Das decisões em relação à segurança pública no Rio de Janeiro
poder-se-ia afirmar o que Hegel dizia da Filosofia: elas chegam sempre tarde
demais, “quando as sombras da noite se aproximam”, ou seja, quando o crime
organizado já se sedimentou e tornou refém de si a própria sociedade. Lembro-me
de que, em 2003, em palestra proferida no Conselho Técnico da Confederação
Nacional do Comércio, eu apregoava a necessidade dessa intervenção, em face do
poder que tinham assumido, no Rio, os bandidos. Hoje, quinze anos depois, a
intervenção foi decretada, de forma tímida, mas, enfim, ensejando uma nova
etapa no combate à criminalidade. O próprio Presidente da República, Michel
Temer, no ato de assinatura do decreto de intervenção federal, deixou clara a
gravidade do momento: o banditismo sequestrou a vida dos cariocas e
fluminenses! O mal, segundo o Presidente, assemelha-se, hoje, à metástase
produzida no organismo pelo câncer, com a criminalidade ameaçando a segurança
pública em outros Estados brasileiros. Em face dessa desgraça, a resposta do
governo não poderia ter sido outra.
Parece-me, no entanto, que a intervenção decretada ainda é
tímida demais, diante da gravidade dos fatos. Com um organismo policial, como o
que hoje age no Estado do Rio de Janeiro, corroído até as entranhas pela
corrupção e as negociatas obscuras com o crime organizado, como já foi
reconhecido por muitos, desde o governo federal até as instâncias estaduais e
municipais, era necessário que a intervenção focalizasse, primeiro, o
saneamento da corporação da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. A
banda podre da PM, sabemos, a torna refém dos interesses dos meliantes.
Bandidos eliminam sem nenhum constrangimento, metralhando-os no meio da rua e à
luz do dia, aqueles oficiais, sub-oficiais e jovens soldados que contrariarem os
seus interesses. Até comandante de batalhão da PM foi recentemente executado na
rua, numa cena que não era de um simples confronto com meliantes. O Presidente
recordava, no seu pronunciamento, o drama de famílias que sofrem com a perda de
entes queridos, notadamente crianças, vítimas do fogo cruzado entre bandidos e
forças policiais. Mas, convenhamos, boa parte do drama decorre da presença,
entre os atores à margem da lei, de elementos corruptos provenientes da Polícia
Militar, alguns deles hoje integrados às milícias que constituem a outra frente
da luta armada e que disputam com os marginais territórios nas favelas,
tendo-se integrado já ao mercado de tóxicos e de armas. A Polícia Civil, de
outro lado, encontra-se numa situação de penúria administrativa e financeira,
que a impossibilita de realizar a contento os seus trabalhos investigativos e
de inteligência.
Ora, em face da gravidade do problema, a primeira frente da
luta contra o crime organizado deve começar pela extirpação cirúrgica e rápida
dos focos de policiais militares corruptos, como foi feito na Colômbia, no
início da luta do Estado contra os cartéis das drogas. Em Bogotá, no primeiro
ano de enfrentamento contra a corrupção policial, nos anos 90 do século
passado, mais de dois mil agentes foram colocados no olho da rua e passaram a
responder na Justiça pelos seus crimes. A providência do saneamento da
Corporação da Polícia Militar deve incluir a identificação e sumária expulsão
dos elementos vinculados ao crime organizado, seja qual for a sua patente. Terá
o Interventor Federal poderes para tanto?
Por outro lado, o decreto de intervenção prevê que as Forças
Armadas não têm poder de polícia no combate sem quartel que vão travar contra o
crime organizado. Ou seja: não têm poder para eliminar em confronto ou prender
bandidos. Acho tímida demais essa modalidade de intervenção. Os militares
deveriam ser munidos do poder de polícia, que compartilhariam com os elementos
escolhidos das polícias militar e civil. E devem ter todo o amparo legal para
eliminar os bandidos que entrarem em confronto com eles ou que atentarem contra
os cidadãos. Se não for assim, os militares ficarão em posição de desvantagem
no cumprimento da sua missão.
A atual quadra do empoderamento
do crime organizado no Rio é mais um capítulo das desgraças que o populismo
trouxe para o Brasil, a partir da redemocratização. Primeiro foram os dois
governos populistas de Leonel Brizola, que tornaram os morros santuários do
crime organizado, com a sua maluca ideologia do “socialismo moreno” que impedia
aos policiais de entrarem nos redutos dos bandidos. Depois vieram as réplicas
dos discípulos de Brizola, entre os quais se destaca o casal Garotinho. Depois
veio a desgraça que se abateu sobre o Brasil com o populismo lulopetista no governo
federal, que encontrou eco na corrupta gestão de Sérgio Cabral. O PT
simplesmente abriu as portas do nosso país para o crime organizado, graças às
simpatias de Lula para com regimes “bolivarianos” claramente favoráveis ao
narcotráfico, como o chavista, o do bispo Lugo no Paraguai e o do líder
cocalero Evo Morales na Bolívia.
A sociedade civil deve apoiar com firmeza a intervenção no
Rio e a ação das Forças Armadas no combate ao crime organizado. A pior atitude
é a de alguns acadêmicos de esquerda que identificam as atuais medidas como um
“espanta baratas” que não produzirá resultados. Isso somente reforça os
interesses do crime organizado. É necessário que as universidades e os centros
de estudos destaquem os aspectos que poderiam ser dinamizados para a
intervenção atual ter sucesso. A crítica destrutiva somente favorecerá os
interesses dos meliantes. Perante situações extraordinárias devemos empenhar
esforços também extraordinários. Não temos outro caminho.
Infelizmente, há muita gente na academia e nos órgãos ou entidades de ação social, que do alto da arrogância do seu suposto saber, funcionam como aliados objetivos do crime, independente das suas intenções.
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