empreendimentos de preparação e de proteção e
dirigindo grandes empresas industriais não hidráulicas. No entanto, Wittfogel
salienta que o Estado hidráulico difere dos Estados totalitários modernos, pelo
fato de que ele se baseia na agricultura e só dirige uma parte da economia do
país. Difere, outrossim, dos Estados liberais, baseados na propriedade privada
industrial, pelo fato de que, sob a forma original, cumpre funções econômicas
no contexto do trabalho servil. Trata-se de um Estado mais forte do que a
sociedade. Tal fato afeta a esta de forma profunda, pois ao controlar não só as
construções hidráulicas, mas também as relações de trabalho, esse Estado
desenvolve um controle social que termina por impedir a iniciativa e o poder da
sociedade, impedindo às forças não governamentais de contrabalançarem o poder
hidráulico centralizado. A respeito, o sociólogo alemão frisa:
“A
essas forças rivais faltam os direitos à propriedade e a força organizacional
que, na Antiguidade grega e romana, bem como na Europa medieval, estiveram na
base do poder das forças não governamentais. Nas civilizações hidráulicas, os
detentores do poder impediram o fortalecimento organizacional de todos os
grupos não governamentais. O Estado chegou a ser mais forte do que a
sociedade.[16]
O conceito de BRICS, como se sabe, é recente. Não traduz
uma realidade simples, mas uma relação complexa entre várias unidades nacionais
que não possuem uma política comum, mas que têm alguns pontos que as aproximam,
outros que as distanciam, no complexo cenário do mundo globalizado. Daí a
importância de se partir para uma abordagem dessa temática à luz da metodologia
dos estudos monográficos, sugerida por dois ícones da sociologia brasileira:
Sílvio Romero (1851-1914) e Oliveira Vianna (formuladores da tendência
conhecida como “culturalismo sociológico”). Somente nos aproximando, dessa
forma, da genérica realidade abarcada pelo nome de BRICS, conseguiremos
iluminar a questão e ir entendendo os aspectos mais relevantes.
De outro lado, o embaixador Marcos Azambuja[18]
(1935) deixou claro que seria uma redução simplista atribuir o surgimento da
temática dos BRICS a um alto executivo da Goldman Sachs, quando é de domínio
público que o conceito da importância crescente dos “quatro grandes emergentes”
(Brasil, Rússia, Índia e China) já tinha trânsito no seio da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), bem como em foros internacionais. Hoje, a
denominação de BRICS abarca, também, a África do Sul.
A fim de esclarecer a temática dos BRICS, adotando a
metodologia monográfica apontada, analisarei, neste trabalho, as perspectivas
que se descortinam, no mundo globalizado, para dois integrantes desse grupo: a
Rússia e a China, levando em consideração, de outro lado, como objeto formal da
minha pesquisa, a perspectiva do “Estado Patrimonial”, encontradiço, aliás, em
todos os integrantes do grupo.
1 –
A Rússia.
Um século. Mais de cem milhões de
mortos, pelo mundo afora, em nome da Revolução que prometia mudar a face da
Terra. Purgas sangrentas no país de origem, a Rússia, efetivadas sem dó pelos
herdeiros bolcheviques do antigo Império dos Czares. Esperança de libertação
que, à semelhança da Revolução Francesa, passou a se espalhar pelo mundo como
estrela de esperança, mas que terminou, após 70 anos de domínio totalitário
sobre a sociedade, desabando como castelo de cartas. Não foi disparado um tiro
no grande movimento insurrecional que em 89, percorreu o Império Soviético,
dando fim a um modelo de poder unipessoal que pretendeu se tornar eterno. O
Império Bolchevique morreu de dentro para fora, como diz Ortega que fenecem os
Mitos.
Uma das notas dessa revolução foi
a determinação inabalável dos seus líderes, notadamente de Lenin. "Temos
diante de nós - frisava o líder dos bolcheviques em dezembro de 1900, no
primeiro número do panfleto Faísca - a força inimiga em
toda a sua plenitude, atacando e eliminando os nossos melhores elementos. Nós
devemos tomar este poder e nós o tomaremos ".[19]
Foi exatamente o que aconteceu 17 anos depois. Para Alexis de Tocqueville
(1805-1859) a Revolução Francesa ficou marcada na memória da Humanidade porque
se apresentou como uma Revolução Religiosa que prometia mudar a natureza
humana. Se tivesse assistido à Revolução de Outubro de 1917, Tocqueville
aplicaria a esta as mesmas palavras com que se referiu ao caráter salvífico da
Revolução Francesa. Ambas, afinal de contas, eram filhas da Religião Civil
rousseauniana.
O Império Czarista, ao longo dos
três séculos de duração da Dinastia Románov, se revelou como uma grande máquina
expansionista.[20] O jornalista e
historiador britânico Simon Sebag Montefiore (1965), no seu livro intitulado: Os
Románov - 1613-1918, escreve: "Era difícil ser Czar. A Rússia
não é um país fácil de governar. Vinte soberanos da dinastia dos Románov
reinaram por 304 anos, de 1613 até a derrubada do regime czarista pela
Revolução de 1917. Sua ascensão começou no reinado de Ivan, o Terrível, e
terminou na época de Raspútin. (...). Estima-se que o Império Russo aumentou
cerca de 140 quilômetros por dia depois que os Románov chegaram ao trono, em
1613, ou mais de 520 mil quilômetros quadrados por ano. No final do século XIX,
eles governavam um sexto da superfície da Terra - e continuavam em expansão. A
construção de impérios estava no sangue dos Románov".
A Rússia, segundo Antônio Paim[21],
recebeu uma dupla herança do denominado "despotismo asiático": a
proveniente de Bizâncio e a decorrente da dominação mongólica. Disso resulta uma
circunstância que, em geral. se perde de vista: a concentração do poder total
em mãos da burocracia czarista.
Os bolcheviques derrubaram o
czarismo e o substituíram por um regime totalitário. Implantaram a
"ditadura do proletariado", a fim de estabelecer o regime que
redimiria todos das injustiças: o comunismo. Mas, o que de fato ocorreu foi a
implantação, pelos revolucionários, sob a liderança de Lenin (1870-1924) e
Trotski (1879-1940), da ditadura do aparelho revolucionário sobre os
proletários russos e sobre o resto da antiga sociedade czarista. Esse primeiro
passo foi reforçado pela longa e sanguinolenta ditadura stalinista. Marx não
acreditava na implantação do socialismo pela via democrática das eleições e dos
partidos ligados aos sindicatos. Enquanto nos países da Europa Ocidental,
apareciam formas variadas de social-democracia e a maior contribuição, nesse
terreno, era dada, na Alemanha, por Eduard Bernstein (1850-1932), firmava-se,
na União Soviética, uma forma de totalitarismo e se consolidava, como frisou o
ativista iugoslavo Milovan Djilas (1911-1995), o domínio totalitário de uma
"nova classe", a dos burocratas do partido comunista, ao redor dos
seus líderes.[22]
Lenin elaborou a proposta de
passagem do autocratismo russo para o totalitarismo comunista. Stalin consolidou
essa passagem, mediante a utilização da máquina do Estado, para exterminar
qualquer oposição e para converter a indústria russa numa espetacular máquina
de guerra. O trabalho preliminar de Lenin consistiu em aplainar o caminho para
a pregação do marxismo ao povo russo, traduzindo os conceitos complexos do
hegelianismo em fórmulas práticas. O pai de Lenin tinha sido professor primário
e conselheiro do Czar para assuntos ligados aos camponeses. Quando saiu da
longa prisão a que o governo czarista o condenou em Samara, Lenin assumiu as
funções de pedagogo e líder da revolução.
A
doença da Revolução de 1917, como das demais Revoluções comunistas do século XX,
consistiu no primado do bem particular da Nomenclatura sobre o resto. Lenin deixou claro o tipo de República
almejada pela Revolução, quando fixou duas coisas: em primeiro lugar, indicando
qual seria o ideal institucional, definindo-o como "um poder não
controlado por leis" e ao descrever qual seria o processo revolucionário
acalentado por ele, ao frisar que "uma revolução sem pelotão de
fuzilamento de nada vale". Essas foram as duas colunas institucionais,
nitidamente despóticas, que sustentaram a Revolução de Outubro.
