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sábado, 25 de novembro de 2017

DEMOCRACIA, PATRIMONIALISMO, PRIVILÉGIOS E DESIGUALDADE NA SOCIEDADE BRASILEIRA


Nunca foi o Brasil um pais autenticamente democrático. Por um motivo: a estrutura patrimonial do Estado fez da nossa sociedade uma colcha de retalhos de pessoas mais ou menos aquinhoadas pela fortuna, em decorrência da sua proximidade, ou não, com os donos do poder. 

Claro que progredimos. Mas ainda estamos longe de sermos uma sociedade democrática para valer. A onda de privilégios tende a se perpetuar, se isso depender dos felizardos que ocupam o vértice da pirâmide social. O atual governo, que não aspira já à popularidade, mas que busca apenas se manter funcionando até o final do período que a legislação lhe reconhece, paradoxalmente decidiu mexer nos privilégios no terreno da previdência. E do Supremo, bem como do Senado, vem um sinal de que o fim do foro privilegiado é algo que se vê relativamente próximo, se levarmos em consideração as últimas medidas tomadas, tanto pelos magistrados da suprema corte, quanto pelos legisladores da câmara alta. Mas ainda é uma tendência em andamento, não uma conquista que possamos comemorar. Só esse fato já revela que as forças que buscam manter a desigualdade perante a lei estão atuantes e se enraízam fortemente nas entranhas da sociedade.

Um dado chama a atenção no relativo ao foro privilegiado: a sua extensão pelo emaranhado da burocracia. Segundo dados revelados pela imprensa em dias passados, o Brasil conta, hoje, com aproximadamente 50 mil cidadãos de primeira classe, acobertados pelo foro privilegiado. Mas as ações que correm no Supremo Tribunal Federal para julgar casos relativos a essa minoria privilegiada, andam a passo de cágado: são aproximadamente quinhentos processos em andamento, sendo que mais ou menos 200 já prescreveram. Uma verdadeira loteria de privilegiatura!

Na origem de todo esse clima de privilégios minoritários está a nossa tradição jurídica formatada pelo Direito Filipino que consagrou a desigualdade jurídica entre as pessoas, dependendo de que pertençam a castas da alta burocracia do Estado Patrimonial ou não. Contrariamente à tradição liberal que vingou nos países da Commonwealth, segundo a qual todos têm o mesmo tratamento perante a lei, entre nós vingou a desigualdade: a lei se aplica segundo códigos diferentes, se o julgado pertence ou não aos altos escalões fixados pelo Estado. Já estamos acostumados a isso. O raro, na sociedade brasileira, é a igualdade perante a lei e perante os serviços básicos que o Estado promete garantir a todos.

Em dias passados a TV noticiou a trágica sorte de um pobre idoso e doente que, pelo fato de não ser alguém com costas quentes, teve de peregrinar, antes de morrer como um cão de hemorragia estomacal e em meio a terríveis dores, visitando vários hospitais públicos sem que ninguém se prontificasse a lhe dar tratamento digno. Os médicos que o atenderam limitaram-se a um burocrático diagnóstico, que lhe receitava ou uma fórmula impossível de ser adquirida pelo doente carente de recursos, ou uma série de exames que a unidade procurada não podia fazer por carecer do instrumental necessário. 

Um verdadeiro universo de "mundo cão" a reportagem cobriu, o jornalista e o operador de câmara acompanhando o miserável doente de hospital em hospital. Imaginei o quanto esses profissionais suaram percorrendo esse calvário. Pensei uma coisa marginal: talvez a rede de TV que fazia o noticiário poderia ter socorrido a vítima, lhe pagando a consulta num hospital que prestasse. Bom: vão me dizer que isso estava fora do roteiro. E estava. O que ficou de fora, de imediato, foi a compaixão, tanto dos profissionais da mídia quanto dos hospitais pelo pobre diabo procurados.

A irmã da vítima, após a ocorrência da morte do ente querido, desabafou: "Tenho vergonha de ser cidadã de um país que tratou meu irmão de forma tão cruel". Também me senti com vergonha de ser brasileiro. A desigualdade é coisa que machuca e mata. Não se trata, evidentemente, de implantar um utópico socialismo que a todos iguale matematicamente. Isso é utopia impraticável. Os que a procuram, como os petistas e cumpinchas, buscam uma coisa simplesmente: garantir privilégios e tratamento médico de primeiro mundo para eles e suas famílias, em nome do povo que dizem defender. A igualdade que falta é a que aplica a lei indistintamente a todos os cidadãos e a que lhes garante a conquista de meios de vida com que possam fazer frente às suas necessidades básicas, com trabalho justamente remunerado e com atendimento digno para as suas necessidades prementes. 

A igualdade que falta é a decorrente da conquista da riqueza mediante a valorização da livre iniciativa e da formulação de uma carga tributária razoável, que não puna aqueles que produzem riqueza. É a igualdade na liberdade que se observa no Canadá, na Austrália, na França, na Alemanha, na Nova Zelândia, nos Estados Unidos, na Espanha, em Portugal, nos países que conseguiram criar mecanismos de representação que realmente defendem os interesses dos cidadãos, não mecanismos de perpetuação no poder de uma burocracia corrupta. 

Alguns desses países, como os ibéricos, já foram dominados por minorias privilegiadas, em decorrência da tradição patrimonialista em que se inseriram os seus Estados nacionais. Mas estes conseguiram dar a volta por cima. E alguns países latino-americanos, como o Chile, aproximam-se desse ideal, em decorrência das reformas que fizeram para tornar o Estado menos imenso e mais a serviço das suas respectivas sociedades.

Nas reformas que ora estão em andamento no Brasil, a da previdência é essencial. É uma vergonha que 1 milhão de aposentados do setor público custem mais caro (164 bilhões de reais) do que 30 milhões de aposentados do setor privado (150 bilhões de reais). 

A segunda reforma fundamental é a relativa ao fim do foro privilegiado. Entre as mais de 50 mil autoridades com essa sinecura, 79,2% pertencem ao Ministério Público e à Justiça, justamente as duas instâncias da sociedade que deveriam dar exemplo de igualdade de oportunidades para todos os brasileiros. Não se trata de promover uma onda de defenestrações dos funcionários estatutários do Estado, que são necessários. Mas seria de bom alvitre que fossem limitadas tantas vantagens que em frente da penúria da maior parte dos brasileiros, soam como uma provocação e um acinte. 

Exemplos de burocracias eficientes e mais justas não faltam no mundo desenvolvido: observe-se o que se passa com as autoridades da Magistratura nos Estados Unidos, no Canadá e na Dinamarca, por exemplo. Essas autoridades têm estabilidade, são respeitadas, mas jamais ostentam os privilégios de que gozam os nossos Magistrados e aos membros do Ministério Público. Se os altos escalões da burocracia estatal se ajustassem de forma a diminuírem as vantagens de que estão cercados, certamente gozariam de muita maior respeitabilidade no seio da sociedade.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

FRANCISCO JOSÉ DE OLIVEIRA VIANNA (1883-1951) - O HOMEM E A OBRA

Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951)

O pensamento sociológico de Oliveira Vianna constituiu, junto com as propostas estratégicas de Lindolfo Boeckel Collor (1890-1942), o referencial teórico que serviu a Getúlio Vargas para elaborar a sua proposta modernizadora do Estado e da sociedade brasileira, ao longo da década de 30 do século XX. A sociologia de O. Vianna constituiu o marco conceitual que abriu as perspectivas ao jovem deputado Getúlio Vargas, para compreender o alcance nacional da problemática social, superando o vezo provinciano que o jovem castilhista tinha herdado da sua formação no Rio Grande do Sul. Lindolfo Boeckel Collor e Oliveira Vianna representaram, também, o aspecto liberalizante das reformas de Vargas, que encontraram, de outro lado,  elementos definidamente autoritários que influíram de forma marcante nos rumos absolutistas do Estado Novo, proclamado em 1937. Dois desses inspiradores autoritários foram, sem dúvida, Francisco Campos e o general Góes Monteiro, o primeiro admirador do corporativismo de Mussolini e o segundo um castilhista linha dura, que pretendia ver implantada no Brasil, indefinidamente, a ditadura científica comteana.

Oliveira Vianna não foi um observador abstrato da sociedade em que vivia. Participou, como acaba de ser mencionado, do amplo esforço modernizador e centralizador empreendido pelo Estado getuliano. Mas seria injusto reduzir a obra do pensador fluminense a um simples comentário tecido ao redor do élan autoritário da década de trinta. Oliveira Vianna pensou de maneira criativa o autoritarismo e a modernidade do Brasil e fez uma crítica sistemática aos extremos liberal-oitocentista e patriarcal-clânico em que naufragaram as nossas reformas desde o Império. Não se pode captar, de forma adequada, o alcance dos conceitos do sociólogo fluminense, sem atender para a sua metodologia de trabalho e para a sua idéia de cultura. Por isso, deter-me-ei nesses aspectos da sua magna obra, após ter feito a exposição dos principais traços biobibliográficos.

I - ASPECTOS BIO-BIBLIOGRÁFICOS DE OLIVEIRA VIANNA

Francisco José de Oliveira Vianna nasceu em Saquarema, na antiga Província Fluminense, em 20 de julho de 1883, na Fazenda do Rio Seco, e faleceu em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, em 27 de março de 1951. O seu pai, fazendeiro, era a encarnação do paterfamílias. A propósito, frisa o biógrafo de Oliveira Vianna, Vasconcellos Torres: "A incontrastável autoridade do paterfamílias dava tons sublimes ao patriarcado. O núcleo larário tinha muito de templo. Um ambiente doméstico para melhor sobressair a solidariedade. a sociedade era a fazenda, a família e os agregados, cujos interesses fora do círculo parental eram ardorosa e fraternalmente defendidos pelo patrão" [Torres, 1956: 19]. Em que pese a sua natural inclinação pelo estudo da matemática, o jovem Oliveira Vianna viu frustrados os seus planos de ingressar na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Cursou, então, a Faculdade de Direito, tendo-se bacharelado em 1905.  Integrou, a seguir, o corpo docente do Colégio Abílio, de Niterói, como professor de matemática. Já desde os últimos anos de estudos universitários colaborou ativamente no jornalismo: escrevia no Diário Fluminense, no jornal A Capital, e logo em outros como A Imprensa, O Paiz e a Revista do Brasil, de São Paulo. Praticamente não exerceu a profissão de advogado, tendo preferido se dedicar ao estudo dos problemas nacionais.

Através da atividade jornalística entrou em contato com Alberto Torres (1865-1917), de cuja amizade receberá forte impulso e influência intelectual para escrever o seu primeiro livro, Populações meridionais do Brasil - volume I: Populações do Centro-Sul, que terminou em 1918 e publicou em 1920. Em 1916 iniciou o seu trabalho como professor de Teoria e prática do Processo penal, na Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro (depois denominada de Faculdade de Direito de Niterói). Por esse tempo, era forte a influência de Ferri, cuja obra admirava o jovem professor, mais do ponto de vista sociológico do que puramente criminalístico. A partir da publicação do seu primeiro livro em São Paulo, sob os auspícios de Monteiro Lobato (com quem o nosso autor teve grande amizade), tornou-se conhecido a nível nacional e internacional. Sobre o primeiro volume de Populações meridionais do Brasil escreveu o argentino José Ingenieros: "Pelo seu método, pelas suas idéias, pela sua erudição, tem-me parecido uma das obras mais notáveis no gênero que até agora foi escrita na América do Sul".

A intuição em que se baseia Populações meridionais consiste em identificar no latifúndio vicentista as remotas origens patriarcais da organização social brasileira. Esta evoluiria, consoante o nosso autor, no decorrer dos séculos XVIII e XIX, até a consolidação do Estado Nacional no Império e o fortalecimento político das oligarquias regionais na República Velha. Oliveira Vianna dedicou as suas obras sociológicas ao estudo monográfico de aspectos essenciais dessa complexa realidade, nos seguintes livros: O idealismo da Constituição (1920), Pequenos estudos de psicologia social (1921), Evolução do povo brasileiro (1923), O ocaso do Império (1925), Problemas de política objetiva (1930), Formation ethnique du Brésil colonial (1932), Raça e assimilação (1932). Depois da Revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder, Oliveira Vianna tornou-se consultor da Justiça do Trabalho. Graças a essa posição, o nosso autor influiu decisivamente na elaboração da nova legislação sindical e trabalhista. Assinale-se desde logo que a sua influência não foi apenas técnico-jurídica, abrangendo também o campo dos princípios. Como terei oportunidade de destacar mais adiante, Oliveira Vianna considerava o insolidarismo como o traço mais caraterístico dos indivíduos e dos grupos na sociedade brasileira, razão pela qual defendia o papel coactivo e educador do Estado, na formação do que ele chamava de um comportamento culturológico, capaz de se sobrepor ao espírito insolidarista.

