Dizia Sir Francis Bacon no seu Novum Organon (1620), que as descobertas da ciência não aparecem a qualquer um, mas que é preciso ter o espírito preparado para elas. São janelas por onde se filtra a luz que nos explica o emaranhado relacionamento dos fenômenos. O cientista precisa estar alerta, a fim de não deixar passar o instante em que a verdade dos fatos se revela.
Pois bem: com a complicada natureza do Estado Patrimonial não acontece diferente. Alguns fatos, pequenos às vezes, servem para nos revelar a presença, sob as instituições formais, do Estado Patrimonial. É isso que a Operação Lava Jato tem revelado. O "Público como Privado" da nossa estrutura republicana é o grande mal. Mas ele se revela, especialmente, em algumas circunstâncias.
Um pequeno fato revelou, há já vários anos, a estrutura do Estado Patrimonial, colocando de manifesto a existência de um estamento burocrático privilegiado: em entrevista a jornalistas, um ex-presidente do Supremo Tribunal Federal revelou a razão pela qual era necessário manter o super-salário que recebia, corrigido acima da média da inflação, contrastando com a penúria de outros funcionários públicos e com a situação da maioria dos brasileiros que viam os seus ingressos serem corroídos pela cadeia inflacionária. O ex-magistrado falou mais ou menos assim com a jornalista: "Ora, para manter o meu padrão de vida é necessária essa correção do salário. Acostumei-me a trocar de carro (de luxo) todo ano".
Um segundo fato, recente, jorrou outro clarão de luz sobre a existência do estamento burocrático privilegiado, para o qual não vale a lei como para o resto dos brasileiros. Fazendo os cálculos sobre quem sairia perdendo com a queda do foro privilegiado, debatida no Supremo na semana passada, jornalistas calculavam a quantas pessoas abriga atualmente o "foro privilegiado" no Brasil, chegando à conclusão de que os beneficiários seriam em torno de 50 mil funcionários públicos e políticos. Isso explica a grita enorme que a queda do foro privilegiado produz nas redes sociais, nos arraiais do governo e na imprensa.
O fato maior, porém, veio na trilha das investigações ensejadas pela Operação Lava Jato e à sombra das delações premiadas de empresários e políticos presos. Tais delações revelaram, no decorrer dos últimos anos, a essência do Estado Patrimonial como aquele no qual o núcleo do poder, identificado com o Executivo e com setores expressivos da cúpula do Legislativo, alargou a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extra-patrimoniais, passando a administrá-lo tudo como posse de família. O fato revelado consistia no projeto de perpetuação do PT no poder. Tal projeto, elaborado pela Presidência da República no primeiro governo de Lula (com a colaboração direta dos ministros José Dirceu e Luiz Gushiken), consistia em utilizar as empresas estatais e os fundos de pensão das mesmas como cabeças de ponte para o PT se apropriar, de forma alargada, de enormes fatias de dinheiro público desviado fraudulentamente mediante a cooptação das maiores empreiteiras do país que virariam "campeãs de bilheteria", mediante empréstimos irregulares do BNDES, concedidos com a prévia condição de que os empresários beneficiários (no Brasil e no exterior) das licitações fraudulentas, rachassem as milionárias somas desviadas com a elite petista, com a finalidade, dupla, de: a - enriquecer os membros do stablishment petista e os seus colaboradores e, b - fazer um fundo amplo para financiar a compra das eleições presidenciais vindouras, abrindo assim a perspectiva para a perpetuação do PT no poder.
Esse esquema começou a ser revelado em 2005 com a operação ensejada pela Magistratura auxiliada pelo Ministério Público, que denunciou e puniu o "Mensalão", ou compra de maiorias parlamentares mediante o pagamento às lideranças das agremiações de gratificações para aprovarem a toque de caixa, no Congresso, projetos de interesse do governo. O esquema revelado mostrou que foi construída complexa rede de altos funcionários de governos estrangeiros beneficiários dos "empréstimos" do BNDES, tanto em países da América Latina quanto da África especialmente, com as consequências de crise interna nos países que adotaram esse tipo de parceria criminosa com o governo petista. Ainda está por ser revelada a real dimensão dessa megaempresa de corrupção, que projetou a imagem do Brasil como um dos campeões da corrupção em nível mundial, mas que está resgatando, também, a imagem do Brasil como um país em que a Magistratura e as instituições republicanas estão atuantes para fazer frente a esse mal.
O esquema funcionou a contento até a segunda eleição da Dilma Rousseff, mas fez água em decorrência da quebra da economia propiciada pelas "pedaladas fiscais" que, somadas aos desvios que já tinham se perpetrado na Petrobrás, na Eletrobrás e em outras estatais, levaram à literal insolvência do Estado com a consequente deposição da presidente em 2016, no tumultuado processo de impeachment que ilegitimamente passou a ser denominado pelos petistas de "golpe".
O mais curioso é que um fato, aparentemente intranscedente, de corrupção de balcão de pequena monta (três mil míseros reais), no decorrer de 2005, ocorrido na Empresa de Correios, pôs de relevo, nos meses posteriores, a verdadeira dimensão, escatológica, da empreitada da corrupção petista. Quem tivesse ouvido a notícia isolada, ficaria com a impressão de que se tratava de um fato a mais do dia a dia da esperteza brasileira. No entanto, a inusitada delação do projeto de corrupção por um político insatisfeito com o desigual reparto do butim entre os corruptos (tratava-se do presidente de uma pequena sigla partidária aliada do PT), revelou as verdadeiras dimensões do Mensalão. Mais uma surpresa da fresta através da qual se revelou a natureza do Estado Patrimonial brasileiro. A verdade, como diria Parmênides, "gosta de se esconder" e vai se revelando aos poucos.
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