O bárbaro assassinato, em Moscou, em outubro de 2006, da
jornalista Anna Politkovskaya (1958-2006), deixou claro que a liberdade de
imprensa, na Rússia, está seriamente ameaçada pelo Estado autoritário,[23]
mesmo depois da queda do Império Soviético. O processo de democratização do
país sofre, ainda, com a estrutura do poder ferreamente controlada pela
burocracia, centralizada ao redor dos organismos de segurança, cujo chefe
continua sendo o presidente Vladimir Putin (1952). Trata-se de um contexto
político que é, sem dúvida, patrimonialista. A Rússia, aliás, tinha sido
considerada por Max Weber e Karl Wittfogel, no século passado, como paradigma
desse tipo de dominação, cuja nota característica consiste em que o poder é
exercido, pela elite dominante, como se fosse a sua propriedade familiar.[24]
Para os países latino-americanos que se debatem entre
várias modalidades de populismo patrimonialista (de cunho totalitário em Cuba
e, possivelmente, na Venezuela, de feição telúrica na Bolívia e no Equador, de
modalidade estamental-operária na Argentina, de tipo messiânico-sindical no
Brasil, de feição familístico-exportadora no Paraguai, de clientelismo armado
na Colômbia, etc.) é de grande valor estudar o processo de evolução do
patrimonialismo num país como a Rússia. As nossas realidades, em que pese as
diferenças históricas, assemelham-se em não poucos pontos, do ângulo do poder
que exercem as respectivas burocracias em ambos os contextos, no seio de uma
cultura altamente privatizante do espaço público por clãs e patotas.
De
forma semelhante a como Adolf Hitler (1889-1945) destroçou a intelectualidade
alemã, a fim de erguer à liderança do país as mediocridades de que se compunha
a elite do Partido Nacional Socialista alemão, Lênin e Stalin (1878-1953)
fizeram outro tanto na Rússia: eliminaram, simplesmente, todos aqueles que
fossem capazes de pensar ou elaborar uma visão da União Soviética e do mundo,
diferente da que eles professavam.[25]
A mentalidade que se estabeleceu no poder era essencialmente unilinear, o que
fez com que ficasse comprometido o processo de consolidação da Rússia como nação
moderna. Isso se viu agravado com a perpetuação, sob Stalin, das erráticas
políticas agrícolas de Lenin, que levaram, pura e simplesmente, como lembra
Antônio Paim, ao desaparecimento dos empresários rurais.
O
próprio líder da revolução bolchevique tinha, aliás, uma visão bastante ingênua
do que era a economia industrial, imaginando que esta se reduziria a simples
controle cartorial, pelo Estado, sem maior preocupação com as questões
técnicas.[26]
Em 1937, depois de Stalin ter eliminado os velhos bolcheviques que lhe faziam
oposição, somente 17,7% dos secretários regionais do Partido Comunista e 12,1%
dos chefes urbanos do mesmo tinham educação superior, enquanto 70,4% (dos
chefes regionais) e 80,3% (dos chefes urbanos) somente tinham recebido educação
primária. Ou seja: o velho ditador nivelou o país por baixo, de forma a não ser
incomodado.[27]
Quadro
bastante fiel desse processo de morte da inteligência foi traçado por Piotr
Schelest (1908-1996), primeiro-secretário do Partido Comunista ucraniano entre
1963 e 1972, com as seguintes palavras: “Quase cada dia, ou melhor, cada noite,
havia detenções de trabalhadores na fábrica. Muitos trabalhadores qualificados,
engenheiros, até o chefe do corpo de bombeiros, eram detidos. Mais de oitenta
pessoas. Alguns regressaram à fábrica, mas guardavam um silêncio total sobre o
que lhes aconteceu, ou acerca dos motivos da sua detenção. De muitos detidos
não voltamos a ter mais notícias. Desapareceram. As acusações como inimigos do povo ou oportunistas apareciam constantemente na imprensa, na rádio e nos
discursos dos ativistas do partido. Todos desconfiavam de todos; o pai do
filho, o filho do pai. As denúncias contaminavam tudo e todos. Foi um tempo
muito duro e nós sobrevivemos por casualidade”.[28]
Desaparecido
Stalin, o centro do sistema foi sendo ocupado por burocratas pertencentes à
antiga nomenklatura, formados na
mentalidade de enriquecer a partir do Estado, passando rasteira em todos
quantos se opusessem às suas tacanhas ambições. Era como se tivesse sido
organizada uma grande Igreja com bispos “orçamentívoros”. Poch-de-Feliu escreve
a respeito: “De forma parecida aos ministros da Igreja, os nomenklaturistas
eram administradores coletivos de grandes riquezas de propriedade estatal, que
a ideologia apresentava como patrimônio social. O convívio com elas fazia-os
parecer bispos zelosos do patrimônio que administravam, sem ser donos dele.
Depois de 1964, na URSS, institucionalizou-se a época do aparelho, do alto
funcionário nomenklaturista como dono
coletivo do país. É claro que a existência do aparelho vinha de antes. O
fato novo era a sua emancipação política. Com Stalin, o aparelho tinha sido a
mão direita do temido caudilho. Eliminados os perigos de morte nas suas
relações internas, com Kruzhev (1894-1971), o aparelho tinha se emancipado e, a
partir de então, os secretários gerais passaram a ser delegados e primus inter pares de um aparelho
institucionalizado como dono coletivo
do país”.[29]
A nomenklatura soviética passou, portanto, a administrar o público como
propriedade privada, preservando, assim, a característica básica da cultura
patrimonialista.
No
seio dessa cultura de enriquecimento privado às custas dos bens públicos, os
nomenklaturistas passaram a se considerar superiores à lei. Os estatutos legais
valiam para os outros, não para eles. Podiam praticar, sem risco, qualquer tipo
de desvio de dinheiros públicos. Ninguém, na cúpula, via nada nem sabia de nada.
O pacto era para que cada aparelho se enriquecesse, sugando a parcela de
riqueza nacional por ele administrada. Nesse cinismo em que o público
confundiu-se com o privado, os interesses pessoais e familísticos passaram a
valer mais do que a preocupação com o bem do país. A respeito, escreve o
jornalista catalão Poch-de-Feliu (1956): “Entre os nomenklaturistas não havia
respeito pela lei. Sabiam, por própria experiência, que as leis soviéticas eram
frequentemente simples carcaças, instrumentos do capricho ou da necessidade do
poder, aplicáveis aos simples mortais, mas não a eles. Embora houvesse muitas
atitudes enérgicas ao longo do país, o clima, sobretudo no topo da pirâmide,
levava a colocar os interesses pessoais e de grupo, especialmente a possibilidade
de utilizar qualquer situação favorável para a ascensão, à frente dos
interesses gerais do país. Nesse clima, as boas intenções logo se esgotavam”.[30]
Mas,
se a burocracia do sistema estava bastante contaminada pela corrupção, a
ineficiência e as tendências patrimonialistas, no entanto, é bom recordar, ao
mesmo tempo, que a sociedade russa é tremendamente rica em inteligência, em
capacidade de trabalho e em cultura. Por força dessa riqueza social, não tudo
foi negro na administração soviética. Os russos conseguiram erguer uma poderosa
máquina de guerra e colocaram a seu serviço uma indústria pesada bem
desenvolvida. Cientistas de primeira linha se formaram, ao ensejo dos planos quinquenais.
De outro lado, o patriotismo russo sempre esteve presente na alma do povo, o
que teve como resultado uma sociedade tremendamente combativa, que deu provas
de grande heroísmo, ao rejeitar, com denodo, as invasões de que foi vítima
desde os primórdios da sua história. A derrota de Napoleão Bonaparte
(1769-1821), no início do século XIX, bem como a resistência dos russos às
potências do Eixo, na Segunda Guerra mundial, são provas desse valor.
Esse
foi o pano de fundo em que se desenhou a glasnost
de Michail Gorbatchev (1931). Representante da geração nova de tecnocratas cansados
com a pachorrenta burocracia, este estadista decidiu pôr em marcha um movimento
de contestação às antigas estruturas, partindo de dentro do próprio sistema,
numa espécie de “autoritarismo instrumental”, que lembra a frase do general João
Figueiredo (1918-1999): “Juro fazer deste país uma democracia e prendo e
arrebento quem se opuser”.
A
estratégia de Gorbatchev consistiu, basicamente, no seguinte: ir substituindo,
de maneira rápida, os antigos dirigentes do Partido, por lideranças mais
afinadas com os anseios da sociedade civil, de um lado, e com as exigências da
elite tecnocrático-militar, de outro. A União Soviética caiu de podre, mas a
Rússia não foi deitada por terra, definitivamente, em virtude dessa ação
planejada por Gorbatchev. Não havia como sustentar, por mais tempo, a velha
árvore carcomida pelos ávidos cupins da burocracia, instalada no interior dos
aparelhos.[31]
A
respeito da forma tipicamente patrimonialista em que a burocracia do Partido Comunista dominava o país,
como se fosse a sua posse, escreve Poch-de-Feliu: “Em mãos da nomenklatura concentravam-se a
autoridade, a produção, a administração, a distribuição, a criação e a
interpretação da ideologia. A sua coluna vertebral era o Partido de Estado, uma
instituição que não tinha nada a ver com os partidos políticos de um sistema
plural. O Partido, não os seus membros, que eram nominalmente 20 milhões, mas
os seus funcionários, era a parte decisiva do Estado. O Partido apresentava-se
como genuíno representante da sociedade civil, mas, na realidade, a sua presença
impedia a separação de poderes e o estado de direito, ou seja, privava à
sociedade civil do oxigênio necessário para a sua existência. Economicamente, o
Estado-Partido usurpava as funções do mercado: determinava as necessidades,
fixava os preços e distribuía os recursos. Os postulados da ideologia oficial
castravam ou retardavam o pensamento livre e a espontaneidade, e criavam, além
do mais, uma atmosfera social fechada e pesada”.[32]
A
tarefa de que se desincumbiu Gorbatchev e a sua equipe não foi fácil.