Desfrutando de uma situação em que poderia atuar nessa direção, não deixou de faze-lo, como se vê da parcela subsequente da sua obra integrada pelos seguintes livros, que materializam o seu pensamento acerca desse segmento da atuação culturológica: Problemas de direito corporativo (1938), Problemas de direito sindical (1943) e a coletânea de ensaios intitulada Direito do trabalho e democracia social (publicada em 1951). Teve a formação católica de Oliveira Vianna algum peso na elaboração da sua obra no campo do direito do trabalho, como sugere Vasconcellos Torres?  Provavelmente sim, embora de forma mitigada. Amigo de Getúlio Vargas, recebeu dela a indicação para ser ministro do Supremo Tribunal Federal; mas declinou o oferecimento. Alegara razões de idade para se dedicar ao estudo do direito civil e, além disso, manifestara a vontade de voltar aos seus estudos sociológicos. Foi-lhe oferecido então outro importante cargo, o de ministro do Tribunal de Contas da União, em 1940, que o nosso autor aceitou, movido em parte pelo fato de o novo cargo não lhe impedir a dedicação às suas pesquisas sociológicas. De fato, a circunstância permitiu-lhe dar forma acabada à sua meditação, notadamente mediante a complementação de Populações meridionais do Brasil, com a publicação do segundo volume, dedicado ao estudo do campeador rio-grandense. Esta obra foi publicada postumamente em 1952.  Outros escritos do período foram Instituições políticas brasileiras (1949), Problemas de organização e problemas de direção (1952), Introdução à história social da economia pre-capitalista no Brasil (livro publicado postumamente em 1958), História social da economia capitalista no Brasil, História da formação racial do Brasil e Ensaios (reunião de trabalhos esparsos do autor, como opúsculos e publicações em revistas especializadas). As últimas três obras ainda não foram publicadas.

De índole pessoal tímida e pouco inclinada às manifestações públicas, o nosso autor praticamente não saiu da sua terra natal. Além de curtas viagens a São Paulo, a São José dos Campos e às Estâncias hidrominerais de Minas Gerais para tratamento de saúde, não se afastou do Rio e do cenário fluminense. Declinou atenciosamente os convites que lhe foram feitos em várias ocasiões; por Getúlio Vargas em 1928 para pronunciar uma conferência em Porto Alegre; pelo governador gaúcho Flores da Cunha, alguns anos mais tarde; pelo amigo Afranio Peixoto, radicado em São Paulo. Igualmente, recusou o convite que lhe fez o chanceler Oswaldo Aranha, em 1944, para chefiar uma missão de estudos do Itamaraty ao Paraguai.  Oliveira Vianna integrou a Academia Brasileira de Letras. Pertenceu também, como membro correspondente, às seguintes entidades culturais: Instituto Internacional de Antropologia, Sociedade dos Americanistas de Paris, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, Academia Portuguesa de História, União Cultural Universal de Sevilha, Academia de Ciências sociais de Havana, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, etc.

II - BASES GNOSEOLÓGICAS PARA O ESTUDO DA REALIDADE BRASILEIRA

Embora sempre tivesse observado rigorosa fidelidade em face dos conceitos relacionados ao papel e abrangência da sociologia e do direito, muito tardiamente, porém, o ensaista fluminense preocupou-se com uma explicitação sistemática dos mesmos. Apenas em 1949, com a primeira edição de Instituições políticas brasileiras, Oliveira Vianna expôs sistematicamente as que podemos considerar como suas bases gnoseológicas para o estudo da realidade brasileira. Para que o leitor possa apreender de modo pleno esse aspecto de sua meditação, cumpre desdobrá-lo deste modo: 1) o primado da objetividade científica na obra de Oliveira Vianna; 2)  a presença dessa objetividade na própria atividade intelectual do escritor; 3) a perspectiva gnoseológica de Oliveira Vianna: a culturologia do Estado num contexto pluridimensional; 4)  os complexos culturais e a morfologia do Estado, segundo o ensaista fluminense.

1) A questão da objetividade científica. - No prefácio à quarta edição da obra Evolução do povo brasileiro, (cuja primeira edição foi de 1937), Oliveira Vianna reage contra a forma unilinear de entender a evolução das sociedades, como se houvesse leis gerais que a comandassem. Acolhendo os conceitos de Gabriel Tarde, o nosso autor considera que existem múltiplas tendências na evolução das sociedades, e que é impossível reduzi-las a um único esquema. Existe, hoje, à luz das ciências sociais, o heterogêneo social de que fala Gabriel Tarde, contraposto ao homogêneo social de Spencer [cf. Vianna, 1956: 26-27].

No estudo das sociedades podemos encontrar, segundo Oliveira Vianna, multiplicidade de linhas de evolução e de fatores que intervêm nessas linhas. Para essa multiplicidade de tipos - frisa o nosso autor -, para essa variedade de linhas de evolução, para este heterogenismo inicial contribui um formidável complexo de fatores de toda ordem, vindos da Terra, vindos do Homem, vindos da Sociedade, vindos da História: fatores étnicos, fatores econômicos, fatores geográficos, fatores históricos fatores climáticos, que a ciência cada vez mais apura e discrimina, isola e classifica. Estes predominam mais na evolução de tal agregado; aqueles, mais na evolução de outro, mas, qualquer grupo humano é sempre conseqüência da colaboração de todos eles; nenhum há que não seja a resultante da ação de infinitos fatores, vindos, a um tempo, da Terra, do Homem, da sociedade e da História. Todas as teorias, que faziam depender a evolução das sociedades da ação de uma causa única, são hoje teorias abandonadas e peremptas: não há atualmente monocausalismos em ciências sociais".

Entre todos esses fatores e sem pretender ensejar uma explicação monocausalista, Oliveira Vianna considera de alta importância o elemento por ele chamado de ambiente cósmico, ligado basicamente às condições do solo. Acha que em seu tempo prevaleciam em ciências sociais os trabalhos monográficos, que tentam identificar os elementos específicos que intervêm em determinado meio cósmico. Esses trabalhos devem ter como ponto de partida uma única preocupação: conhecermo-nos a nós mesmos, deixando de lado as tentativas de acomodar a nossa realidade a modelos preexistentes.  A respeito, Oliveira Vianna é taxativo em  Evolução do povo brasileiro:  "Desde o momento em que a ciência confessava a sua ilusão e reconhecia que as leis gerais, a que havia chegado, não correspondiam à realidade das formas infinitas da vida, compreendi que a melhor coisa a fazer não era insistir por encerrar a nossa evolução nacional dentro dessas fórmulas vãs ou querer subordinar nosso ritmo evolutivo a um suposto ritmo geral da evolução humana - ao evolucionismo spenceriano, como fez Sílvio Romero, à teoria filogenética de Haeckel como fez Fausto Cardoso, ou à lei dos três estados de Comte, como têm feito os positivistas sistemáticos. Pareceu-me trabalho inútil esforçar-me por descobrir nos acontecimentos da nossa história a revelação dessas leis gerais, de que a própria ciência acabava de instaurar o processo de falência. O mais sábio caminho seria tomar para ponto de partida o nosso povo e estudar-lhe a gênese e as leis da própria evolução. Se estas coincidissem com as supostas leis gerais, tanto melhor para a ciência e para nós; se não, ficaríamos, pelo menos, conhecendo-nos a nós mesmos -  o que já seria alguma coisa, porque valeria o consolo de estarmos com a sabedoria dos antigos" [Vianna,  1956: 37].

Só assim, renunciando de início a qualquer esquematismo preestabelecido, é possível contribuir para a ciência social e para a materialização de uma política orgânica. Unicamente a história (e Oliveira Vianna segue aqui o pensamento de Ranke e de Mommsen) é capaz de nos ajudar a reconstruir as diversas fases evolutivas de um povo determinado, chegando assim a desvendar o seu modo de ser próprio. A preservação dos valores da Civilização do Ocidente no nosso meio dependeria desse trabalho de pesquisa histórica. Referindo-se aos nossos velhos historiadores, Oliveira Vianna salienta que lhes faltam dois elementos essenciais: o povo, que ele chama de massa humana e o meio cósmico. Eis as suas palavras a respeito: "Duas coisas, realmente, não aparecem nas obras dos nossos velhos historiadores senão furtivamente e a medo, duas coisas sem as quais a história se torna defectiva e parcial. A primeira é o povo, a massa humana sobre que atuam os criadores aparentes da história: vice-reis, governadores gerais, tenentes-generais, funcionários de graduação, diretamente despachados da metrópole. A segunda é o meio cósmico, o ambiente físico em que todos se movem, o povo e os seus dirigentes, e onde um e outros haurem o ar que respiram e o alento que lhes nutre as células, e que age como o seu relevo, a sua estrutura, o seu subsolo, a sua hidrografia, a sua flora, a sua fauna, o seu clima, as suas correntes atmosféricas e as suas intempéries. Tudo isto influi, tudo isto atua, tudo isto determina as ações dos homens na vida cotidiana - e, entretanto, nada disto parece se refletir na explicação da nossa gente" [Vianna, 1956: 48].

Oliveira Vianna afirma que nesse trabalho de pesquisa sobre a nossa gente, inspira-se no mesmo espírito de objetividade e imparcialidade com que os técnicos agrícolas estudam, por exemplo, os problemas do café. A respeito, escreve: "Estudando as nossas realidades históricas e sociais, o nosso povo, a sua estrutura, a sua psicologia, e a vida, a estrutura e a psicologia dos grupos regionais, que o compõem, faço-o com o mesmo espírito de objetividade e a mesma imparcialidade com que os técnicos do Serviço de Defesa Agrícola estão agora estudando a praga vermelha dos cafezais da Paraíba ou os sábios de Manguinhos estudaram, entre as populações do planalto e da costa, a função patogênica do necator americanus (...). O meu grande, o meu principal empenho é surpreender o Homem, criador da história, no seu meio social e no seu meio físico, movendo-se e vivendo neles, como o peixe no seu meio líquido" [Vianna, 1956: 50].

Essa preocupação com a objetividade científica, comprometida com a observação paciente de todos os detalhes do fenômeno social, tentando chegar a categorias que expressem aquela realidade, faz-se presente em todas as obras de Oliveira Vianna. Mesmo em pontos altamente discutidos e discutíveis - como na questão da superioridade organizacional da raça ariana -  não podemos deixar de reconhecer um grande esforço de observação da realidade social. Ao expor, por exemplo, a progressiva arianização da população brasileira, o autor procura alicerçar todas as suas afirmações em dados estatísticos, hauridos dos recenseamentos oficiais [cf. Vianna, 1938: 127-165; 1956: 186-191]. E não deixa de reconhecer, com inegável sensibilidade de cientista, o caráter hipotético das suas afirmações, abertas sempre à discussão pela comunidade científica e ao confronto com a realidade [Cf. Vianna, 1956: 5-6].

2) Testemunhos biográficos. - Essa preocupação pela objetividade condicionou, aliás, a metodologia de trabalho do nosso autor. Segundo testemunho de seu biógrafo, Vasconcellos Torres, o sociólogo fluminense tinha uma definida disciplina intelectual: "Quem visse as pequeninas folhas de seu fichário, fichário no sentido de coleção porque as suas notas eram apenas amarradas num barbante e separadas por assunto, não suspeitaria que, na aparente desorganização com que se apresentava, possuíam extraordinária unidade. Ele sabia encontrá-las no instante preciso. De ver o carinho que nutria por esses papagaios, como os denominava. Quando começava a escrever o livro, a atividade era febricitante e ininterrupta. Na segunda leitura dos originais incluía ou retirava trechos e, digno de referência, era a papelada, um pedaço menos para outro duas vezes maior que uma folha de almaço, colada e com tiras laterais que mais pareciam serpentinas. A datilografia não representava o fim. O processo continuava. (...). De quando em quando examinava recortes de jornais que lhe interessavam, beneditinamente conservados numa pasta" [Torres, 1956: 79-80].

