Faleceu o meu amigo e colega Mário José dos Santos. Saudades do seu convívio leve e da sua companhia, sempre discreta, como Chefe de Departamento ou como simples Professor. Mário foi uma daquelas pessoas que passam pela nossa vida deixando um ambiente de paz e cordialidade. O serviço público brasileiro, na área da educação, serve para duas coisas: ensinar e pesquisar, claro está, e reunir gente interessante cuja amizade nos enriquece e vai tornando, no dia a dia, mais leve a nossa faina. Mário José inseria-se nessas duas categorias.
As suas pesquisas sobre os Pré-Socráticos, que culminaram com o livrinho de texto que leva o mesmo título, foram de grande estímulo para os meus alunos e me ajudaram a desenvolver, de forma mais pedagógica, esse tema importante na formação da Teoria do Conhecimento na Filosofia Grega.
Mário chegou a cursar os créditos para o Curso de Doutorado em Pensamento Luso-Brasileiro da Universidade Gama Filho, junto com outros colegas da UFJF, lá pelos anos 90 do século passado. Participaram desse grupo, também, Luciano Caldas Camerino, Mário Sérgio Ribeiro e Pedro Paulo de Araújo Ferreira. Essa foi a segunda geração dos docentes da UFJF que fizeram a pós em Pensamento Luso-Brasileiro na Gama Filho. Da geração anterior tinham participado José Carlos Rodrigues, Aristóteles Ladeira Rocha e Joel Neves. Outros professores provenientes de instituições de renome (como a antiga Funrei, hoje Universidade Federal de São João del Rei) fizeram o doutoramento na mesma área, na Universidade Gama Filho: José Maurício de Carvalho, o padre Fábio Rômulo Reis, Thiago Adão Lara, Adelmo José da Silva, João Bosco Batista, Marilúze Ferreira de Andrada e Silva e o padre Sílvio Firmo do Nascimento.
Nos anos 80, Mário José tinha participado do grupo que organizou, na UFJF, sob a direção de José Carlos Rodrigues e Aristóteles Ladeira Rocha, o primeiro curso de pós-graduação lato sensu em Filosofia (área de Pensamento Brasileiro), que depois se converteu, com o apoio de Antônio Paim e com a minha colaboração, em meados dos anos 80, no Curso de Mestrado em Pensamento Brasileiro (que funcionou até o final da década de 90).
O Curso terminou sendo fechado por pressões dos discípulos do padre Lima Vaz, encarrapitados, desde o ciclo militar, em posições de comando na Capes. Lima Vaz não queria que se estudasse o pensamento brasileiro, na forma em que Antônio Paim orientava as suas pesquisas. Ou seja, desvendando a índole problemática da meditação filosófica dos autores. Isso por um motivo simples: o padre jesuíta tinha sido o animador dos grupos de jovens católicos (vinculados à Ação Popular Marxista-Leninista) que se vincularam à luta armada nos anos 60, inspirados no hegelianismo de esquerda do Padre Vaz. A melhor forma de tolher essa pesquisa era o padre Vaz utilizar o seu poder de coordenador do comitê de avaliação da Capes na área da Filosofia. Desde o início, o Mestrado em Filosofia da UFJF esteve fadado a ser fechado, como deixou claro um dos avaliadores enviados intempestivamente pelo padre Vaz, Guido Antônio de Almeida, na visita-surpresa que fez ao Curso em 1986, um ano apenas depois de ter sido iniciado. "Este curso não será aprovado pela Capes", sentenciou, então, Guido. E assim foi: o Curso, embora aprovado no começo, foi descredenciado e clausurado no decorrer da década dos noventa por pressão dos próprios avaliadores da Capes.
Mário José dos Santos, assim como José Carlos Rodrigues, era um jovem sacerdote que decidiu deixar a batina para se dedicar plenamente ao exercício da docência superior. Foi acolhido, bem como José Carlos, de forma paternal, por Monsenhor Luiz de Freitas, um emérito pastor que estava à frente da tradicional Igreja de São Mateus. Monsenhor Luiz amparava os seus ex-alunos de Seminário e tinha destinado para eles um aparamentosinho no interior da Casa Paroquial. Quem sabe se não voltariam ao Clero! Mas, se não voltassem, lá, sob o amparo de Monsenhor Luiz, os jovens ex-padres teriam um lugar de acolhimento e de reflexão. Monsenhor Luiz de Freitas era um pastor de tempo integral, como aqueles padres liberais que Alexandre Herculano descreve no seu belo romance "O Pároco da Aldeia". Um belo exemplo de pastor de almas. O Mestre Antônio Paim tinha pelo saudoso Pastor um carinho todo especial, sempre fazendo questão de visitá-lo na Casa Paroquial quando das suas idas a Juiz de Fora. Eu também me tornei amigo de Monsenhor Luiz, nos últimos anos de sua vida.
Mário José era um intelectual preocupado com a questão social. Aproximou-se do PT, sem chegar à militância, mas era admirador das políticas sociais do Partido, ao longo dos governos petistas. Divergi sempre dos seus pontos de vista, pois achava Lula um enganador. Mas sempre tivemos uma relação de respeito nas nossas opções ideológicas e político-partidárias. O compromisso social do meu amigo Mário canalizou-se também nas suas relações com os alunos, aos quais sempre dava um tratamento cheio de dedicação e amizade.
Saudades do amigo que partiu e que nos deixou tristes na comunidade acadêmica da UFJF. Para os seus familiares, os meus sentimentos.
Acho que fomos colegas, mas por pouco tempo.
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