Destaquemos, em primeiro lugar, que ele encarnou, de maneira decidida, como,
aliás, já o tinham feito os seus antecessores comunistas, a tradição monárquica
herdada do czarismo (um outro traço patrimonialista). Centralização total do
poder nas suas mãos. Somente assim pode ser entendido o complexo processo de
engenharia política que deu ensejo à Glasnost
e à Perestroika. Gorbatchev devia
administrar quatro segmentos diferentes: os anti-estalinistas, os partidários
do “socialismo com rosto humano”, os tecnocratas vinculados às Forças Armadas e
a pesada burocracia do sistema, popularmente chamada de O Lamaçal.
O
que ocorreu na Rússia, entre o final da década de oitenta do século passado e o
final da primeira década deste século, foi muito rápido e corresponde a esses
fenômenos de “aceleração da história”, em momentos pico que acontecem raras
vezes. O processo pode ser sintetizado assim: Gorbatchev conseguiu controlar O Lamaçal, mudando rapidamente toda a
cúpula do Partido Comunista, por elementos afinados com o interesse que ele
perseguia, de tornar o sistema favorável à aceleração das forças produtivas,
criando um mínimo de racionalidade e conferindo espaço à livre iniciativa.
O
movimento começou com uma audaciosa abertura no terreno cultural e da livre expressão.
Imprensa e intelectuais registraram, com surpresa, a velocidade com que o
discurso mudou, em questão de meses, nas mesmas pessoas, indo da defesa
incondicional da pachorrenta burocracia e do controle de tudo pelo Partido, até
a audaciosa defesa dos novos objetivos da produção, do mercado e da abertura,
incluídos aí os direitos humanos. Tudo isso, é bem verdade, embalado na
retórica ortodoxa: as medidas reformistas implementadas a partir do Executivo
eram novas exigências da antiga revolução leninista, que foi desviada do seu
curso por um bando de bastardos e corruptos. A rápida ascensão de Boris Yeltsin
(1931-2007), ambicioso e conflitivo dirigente provincial do Partido, explica-se
desta forma: ele intuiu, rapidamente, qual era a ordem do dia formulada pelo
Secretário-Geral do PC, adaptou-se a ela e ascendeu à máxima liderança do
sistema, na cidade de Moscou.[33]
O
embate entre Gorbatchev e Yeltsin foi a luta entre dois estilos de czarismo: o
encarnado por Gorbatchev, um estrangeirado proveniente de família estruturada
de classe média rural, refinado, casado com uma intelectual, profundo
conhecedor das leis pela sua formação de advogado na Universidade de Moscou, a
escola que formava a elite do país, aberto ao diálogo com as sociedades ocidentais;
e o estilo materializado em Yeltsin, um campônio rude, filho de pai violento
que o surrava desde a infância, formado em engenharia numa universidade de
província, aventureiro que perdeu dois dedos da mão esquerda ao desmontar,
ainda rapazola, uma granada que roubou do quartel do Exército Vermelho na sua
cidade natal, beberrão, surfista ferroviário, briguento, casado com uma dona de
casa que nada tinha de intelectual. Yeltsin, como todo mundo sabe, ganhou a
parada. Ele se afinava melhor com o cidadão russo médio, que terminou
valorizando mais o seu populismo do que a sofisticação de Gorbatchev.[34]
As
últimas etapas da evolução russa foram marcadas pela guerra contra os
separatistas chechenos. A luta contra o fundamentalismo, os atentados de que foram
vítimas cidadãos russos em Moscou e em outras cidades, a tremenda capacidade de
luta desse povo da região montanhosa do Cáucaso, fizeram com que a balança do
poder pendesse para o aparelho de segurança chefiado por Vladimir Putin. Este,
frio como gelo, bem como o seu fiel colaborador, Dimitri Medvedev (1965),
caracterizam-se pelo pragmatismo grão-russo, que faz com que desenvolvam uma
complexa política de manutenção dos pactos comerciais com o Ocidente, ao mesmo
tempo em que apertam o parafuso da segurança interna e azeitam, de novo, a
máquina de guerra, tudo financiado com os fartos dólares da exploração do gás
natural e do petróleo do Mar Cáspio e da Sibéria.
Quais
as alternativas que, no sentir dos estudiosos, restam para a Rússia, na atual
quadra do seu desenvolvimento histórico? Mencionemo-las:
A - A Rússia, após Gorbatchev, entrou no
mundo e o mundo entrou nela. É pouco provável um retrocesso que a
segregue do convívio com o Ocidente. É pouco provável, também, que os novos
czares assinem embaixo de um manifesto contra a globalização. As forças de
segurança que, hoje, controlam o poder na Rússia deverão estabelecer limites ao
terror de Estado exercido contra dos dissidentes, a fim de não aumentar as
arestas com os países ocidentais.[35]
Até quando Putin conseguirá manter, de um lado, as aparências de legitimidade
constitucional do sistema e, de outro, exercer o controle sobre a cúpula do
aparelho de segurança do país, a FSB, que é a real detentora do poder? Pergunta
que fica na incerteza. A respeito, escrevem os historiadores Yuri Felshtinsky
(1956) e Vladimir Pribilovski, na parte final da obra intitulada: A
era dos assassinos – A nova KGB e o fenômeno Vladimir Putin: “Assim como nossos leitores, tudo o
que podemos fazer é aguardar e observar com muita atenção o desenvolvimento dos
acontecimentos na eternamente imprevisível Rússia”.[36]
B - Os russos podem trilhar o seu
próprio caminho e apresentá-lo ao mundo, enveredando por uma globalização “com
rosto humano”, diante da globalização chefiada pelos
americanos e pelo seu estilo de capitalismo financeiro agressivo. Claro que, ao
fazê-lo, ressuscitarão velhos sonhos patrimonialistas, ao insistir, em face da crise
financeira internacional, num “capitalismo de Estado” como forma de evitar a
crise do cassino global. Ora, esse tal capitalismo não seria outra coisa senão
o velho sistema econômico patrimonialista, que consiste em montar empresas de
fachada, financiadas com os generosos recursos oficiais, a fim de distribuir
dividendos, como se diz hoje no Brasil, “entre os amigos do rei”, no caso
russo, do czar de plantão e os seus amigos. É o que parece estar acontecendo,
de fato, na Rússia atual, com o controle crescente, pela burocracia política
chefiada pelos organismos de segurança, sobre o sistema produtivo, notadamente
as empresas ligadas ao gás natural e ao petróleo (fala-se, em Moscou, em termos
ufanistas, da Rússia como “Superpotência energética”).
Não
podemos esquecer, a esta altura, a tradição milenar da “Santa Mãe Rússia”, que
se estruturou desde os inícios do grande império e uma de cujas etapas
decisivas foi a concepção messiânica da liderança russa, ensejada pelas
conquistas de Ivã IV o Terrível (1530-1584), o primeiro a adotar o título de
“czar”, em 1547. À luz dessa antiga tradição, atualizada pelo frade místico
Filofei de Pskov (1465-1542) na sua obra intitulada: Moscou, a Terceira Roma,[37]
a Rússia estaria chamada a desempenhar um papel salvífico da Humanidade, na
trilha da crença de que haveria três centros, na história do Cristianismo: Roma,
Bizâncio (Constantinopla) e Moscou. À capital russa corresponderia, no sentir
de Filofei, encarnar o papel salvífico do Cristianismo e da Humanidade, sendo
que essa constituiria uma etapa definitiva da história da salvação, porquanto
não haveria uma “quarta Roma”. Nesse contexto de crenças milenares, se entende
o papel desempenhado pela Igreja Ortodoxa Russa, no que tange à preservação de
serviços previdenciários ao povo, quando do desmantelamento do Império
Soviético, bem como as esperanças, volta e meio renovadas, do caráter salvífico
da Rússia no cenário mundial.