O autor de Populações meridionais não escrevia por escrever. Amadurecia pausadamente uma idéia, até que a encontrava suficientemente clara para divulgá-la. A carta que endereçou ao chanceler Oswaldo Aranha em 1944, recusando o convite que lhe formulara para chefiar uma missão do Itamaraty no Paraguai é bem significativa, porque revela, numa confissão autobiográfica, a medida do seu compromisso como intelectual: "O apelo de V. Exa. me encontra no momento justo, exato de um verdadeiro demarage literário: o do recomeço da elaboração de uma obra, cuja conclusão há pouco mais de dez anos fui forçado a interromper e que por sua vez representa o labor de vinte anos de intensas leituras e penosas pesquisas arquivais sobre o Brasil. São nada menos que quatro volumes, já compostos, embora em escorço grosseiro e despolido (...). Estes quatro volumes eu os havia composto no período que vai de 1924 a 1932, depois de ter concluído o primeiro das Populações meridionais e a Evolução do povo brasileiro (...). Não se admire, meu caro chanceler de ter eu tantos livros no estaleiro, elaborados, mas inéditos. É isto conseqüência do meu método um tanto extravagante de trabalho: planejando o livro, escrevo-o logo (...), sem lavor literário (...); feito isto guardo-o; e só depois de vários anos é que o retomo para os trabalhos definitivos de refusão, atualização e polimento" [apud Torres, 1956: 80].

Hélio Palmier, o último secretário particular de Oliveira Vianna, deu o seguinte testemunho acerca da rigorosa disciplina científica do mestre: "Seu método de trabalho era uma prova da sua probidade intelectual. Confessou-me, certa vez, jamais ter idéia preconcebida de escrever um livro. Anotava fatos ou observações em pequenos pedaços de papel - papagaios chamava-os -  reunia-os, depois de certo tempo, e, verificando a interrelação dos fenômenos observados, deduzia fatos, estabelecia leis, e só então ia  procurar os livros dos estudiosos  -  dos sabidos, como dizia. Ditava-me, então, os originais. Recebendo-os de volta, datilografados, na ânsia da perfeição recortava-os, emendava-os ou inutilizava-os, mandando-me fazê-los de novo; e repetia essa operação várias vezes. Elaborado o livro guardava-o, para, mais tarde, anos depois verificar se os fatos estavam a confirmar as suas teses. Caso contrário, eliminava, sumariamente, os pontos falhos. Na revisão das provas tipográficas, ainda não satisfeito, fazia alterações, acrescentava frases, suprimia parágrafos" [apud Torres, 1956: 80].

3) Perspectiva gnoseológica de Oliveira Vianna: a culturologia do Estado num contexto poliédrico ou pluridimensional. - Em Instituições políticas brasileiras Oliveira Vianna firma o que pode ser chamado de bases gnoseológicas para o estudo da sociedade brasileira. O autor salienta, em primeiro lugar, a presença do direito costumeiro do povo-massa. direito que é geralmente desconhecido pelos legisladores. A respeito, frisa: "Há, por exemplo, um largo setor do nosso direito privado que é inteiramente costumeiro, de pura criação popular, mas que é obedecido como se fosse um direito codificado e sancionado pelo Estado. Quero me referir ao direito que chamo esportivo e que só agora começa a ser anexado pelo Estado e reconhecido por lei. Este direito (...) organizou instituições suas, peculiares, que velam pela regularidade e exação dos seus preceitos. Tem uma organização também própria de Clubes, Sindicatos, Federações, Confederações, cada qual com administração regular (...) e um Código Penal seu (...). Direito vivo, pois. Dominados pela preocupação do direito escrito e não vendo nada mais além da lei, os nossos juristas esquecem este vasto submundo do direito costumeiro do nosso povo (...)" [Vianna, 1974: I, 22-23]. Logo a seguir, na mesma obra, o nosso autor aponta uma outra manifestação desse direito costumeiro. Trata-se do que ele chama de direito social operário, que é caracterizado nos seguintes termos: "Todo um complexo de normas e regras (...), objetivado em usos, tradições, praxes, costumes, mesmo instituições administrativas oficiosas. Era todo um vasto sistema, que regulava as atividades (...), a vida produtiva de milhões de brasileiros, mas cuja existência os nossos legisladores não haviam sequer pressuposto. Sistema orgânico de normas fluidas, ainda não cristalizadas ou ossificadas em códigos; mas, todas provindas da capacidade criadora e da espontaneidade organizadora do nosso próprio povo-massa, na sua mais autêntica expressão" [Vianna, 1974: I, 27].

Exemplo desse direito social operário costumeiro seria o conjunto de normas práticas que nortearam, ao longo de quatro séculos, o trabalho marítimo e da estiva. Indica que os técnicos do Ministério do Trabalho, respeitando as tendências do povo massa, com muito bom senso simplesmente incorporaram esse direito ao texto legal. Acha ainda que preocupação idêntica orientou os técnicos do Ministério na elaboração da legislação sindical, embora não pretenda negar a inspiração forânea.  Tema predileto do pensador fluminense seria justamente a afirmativa de que direito semelhante do nosso povo-massa vingou no terreno constitucional. Ignorando que o nosso povo sempre teve o seu direito público próprio, costumeiro, a elite intelectual elaborou outro direito, teórico, que sempre entrou em atrito com o primeiro. Oliveira Vianna sintetiza assim os traços fundamentais desse direito público do povo-massa: "1) Na vida política do nosso povo, há um direito público elaborado pelas elites e que se acha concretizado na Constituição. 2)  Este direito público elaborado pelas elites, está em divergência com o direito público elaborado pelo povo-massa e, no conflito aberto por esta divergência, é o direito do povo-massa que tem prevalecido praticamente. 3) Toda a dramaticidade da nossa história política está no esforço improfícuo das elites para obrigar o povo-massa a praticar este direito por elas elaborado, mas que o povo-massa desconhece e que se recusa a obedecer" [Vianna, 1974: I, 27].
E conclui assim, ligando a problemática política à mais ampla problemática do comportamento humano e da cultura, e assinalando o papel que corresponde a ele, como cientista social, nesse contexto: "O meu objetivo será, pois, (...) estudar o nosso direito público e constitucional exclusivamente à luz dos modernos critérios da ciência jurídica e da ciência política: isto é, como um fato de comportamento humano. Dentro desse critério, os problemas de reformas de regime, convertem-se em problemas de mudança de comportamento coletivo, imposto ao povo-massa; portanto em problemas de cultura e de culturologia aplicada".

Na linha de Ralph Linton, Donald Pierson, Baldus e Willems, Oliveira Vianna entende o termo cultura no sentido originário da palavra alemã Kultur, que os ingleses traduziram como culture e que a escola sociológica francesa entendeu como ethnographie. Esse termo refere-se ao meio social ou à formação social. O ensaista fluminense esclarece que só passou a utilizar esse termo na última parte da sua obra (a partir de Instituições políticas brasileiras, que data de 1949) e explica assim a razão desse atraso: "É que, dominado, literariamente, pela preocupação do lucidus ordo cartesiano, sempre fugi, por sistema, nos meus escritos, às expressões demasiadamente técnicas, só acessíveis a mestres, a profissionais ou a iniciados, ou ainda não incorporadas àquela língua franca da ciência, de que nos fala Linton". Mas esclarece que passa a usar o termo cultura na acepção acima indicada, levando em consideração que em língua portuguesa já se encontra uma bibliografia suficiente para a correta interpretação sociológica do mesmo. Oliveira Vianna menciona a obra: Introdução à antropologia social de Ralph Linton, bem como o Dicionário de etnologia e sociologia de Baldus e Willems, a revista paulista Sociologia e a obra Teoria e pesquisa em sociologia de Donald Pierson. (Convém esclarecer que o livro de Ralph Linton foi traduzido por Lavínia Vilela em São Paulo, em 1934, ao passo que a obra de Baldus e Willems foi publicado na mesma cidade em 1939, ano em que apareceu também em São Paulo a obra de Pierson). O sociólogo fluminense alerta, contudo, para o perigo de utilizar o termo cultura fora do sentido sociológico, como cultura intelectual, salientando que essa foi a dificuldade enfrentada por Fernando de Azevedo na sua obra intitulada A cultura brasileira.

Quanto à culturologia do Estado, especificamente, Oliveira Vianna frisa que esse é o aspecto que mais lhe interessa e que pretende ter desenvolvido na maior parte das suas obras, desde Populações meridionais do Brasil (1920) até Instituições políticas brasileiras (1949); trata-se, portanto, do que poderiamos chamar de objeto formal da sua sociologia, o aspecto específico sob o qual o pesquisador fluminense estuda a realidade brasileira.  A culturologia do Estado, salienta Oliveira Vianna, é especialidade assaz descuidada por parte dos etnólogos. Confessa ter encontrado alguma coisa sobre esse tema na Social anthropology de Radin, nos Principles of Anthropology de Carleton Coon e Chapple e na obra clássica de Goldenweiser. Contudo, frisa o nosso autor, "foram os franceses e não os americanos que me deram as melhores sugestões sobre este ponto, e o livro de Moret e Davy, Des clans aux empires (Paris, 1932) é o mais sugestivo trabalho que conheço sobre a genética do Estado". Em que pese o fato de Oliveira Vianna ter lido a obra de Max Weber [cf. Vianna, 1974: I, 93, 95, 114-115, 123-124, 291], não chega a se interessar, contudo, pelo estudo que o sociólogo alemão faz do Patrimonialismo, (tipologia que teria, aliás, encaixado perfeitamente nas categorias telúricas do nosso autor). Weber interessa a Oliveira Vianna sob dois aspectos especificamente: no estudo das comunidades de aldeia na Europa feudal, e na análise do oikós do faraó, que o ensaista fluminense achava muito semelhante à autarquia econômica materializada no engenho real descrito por Antonil. Talvez o nosso autor achasse a categoria do Patrimonialismo weberiano alheia ao contexto americano, levando em consideração o fato de o sociólogo alemão ilustrar esse tipo ideal a partir das sociedades antigas, como a chinesa ou a egípcia. A aplicação mais larga do conceito de Patrimonialismo, de modo a situar nele o absolutismo ibérico pós-feudal seria feita muito posteriormente na análise de Wittfogel (Oriental despotism, Yale University Press, 1957).

Analisando as relações entre direito, cultura e comportamento social, Oliveira Vianna lembra que dos métodos enumerados por Jacobsen como utilizáveis no estudo da ciência política, do direito público e das instituições do Estado (histórico, comparativo, filosófico, experimental, biológico, psicológico e legístico), só apenas um tem sido aplicado no Brasil: o legístico, que "vê a sociedade política apenas como uma coleção de direitos e obrigações expressos em lei e tende a não levar em conta as forças sociais e extralegais, sem as quais, entretanto, não seria possível nenhuma explicação que corresponda aos fatos da vida do Estado" [Vianna, 1974: I, 33-34]. Quanto ao moderno método científico ou sociológico, que se caracteriza pela objetividade dos seus critérios, Oliveira Vianna supõe que em geral os nossos juristas o consideraram sempre como uma impertinência, continuando fiéis à metodologia de Rui Barbosa. O pioneirismo nesse campo é representado por Alberto Torres, Sílvio Romero, Euclides da Cunha e por ele mesmo. A respeito, o nosso autor escreve: "O segundo tipo de estudos - do direito como costume ou cultura -  tem o seu primeiro padrão nos ensaios de Torres, começando com a pioneiragem de Sílvio e Euclides. Depois, no estudo sistemático e rigorosamente científico que, nos meus livros, venho fazendo da história e da sociologia das nossas instituições políticas e partidárias".  Informa ter sido Sílvio Romero quem primeiro o influenciou desde 1900, quando ainda era estudante. O elemento mais importante dessa influência foi a revelação da escola lepleyana, cujo critério monográfico Oliveira Vianna achou então o mais apropriado para o estudo do povo brasileiro. O ulterior encontro com Alberto Torres (em 1914), quando o nosso autor já era bacharel em Direito, bem como o estudo dos sociólogos americanos e franceses, vieram aprofundar a herança recebida de Sílvio Romero e Euclides da Cunha.

