Karl Marx nasceu em Treves, capital da
província alemã do Reno, em 5 de maio de 1818 e faleceu em Londres, em 1883. Na cidade
natal, o nosso autor teve oportunidade de sentir duas influências contrárias: o
liberalismo revolucionário, herdeiro do jacobinismo francês e, de outro lado, a
reação conservadora capitaneada pela Prússia, defensora do Antigo Regime. O pai
de Karl, Hirschel Marx (1777-1838) era advogado, tendo abandonado o judaísmo em
1824, batizando-se na Igreja Luterana com o nome de Heinrich. Os estudiosos consideram
que nessa conversão mediaram motivos de índole econômica, pois na Renânia, onde
residia a família Marx, os cargos públicos estavam vedados aos judeus. A mãe do
nosso autor, Enriqueta Pressburg (1787-1863), era descendente de rabinos.
Completados os estudos secundários em Treves,
Marx ingressou na Universidade de Bonn, a fim de estudar Direito. Em 1836, o
jovem estudante transferiu-se para a Universidade Friedrich Wilhelms de Berlim
para continuar os estudos de Direito. O seu foco de interesse, no entanto, era
o estudo da História e da Filosofia, tendo abandonado o curso inicial. Em
Berlim, o nosso autor recebeu a influência do pensamento de Hegel. O estudante
dedicado que era Marx, logo se filiou à denominada corrente da Esquerda Hegeliana capitaneada por
Ludwig Feuerbach (1804-1872), que repudiava a exaltação que Hegel (1770-1831) tinha
feito do Estado Prussiano.
Em Berlim, Marx ingressou no Doktor Club, que era liderado por Bruno
Bauer (1809-1882). Em 1841, obteve o título de doutor em Filosofia com a tese
intitulada: Diferenças da filosofia
da natureza em Demócrito e Epicuro. Não tendo conseguido empreender a
carreira acadêmica em decorrência das suas idéias radicais, tornou-se, em 1842,
redator do jornal Gazeta Renana, editado em Colônia, onde conheceu aquele que
seria o seu mais fiel amigo, o jovem Friedrich Engels (1820-1895), filho de um
industrial de Barmen (Alemanha). Em 1843, tendo sido fechada a Gazeta
Renana pelo governo prussiano, Marx partiu para Paris, onde assumiu a
direção da revista Anais Franco-Alemães, tendo-se casado, pouco antes, com a bela
Jenny von Westphalen (1814-1881), filha do barão prussiano Ludwig von
Westphalen (1770-1842), professor universitário em Berlim. Na capital francesa,
ciceroneado pelo poeta romântico Heinrich Heine (1797-1856), o nosso autor
participou de vários círculos de estudos e sociedades secretas, dentre os quais
cabe mencionar a Igreja Saint-simoniana. Teve oportunidade, outrossim, de
conhecer os escritos de François Guizot (1787-1874), o poderoso primeiro-ministro
de Luis Felipe I (1773-1850). Ainda em Paris, em 1843, Marx escreveu a
Crítica da filosofia do direito de Hegel e A questão judaica. No ano
seguinte, teve contato com a Liga dos
Justos (que mais tarde seria conhecida como Liga dos Comunistas) e escreveu os Manuscritos econômico-filosóficos,
bem como o famoso artigo acerca de uma greve ocorrida na Silésia, que lhe
causaria a expulsão da França, em 1845, a pedido do governo prussiano.
Tendo-se mudado para Bruxelas,
Marx escreveu, ainda em 1845, as Teses sobre Feuerbach e, junto com
Engels, A sagrada família. Em 1846, em parceria com Engels, escreveu A
Ideologia Alemã, que só seria publicada anos mais tarde. Ajudado pelo
amigo, organizou, na capital belga, o
Comitê de Correspondência da Liga dos Justos que, como já foi frisado,
passou a ser chamada de Liga dos
Comunistas. Em 1847 viajou para Londres, onde publicou a Miséria
da Filosofia. De volta para a Bélgica, terminou expulso pelo governo
desse país em 1848 e, junto com Engels, mudou-se para Colônia, onde fundou a Nova
Gazeta Renana. Nesse ano foi publicado, em Londres, o Manifesto
comunista, de autoria de Marx e Engels.
Expulso de Colônia, em 1849,
Marx enfrentou sérias dificuldades financeiras, das quais saiu graças à ajuda
do pensador e líder socialista alemão Ferdinand de Lasalle (1825-1864), que
depois seria atacado pelo próprio Marx. Nesse ano, o nosso autor escreveu Trabalho
assalariado e capital. Em Londres, Marx dedicou-se aos estudos
econômicos na biblioteca do Museu Britânico. Para subsistir, trabalhou como
redator no New York Daily Tribune. Em
1852, publicou O 18 brumário de Luís Bonaparte, dedicado à análise dos eventos
ocorridos ao ensejo do golpe de estado perpetrado pelo sobrinho do falecido
imperador Napoleão Bonaparte (1769-1821).