A
propósito do papel geopolítico da Rússia contemporânea, frisa Roberto Colin: “O
objetivo de Putin é fazer da Rússia um ator independente na arena
internacional, mediante o fortalecimento do Estado (...). A ênfase de Putin na
força e na unidade tem por objetivo contrabalançar a sensação de insegurança
(um traço psicológico com raízes profundas na história russa), ocasionada pelo
colapso financeiro de 1998, pela expansão da OTAN, pelo terrorismo dentro da
Rússia e pelo unilateralismo norte-americano”.[38]
Nesse
esforço ensejado pela atual liderança russa, deve ser ressaltado o plano
desenvolvido por Yegor Guidar (1956-2009) – que foi primeiro ministro entre
junho e dezembro de 1992 - no sentido de consolidar uma classe média forte, ao
redor da qual se concretizasse a entrada, na Rússia, da economia de mercado,
mediante a participação dos antigos burocratas soviéticos como novos proprietários das pequenas e médias
empresas estatais privatizadas. Isso teria conduzido, na Rússia, “(...) à
criação de numerosa classe média, ainda que entre estes haja quem se comporte
como novo rico”, conforme destaca o professor Antônio Paim.[39]
Embora se trate de processo que ainda não se consolidou, tudo leva a pensar
que, após a derrubada do regime soviético, as coisas mudaram na Rússia,
notadamente com o aparecimento da nova classe média, a partir da qual se
poderia solidificar uma modernização política alicerçada nela.
C - À sombra da política energética
agressiva que está em desenvolvimento, a Rússia costurará, no decorrer das
próximas décadas, nexos mais estreitos com a União Européia. Os
russos já deixaram claro aos seus vizinhos ucranianos e aos europeus ocidentais
em geral, que são eles os que controlam as chaves do gás natural que abastece a
todos e que serão duros na negociação do precioso combustível. Esse jogo se
traduzirá em melhores condições de venda do gás natural que, logicamente,
beneficiarão aos russos. A respeito, frisa Roberto Colin: “A interdependência
energética deverá garantir uma relação estável entre as partes no médio e no
longo prazos. O aumento da importância do petróleo e do gás como elementos de
poder nacional, além de outras questões, acelerou a evolução da autopercepção e
da autoconfiança da Rússia como importante ator internacional. A arena mais
relevante para a realização dessa percepção tem sido a Europa”.[40]
D - No terreno das relações
internacionais, a Rússia deve ter um cuidado especial com a identificação do
seu inimigo principal, (seguindo a trajetória da cultura milenar
do povo russo que visou, sempre, a identificar o desafeto da vez, em todas as
épocas). Isso, com a finalidade de não trombar de frente com inimigos mais
poderosos (especialmente a China, a Comunidade Européia, os Estados Unidos e o
Japão), que sejam capazes de cortar os investimentos necessários ao
desenvolvimento econômico. Trata-se de uma consideração bem pragmática, num
mundo em que o que prevalece, talvez, seja um tipo de epicurismo nas relações
internacionais. O inimigo principal dos russos parece ser, nestes conturbados
tempos, o terrorismo internacional, identificado com aqueles grupos que ameacem
o Estado russo. Estariam nesse patamar os separatistas chechenos e, também, os
membros do autodenominado “Estado Islâmico”.
Neste
plano das relações internacionais, convém destacar que os russos continuaram
com a sua estratégia tradicional de garantir uma saída para os “mares quentes”,
visando à exportação de petróleo e gás natural
pelo Golfo Pérsico. Sob esse viés, deve ser analisada a participação
russa na guerra civil da Síria, como um dos aliados do regime de Damasco, bem
como a tradicional preocupação com o Irã, tradicionalmente considerado como
protetorado russo. A questão ucraniana (e a ocupação da Criméia situa-se nesse
contexto) deve ser inserida, outrossim, no contexto da preocupação russa de
garantir a livre expansão do seu comércio de óleo e gás natural.
E – No conjunto das potências mundiais,
certamente se destaca a China, como aquela com a qual a Rússia deverá
desenvolver uma política mais prudente no decorrer dos próximos decênios.
Não se trataria, evidentemente, de voltar às hostilidades que marcaram as
relações com a China no período da Guerra Fria. A atitude da Rússia, em face dessa
variável é, hoje, muito mais pragmática, diante de um competidor mais populoso
e que ostenta índices de crescimento econômico muito por cima do resto do
mundo. A atitude russa oscilará, segundo os estudiosos, entre buscar conter os
avanços comerciais da China, mediante alianças com as potências Ocidentais e
procurar uma relação de parceria com o gigante chinês (com pactos na área de
exploração de petróleo, como, de fato, tem acontecido).
Nesse
contexto de freios e contra freios, o papel da Índia, como potência emergente,
é importante para a Rússia, pois se apresenta como significativo comprador de
armas russas. Ora, esse comércio possibilitará, aos indianos, continuar com a
tarefa de organizar um dos maiores e mais avançados exércitos do mundo, sem
aumentarem a sua dependência do Ocidente, notadamente dos Estados Unidos.[41]
No caso da América Latina, os russos continuarão a espalhar o comércio de
armamentos, como já o fazem há várias décadas. O principal comprador é, hoje, o
regime ditatorial venezuelano, que obteve dos dirigentes do Kremlin a
autorização para instalar uma fábrica de rifles de assalto kalashnikov,
que trará muitas dores de cabeça, no futuro, aos vizinhos do regime de
Caracas.
F –
Uma pedra no caminho da União Soviética. Chernobyl (1986) foi,
com certeza, o sinal de alarme do fim do império soviético. A corrupta
burocracia do PC não conseguiu elaborar um manual de procedimentos minimamente
aplicável, no caso de um acidente nuclear de vastas proporções. A falta de
transparência, em face do trágico acidente, foi total. Sacrificou vidas humanas
na Ucrânia e na Bielorrússia. E espalhou gases radiativos pelo mundo afora. A
usina de Chernobyl tornou-se, assim, a enferrujada locomotiva que tocou o
alarme do fim da nomenclatura comunista.
2 – A China.
Nas
últimas décadas do século passado houve uma descoberta importante: A China
existe! O mundo assistiu, perplexo, após o ciclo maoísta, à entrada em cena
desse gigante do Oriente, que pretendia, nada mais, nada menos, do que ocupar
um lugar ao sol entre as potências mundiais, não apenas ostentando a sua
máquina de guerra, como fizeram os soviéticos, mas se convertendo, de fato, em
grande nação capitalista! Essa novidade foi traduzida por Gang Yang (1953), um
membro importante do PC chinês, no seu ensaio intitulado: As três grandes tradições da
nova era, com as seguintes palavras: “A simples existência da China cria um problema para os
registros ocidentais sobre a história mundial. A Bíblia não dizia nada sobre a
China. Hegel (1770-1831) via a história mundial como tendo começado na China e
terminando, em uma crescente perfeição, com a civilização alemã. A tese do fim da história, com Francis Fukuyama
(1952), simplesmente substitui a Alemanha pelos Estados Unidos. Mas, de
repente, o Ocidente descobriu que, no Oriente, existe essa tal de China: um
grande império, com uma longa história e um passado glorioso. Um completo novo
mundo acaba de surgir”.[42]
Foi
impressionante o belo espetáculo com que os chineses abriram as Olimpíadas de
Pequim no verão de 2008. Nessa mega encenação da mitologia chinesa formadora da
identidade nacional, não foi feita nenhuma menção a Mão-Tse-Tung (1893-1976).
Era como se os sessenta e tantos anos de comunismo não tivessem existido. O que
foi ressaltado no evento, para que todo mundo guardasse na memória, era a
mensagem de que a China possui uma identidade própria, muito anterior às
ideologias ocidentais (e o comunismo é, indiscutivelmente, uma delas). A
grandiosidade do movimento matematicamente ritmado de centos de figurantes, as
assombrosas mutações de sombras e de luzes, os conhecidos dragões em alegres circunvoluções,
o barulho ensurdecedor de centenas de tambores, tudo tinha uma mensagem que
apelava para um passado mais remoto. Os chineses queriam mostrar ao Planeta que
foram formatados em moldes diferentes, que se confundem com as brumas dos
tempos da sua história de milênios. O Confucionismo era, certamente, uma das
idéias-chave dessa apresentação. O Confucionismo que valoriza a riqueza pelo
trabalho, o comércio, a disciplina rigorosa. Essa era a cara da nova China que
se apresentava ao mundo no milênio que, então, começava!
Por
esse motivo, não poderia deixar de iniciar a minha exposição sobre a presença
da China no contexto dos BRICS, sem fazer referência ao pano de fundo da
milenar história desse povo. O Império Chinês é, certamente, um dos mais antigos
e poderosos que conheceu a Humanidade, ao longo da sua história. Quatro mil e
quinhentos anos, aproximadamente, é a idade da sua saga. Mal poderíamos
entender o que se passa, hoje, na China, sem apreendermos essa rica história,
na qual um dos elementos prevalecentes é o cultivo diuturno das ciências a
serviço da organização do Estado e da Sociedade.