Para Oliveira Vianna é um fato que o método sociológico se aplica, cada vez com maior intensidade, ao campo do direito. A grande preocupação é com a objetividade, que ele entende assim: "Objetividade - eis o caráter que distingue esta fase moderna da ciência do direito, esta nova metodologia, esta nova atitude dos espíritos em face do fenômeno jurídico. Estudar a vida do direito criminal, do direito internacional com a mesma objetividade com que Lévy-Bruhl estudou as funções mentais nas sociedades primitivas, ou Radcliffe-Brown os ritos mágicos dos indígenas das Ilhas Adaman, ou Malinowski a vida dos insulares da Melanésia - eis o ideal do moderno estudo do direito como ciência social, seja o Direito Privado, seja o Direito Público" [Vianna, 1974: I, 35]. A seu ver, nesse esforço de aplicação do método sociológico ao direito, têm sido de grande valor os trabalhos da Escola de Direito Comparado de Lyon sob a direção de Eduardo Lambert, bem como a contribuição da Nova Escola Americana de Jurisprudência (Holmes, Roscoe Pound, Benjamin Nathan Cardozo, Brandeis, Karl Llewellyn, Felix Frankfurter, Huntington Cairns, Max Radin, Jerôme Frank, etc.). Considera que a influência das ciências sociais (principalmente da psicologia social, da etnografia, da economia política, da antropogeografia, da culturologia) sobre o direito, tem contribuído para que esta disciplina se liberte progressivamente dos seus elementos apriorísticos e se torne uma autêntica ciência social, cada vez mais objetiva.

Como fazer - pergunta o nosso autor -   um estudo do direito que possa ter peso científico? A resposta é simples: referindo-o aos comportamentos sociais. Isso porque (e aqui Oliveira Vianna segue o pensamento de Huntington Cairns na obra The Theory of legal science, publicada em 1941), as ciências sociais podem ser definidas como um tipo de conhecimento que tem como objetivo "o estudo do comportamento humano, tal como se manifesta em ações na sociedade". Se a base da cientificidade do direito é o comportamento social, conclui que ela será constituída não pelo direito escrito - como se considerou no Brasil -  mas pelo direito costumeiro. A conseqüência que Oliveira Vianna tira dessa premissa é clara: no povo-massa reside a base objetiva da cientificidade do direito, por ser ele a fonte do direito público costumeiro. E conclui: "Em vez de um problema de hermenêutica constitucional, torna-se, assim, o estudo do nosso direito público e constitucional um problema de culturologia aplicada". Esta conclusão implica na realização de um aprofundamento no sentido da cultura e da sua influência como força determinante dos comportamentos individuais. A respeito deste ponto, o nosso autor critica, em primeiro lugar, o panculturalismo de Spengler, Schmidt e Frobenius, por se tratar de uma reação extremada contra o biologismo unilateralista, que reduzia a sociedade a um agregado de indivíduos. Oliveira Vianna critica a concepção panculturalista, em decorrência da concepção determinística do homem que a empolga. A respeito, frisa:  "Para os culturalistas há então, na Cultura, uma virtualidade própria - mística ou mágica, como quer que seja - que anula qualquer ação em contrário do Homem, reduzido assim à condição de homúnculo ou menos do que isto. Mesmo que este homem seja um grande homem” [Vianna, 1974: I, 44].

Esse vício determinístico do panculturalismo provém do fato de considerar a cultura como exterior ao homem. Esse extremo corresponde, no entanto, a uma primeira fase da teoria culturalista. Entende que essa concepção, fundada na suposição de que a cultura transcende ao homem, teria sido substituída por uma visão que o nosso autor chama de imanência da cultura. Em relação a este ponto escreve: "É que (as ciências sociais) acabaram encontrando a cultura dentro do próprio homem e, portanto, imanente ao homem". Oliveira Vianna cita a este respeito um texto de A. Kardiner, que exprime claramente a idéia de imanência: "Temos que reconhecer, porém, que o indivíduo é o portador das instituições e o meio através do qual elas se perpetuam. A cultura, que não é mais do que uma abstração do observador, existe unicamente nas psiques dos indivíduos que compõem a sociedade. As características do homem, que tornam possível a cultura, constituem os objetos supremos do estudo". Assim, as ciências têm mostrado que toda cultura se dá num contexto de reflexos condicionados por vários fatores, de forma tal que ela também está dentro de nós. A conclusão seria que a cultura, entendida desta forma ampliada, reconhecendo a existência independente da psique e da estrutura física dos indivíduos, não os aniquila, mas preserva, pelo contrário, a sua criatividade.  As modernas pesquisas de cientistas como Malinowski, Mac Iver e outros, teriam demonstrado claramente as falhas do panculturalismo: estudando sociedades primitivas, tais pesquisas chegaram à conclusão de que as normas culturais vigentes em determinado meio têm um valor relativo quanto ao modo de sua execução. O qual demonstra a insuficiência do contexto dado pela cultura, para explicar, de forma exclusiva e sem recorrer a fatores diferentes, as variações de comportamento em relação à norma preestabelecida (culturalmente).

Oliveira Vianna expressa deste modo a sua divergência com os seguidores americanos do panculturalismo: "O meu ponto de divergência com os antropologistas da escola culturalista, Boas e seus seguidores, é que eles consideram a cultura como um sistema social que encontra explicação em si mesmo, ao passo que eu, embora aceite a concepção central da etnologia americana  - do regionalismo das áreas de cultura -  contudo,  não aceito o panculturalismo desta escola, que quer tudo explicar em termos de cultura, até os fenômenos fisiológicos, e se recusa a fazer intervir, na formação e evolução das sociedades e da civilização, os fatores biológicos, negando qualquer influência ao indivíduo ou à raça e à sua poderosa hereditariedade". Na base da crítica do nosso autor está a firme convicção, repetidas vezes afirmada, "da importância que na elaboração das culturas e dos seus destinos, tem o homem, o seu temperamento, as suas idiossincrasias pessoais - o poliedrismo da sua personalidade" [Vianna, 1974: I, 57]. Em que pese as críticas feitas ao panculturalismo, Oliveira Vianna não deixa de reconhecer um alto valor heurístico à escola culturalista, quando desprovida dessa metafísica sócio-vitalista, que faz da cultura entelechia responsável por tudo quanto acontece nas sociedades. Justamente na medida em que um cientista como Ralph Linton consegue relativizar em alguma medida a função cultural, nos seus estudos sobre as relações entre personalidade e cultura é dada a esta variável a sua adequada dimensão, apesar da originária inspiração desse autor na escola culturalista. As possibilidades desta escola, aliás, estão chegando aos seus limites, afirma Oliveira Vianna. Pode-se fazer hoje a previsão de que "não está muito longe o dia em que a sociologia terá de reconhecer - na gênese das culturas e nas transformações das sociedades -   não apenas o papel da hereditariedade individual e do grande homem, mas mesmo o papel da raça. Na verdade, tudo parece afluir para uma grande síntese conciliadora (...).  O certo, porém, é que passou definitivamente a época dos exclusivismos monocausalistas" [Vianna, 1974: I, 70-71].

Em que termos se efetivaria essa síntese conciliadora? O nosso autor assim explica esse processo: "Em suma, o quadro clássico dos fatores da Civilização e da História se está restaurando. Em vez de uma causa única - meio só (Buckle), ou raça só (Lapouge), ou cultura só (Spengler, Frobenius, Boas) -  a ciência confessa que tudo se encaminha para uma explicação múltipla, eclética, conciliadora: Raça + Meio + Cultura. Com estes elementos é que ela está recompondo o quadro moderno dos fatores de Civilização". Quanto ao tipo em que se inspira esta posição, Oliveira Vianna frisa: "É o que esperamos do trabalho científico feito sob a inspiração daquela integralist sociology, de que nos fala Sorokin e que concebe a realidade social como um complexo multifário (a complex manifold)".  À luz dessa perspectiva conciliadora, ou melhor, segundo os termos usados pelo próprio autor, poliédrica, Oliveira Vianna entende a totalidade da sua obra como um esforço para aproximar-se desse grupo de fatores (Raça, Meio, Cultura), fazendo recair a ênfase em algum deles. Daí o caráter monográfico da sua obra. A respeito, afirma: "Nos meus livros anteriores, (...) tenho investigado todos esses grupos de fatores da nossa formação e da nossa evolução histórica e social: o meio antropogeográfico (clima e solo), os fatores biológicos e heredológicos (linhagem e raça) e os fatores sociais (cultura), embora com outra tecnologia. Retomo agora (em Instituições políticas brasileiras), depois de dez anos de forçada interrupção, estes meus estudos sobre a nossa formação social (...). Por agora, irei investigar neste volume, e de forma monográfica e especializada, unicamente o papel da cultura na formação da nossa sociedade política e na evolução e funcionamento do Estado no Brasil" [Vianna, 1974: I, 71-72]. O nosso autor conclui assim, salientando o caráter multidimensional da sua pesquisa: "É claro que, estudando a cultura, não irei estudá-la apenas no seu aspecto puramente geográfico, como é dos estilos; mas também (enquanto é) um complicado e delicado mecanismo que as sociedades humanas constróem, sob o condicionamento do Meio e da História, para selecionar, distribuir e classificar os valores humanos, gerados em seu seio pelas matrizes biológicas da Linhagem e da Raça". 

4) Complexos culturais e morfologia do Estado. - Estes dois elementos formam parte, também, do quadro gnoseológico de Oliveira Vianna. Sem caracterizarmos o conteúdo de ambos os conceitos, não poderíamos proceder a uma interpretação do pensamento do sociólogo fluminense. Quanto ao conceito de complexo cultural, Oliveira Vianna frisa: "O complexo representa um conjunto objetivo de fatos, signos ou objetos, que, encadeados num sistema, se correlacionam a idéias, sentimentos, crenças e atos correspondentes. (...). É toda uma multidão de fatos, objetos, signos, utensílios, etc., que se prendem a usos, costumes, tradições, crenças, artes, técnicas, que, por sua vez, se prendem igualmente a idéias, sentimentos, condutas, tudo correlacionado com estes tópicos peculiares da atividade econômica: - e cada um destes tópicos forma um complexo" [Vianna, 1974: I, 74].

Em todo complexo cultural encontramos dois tipos de elementos: externos ou objetivos (fatos, coisas, signos, tradições), e internos ou subjetivos (sentimentos, idéias, emoções, julgamentos de valor, etc.).  Os primeiros constituem os chamados elementos transcendentes da cultura, ao passo que os segundos são os seus elementos imanentes. A interrelação desses dois grupos de elementos é complexa. Oliveira Vianna a explica assim:  "Estes elementos conjugados ou associados formam um sistema articulado, onde vemos objetos ou fatos de ordem material, associados a reflexos condicionados, com os correspondentes sentimentos e idéias. Estes elementos penetram o homem, instalam-se mesmo dentro da sua fisiologia: e fazem-se enervação, sensibilidade, emoção, memória, volição, motricidade. Os quadros mentais do indivíduo se constituem de acordo com estes complexos: estes lhes dão das coisas e do mundo uma representação coletiva, como dizia Durkheim. Tanto que já se começa a lançar os fundamentos de uma nova especialização científica: a sociologia do conhecimento de que a obra de Mannheim é, decerto, um belo exemplo". Do ponto de vista psicológico, portanto, um complexo cultural é um sistema idéio-afetivo, do qual se derivam atitudes ou comportamentos com projeção social, numa sincronia de sensibilidades, emoções, sentimentos, preconceitos, preferências, repulsões, julgamentos de valor, deliberações, atos omissivos ou comissivos de conduta. O nosso autor chama a atenção para um fato importante: quando se pretende mudar um determinado complexo cultural a nível exclusivamente objetivo ou transcendente (promulgando, por exemplo, uma nova constituição em nome de Deus ou do povo), as possibilidades de sucesso de tal mudança são mínimas, pois a ela opor-se-á o elemento subjetivo ou imanente (sentimentos, crenças, preconceitos, praxes seculares dessa comunidade humana). Porisso, salienta Oliveira Vianna, têm fracassado tantas reformas no nosso meio latino-americano: porque os reformadores, imbuídos de espírito legalista, acham que mudando as leis vão mudar os hábitos da população, que permanece sempre alheia ao formalismo externo. Oliveira Vianna endossa a afirmação de Jung de que os traços culturais imanentes se transmitem pelo inconsciente coletivo, e "tudo é como se eles se imprimissem ou se contivessem nos genes das próprias raças formadoras". 