Karl Marx: o ativista sobrepôs-se ao intelectual,
dando ensejo a uma posição radical, que o conduziu ao modelo de socialismo
totalitário, que passou a ter vigência na
Rússia e nos outros países comunistas, pelo mundo
afora, ao longo do século XX, com um saldo trágico de mais de 90 milhões de
mortos [Stéphane Courtois, et alii, Le
livre noir du Communisme. Paris: Robert Laffont, 1997, p. 14].
Dedicado integralmente ao estudo
na capital inglesa, em que pese inúmeros e sérios distúrbios de saúde, Marx publicou,
em 1857, a obra intitulada Esboço de uma crítica da economia política.
Em 1859 apareceu, em Berlim, a obra intitulada Para uma crítica da economia
política, ao ensejo da qual o nosso autor frisou com ironia: “Com
certeza é a primeira vez que alguém escreve sobre o dinheiro com tanta falta
dele”. Em 1864, Marx propôs a criação da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT), denominada popularmente de Primeira Internacional. Em 1865,
publicou Salário, preço e lucro, além de uma biografia de Pierre-Joseph
Proudhon (1809-1865), com quem manteve séria polêmica, em decorrência do fato
de discordar do modelo de socialismo democrático proposto por ele. Em 1867
apareceu publicado, em Hamburgo, o primeiro volume de O Capital. Em 1869, o
nosso autor deu continuidade à escrita do segundo volume desta obra, que tinha
interrompido devido ao seu precário estado de saúde, agravado pela crise
financeira familiar. Ao ensejo da revolta conhecida como Comuna de Paris publicou, em 1871, A guerra civil na França.
Em 1873, o nosso autor encaminhou o seu primeiro volume de O Capital a duas
personalidades da intelectualidade britânica: Charles Darwin (1809-1882) e
Herbert Spencer (1820-1903). Em que pese o fato de o médico ter-lhe proibido
qualquer tipo de esforço, em decorrência do agravamento da saúde, o nosso autor
continuou trabalhando incessantemente na redação de O Capital, e fez inúmeras
leituras acerca de temas diferentes como Matemática, Geologia, Física e a
situação social e política da Rússia. Em 1875, Marx publicou Crítica
do programa de Gotha. Sob os cuidados de Engels foram publicadas,
postumamente, as edições do segundo volume (1885) e do terceiro volume (1894)
de O
Capital.
As idéias filosóficas
de Marx podem ser sintetizadas nos seguintes pontos:
1. Adoção da perspectiva transcendental.-
Marx, como Immanuel Kant (1724-1804), desmistifica o conhecimento humano, que
nas metafísicas dogmáticas tinha ficado reduzido a uma cópia passiva da
realidade exterior. Quando o nosso autor afirmava que “até agora os filósofos
estiveram preocupados em contemplar o mundo, nós vamos transformá-lo”,
justamente propunha um novo tipo de conhecimento em que a verdade fosse efeito
da ação humana, não a pura contemplação de um arquétipo pré-existente fora da
razão.
2. Formulação do 11º mandamento: “Não
explorarás o trabalho alheio”. Marx reagiu contra um princípio de ação
estranho ao homem (moralidade pautada pela religião ou pelas leis da circulação
de mercadorias), e colocou como critério de ação o homem mesmo, na sua dinâmica
histórica, no seio da consciência de classe. Não há dúvida quanto à inspiração
kantiana do imperativo formulado por Marx. Como frisa Antônio Paim, “segundo
Kant, os princípios morais só o são se não se subordinam a qualquer classe de
coação externa e se correspondem a uma exigência profunda da racionalidade,
aparecendo ao homem como autêntico imperativo. Essa afirmativa não envolve, por
certo, a solução do grave problema da coerência do homem com semelhantes
princípios, mas explica satisfatoriamente a vitalidade da ética cristã. A força
do marxismo reside no mesmo princípio. O mandamento segundo o qual ´Não explorarás o trabalho alheio´ parece
consistir no ápice de toda uma ética humanista” [Paim, História das idéias filosóficas
no Brasil, 3ª edição, São Paulo: Convívio, 1984, p. 502].
3. Formulação do materialismo histórico.
Competiria a Marx corrigir o rumo da reflexão feuerbachiana operando o trânsito
entre o naturalismo de Feuerbach e o historicismo. A consciência da necessidade
nasce não apenas da exterioridade da natureza, mas também da própria história
humana. O estímulo para o movimento e a transformação é interior à própria
realidade humana. A necessidade é, portanto, não apenas exigência natural, mas
também força geradora e motora da história. Em lugar do homem abstrato da
natureza, temos o homem concreto e vivo da história, através da classe social. O homem que adquiriu consciência de classe entra na luta de classes, na qual consiste a
essência da política (idéias que Marx tira dos doutrinários franceses Benjamin
Constant e François Guizot). A massa humana, que tinha sido idealizada por
Feuerbach, encontra em Marx uma formulação concreta e atuante [cf. Mondolfo, Marx
y marxismo, México: Fondo de Cultura, 1960]. Marx sintetizou esta
dimensão na sua frase, presente na obra A ideologia alemã: “A existência
humana determina a consciência”. A propósito deste ponto, frisa Antônio Paim [História
das idéias filosóficas no Brasil, ob. cit., p. 496]: “Resumindo, temos
que o momento Kant-Hegel chega a uma fase de plena configuração com a esquerda
hegeliana, em particular com Feuerbach-Marx. Ao invés da perspectiva platônica
(o outro lado das coisas, a permanência, a substância), a perspectiva kantiana
(meditação limitada à dimensão humana) desenvolvida no sentido de apreender o
homem através de tudo quanto criou, não um homem dado e acabado ex nihilo mas envolvido no próprio
processo de sua criação”.