A
longa história da China pode-se identificar percorrendo as etapas das doze
principais dinastias,[43]
que foram aparecendo com o correr dos séculos, dando identidade a esse imenso
país. Elas são as seguintes:
2.1 – Dinastia Yang-Chao (2500
a C). Contemporânea da cultura do Indo e do Antigo Império Egípcio. Apareceu um
milênio após a construção da cidade de Ur, na Suméria. Esta dinastia dominava
sobre milhares de aldeias espalhadas numa longa faixa às margens do Rio
Amarelo, de Kansu e Shensi até Shansi, Honan e Xantung. Características deste
período foram produtos têxteis, cerâmica pintada e agricultura primitiva.
2.2 – Dinastia Chang (1520-1030
a C). Trabalhos em bronze. Arte da “escapulamância” ou de predições e registros
gravados em omoplatas de boi ou em cascos de tartaruga.
2.3 – Dinastia dos Estados Guerreiros
com primazia da casa Tcheu (povo do oeste) – (1027-318 a C).
Primeiro intento de feudalização e Cultura Peripatética (sábios e os seus
discípulos que viajavam de uma cidade a outra, com a finalidade de aconselhar
os príncipes feudais). Representativa dessa cultura foi a Academia de Xuan, em
318 a C.
2.4 – Dinastia Chin, sob o imperador
Che-Huan-Ti (Di) – (221-202 a C.). Unificação da China sob um
regime de despotismo hidráulico, que efetivou a padronização da língua chinesa.
O denominado Império de todos sob o Céu,
era governado pelo imperador, servido por um eficiente sistema burocrático que,
como frisa o historiador e filósofo da ciência britânico Colin Alistair Ronan (1920-1996), “veio a servir de padrão
para todos os governos chineses posteriores; dividiu o país em províncias,
iniciou uma padronização em larga escala (dos pesos e medidas, da largura das
estradas, do tamanho das carroças, etc.) e uniu várias pequenas estruturas de
defesa para formar a Grande Muralha, provavelmente o maior projeto de
construção de todos os tempos”.[44]
2.5 – Dinastia Han (202a.C.–265
d.C.). Iniciada pelo imperador Wu Ti. Consolidação do Mandarinato. Adoção da
doutrina de Confúcio (551a.C.-479a.C.). Implantação da diplomacia expansionista
alicerçada no comércio, acompanhando a “rota da seda”. Invenção do papel. O
Budismo hindu penetra na China. Romanos e sírios romanos visitam o país.
2.6 – Dinastia Wei, de índole militar,
iniciada pelo general Chin (265-490). Regime militar, em
decorrência da reação da sociedade chinesa, em face das invasões mongólicas.
Desenvolvimento paralelo da ciência.
2.7 – Dinastia Tang, de índole comercial
e militar, preservando a burocracia do Mandarinato (490-919).
Construção do Grande Canal Imperial, no qual trabalharam 5,5 milhões de
pessoas, sendo que 2 milhões morreram durante os trabalhos. Confronto com os
muçulmanos, na batalha do Rio Talas (751), que marcou o fim da expansão chinesa
para o Ocidente, bem como do avanço dos muçulmanos no Oriente. Tratado do
imperador Tang com o califa Harun-al-Rashid (763-809), chefe muçulmano
imortalizado nas Mil e uma noites. Intercâmbio cultural com Pérsia e Síria.
Expansão do Budismo e entrada de religiões estrangeiras (cristianismo,
maniqueísmo, zoroastrismo). Florescimento da arte e da literatura.
2.8 – Dinastia Sung, marcada pela
instabilidade, decorrente das invasões mongólicas (960-1279).
Apesar da agitação política, registra-se a presença de uma grande atividade
cultural (em ciência e tecnologia, principalmente). Empurrados pelos mongóis,
os chineses transferem o governo para o sul, estabelecendo a capital em Hangzhou.
2.9 – Dinastia Yuan (mongólica) (1279-1368).
Abertura da sociedade a muçulmanos e estrangeiros ocidentais, como, por
exemplo, Marco Polo (1254-1324). Melhoria das estradas e das vias navegáveis.
Publicação do Grande Atlas por Zhu-Su-Ben. Estabelecimento, em Pequim, de
importante observatório astronômico.
2.10 – Dinastia Ming, após a derrota dos
mongóis pela elite chinesa (1368-1644). A capital do Império é
fixada em Pequim. Avanços da pesquisa em botânica. Chegada dos jesuítas. Os
chineses abandonam o domínio do mar, abrindo o Oceano indico aos árabes e aos
portugueses.
2.11 – Dinastia Manchu
(1644-1912). Assimilação, pelos chineses, da ciência ocidental. Enfraquecimento
da figura do Imperador e progressiva adoção dos modelos ocidentais, em matéria
política.
2.12 – Regime republicano (iniciado
em 1912). Três momentos podem ser destacados: da proclamação até a ascensão de
Mão, período maoísta e período contemporâneo, em que o comunismo chinês se
reformula no contexto do Confucionismo e com a abertura ao capitalismo ocidental,
sem abandonar, contudo, a Instituição do Mandarinato, controlado pelo Partido
Comunista.
Não
há, no mundo de hoje, sobre a Terra, uma nação que tenha, como a China, uma
memória cultural que abarque 4.500 anos. Esse fato confere aos chineses uma característica
única no seio da globalização. Eles constituem o único país identificado com
uma civilização milenar, que foi acumulando, ao longo das centúrias, memória
invejável, que se preservou, em decorrência da existência de um estamento que
cuidou, sempre, dessa tarefa de manter vivo o DNA cultural ligado ao exercício
do poder: o Mandarinato.
Os
chineses inseriram, na sua cultura, duas importantes tradições: por um lado, de
férrea unificação e de defesa; por
outro, de expansão comercial. A
primeira tradição sedimentou-se muito cedo, com a dinastia Chin (entre 221 e
202 antes de Cristo), quando da unificação do país, após o ciclo conturbado dos
Estados combatentes. Essa unificação deu-se de modo feroz, mediante a
eliminação das forças oponentes ao poder central do soberano. E sedimentou a
prática defensiva do vasto império mediante o isolamento do mundo exterior,
garantido pela construção da Grande Muralha (com quase 5.000 quilômetros de
extensão), uma obra somente possível graças ao modelo de despotismo oriental,
que foi reforçado, alguns séculos mais tarde, com as obras hidráulicas
empreendidas pela dinastia Tang (490-919).
A
segunda tradição, de expansão comercial, nasceu também muito cedo, ao longo da
dinastia Han (202-265), e foi acompanhada pela adoção do Confucionismo. Essa tradição
viu-se reforçada em momentos posteriores como a dinastia Tang, e, especialmente,
ao longo da dinastia mongólica Yuan (1279-1368), mediante a efetivação de
grandes trabalhos de construção de vias de comunicação, o incremento da
navegação e a publicação do Grande Atlas (tudo isso,
evidentemente, em função da expansão comercial).
A
novidade da China atual repousa, justamente, na retomada, nos atuais momentos
de agressiva globalização, desses dois elementos culturológicos, que funcionam,
como diria o general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), à maneira das
“sístoles e diástoles do coração do Estado”. Afirmação de uma política
defensiva, pensada ao redor do conceito de “Mundo Murado”, ao mesmo tempo em
que ocorre o desenvolvimento de uma agressiva expansão comercial. Abertura à
ciência e à tecnologia ocidental, sem, no entanto, renunciar à preservação da
própria identidade. Um aspecto não pode ser equacionado, na mentalidade da
elite dirigente chinesa, sem que o outro seja, também, levado em consideração.
Uma
palavra sobre o conceito de Mundo Murado.
A propósito, escreve o cientista político britânico Mark Leonard (1974): “O fio
condutor que liga as idéias emergentes da China sobre globalização é uma busca
por controle. Pensadores chineses querem criar um mundo onde governos nacionais
possam ser mestres de seu próprio destino, ao invés de se sujeitarem aos
caprichos do capital global e da política externa americana. Eles querem
investimentos, tecnologia e acesso ao mercado, mas não querem absorver valores ocidentais.