Quanto à morfologia do Estado, Oliveira Vianna identifica quatro tipos: Estado-aldeia, Estado-cidade, Estado-império e Estado-nação. Faz uma detalhada análise do primeiro tipo, ilustrando especialmente o funcionamento das aldeias hidráulicas da Península Ibérica (seguindo a terminologia de Maurice Aymard), de acordo à exposição feita por Joaquim Costa na obra Colectivismo agrario en España. O nosso autor, contudo, considera isoladamente estas comunidades reduzidas, supondo-as verdadeiras democracias telúricas, sem enxergar o contexto mais largo do despotismo hidráulico que vingou na Península Ibérica durante a ocupação sarracena. Registra, é certo, as dificuldades enfrentadas por essas comunidades de aldeia, quando se defrontaram com o absolutismo pós-feudal, não só na Península Ibérica, mas também no resto da Europa. A impressão que se tem ao ler a morfologia do Estado elaborada por Oliveira Vianna, é que ele desconhece o fenômeno do feudalismo em toda a sua profundidade, especialmente no relacionado à passagem da organização feudal à moderna realidade do Estado. Não estabelece - ao contrário de Weber -  uma diferenciação de tendências nesse surgimento do Estado moderno. Porisso, junta sem maior preocupação os Estados em que vingou a formação de tipo patrimonial aos Estados em que o poder patrimonial do monarca foi controlado, tendo surgido instituições de governo representativo. O seguinte trecho de Oliveira Vianna, referido indistintamente a todos os países da Europa, exprime de forma clara essa confusão: "Estes grandes Estados imperiais não se assentavam, porém, sobre bases democráticas - ao modo dos Estados-aldeias ou dos Estados-cidades das épocas anteriores. Neles, o soberano não era o povo, como havia sido antes e como veio a ser depois; mas, o Rei. Este Rei tinha um caráter místico ou religioso nos predicamentos da sua investidura: era um soberano carismático; quer dizer:  por sua graça divina. Deus o havendo escolhido e consagrado para esta missão, era em nome de Deus que ele, Rei,  governava os povos. Por força desta designação divina é que ele exercia os poderes do Estado: o Poder Executivo, o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. (...). Em síntese: O Estado-império que governou e administrou a Europa até a Revolução Francesa, era uma organização de estrutura nitidamente aristocrática. O Rei, soberano por graça de Deus, dirigia a Nação e a administrava, rodeado de uma casta nobre e privilegiada, com direito de exclusividade ao exercício do governo e de todos os cargos públicos. Esta nobreza irradiava das Cortes e dos bastidores palacianos para todos os postos administrativos das Províncias e dos Municípios, bem como para as longínquas colônias d'além-mar, integrantes do Império. E foi o que ocorreu aqui durante o período colonial (1500-1822)" [Vianna, 1974: I, 104-106].

O nosso autor ignora aqui a Revolução Gloriosa (1688) que ensejou, na Inglaterra, o primeiro ensaio sistemático de governo representativo e deu origem à monarquia constitucional. Esta experiência, e não a Revolução Francesa, foi, certamente, o núcleo de inspiração da filosofia política liberal. E constituiu a primeira tentativa bem-sucedida de pôr um freio ao fortalecimento do Estado Patrimonial. Oliveira Vianna identifica como primeiro Estado-nação a França. Tal Estado, para ele, é de origem muito recente. A respeito, frisa: "O mundo civilizado só o viu aparecer depois da Revolução Francesa, com o reconhecimento do princípio da soberania do povo e o advento das democracias européias". A limitação da perspectiva escolhida por Oliveira Vianna na sua análise do Estado moderno, condicionou o seu estudo sobre a realidade brasileira. Ao passo que valoriza a democracia como um desejo da Nação, no momento da escolha de alternativas concretas para materializar esse ideal, o sociólogo fluminense voltar-se-á para os exemplos em que, no seu sentir, materializou-se realmente a democracia: O Estado-aldeia e o Estado-cidade da Antigüidade. A sua visão do Estado moderno terminou sendo polarizada por uma das formas que este assumiu historicamente: o Estado Patrimonial.

Conclusão. - Apesar das deficiências teóricas que afetam a análise de Oliveira Vianna sobre o Estado Moderno, uma coisa é certa: o pensador fluminense rejeita e supera definitivamente o monocausalismo sociológico que vingou nas diversas teorias de inspiração cientificista acerca da formação social brasileira, ao longo do século XIX e ainda no século XX. Um outro mérito inegável é a rica tipologia sociológica com que soube ilustrar a organização política do Brasil, desde a Colônia até o século XX. Ninguém que pretenda fazer um estudo sério sobre a evolução sócio-política brasileira, poderá se dar ao luxo de ignorar conceitos básicos da sociologia de Oliveira Vianna, tais como os de povo-massa, homens de mil, clã parental, clã político, clã eleitoral, solidariedade de família senhorial, responsabilidade coletiva familiar, sinecurismo parlamentar, burocratismo orçamentívoro, etc. Justamente o espírito científico do pensador fluminense se revela no rigor metodológico por ele seguido no processo de formulação dos conceitos sociológicos, extraídos, como vimos, de uma rigorosa observação dos fatos sociais e do confronto com os dados da experiência. Tendência salutar, hoje mais do que nunca extremamente necessária, em face da perniciosa ideologização das ciências sociais.

Por todos esses motivos, mas principalmente pelo fato de ter inserido a sociologia brasileira na rica corrente do culturalismo sociológico, prolongando a tendência ensejada por Sílvio Romero e continuada por Alcides Bezerra, a figura de Oliveira Vianna é sem dúvida pioneira no hodierno pensamento social e político brasileiro. Nada mais justo para lembrar os 134 anos do seu nascimento do que recordar, como acaba de ser feito, os traços marcantes da idéia de cultura de Oliveira Vianna aplicada ao estudo do Estado.

BIBLIOGRAFIA

TORRES, Vasconcellos [1956]. Oliveira Vianna, sua vida e sua posição nos estudos brasileiros de sociologia. Rio de Janeiro / São Paulo: Freitas Bastos.  

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1997]. Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado Brasileiro. (Apresentação de Antônio Paim). Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1930]. Problemas de política objetiva. 1ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1932]. Formation éthnique du Brésil colonial. Paris.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1938]. Problemas de direito corporativo. Rio de Janeiro: José Olympio.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1938]. Raça e assimilação.  3ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1939]. As novas diretrizes da política social. Rio de Janeiro: Serviço de Estatística e Previdência do Trabalho.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1951]. Direito do trabalho e democracia social: o problema da incorporação do trabalhador no Estado. Rio de Janeiro: José Olympio.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1952]. Problemas de organização e problemas de direção: o povo e o governo. 1ª edição, Rio de Janeiro: José Olympio.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1956]. Evolução do povo brasileiro. 4ª edição, Rio de Janeiro: José Olympio.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1958]. Introdução à história social da economia pré-capitalista no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1973]. Populações meridionais do Brasil - volume I: Populações rurais do Centro-Sul. 6ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1974]. Instituições políticas brasileiras. 3ª edição. Rio de Janeiro: Record. 2 Volumes.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1987]. História social da economia capitalista no Brasil. (Apresentação e organização de Antônio Paim). Belo Horizonte: Itatiaia; Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2 volumes.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1987]. Populações meridionais do Brasil. - 1º volume: Populações rurais do Centro-Sul; 2º volume: O campeador Rio-Grandense.  3ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia; Niterói: Universidade Federal Fluminense.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1991]. Ensaios Inéditos: reunião de trabalhos esparsos, opúsculos e publicações em jornais e revistas especializadas. (Apresentação de Marcos Almir Madeira). Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.

(Este ensaio foi publicado no Portal "Ensaio Hispânico", criado pelo professor Dr. José Luis Gómez Martínez da Universidade da Geórgia).

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

LULA E BOLSONARO

Meus amigos, fico perplexo pelo fato de algumas pesquisas de opinião darem preferência ao Lula nestes tempos bicudos em que estamos pagando as contas deixadas penduradas nos nossos bolsos por obra e graça do populismo lulista.. Ora, bolas. Ele já mostrou sobejamente a que veio. Lula é, como frisa conhecido sociólogo francês, o professor Taguieff, "um populista cínico". Como populista, fala o que as pessoas iludidas querem ouvir. Como cínico, não tem nenhum freio moral. Fala sem compromisso para atingir os fins adotados, sem se preocupar com a comunidade à qual se dirige. Tudo é colocado em função dos interesses individuais do "chefe": fidelidade partidária, vida privada (a memória da sua defunta mulher entra nesse contexto), estrutura política. Lula é a perfeita encarnação do cinismo materializado nos sofistas, para os quais "o homem é a medida de todas as coisas". Consequência: uma vez no poder, de novo iludirá todo mundo e fará afundar definitivamente a nau do Estado brasileiro. 

Ora, o público sensato sabe dessas coisas. Mas ainda há quem aposte no Lularápio. Para mim, a propaganda que rodeia Lula é jogo de encenação que busca alternativas políticas que permitam a sobrevivência de um sujeito em vias de ser definitivamente condenado pela justiça. O combustível que levou Lula às alturas é duplo: ignorância e cinismo. Ignorância dos seus eleitores e cinismo dele próprio. Acho que não sobreviverá a uma campanha, no pior dos cenários, aquele em que a Justiça tarde demais e torne possível a candidatura do indigitado. Mas ainda aposto na ação da Magistratura. A condenação definitiva de Lula terminará acontecendo em tempo de nos vermos livres da sua soturna figura.

Seria uma injustiça inominável comparar Bolsonaro com Lula. A retórica do candidato ex-militar pode ser debatida e combatida. Mas a sua figura não se assemelha, nem de longe, à do Lula. Fui casado com filha de ex-oficial do Exército e conheci Bolsonaro em Juiz de Fora, nas suas costumeiras reuniões com parentes de militares, quando ele lutava em prol da defesa dos interesses das viúvas e filhos dos falecidos. O seu discurso contra o PT sempre foi claro: os petralhas enganam a sociedade brasileira. As suas palavras eram as de um oficial de média graduação, sem retórica, diretas, combativas. Lembro-me de que, numa dessas reuniões, o hoje candidato confessou que os políticos trataram de amarrá-lo, lhe oferecendo um cargo apetitoso: a administração do aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro. O hoje candidato contava que repudiou a proposta porque aceitá-la equivaleria a ficar calado e virar fichinha nas mãos dos políticos corruptos. Em resumo, a posição de Bolsonaro como defensor dos interesses da família militar, sempre me pareceu clara e honesta. Podia-se divergir de suas ideias, mas ele não procurava enganar ninguém. Firmou nexos estreitos com os ex-militares e as suas famílias e essa constitui importante base de confiança para as suas propostas políticas.

Não concordo com a defesa que Bolsonaro faz do modelo econômico adotado no ciclo militar. Acho que as coisas mudaram muito no Brasil. O desenvolvimentismo dos anos 60 e 70 é coisa do passado. Apostar no Estado como grande empresário é um erro que custa caro. O sentimento de classe do candidato ex-militar certamente pesa nas suas escolhas do modelo econômico a ser seguido. Em intervenções recentes, contudo, Bolsonaro tem-se mostrado mais flexível, mostrando que é capaz de ser assessorado em matéria econômica, o que lhe abriria espaço no contexto de modelos de desenvolvimento econômico mais afinados com o capitalismo do mundo atual. Falta que apresente o seu programa completo, para poder emitir um juízo mais amplo acerca das suas propostas. Mas reconheço que ele representa uma alternativa válida para os setores mais conservadores da sociedade brasileira.

domingo, 12 de novembro de 2017

A FORMAÇÃO DO PODER NO BRASIL: O PATRIMONIALISMO (1979)

Adolpho CRIPPA, Antônio Carlos de Moura CAMPOS, Ricardo VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Sílvio PASSARELLI

( Texto da Apostila utilizada nos Cursos promovidos pelo Centro de Estudos do Desenvolvimento, da Editora Convívio, São Paulo, 1979)

Ainda que à primeira vista pareça exagerado afirmar, o processo político brasileiro está inserido  numa visão de Estado configurada há séculos no mundo hispânico. Se nos fosse permitido construir uma expressão análoga à Weltanschauung  (visão de mundo) de Hartmann, mas com o mesmo sentido abrangente e radical, diríamos que uma Stadtanschauung domina fatos, circunstâncias e ideologias no universo político brasileiro, ao longo dos tempos.
O Estado brasileiro, em sua conformação histórica, corresponde a um tipo de dominação política que na tipologia de Max Weber se denomina “organização estatal patrimonial”. Trata-se de categoria que, diga-se de passagem, permite abarcar em toda a sua complexidade e profundidade o fenômeno do poder entre nós, já que não restrita a variáveis puramente econômicas, como no marxismo. A tentativa de reduzir a formação do Estado à simples expressão de interesses de classe, tem-se revelado insuficiente para explicar a história política do nosso país, sobretudo por desconsiderar as variáveis culturais como fatores configuradores da ordem política.