4. Inspiração de Marx em Claude-Henri de Saint-Simon
(1760-1825). Segundo Gurvitch, as teses filosófico-sociológicas em que Marx
se inspirou no pensamento saint-simoniano foram as seguintes: A – A afirmação de que “a vida social é
essencialmente prática”, bem como a idéia de que “a produção faz o homem” e de
que homens e sociedade se produzem a si mesmos pelo seu esforço. B – A idéia de que certas estruturas
sociais e determinados modos de produção “impedem a sociedade de entrar em
plena posse de seu impulso criador”, sendo que Marx amplia essa idéia na sua
teoria das alienações e das ideologias. C
– A afirmação de que “as obras da consciência real”, ou obras da
civilização, e até as ideologias se integram, de alguma maneira, nas forças
produtivas. D – A inclinação de Marx
em favor de uma visão dicotômica das relações entre as classes, que o leva a
considerar o Estado como seu órgão de domínio de classe. E - A crença de Marx na desaparição do Estado e a adoção, por ele,
de slogans saint-simonianos, tais como: “o governo das pessoas será substituído
pela administração das coisas”, ou “a cada um de acordo com as suas
capacidades, a cada um segundo as suas obras”. F – A concepção escatológica da história. A respeito, escreve
Gurvitch: “Marx não evita a tentação de uma filosofia da história que submete à
sociologia e que profetiza o fim da história. É neste aspecto que Marx, apesar
dos seus esforços, permanece, mais do que Proudhon, fiel a Saint-Simon e à sua
escola” [Georges Gurvitch, Introdução à obra de Saint-Simon, La
Physiologie sociale - Oeuvres choisies. Paris: PUF, 1965, p. 40].
5. Inspiração de Marx em Pierre-Joseph
Proudhon (1809-1865). Segundo Gurvitch, Marx inspirou-se nos
seguintes pontos do pensamento proudhoniano: A – A crítica às “classes altas”, burgueses e patrões, pela sua
ociosidade. B – O conceito de “força
coletiva”, que inspira o conceito marxista de “forças produtivas”. C – A predição acerca da desaparição do
Estado.
6. Comunismo implantado por métodos violentos:
a destruição do Estado burguês. Este elemento permanece claro na obra de
Marx e se contrapõe aos esforços dos socialistas franceses, ingleses e alemães,
em prol da construção de uma nova sociedade mediante reformas, com a chegada do
proletariado ao poder através de eleições (como terminou, de fato, acontecendo,
ao longo dos séculos XIX e XX). Marx considerava ser ele o líder da revolução
violenta apregoada. A verdade claudicou diante da militância política. Marx foi
desmoralizando, um a um, todos os pensadores e líderes socialistas que tinham
aderido a um socialismo democrático, diferente do modelo totalitário por ele
apregoado. Fez isso, por exemplo, na Alemanha, com Ferdinand Lasalle
(1825-1864) e, na França, com Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Antônio Paim
deixa claro que houve uma influência muito grande do regime apregoado por Marx
sobre o adotado, na Rússia, após a Revolução de 1917, por Lenine (1870-1924).
Para ambos, somente valia um tipo de comunismo: o imposto pelo líder, com
absoluto banimento da dissidência e com a implantação de um regime de poder
total. Na Rússia, o regime bolchevique foi o novo capítulo do “despotismo
oriental” czarista [cf. Paim, Marxismo e descendência, Campinas:
Vide Editorial, 2009; Wittfogel, Le despotisme oriental, Paris:
Minuit, 1977].
7. Inspiração em Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778). Marx recebeu esta influência ao longo de sua permanência em
Paris. Para o filósofo genebrino, a soberania do povo repousa na “vontade
geral”. Esta é apropriada pela “vanguarda do povo”, constituída pelos “puros”,
aqueles que se despiram dos seus interesses individuais para defender o
interesse público. Ora, essa vanguarda é chefiada, no caso da revolução
comunista, pelo próprio Marx, que se converte numa espécie de salvador das
massas proletárias.
8.
Inspiração no
pensamento dos liberais franceses Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) e
François Guizot (1787-1874). Como destacou Georgi Valentinovich Plekhanov (1857-1918), um dos mais
importantes estudiosos russos da obra de Marx, idéias básicas da sociologia do
pensador alemão como interesses
individuais, interesses de classe,
consciência de classe, luta de classes, encontram a sua origem
nesses pensadores liberais, cujas obras Marx leu durante a sua permanência em
Paris. Até a expressão, presente no Manifesto Comunista: “proletários do
mundo, uni-vos” inspira-se na frase conhecida de Guizot: “burgueses da França,
uni-vos” e “enriquecei-vos”.
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