Seu objetivo não é isolar a China, mas, sim, permitir que a China se junte ao
mundo nos seus próprios termos. Em resumo, eles querem impedir que a China
continue sendo achatada pela
globalização”.[45]
Mundo Murado seria,
portanto, a construção de uma globalização econômica presidida pela China como
potência hegemônica e como formatadora de uma nova escala de valores, que
incluiriam, certamente, o capitalismo, mas sobre bases diferentes das
elaboradas pela cultura americana, no modelo que os chineses passaram a
denominar de “Capitalismo Rio Amarelo”. Tal modelo capitalista “encoraja o uso
de dinheiro público para inovação, um impulso de proteger a propriedade pública
e reformas graduais de Zonas Econômicas
Especiais”. Ora, esse modelo estaria seduzindo, na atualidade, não apenas
países africanos. “Em sua busca por imitar o sucesso chinês, - frisa Leonard -
países tão diferentes como Rússia, Brasil e Vietnã estão copiando a política
industrial ativa de Pequim, que usa dinheiro público e investimentos estrangeiros
para construir indústrias de capital intensivo. Esses países (...)
desaceleraram – por vezes até mesmo reverteram – os programas de privatização
que adotaram nos anos 1990”.[46]
Como
o poderio americano ainda é muito grande, pensam os intelectuais chineses,
convém, por enquanto, administrar o declínio dos Estados Unidos, de forma a que
não seja por demais acelerado (uma queda excessiva impediria aos chineses de se
beneficiarem, como o fazem agora, da tecnologia e dos recursos financeiros
fornecidos pelos americanos). Mas, ao mesmo tempo, trata-se de que a China
ganhe degraus no mundo globalizado, polarizando outros países ao redor do seu
modelo de capitalismo marcado pela forte presença do Estado e por valores
provenientes do patrimonialismo chinês.
O
modelo de gestão do Estado chinês assemelha-se, a meu ver, ao do
patrimonialismo modernizador getuliano, em que o Executivo governa alicerçado
nos Conselhos Técnicos Integrados à Administração. Justamente para garantir a
criatividade em todos os aspectos da gestão pública, o governo chinês dá grande
importância, hoje, ao desenvolvimento da sua elite pensante. Os chineses têm
feito, nas três últimas décadas, um esforço notável em prol de constituir
centros de pesquisa de ponta e para preparar quadros para os mesmos. Esses
centros agem como órgãos permanentes de consulta do Estado. Um exemplo: a CASS,
que é a mais alta organização de pesquisa acadêmica nos campos da filosofia e
das ciências sociais, reúne 50 centros de pesquisa, que abrangem 260 disciplinas
e 4 mil pesquisadores em tempo integral. Essa elite realiza “a busca da China
por autonomia intelectual”, sob o férreo comando do governo, que não
desmobilizou, de forma nenhuma, os seus mecanismos repressivos, mas que também
não toma medidas sem prévia consulta aos cientistas. Diríamos que as regras do
jogo foram claramente assinaladas: você,
como intelectual, pode participar desses organismos (nos quais será muito bem
pago), pode até criticar o governo, mas em tudo isso há um limite: a manutenção
incólume da estrutura de poder do Partido Comunista. Avançar o sinal tem
como resposta a eficaz repressão que faz desaparecer dissidentes ou que, se
necessário, não duvida em mandar passar os tanques por cima de ativistas
ousados, como aconteceu na Praça Tiannamen em 1989.
Dentro desse marco de
tolerância, muito bem delimitado, os pensadores chineses estão preocupados com
uma dupla pesquisa, que visa a reconciliar dois objetivos concorrentes: como
ter acesso aos mercados globais, protegendo a China, ao mesmo tempo, “da
ventania da destruição criativa que poderia (desabar) sobre seu sistema
político e econômico”. Em outros termos, eles tratam de responder à indagação
acerca de como “a China virá para desafiar o mundo achatado da globalização
americana com um Mundo Murado, de
criação própria”.[47]
Algo
ficou de fora da escala de valores da civilização chinesa, nessa evolução de
séculos que deságua na atual globalização? Certamente, o valor ausente é o da liberdade, na forma incondicionada e
simples em que vingou na civilização ocidental, como direito inalienável do indivíduo, que o leva a organizar o
poder de baixo para cima, a partir do reconhecimento dos direitos individuais à
vida, à liberdade, às posses, como apregoava John Locke (1632-1704).
Justamente
os problemas enfrentados, a ferro e fogo, pela China contemporânea, dizem
relação aos espaços em que a ameaçadora forma da liberdade individual passou a
inspirar o funcionamento das instituições: o Tibet, Taiwan e Hong-Kong. No caso
tibetano, é claro que a China sempre encontrou uma não sintonia figadal com a
forma de liberdade religiosa, que se traduzia em instituições teocráticas
liberais no regime de Lhasa, que levaram Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) a
imaginar, no século XVII, uma China protocristã, convertida ao budismo
tibetano, que faria aliança com o Ocidente, contra o Islã. No caso taiwanês, os chineses não aceitam o
modelo republicano de liberdades presente na “província dissidente”. No caso de
Hong-Kong, o regime de liberdades individuais concedidos aos cidadãos dessa
cidade, encontra um limite na repressão contra os que avançam nas suas críticas
ao governo de Pequim. Se houver, nas próximas décadas, um confronto armado em
que a China se engaje, certamente ele começará por Taiwan. A experiência de
Hong-Kong situa-se no contexto do vasto experimento democrático dos chineses,
como uma “Área Especial”, em que vigora a liberdade de comércio, mas em que
foram garantidas, preventivamente, as instituições que ligam essa província ao
governo central da China, sem que haja a possibilidade de emergirem formas
contestatórias de gestão.
O elemento que seduz, na China contemporânea,
é, certamente, o fabuloso desenvolvimento econômico, que age como uma espécie
de chamariz para a modalidade de capitalismo “Rio Amarelo”. As características
dele quebram todas as expectativas estatísticas. Como frisa conhecido
estudioso: “A escala da China é impressionante; é quase impossível, para nós,
entender suas estatísticas vitais. Com um habitante a cada cinco do globo, a
entrada da China no mercado mundial, quase dobrou a força de trabalho global.
Metade das roupas e calçados do mundo já têm uma etiqueta onde se lê Made in China; e a China produz mais
computadores do que qualquer outro lugar do planeta. O apetite voraz da China
por recursos está devorando 40% do cimento do mundo, 40% do carvão, 30% do aço
e 12% de energia. A China está tão integrada na economia global que seus
prospectos têm impactos imediatos em nossas vidas diárias: ao mesmo tempo em
que dobra o preço do petróleo e corta pela metade o custo dos nossos
computadores, mantém a economia dos EUA em circulação, mas afunda a indústria
calçadista da Itália”.[48]
Terminemos
destacando as perspectivas que se abrem, para a China, nesta quadra do seu
desenvolvimento histórico:
A – Mudança de rumo, não abandono do Patrimonialismo
e retomada, sob Xi Jinping (1953), atualmente, da ortodoxia comunista. A China, com certeza, está longe de
sair da tradição patrimonialista que já tinha sido apontada, nela, por Weber e
por Wittfogel. Continuará o poder a ter “donos”. O abandono temporário do
comunismo maoísta no final do século XX não significou, de forma nenhuma, um
rompimento com a tendência à privatização do poder por parte de uma elite ou de
uma casta. O Mandarinato chinês se modernizou. Tornou-se o gestor de uma nova Sociedade
Limitada capitalista. O capitalismo chinês não é uma economia aberta às
sociedades anônimas. É um modelo de capitalismo dirigido desde o Estado. Ou
seja, é um modelo capitalista administrado pelo Estado Patrimonial. Os
proprietários da Sociedade Limitada são os dirigentes do Partido Comunista,
hoje ferreamente controlados pelo “novo Imperador, Xi-Jinping. Acionistas
minoritários são aceitos. Mas não podemos deixar de ter dúvidas quanto ao
alcance do poder deles em face dos interesses do Mandarinato. Quem não se
ajustar – como aconteceu com a Google – tem de arrumar as malas e ir embora.
B – Inserção da prática democrática no
contexto do Patrimonialismo de tipo estamental-confuciano. A
China pós Mao mudou a base cultural da dominação patrimonialista. O antigo
comunismo foi trocado por uma versão afinada com a secular tradição confuciana.
Se vivo fosse, Napoleão diria: “arranhai um chinês, encontrareis um
confuciano”. Lembremos que o grande general já tinha dito: “arranhai um russo,
encontrareis um tártaro”. Ora, o Mandarinato chinês se reciclou, deixou de
vestir trajes de militante camponês para aderir ao terno e gravata, engavetou
Marx e desengavetou Confúcio. O Mandarinato, que é o estamento dominante do
poder, professa essa milenar religião da disciplina, do trabalho, do comércio,
do capitalismo à la chinesa. Professa
e fortalece a crença de uma “democracia dos melhores” nas várias instâncias da
administração. “Democracia dos melhores” que consiste em eleger unicamente
aqueles candidatos mais capazes, que se afinem, também, com o conceito oficial
de “Mundo Murado”.