I-O conceito de Patrimonialismo

O mando político, no mundo hispânico, foi tradicionalmente entendido como patrimônio pessoal do governante  -- uma extensão do poder doméstico --  e nisso consiste o aspecto nuclear da dominação patrimonial. Despojado de sua dimensão pública,  o poder, nos moldes do patrimonialismo, constitui “um direito próprio (do soberano) apropriado em igual forma que qualquer outro objeto de possessão”(l).
1) Aspectos estruturais do patrimonialismo o centralismo
Ao analisar o processo histórico de formação dos Estados modernos, assinala Weber que a dominação patrimonial tende a florescer nos países de fraca tradição feudal. Neles, o Estado moderno consolidou-se como poder concentrado nas mãos do monarca, pela inexistência ou insignificância de poderes paralelos, como na Rússia ou na China. Diversa é a fisionomia política de países como a Inglaterra, cujos Estados se organizaram na esteira de uma tradição de desconcentração do poder, característica do feudalismo (2). Com efeito, o poder feudal dos grandes proprietários rurais obrigava o monarca a fazer concessões em favor dos súditos que, em última análise,  reduziam e desconcentravam o poder central, facilitando a futura evolução  dessas sociedades ao regime democrático-representativo. Em países como Espanha e Portugal, e igualmente nas suas possessões latino-americanas, a nobreza agrária jamais teve força  para se contrapor ao poder central; ao contrário,  os senhores de terras atuavam, a nível local,  como delegados desse poder e com ilimitada autoridade dentro de seus domínios.
A dominação patrimonial consiste, pois,  num tipo de organização política estruturalmente centralizada. Seu principal alicerce é o estamento burocrático, segmento social encarregado de assegurar o império do poder,  mediante o controle de todos os domínios da vida social. Dependentes do favor do soberano,  os cargos burocráticos são distribuídos como forma de arregimentação e apoio ao poder patrimonial, fenômeno que poderíamos chamar de prebendalização da administração (expressão empregada por Fernando Uricoechea ao referir-se aos métodos administrativos da Coroa portuguesa no Brasil, na sua obra intitulada O minotauro imperial (3). Como observa Weber, “toda nova função administrativa apropriada pelo soberano patrimonial significa uma elevação de seu poderio e da sua importância ideal, e cria ao mesmo tempo novas prebendas para os seus funcionários”(4).
Dentre os domínios da vida social  a serem controlados pelo estamento burocrático sobressai o econômico. Complementando e aprofundando os estudos de Weber, o sociólogo Karl Wittfogel realizou, em l957,  uma análise do fenômeno patrimonialista nas chamadas ”sociedades hidrâulicas”, onde a existência de uma administração fortemente centralizada  está associada à necessidade de criação de uma infra-estrutura de controle da água e de irrigação, imprescindível ao desenvolvimento agrícola. Nessas sociedadces, afirma Wittfogel, a organização política sofreu os influxos do “despotismo oriental”, com o estabelecimento de uma economia directorial, rigidamente controlada pelo Estado (5).
Em resumo,  as características fundamentais do patrimonialismo, do ponto de vista estrutural, seriam: a) estrutura política altamente centralizada; b) burocratização do Estado, de caráter prebendalista, necessária à sustentação do poder patrimonial; c) organização de uma economia “directorial” (em grande parte dos Estados patrimonialistas).

2) As relações Estado-Sociedade no contexto do Patrimonialismo brasileiro: o estatismo

O traço  mais evidente no relacionamento entre  Estado e Sociedade, no contexto do Patrimonialismo brasileiro, é o estatismo, que definimos como a tendência a considerar o Estado como princípio ordenador da Sociedade . Entregue às suas próprias forças, a sociedade fatalmente sucumbiria a conflitos e contradições internas, num processo gradativo de auto-degenerescência. Apenas o controle exercido por um poder autoritário, de caráter burocrático, poderia salvá-la do caos e do amorfismo. Dar forma orgânica a uma sociedade informe, como se fosse a cabeça de um organismo vivo,  eis a suprema função do Estado.

O predomínio do estatismo no relacionamento entre a Sociedade e o poder vem associado a inúmeros aspectos de nossa formação social e política. Vejamos alguns deles:

2.1- Auto-suficiência do poder.-  Exercido como um direito próprio, o poder firma-se como uma instância auto-suficiente, que prescinde do concurso da nação para afirmar-se como legítimo. Não representa um desdobramento natural da vontade coletiva, mas uma realidade que encontra em si mesma a fonte da própria justificação. Raimundo Faoro, um dos expoentes da escola weberiana brasileira,  assim descreve o caráter patrimonial de nossa organização política: “O grupo dirigente não exerce o poder em nome da maioria mediante delegação ou inspirado pela confiança que do povo, como entidade global, se irradia. É a própria soberania que se enquista, impenetrável e superior, numa camada restrita, ignorante do dogma do predomínio da maioria. (...) A minoria exerce o governo em nome próprio, não se socorre da nação para justificar o poder, ou para legitimá-lo, jurídica e moralmente”  (6).

Nessas circunstâncias, torna-se inevitável o confronto  entre os donos do poder e as forças ou instituições civis que estejam eventualmente empenhadas em garantir a própria autonomia em face do Estado. Já dizia Weber que o soberano patrimonial  “deve suspeitar como anti-autoritária de toda dignidade e de qualquer sentimento de dignidade proveniente dos ‘súditos’ ”(7).

2.2- Raquitismo da vida civil.-  A persistência da dominação patrimonial durante séculos seguidos, condenou nossa vida social ao raquitismo. Acostumada à onipresença de um poder que sempre primou em tutelar autoritariamente as relações sociais,  determinando, de cima para baixo,  padrões rígidos de convivência, a nação acabou perdendo a capacidade de articular os próprios interesses e de criar expressões políticas condizentes com um projeto de vida coletiva. Assim, o perfil histórico da sociedade brasileira, configurado desde a época colonial, assemelha-se a um organismo invertebrado, sem energia e vontade próprias. Ao verberar a monarquia cartorial portuguesa, lembra Faoro: “Essa monarquia, acostumando o povo a servir, habituando-o à inércia de quem espera tudo de cima,  obliterou o sentimento instintivo de liberdade, quebrou a energia das vontades, adormeceu a iniciaitiva; quando mais tarde lhe deram a liberdade, não a compreendeu;  ainda hoje não a compreende,  nem sabe usar dela...”(8).

Grandes transformações sociais e políticas do país foram induzidas pelos grupos detentores do poder do Estado, ainda que por vezes rotuladas como conquistas populares: a Independência, a Abolição, aRepública, a Legislação Trabalhista, entre outras.  Trata-se, em síntese, do fenômeno damonopolização da iniciativa política pelo Estado. “Onde há atividade econômica  -- observa Faoro --  lá estará o delegado do rei, o funcionário, para compartilhar de suas rendas, lucros, e, mesmo, para incrementá-la. Tudo é tarefa do governo, tutelando os indivíduos, eternamente menores, incapazes ou provocadores de catástrofes, se entregues a si mesmos”(9).

2.3- Insolidarismo.- A reduzida capacidade associativa, fenômeno típico da nossa história desde os tempos coloniais,   resulta não apenas do isolamento geográfico, mas sobretudo, do estatismo que domina o meio social brasileiro. A tutela estatal acaba por inibir as inclinações que levam o indivíduo a associar-se ecriar núcleos comunitários em defesa de seus interesses. Na medida em que se arroga o direito de controlar as atividades de grupos e instituições, e até mesmo de dar-lhes origem, o Estado os converte em meros prolongamentos do oficialismo, desprovidos de efetiva capacidade de mobilização, de autonomia e vontade própria. Tal seria o caso da estrutura sindical brasileira, montada pelo Estado a partir dos anos 30.

Há, sem dúvida, algumas formas de solidariedade praticadas tradicionalmente entre nós, como o mutirão. Mas são esporádicas e, em geral, revestem-se de caráter afetivo. O mutirão é representativo de um tipo de solidariedade apenas individual  -- ou interindividual - .  Não se trata de uma forma de solidariedade social, que mantém os indivíduos permanentemente vinculados entre si, em virtude de objetivos comuns.   Em sua obra Raízes do Brasil ,  Sergio Buarque de Holanda assinala que seria ilusório querer ver em atividades coletivas como o mutirão “alguma tendência para a cooperação disciplinada e constante.  De fato,  o alvo material do trabalho em comum importa muito menos,  nestes casos, do que os sentimentos e inclinações que levam um indivíduo ou um grupo de indivíduos a socorrer o vizinho ou amigo precisando de assitência”(10).

Por sua vez, ao estudar a realidade colonial brasileira à luz do pensamento de Ortega y Gasset, Gilberto de Mello Kuyawski chama a atenção para a limitada vigência de um “sistema de usos” entre nós: “a sociedade será tanto mais sociedade, quanto mais integrada estiver em seu sistema de usos, às imposições coletivas, impessoais, que encerram a substância do social. A coletividade mal integrada no seu sistema de usos, na qual esse sistema quase não pressiona espontaneamente os indivíduos e os grupos, cingindo de modo frouxo o corpo social, será coletividade de estrutura fluida eflexível, sem os traços essenciais da coação e rigidez que definem o fenômeno social” (ll). Ora, a inconsistência de usos no Brasil, em particular dos usos mentais, se vincula justamente ao vezo estatista que afeta historicamente o nosso corpo social.

2.4- Privatização da coisa pública.-  Como já estabelecemos, o poder do Estado, no contexto do patrimonialismo, é apropriado como coisa privada. Daí à entronização dos interesses privados na gestão da coisa pública, vai apenas um passo. Sendo eminentemente pessoal a forma pela qual são atendidos os interesses,  não se criam condições propícias à sua conciliação  no seio das instituições representativas. Quer dizer: o atendimento aos interesses se faz de modo clientelístico, à margem do sistema representativo, cuja essência consiste exatamente em estabelecer um processo legal para convertê-los em decisões públicas. “Em lugar da objetividade burocrática e do ideal baseado na validez abstrata do mesmo direito objetivo, que tende a governar sem acepção de pessoas,  -- escreve Max Weber --  impõe-se o princípio justamente oposto. Tudo se baseia então, completamente, em considerações pessoais, quer dizer,  na atitude assumida frente aos solicitantes concretos e frente às circunstâncias, censuras, promessas e privilégios puramente pessoais”(12).

A falta de espírito público tem sido uma constante na nossa vida política.  Séculos de estatismo patrimonial tem-nos dificultado  vislumbrar, acima de particularismos individuais ou grupais, o interesse coletivo. Gilberto de Mello Kuyawski chama a atenção paraa nossa incapacidade de entender o caráter impessoal do Estado e das Leis, que nos impele a “conservar em todas as situações da vida  pública a linguagem própria às relações da vida interindividual, próprias do trato entre parentes, amantes e amigos (...). Essa resistência íntima do individual a ser absorvido pelo social resulta em alguns frutos benéficos,  mas atesta, por outro lado,  a incopetência do homem colonial para se realizar com plenitude na vida pública, sua inaptidão para instalar-se devidamente no seio da vida social,  numa palavra,  sua imaturidade histórica e cultural”(13).

II - Aspectos históricos

1) O Estado português e a colonização do Brasil

Desde os seus primórdios,  o Estado português se estruturou como uma organização patrimonial-burocrática de caráter fiscalista.  Suas origens são essencialmente agrárias: as lutas movidas contra os sarracenos acarretaram a incorporação das terras reconquistadas ao patrimônio da Coroa, três vezes maior que o da nobreza. Esse processo de incorporação chamava-se de presúria.  Tendo surgido antes mesmo que a sociedade civil tivesse se desenvolvido e articulado políticamente,  o Estado não pôde criar sua burocracia própria. Teve, assim que recorrer à colaboração da aristocracia agrária para consolidar seu domínio sobre o território, oferecendo-lhe concessões e vantagens diversas em troca de seus serviços e, sobretudo, de sua lealdade. Em conseqüência, os senhores de terras tornaram-se dependentes do rei, e jamais representaram ameaça séria à sua soberania.

As atribuições desse rudimentar estamento pré-burocrático, assim cooptado, consistiam na administraçào das rendas  provenientes do patrimônio rural da Coroa e na cobrança de tributos de toda ordem, destinados ao consumo ostentatório da corte e dos respectivos áulicos. Esta mentalidade fiscalista,  improdutiva e parasitária por excelência, uma vez que se limita ao simples ato de recolhimento de rendas e tributos, permeava todo o expansionismo mercantil de Portugal nas possessões ultramarinas, como o Brasil.