Assim
como em algumas regiões surgiram as áreas econômicas especiais, também o
governo de Pequim estimulou, há algumas décadas, uma experiência de democracia à la ocidental no remoto município de
Pingchang, sob a orientação de um dos intelectuais do Partido Comunista mais
preparado em matéria de inovações, Yu Keping (1959), diretor do Centro de
Inovações do governo. No entanto, esta é uma experiência que mais parece, como
diríamos no Brasil, “para inglês ver”, ao não ultrapassar os limites estreitos
de um remoto município do interior; experiência que, se apresentar riscos, pode
muito bem ser suspensa, de forma instantânea, pelo governo central.
Os chineses cultivam
ousadas iniciativas no terreno da cultura, hoje, por exemplo, investindo
pesadamente em Hollywood, de forma a explorar as “contradições do Ocidente” em
torno à impossibilidade da prática da democracia liberal.
Por baixo de todo
esse movimento político e cultural, Francis Fukuyama destaca que a China vive,
sob o viés político, um processo semelhante ao acontecido na Rússia. Para esse
cientista político, frisa Antônio Paim, “(...) se o sistema político chinês não
levasse ao governo representativo, posteriormente democratizado, daria por
equivocada a sua teoria”.[49]
A expectativa é de que
a classe média chinesa aumente de forma considerável nos próximos anos,
chegando, em 2025 a, aproximadamente, 75% dos 1,5 bilhão de habitantes do
gigante asiático. Com essa projeção, teríamos uma significativa participação
desse contingente populacional, com capacidade de consumo, na sociedade
chinesa. Converter-se-ia a China, assim, numa das maiores democracias
representativas do mundo.[50]
C – Reforço ao Patrimonialismo de
regimes ao redor do mundo, na Ásia, na África, no Oriente Médio e na América
Latina. A forma pragmática em que a nova liderança chinesa está
se relacionando com os diferentes países nessas regiões é muito especial. Não
questiona direitos humanos nem liberdades fundamentais (como fez, por exemplo,
com o ditador do Sudão, com os generais da Birmânia, com os irmãos Castro em
Cuba ou com o líder da “Revolução Bolivariana” em Caracas). Interessa a Pequim
que as relações econômicas andem bem. De forma indireta, via pragmatismo
comercial, os chineses terminam reforçando os regimes de patrimonialismo tribal
na África, de estalinismo atômico na Coréia do Norte, de patrimonialismo
macunaímico e populista na América Latina, de terrorismo fundamentalista dos
Aiatolás, no Irã. Os Mandarins vêm com bons olhos os problemas que esses países
causam à diplomacia européia e norte-americana. É uma forma indireta de ver
reforçado o seu poder no cenário internacional. Só não toleram, e aniquilam,
qualquer intento de patrimonialismo islâmico no seu próprio território, como
fizeram com os revoltosos da província de Xianjiang em 2007 e 2008.
D – Reforço à presença militar chinesa
em potências emergentes e em países do terceiro mundo. Essa
estratégia inclui venda de armas e visitas de oficiais latino-americanos à
China. A propósito, o estudioso e diplomata do Timor Leste, Loro Horta (1977)
informava: “Desde 2000, a China emprega uma estratégia diplomática paciente e
de amplo escopo em relação à América Latina. A nova ofensiva sedutora do
Exército de Libertação Popular (ELP) vem se consolidando de forma gradual, numa
posição segura. As iniciativas, além da venda de armas, permitem cada vez mais
ao ELP criar uma base para a cooperação militar de longo prazo, num futuro não
muito distante”.[51]
Nos últimos anos, formaram-se em academias militares chinesas mais de 100
oficiais representantes das três forças de 12 países latino-americanos. Esses
números tendem a aumentar e a tornar cada vez mais forte a presença militar
chinesa no subcontinente latino-americano. É o fenômeno que os estudiosos
chamam de “diplomacia militar da China”.
E – Modelo estatal de financiamento da
pesquisa. Aqui radica um dos gargalos para o regime de Pequim alcançar
os Estados Unidos. No sistema americano, o próprio Estado estimula as
indústrias privadas a realizarem trabalhos de pesquisa nas áreas mais sensíveis
para o desenvolvimento tecnológico do país. Mas a pesquisa é financiada, apenas
em parte, pelo setor público. Compete à iniciativa privada desenvolver os
trabalhos, a fim de manter a competitividade em face das exigências do Estado.
A iniciativa privada, estimulada, arca com o ônus da pesquisa. Na China, o
financiamento é inteiramente estatal. Conseguirá o regime de Pequim desenvolver
o volume de pesquisas em alta tecnologia que o país precisa, para superar os
seus competidores ocidentais, notadamente os Estados Unidos? Conseguirão os
chineses criar e manter, por longo tempo, um regime adequado de liberdade
intelectual, sem o qual as pesquisas não avançam? Por enquanto, em áreas muito
sensíveis, ainda eles dependem da tecnologia ocidental.
F -
Uma pedra no caminho chinês. O episódio de Wuhan, de
dezembro de 2019, constitui, sem dúvida, a pedra no sapato do regime chinês. A
eclosão e expansão, em questão de semanas, pelo mundo afora, do perigoso vírus
Covid-19, parece ter se originado de uma pesquisa secreta do governo chinês com
vírus letais, que escapou ao controle, pelo fato de não terem sido observados
os rígidos procedimentos previstos para tal empreendimento. Inicialmente, o
médico que chamou a atenção para o surgimento, em humanos, de tal vírus, e que
terminou se convertendo numa das primeiras vítimas, doutor Li-Wenliang
(1986-2020) foi punido e calado pelas autoridades comunistas locais. Quando o
acontecimento transbordou e se tornou notícia internacional, o governo de
Pequim interveio, rapidamente, e construiu a narrativa que coloca o próprio
sistema como o primeiro a controlar o vírus e oferecer uma solução eficaz. Um
hospital de grande porte foi construído em questão de dias. A narrativa oficial
está sendo questionada pela imprensa internacional, e futuros estudos mostrarão
o grau de responsabilidade do governo comunista. Wuhan, sem dúvida, poderá
passar à história como a Chernobyl (1986) dos chineses. Em homenagem póstuma
feita ao Dr. Li-Wenliang, em Hong-Kong, um ativista dizia: “Estamos tristes
porque ele foi o primeiro a informar sobre o novo vírus. Tentou dizer a verdade
e foi repreendido. Depois disso, toda a informação foi abafada”.[52]
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[1] WEBER,
Max. “A política como vocação”. In: Ensaios de Sociologia. (Tradução
de Waltensir Dutra). 4a. Edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1979,
p. 98.
[2]
WEBER, Max. Economía y sociedad. (Tradução
ao espanhol a cargo de José Medina Echavarría, et alii). 1a.
Edição em espanhol. México: Fondo de Cultura Económica, 1944, vol. IV, p. 131.
[3]
WEBER, Max. Economía
y sociedad. Ob. cit., vol. IV, p. 175-178. É interessante observar
como Weber já assinalava um aspecto que posteriormente foi desenvolvido por
Karl Wittfogel: o dos condicionamentos geográfico-hidráulicos da dominação
patrimonial. Contudo, Weber não chegou a analisar em profundidade essas
variáveis, salientando, unicamente, a sua concorrência junto aos outros
elementos que integram a tipologia ideal da dominação estatal-patrimonial.
[5]
Cf. VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações
meridionais do Brasil e Instituições políticas brasileiras. 1a.
Edição num único volume. (Antônio Paim, organizador). Brasília: Câmara dos
Deputados, 1982.
[6]
WEBER, Max. “Parlamentarismo e governo numa
Alemanha reconstruída. Uma contribuição à crítica política do funcionalismo e
da política partidária”. In: Weber, Max, Textos selecionados. (Tradução
de Maurício Tragtenberg). 2a. Edição. São Paulo: Abril
Cultural, 1980, pg. 1-85. Coleção Os Pensadores.
[8]
WITTFOGEL, Karl. Oriental
despotism. A comparative study of total power. Chicago
University Press, 1957, 2a. Edição, 1959. Foi consultada a edição francesa
intitulada: Le despotisme oriental. Étude comparative du pouvoir
total. (Versão de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977.
[9]
Cf. SOFRI, Gianni. O modo de produção
asiático. História de uma controvérsia marxista. (Tradução de Nice
Rissone). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 109.
[17] Este
ensaio foi publicado pela Revista Liberdade e Cidadania (vol III,
nº 9, jul-set. 2010), com o título: “Os BRICS e a globalização: perspectivas da
Rússia e da China”.
[18]
AZAMBUJA, Marcos. “O clube dos
BRIC, onde tamanho é documento”. In: PEREIRA, Antônio Carlos et alii.
A política externa do Brasil – Presente e futuro. Brasília: Fundação
Liberdade e Cidadania, 2009 p. 31.
[19] NENAROKOV. 1917
- A Revolução mês a Mês. Trad. de S. Victorovna. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967, p. 4
[20]
Cf. MONTEFIORE,
Simon
Sebag. Os Románov - 1613-1918. 1ª edição brasileira. (Tradução
de C. Carina e outros), São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 19.
[21]
Cf. PAIM, Antônio. A
querela do estatismo, 2ª edição, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1994, p. 30.
[23]
POLITKOVSKAYA, Anna. Um diário russo. (Prefácio de John
Snow; tradução de Nivaldo Montigelli Jr.). Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
[24] Cf. WEBER,
Max. Economía y sociedad. 1a. Edição em
espanhol. (Tradução ao espanhol a cargo de José Medina Echavarría, et
alii). México: Fondo de Cultura Económica, 1944, 4 volumes. Cf. WITTFOGEL,
Karl. Oriental
despotism. A comparative study of total power. Chicago
University Press, 1957. 2a. Edição, 1959. Foi consultada a 1ª edição francesa
intitulada: Le despotisme oriental. Étude comparative du pouvoir
total. (Versão francesa de Micheline Pouteau). Paris:
Minuit, 1977.
[25] Cf. VOLKOGONOV,
Dimitri. Os sete chefes do Império Soviético. (Tradução, a partir da
edição inglesa, a cargo de Joubert de Oliveira Brízida). Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2008.
[28]
Cf. POCH-DE-FELIU, Rafael. La gran transición. Ob. cit., p. 6-7.
[29]
POCH-DE-FELIU, ob. cit., p. 9.
[30]
POCH-DE-FELIU, ob. cit., p. 10-11.
[31]
Cf. VOLKOGONOV, Dimitri. Os sete chefes do Império Soviético. (Tradução,
a partir da edição inglesa, a cargo de Joubert de Oliveira Brízida). Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 386, seg.
[32]
POCH DE FELIU, ob. cit., p. 11.
[33] GORBACHEV, Mikhail. Perestroika – Novas idéias para o meu país e o mundo. 26ª edição atualizada com a avaliação de Gorbachev sobre o rumo das reformas. (Tradução de J. Alexandre). São Paulo: Editora Best Seller, 1988.26ª edição atualizada com a
avaliação de Gorbachev sobre o rumo das reformas. (Tradução de J. Alexandre).
São Paulo: Editora Best Seller, 1988. POCH-DE-FELIU,
Rafael. La gran transición. Ob. cit., p. 20-55. VOLKOGONOV, Dimitri. Os
sete chefes do Império Soviético. Ob. cit., p. 411-423.
[33] Cf. BROWN, Archie; SHEVTSOVA, Lilia
(organizadores). Gorbachev, Yeltsin & Putin – A liderança política na transição
russa. (Tradução de Sérgio Bath). Brasília: Universidade de Brasília,
2004.
[35]
Cf. KAROL, K. S.; NIVAT, Anne, et
alii. “Tchétchénie: l´engrenage de l´horreur”. Le
Nouvel Observateur. Paris. Nº 1982 (31 Outubro – 6 Novembro 2002): p. 32-37.
[36]
FELSHTINSKY, Yuri; PRIBILOVSKI, Vladimir. A era dos assassinos – A nova KGB e o
fenômeno Vladimir Putin. (Tradução de Marcelo Schild). Rio de Janeiro -
São Paulo: Record, 2008, p. 379.
[38] COLIN,
Roberto. O ressurgimento da grande potência. Florianópolis: Letras
Brasileiras, 2007, p. 122.
[39]
PAIM, Antônio (organizador). O patrimonialismo brasileiro em foco. (Obra
em colaboração, com a participação de: Antônio Roberto BATISTA, Paulo
KRAMER e Ricardo VÉLEZ Rodríguez).
Campinas: Vide Editorial, 2015, p. 62.
[40] COLIN,
Roberto. O ressurgimento da grande potência. Ob. cit., p. 122. A
respeito dos vaivéns sofridos pela nova pretensão russa de se firmar como
parceiro importante perante a Europa, escreveu o professor Antônio Paim, na sua
obra, já citada: O patrimonialismo brasileiro em foco (pgs.
63-64): “(...). Ao balancear o ano de
2014 em sua fala oficial, Putin indicou que as sanções contra a Rússia
aplicadas pelos Estados Unidos e parte da Comunidade Européia objetivam impedir
que a Rússia reconquiste a posição de grande potência, que espera obstar
basicamente evitando o isolamento econômico. Tal posicionamento sugere que a
política energética que instituiu (...) tem em vista, precisamente, a
reconquista do papel que chegou a desempenhar na política européia. A conclusão
em apreço deveria orientar o debate da experiência russa de privatização, com
vistas a colher ensinamentos. Em primeiro lugar, a ambição de grande potência
que se supõe tivesse chegado a nortear a ação dos governos militares, se é que
existiu, deve ser considerada como abandonada. Assim, deveríamos associar os
objetivos perseguidos na política energética praticada no país, estritamente, à
questão do patrimonialismo. Em segundo lugar, não perder de vista que o
objetivo primordial perseguido diz respeito ao que visariam as medidas tendentes
a enfraquecer o Estado Patrimonial. Devem estar orientadas precipuamente à
criação de grupos sociais extensos, interessados na economia de mercado.
Como temos enfatizado, a suposição de que poderia ter surgido estrutura
governamental democrática na Rússia, é assumida apenas por uma parte da ciência
política norte-americana, talvez simplesmente apressada em justificar o empenho
de certos Círculos do Partido Democrata, em restaurar o clima da Guerra Fria. A
melhor tradição nessa esfera situa-se do lado dos que levam em conta o peso das
tradições culturais, cujo coroamento pode ser apontado no livro, de Samuel
Huntington (1927-2008), O choque de civilizações (1996). (...)”.
[41] COLIN,
Roberto. O ressurgimento da grande potência. Ob. cit., 2007, p. 121.
[42] Apud LEONARD, Mark. O que
a China pensa? – O despertar chinês está moldando a nova ordem mundial.
(Tradução de Icaro Bonamigo Gaspodini). São Paulo: Larousse do Brasil, 2008, p.
17.
[43]
Cf. RONAN, Colin A. História Ilustrada da Ciência da Universidade
de Cambridge – Volume II Oriente, Roma e Idade Média. (Tradução de
Jorge Enéas Fortes; revisão técnica de Yedda Botelho Salles). Rio de Janeiro:
Zahar, 1987, p. 12-17.
[44]
RONAN, Colin A. História Ilustrada da Ciência da Universidade de Cambridge – Volume II
Oriente, Roma e Idade Média. Ob. cit., p. 14.
[45]
LEONARD, Mark. O que a China pensa? – O despertar chinês
está moldando a nova ordem mundial. (Tradução de Icaro Bonamigo
Gaspodini). São Paulo: Larousse do Brasil, 2008, p. 134.
[46]
LEONARD, Mark. O que a China pensa? – O despertar chinês está moldando a nova ordem
mundial. Ob. cit., p. 137.
[47]
LEONARD, Mark. O que
a China pensa? – O despertar chinês está moldando a nova ordem mundial.
Ob. cit., p. 29.
[48] LEONARD, Mark. O que a China pensa? – O
despertar chinês está moldando a nova ordem mundial. Ob. cit., p. 18.
[50]
Cf. SECIUK, Cristina. “Classe média chinesa: o próximo (e promissor) mercado da
indústria brasileira”. Gazeta do Povo, Curitiba, 14/09/2019. A
respeito do crescimento da classe média na China, frisa Cristina Seciuk:
“Atualmente, 60% dos chineses vivem nas cidades e, deles, 40% têm renda anual
entre US$ 10 mil e 13 mil, mas essa faixa ainda deve crescer consideravelmente
num futuro próximo. Segundo Larissa Waccholz (Sócia da Wallya – Butique de
Negócios e Investimentos, que assessora investidores chineses) a projeção é
que, por volta de 2025, a população urbana chinesa na classe média passe desses
40% para 75%, implementando, muito rapidamente, o viés de consumo que a gente
já percebe".
[51] HORTA,
Loro. “A influência militar da China na América Latina”. In: Military
Review, Janeiro-Fevereiro 2009, p. 30.
[52] TV GLOBO., “Morte de médico que alertou para novo corona vírus gera reação contra governo chinês”. Jornal Nacional. Rio de Janeiro. 07-02-2020, 21:57 h.
[52] TV GLOBO., “Morte de médico que alertou para novo corona vírus gera reação contra governo chinês”. Jornal Nacional. Rio de Janeiro. 07-02-2020, 21:57 h.
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