A colonização brasileira foi orientada pela Coroa, que inclusive estimulou o povoamento do território com inúmeros incentivos.  A exploração comercvial ,  é claro,   não foi exercida diretamente pelo rei, mas atrav’]es de concessões a particulares, que tinham a posse e usufruto perpétuos sobre prebendas territoriais: as capitanias.  Duas eram as obrigações fundamentais dos capitães-mores (prebendários): proteger o monopólio real, sem custos para a Coroa, através da administração de suas terras, obrigação que incluía a organização de milícias patrimoniais e a exploração econômica das terras. Ao rei cabia, em contrapartida, o direito de recolher diversas rendas e tributos tanto dos prebendários como de seus colonos. Os senhores da terra eram, assim, ao menos formalmente, funcionários reais,  com poderes delegados pela Coroa.

A incapacidade dos prebendários em manter os bens dacolônia a salvo da cobiça de outrospovos,  bem como as tendências privatizantes e centrífugas manifestadas em alguns deles, forçaram a substituição do sistema de capitanias hereditárias pelos governos-gerais. Algumas das funções administrativas foram subtraídas aos senhores de terras  -- como as fiscais e judiciárias --   e transferidas ao incipiente estamento burocrático formado já durante o primeiro governo-geral. As funções militares de defesa, contudo, continuaram a ser exercidas pelos chefes dascapitanias (governadores). De  certo modo,  a instituição dos govenos-gerais correspondeu à necessidade de maior racionalização e controle das riquezas aqui produzidas. Como observa Faoro,  “(...) olhos vigilantes, desconfiados, cuidavam para que o mundo americano não esquecesse o cordão umbilical, que lhe transmitia a força de trabalho e lhe absorviaa riqueza. O rei estava atento ao seu negócio”(14).


2) O Estado no Brasil

Por tudo isso, o Estado  -- como sistema de poder organizado --  configurou-se no Brasil antes que a sociedade civil estivesse sequer fisicamente organizada, quando da instalação do primeiro governo geral. João Camilo de Oliveira Torres afirma que tivemos Estado antes de termos povo: “O Brasil oficialmente entrou a existir quando D. João III, o Povoador,  nomeou Tomé de Souza governador-geral do Brasil.Este fidalgo chegou à Bahia trazendo uma espécie de Constituição para o país, o famoso Regimento do Governo, um ministro da Justiça (o ouvidor-mor), um ministro da Fazenda (o provedor-mor), o poder espiritual, no clero, soldados, e fundou a cidade de Salvador, que logo passou a ter, inclusive, uma câmara municipal. Era o Estado do Brasil, que nascia com todos os órgãos que um governo que se preza deve ter. Notava-se, apenas, uma ligeiraausência, uma sombra no conjunto: não havia povo (...). A História tem conhecido casos de precedência ontológica do Estado ao povo - mas, ao povo como entidade organizada, a  res publica dos antigos. Sempre havia uma espécie de miltidão, amorfa e difusa, sobre a qual a autoridade se exerceria, consolidando o poder. Mas, no Brasil, o fato realmente espantoso era o da precedência física do Estado ao povo; não havia, a rigor, ninguém para ser governado pelo nosso estimável Tomé de Souza” (15).

Distante dos núcleos populacionais que, com o correr dos anos foram-se espalhando pelo imenso território, o Estado tornou-se uma organização político-burocrática fria, sem grandes vinculações com a realidadesocial. A legalidade racionalmente definida pelo Estado contrapunha-se aos usos e costumes locais, um corpo estranho em relação à “legalidade”consuetudinária imperante nos agrupamentos sociais dispersosno ambiente geográfico. “Não estranha  -- escreve Oliveiros S. Ferreira -  que antes de a Nação configurar-se pelo desenvolvimento da solidariedade e pela eliminação da ‘soledad’, o Estado  -- considerado como estrutura de dominação abarcando todo o território --  tenha estabelecido sua marca profunda e, ao afirmar a unidade necessária a seus propósitos europeus,  se haja constituído para cada um desses núcleos, (...) no Objeto negatório e constrangedor”(16).

O fator básico do mandonismo local era o isolamento em que viviam as comunidades rurais. As quase intransponíveis dificuldades de comunicação eram ainda agravadas pela proibição do comércio inter-regional que, se autorizado e estimulado pela Metrópole, teria contribuído para revigorar os contatos entre os diversos núcleos populacionais. O que havia, então,  era um verdadeiro “arquipélago mudo”, na expressão de João Camilo.

O poder político existente a nível local não resultava da vida em sociedade. Era, de um lado, conseqüência do poderio econômico dos grandes proprietários rurais e, de outro, da ausência ou rarefação do poder régio. Conhecidos como “homens bons”, eles controlavam as áreas sob seu domínio através das câmaras municipais. A respeito, escreve Victor Nunes Leal: “As câmaras municipais exerceram imenso poder, que se desenvolveu à margem dos textos legais e muitas vezes contra eles(...).  A massa da população, composta em sua grande maioria de escravos  e de trabalhadores chamados livres, cuja situação era de inteira dependência da nobreza fundiária, também nada podia contra esse poderio privado, ante o qual se detinha, por vezes,  a própria soberania da Coroa”(17).

Esta forte autonomia das câmaras municipais iria perdurar até meados do século XVII, quando a Coroa,  através de seus agentes  -- juízes de fora,  ouvidores, governadores --  foi aos poucos submetendo ao seu poder as diversas formas de mandonismo local. A vinda da família real para o Brasil e a nossa independência foram fatores que contribuíram decisivamente para arrefecer o poder privado e, ao mesmo tempo, consolidar o poder do Estado.

Contudo, não só o governo colonial, mas o imperial e republicano,  jamais deixaram de reconhecer, no poder local,  fortes esteios de sustentação política, aspecto, aliás, típico da feição patrimonialista do Estado brasileiro, segundo a qual cabia ao chefe local exercer o papel de autoridade delegatória de funções patrimoniais (18).

Durante o período da República Velha, marcado pelo fenômeno do  coronelismo,  reforçou-se a capacidade de barganha dos grupos oligárquicos locais,  em função dos largos contingentes eleitorais que tinham sob seu domínio. Para Nunes Leal, em todos os graus das escala política imperava um sistema de reciprocidade: “de um lado, os chefes municipais e os coronéis ,  que conduzem magotes de eleitores, como quem toca tropa de burros; de outro lado, a situação política dominante no Estado, que dispõe do erário, dos empregos, dos favores e da força policial, que possui, em suma,  o cofre das graças e o poder da desgraça”(19).

A formação política brasileira contrasta com o fenômeno ocorrido nos Estados Unidos da América. A grande experiência histórica norte-americana, no campo político, realizou-se no âmbito do governo local, a n[ivel das comunas e dos condados. Nestes, o poder público  estruturou-se pelo desenvolvimento da capacidade associativa espontânea de seus habitantes, num sistema de ampla participação política. As autoridades locais, eleitas pelo voto popular,  não constituíam, via de regra,  grupos oligárquicos fechados. Do crescimento da soberania popular a nível local,   regional e finalmente nacional, resultou o processo de emancipação política norte-americano.

Em 1835, Alexis de Tocqueville escrevia, na sua obra A democracia na América :  “É nas leis de Connecticut, como em todas as da Nova Inglaterra, que se vê nascer e desenvolver essa independência comunal que,  ainda hoje em dia,  constitui como que o princípio da vida e da liberdade americana.  Na maior parte das nações européias,  a existência política começou pelas regiões superiores da sociedade e se comunicou, pouco a pouco, e sempre de maneira incompleta,  às diversas partes do corpo social. Na América, pelo contrário,  pode-se afirmar que a comuna foi organizada antes do condado,  o condado antes do Estado,  o Estado antes da União. (...) Em torno da individualidade comunal vêm agrupar-se e ligar-se fortemente interesses,  paixões, deveres e direitos. No seio da comuna,  vê-se reinar uma vida política real, ativa, inteiramente democrática e republicana. As colônias reconhecem ainda a supremacia da metrópole;  é da monarquia que vem a lei do Estado, mas já se acha a república inteiramente viva na comuna.  A comuna nomeia os seus magistrados de todos os gêneros; fixa seus próprios impostos, cobra e distribui a receita.  Na comuna da Nova Inglaterra, a lei de representação jamais é admitida. É em praça pública e no seio da assembléia geral dos cidadãos  que se debatem, como em Atenas, os assuntos que dizem respeito ao interesse de todos”(20).

3) A vertente modernizadora do patrimonialismo 

  O Estado patrimonial, na tradição luso-brasileira, modernizou-se a partir de meados do século XVIII. O fenômeno do patrimonialismo modernizador tem recebido particular atenção de autores pertencentes  à   escola weberiana brasileira ,  sobretudo de Simon Schwartzman e Antônio Paim.  Raimundo Faoro, na sua obra, já citada, Os donos do poder,  restringiu-se à análise do modelo patrimonialista tradicional. Já Paim, em A querela do estatismo,  procurou caracterizar o patrimonialismo modernizador como uma vertente sui generis da concepção patrimonialista do poder, retomando os elementos fundamentais da obra de Faoro e Schwartzman. Por esta razão, seguiremos neste estudo as linhas gerais da obra de Paim.

Também prevalece, no patrimonialismo modernizador, aquela concepção tradicional de Estado organizado de forma análoga ao poder doméstico do governante, isto é, o poder como  res privata. A diferença fundamental entreos dois tipos de patrimonialismo reside no fato de que o modernizador abriga pressupostos ideológicos que não aparecem no tradicional, como a crença na possibilidade de uma “política científica” -- uma nova concepção em termos de organização e exercício do poder.

3.1 - Origem e desenvolvimento da vertente modernizadora:  as reformas pombalinas.-  Coube ao Marquês de Pombal, no século XVIII, o mérito de ter dotado o Estado patrimonial português  de perdurável movimento modernizador. Sua obra, que teve como finalidade inserir Portugal na Ilustração, consistiu basicamente em assumir um ponto de vista cientificista, a partirdo qual se iniciou vasta tarefa reformadora, nos campos econômico,  político e do ensino .  Assim caracteriza Antônio Paim a obra de Pombal: “A peculiaridade da mensagem pombalina consiste,  em primeiro lugar, em ter difundido a crença  de que a ciência (entendida como sinônimo de ciência aplicada) é o meio hábil para a conquista da riqueza. E, além disto, em ter  nutrido a suposição  de que a ciência não corresponde apenas  ao processo adequado de gerir e explorar os recursos disponíveis, mas igualmente de inspirar a ação do governo (política) e asrelações entre os homens  (moral)” (21).

Considerada a obra reformadora do Marquês de Pombal, no ãmbito da modernização que incutiu no seio  do Estado português, podemos avaliá-la como a substituição  da crença  nas tradições religiosas (até então mantidas ciosamente pela Igreja, através das Ordens religiosas e da Inquisição, e que exerciam as funções de sustentáculo do poder patrimonial do monarca), pela crença na validade da ciência como fundamento do mesmo poder patrimonial. Configurar-se-ia, assim, sob Pombal, uma forma de dominação patrimonial modernizadora,  ou,  em outros termos,  uma modalidade de despotismo esclarecido.

Quatro elementos podemos salientar no esforço modernizador de Pombal: em primeiro lugar, a Academia dos Ericieira, a que pertencera Pombal e que desenvolveu, no seio da mentalidade portuguesa, a idéia da modernização da cultura,  mediante uma abertura às demandas da Ilustração, bem como a preocupação pela modernização da economia, mediante o desenvolvimento da indústria. Em segundo lugar, cabe mencionar as novas idéias pedagógicas cujo máximo expoente foi Luiz Antônio Verney,  e que contribuíram para  difundir  o ideal da reforma do ensino baseada na ciência moderna. Os outros dois elementos que podemos assinalar na reforma pombalina são de caráter institucional, e correspondem às duas primeiras realizações do Marquês  nos campos educacional e político: de um lado, temos a reforma da Universidade de Coimbra,  que no sentir de Hernani Cidade “foi verdadeiramente a criação de uma nova Universidade”(22). De outro lado, temos a  organização do Colégio dos Nobres de Lisboa (1761), que correspondeu à exigência de dotar o Estado patrimonial português de uma elite burocrático-técnica que garantisse a sua modernização.

Em que pese o caráter modernizador da reforma pombalina, ela em nada modificou o esquema concentrado do poder patrimonial;não surgira, então, da queda do absolutismo teocrático um regime de democracia representativa, como tinha acontecido na Inglaterra após a Revolução Gloriosa de 1688. Apareceu, assim, como alternativa modernizadora, no seio dacultura lusa, o despotismo ilustrado ou patrimonialismo modernizador. As idéias fundamentais deste manifestaram-se, ao longo do Império,  principalmente na criação da Real Academia Militar (1810), cujo artífice foi um ex-aluno da Universidade pombalina: o conde de Linhares, D. Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812). A finalidade da Academia consistia em garantir a formação científica deoficiais do exército e engenheiros. “O curriculo da Academia Militar  -- escreve Paim --  e através dela o ideario pombalino , seria preservado ao longo do Império. Outras influências se fizeram presentes, sobretudo nas Faculdades de Direito eMedicina, como de resto na esfera política. Contudo, no estabelecimento que daria origem  à Escola Politécnica, mantinha-se o culto da ciência namesma situação configurada pelo Marquês de Pombal, isto é,  nutrindo a suposição de que é competente em todas as  esferas da vida social”(23).

A experiência parlamentarista ao longo do Império, permitiu uma certa desconcentração do poder patrimonial, o qual,  de outra parte,  deitava profundas raízes na burocracia crescente, sendo a instituição da GuardaNacional um dos elos fundamentais. Em que apese essa experiência de governo representativo, a elite civil e militar que derrubou a Monarquia em 1889 esqueceu sumariamente a práticada representação, interpretando-a simploriamente como metafísica liberal,  dentro dos chavões em voga do positivismo. O caminho estava, assim, aberto para a retomada da tradição do patrimonialismo modernizador de inspiração pombalina,  ao longo da vida republicana brasileira. 

3.2 - O Castilhismo sul-riograndense.-   Uma das primeiras manifestações da vertente modernizadora do Patrimonialismo na República foi a experiência castilhista sul-riograndense que,  inspirando-se na Constituição que Júlio de Castilhos (1860-1903)  escreveu para o Rio Grande em 1891, vingou ao longo de mais de três decênios e influenciou definitivamente  na evolução do Estado brasileiro no presente século.

O Castilhismo constitui fenômeno original de interpretação  da filosofia de Augusto Comte (1798-1857), fundador do Positivismo.  A interpretação autoritária dos princípios sociais e políticos do positivismo, porparte de Júio de Castilhos, se reveste de especial importância, apartir do momento em que ela constitui um novo ideal político, que foi testado na prática das instituições governamentais sul-riograndenses durante três décadas, assumindo finalmente proporções nacionais com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930.

A filosofia política positivista baseia-se no pressuposto de que a sociedade caminha inexoravelmente rumo à estruturação racional. Esta convicção e osmeios necessários para a sua realização são alcançados mediante o cultivo da ciência social. Ante tal formulação, são possíveis duas alternativas: ou empenhar-se na educação dos espíritos para que o regime positivo se instaure como fruto deum esclarecimento, ou simplesmente impor a organização  positiva da sociedade por parte da minoria esclarecida. Sustentou a primeira posição, principalmente, Luiz Pereira Barreto, o que corresponde ao chamado “positivismo ilustrado”. A segunda foi a alternativa de Júlio de Castilhos, seguido por Borges de Medeiros, no Rio Grande do Sul, e por Pinheiro Machado e Getúlio Vargas, a nível nacional. Esta última foi a versão da filosofia política de inspiração positivista que prevaleceu, cujas repercussões se fazem sentir ainda hoje.

a) A “pureza de intenções,  pré-requisito moral de todo governante.- Em contraste com a condição estabelecida por Silvestre Pinheiro Ferreira, no sentido de que o Congresso, como organismo máximo do governo, devia saber representar corretamente  os interesses dos grupos ou classes existentes na sociedade, Júlio de Castilhos entende como condição fundamental do governante a absoluta pureza de  intenções , que se traduz numa ausência de interesses materiais.  Assim, a moralidade do governante tem valor de primeira magnitude, valor que é caracterizado por Castilhos como consistindo numa “imaculada pureza de intenções”, que constitui, sem dúvida,  o único mérito do verdadeiro estadista. A respeito, escrevia Castilhos: “Se porventura me pode ser atribuíodo algum mérito,  este consiste unicamente na imaculada pureza de intenções  com que tenho procurado tornar-me órgão fiel das aspirações republicanas e devoto servidor do Rio Grande do Sul, minha estremecida terra natal, que me domina pelo mais profundo afeto e que pode exigir de mim todos os sacrifícios pessoais  pela sua felicidade”(25).

Arthur Ferreira Filho sintetizou admiravelmente  a concepção castilhista da República como “regime da virtude”, com as seguintes palavras: “Para Júlio de Castilhos,  a República era o reino da virtude. Somente os puros, os desambiciosos, os impregnados de espírito público deveriam exercer funções de governo. No seu conceito,  a política jamais poderia constituir uma profissão  ou um meio de vida, mas um meio de prestar serviços à coletividade, mesmo com prejuízo de interesses individuais. Aquele que se servisse da política para seu bem-estar pessoal, ou para aumentar sua fortuna, seria desde logo indigno de exercé-la. Em igual culpa, no conceito castilhista, incorreria o político que usasse das posições como se usasse de um bem de família (...).  Como governante, Júlio de Castilhos imprimiu na administração rio-grandense um traço tão fundo de austeridade que,  apesar de tudo,  ainda não desapareceu”(26).

b) Crítica ao regime democrático-representativo.- Os castilhistas opõem-se frontalmente  à tradição liberal-democrática oriunda do Império brasileiro, que privilegiava o exercício da representação política pelo parlamento. No pensamento castilhista, o liberalismo vem associado ao capitalismo e, em conseqüência,  à excessiva valorização dos interesses materiais. Como órgão de representação dos grupos que compõem a sociedade, o parlamento tornaria impossível a realização do bem comum,  fragmentando-o em  ilimitados  interesses de caráter particularista. Daí a irônica expressão de um deputado castilhista, chamando o sistema parlamentar de sistema “para lamentar”. Se a única saída para a estruturação racional da sociedade é a imposição de uma  elite esclarecida,  qualquer outro tipo de organização conduziria ao caos político e social.

Víctor de Britto caracteriza muito bem a concepção castilhista de política quando diz que, para essa tradição, “A autoridade saída do consentimento geral dos povos não passa de uma fórmula grotesca, cuja impotência e incapacidade para  a solução dos magnos problemas oferecidos pela civilização hodierna,  dia  a dia se vão afirmando na consciência dos homens esclarecidos. A obsoleta democracia foi-se com a bancarrota da metafísica. A sociedade precisa ser regida pelas mesmas leis, submetida aos mesmos métodos positivos das matemáticas e da biologia. Isso de soberania popular, de governo do povo pelo povo,  são conceitos vãos,  criados para estorvar a ação da autoridade no estudo das questões sociais, cuja solução só se deve inspirar na  necessidade histórica e na utilidade pública”(27).

c)  O bem público como imposição deum governo moralizante.- À luz dos conceitos que acabamos de expor, estrutura-se o conceito de bem público, para a tradição castilhista. Assim como para os pensadores liberais o bem público dava-se através da conciliação dos interesses individuais, conciliação que se concretizava no parlamento, como organismo representativo daqueles interesses, para Castilhos o bem público só poderia encontrar-se onde se achasse a essência mesma da sociedade ideal, que ele entendia em termos do reinado da virtude.  O bem público confundia-se, para ele, com a imposição de um governo moralizante, que fortalecesse o Estado em detrimento dos egoístas interesses individuais e que velasse pela educação cívica dos cidadãos,  origem de toda moral social.

Para alcançar a moralização da sociedade o governante deve exercer uma tutela sobre a mesma, a fim de que ela se amolde à procura do bem público. Este papel educativo caracteriza o estadista conservador ,  que, além de governante exemplar, deve ter a convicção do apóstolo e a justiça do magistrado, para estabelecer o equilíbrio entre as forças sociais e conseguir aharmonia entre a liberdade individual e a autoridade. A tradição castilhista insiste em que opróprio povo procura esta liberdade sob tutoria. Eis a forma em que Victor de Britto exprime essa idéia: “(...) O pobre povo (...) só aspira a que o deixem viver em paz, com as parcelas de autonomia  que a organização social lhe permite para a harmonia possível entre a liberdade individual e a autoridade constituída (...)”(28).

Os direitos dos indivíduos estão a todomomento submetidos ao bem público; a legislação também em função deste,  de tal forma que, nas épocas de perigo para a segurança do Estado no cumprimento da sua missão moralizadora,  o governo deve orientar a sua conduta “(...) nos princípios fundamentais da ordem,  segunrança, salvação, existência da sociedade”. Segundo estes princípios, a legislação deve ser empregada nos casos normais.  Porém,  quando se põe em perigo a segurança pública, devem-se fechar todos os códigos “(...) para aplicar o texto vigoroso de uma lei mais alta”, que diz relação à salvação coletiva.  Vale a pena citar  o texto de Pedro Moacyr, escrito quando diretor de    A Federação   e um dos mais ardentes castilhistas.  “Seja a legislação empregada nos casos normais. Quando as situações, porém, se anormalizam, máxime em caráter extremo, violento e decisivo  dos destinos de um povo, à autoridade é lícito, é indispensável fechar as páginas  de todos os códigos para aplicar o texto vigoroso de uma lei mais alta, que é a mesma expressão da harmonia social, a lei da conservação,  da salvação coletiva”(29).

Em conseqüência,  mais que das leis escritas ou das constituições, a guarda do bem público depende do zelo e do esclarecimento do governante iluminado pela ciência social e ornado com a  pureza de intenções,  que lhe permite superar o proveito individual em prol da coisa pública. Neste sentido, como escreve Victor de Britto,  “(...) O povo, dentro do qual estão  (as) forças produtoras, é levado a concluír  que  a questão de bem governar ou mal governar não depende das constituições, mas, sim, dos homens,  dos governantes; que mais vale agüentar uma constituição, mesmo defeituosa,  ou  constituição nenhuma,  desde que  o poder esteja nas mão de um homem honesto, patriota e bem intencionado,  do que a mais bela composição escrita do liberalismo mais puro, entregue a um ambicioso, a um degenerado, capaz de rasgá-la no primeiro momento de impulsividade para satisfação de interesses inconfessáveis”(30).

3.3- A consolidação da vertente modernizadora.

a) Vargas e a ascenção do Castilhismo ao governo federal.- Getúlio Vargass formou-se políticamente no seio do castilhismo. Desde muito jovem aderiu fervorosamente  a essa doutrina. É famoso o seu discurso diante do túmulo de Júlio de Castilhos, em 1903,  quando o jovem gaúcho afirmava que Castilhos épara o Rio Grande um santo. Vargas ingressou na equipe de Borges de Medeiros aos 26anos, tendo ocupado diversas e importantes posições na administração gaúcha até 1930, quando ascende à Presidê4ncia da República.

“Todo o esforço de Vargas  -- afirma Antônio Paim --  vai consistir em criar organismos onde as questões de alguma relevância   passem a ser consideradas do ângulo técnico.  Amadurecido o ponto de vista dos técnicos,  a instituição deve assegurar a audiência dos interessados.  O govêrno  não se identificará com qualquer das tendências em choque porquanto exercerá as funções de árbitro”(31). Nesse sentido, é indiscutível a posição de Getúlio no seu discurso de  4 de maio de 1931,   em que afirma: “A  época é das assembléias especializadas, dos conselhos técnicos integrados à administração. O Estado puramente político, no sentido antigo do termo,  podemos considerá-lo, atualmente, entidade amorfa que, aos poucos, vai perdendo valor e significação”(32).

Assim, Vargas conseguiu materializar o princípio  do encaminhamento técnico dos problemas, nos principais campos da administração pública.  No terreno educacional, por exemplo,  promoveu o consenso dos técnicos, através da Associação Brasileira de Educação. No âmbito da política salarial, chegou à adoção , por parte do governo, de mecanismos técnicos, mediante a criação do Ministério do Trabalho; surgiu assim uma legislação abrangente, que possibilitou a organização da Justiça do Trabalho e dos sindicatos como peças dessa engrenagem. No campo legislativo, depois de fechado o Congresso em 1937, realizou-se ampla experiência de legislação , para elaborar leis e decretos no âmbito do Ministério da Justiça e dos Estados.

O princípio do encaminhamento técnico dos problemas manifestar-se-ia, finalmente, no campo econômico, com a atribuição ao Estado, como missão precípua, da promoção da racionalidade econômica, que implicava  -- dentro da tradição castilhista --  a crescente intervenção direta do Estado na economia (a criação da Siderúrgica de Volta Redonda, por exemplo, bem como a ingerência do poder público na negociação da moeda estrangeira, a consolidação da centralização das emissões pelo Banco do Brasil, a criação da Superintendência da Moeda e do Crédito, precursora do Banco Central, a criação do Conselho Federal de Comércio Exterior e a constituição, no interior desse conselho, de uma Comissão Especial para estudar o problema do aço) (33).

No segundo governo (1950-1954), Vargas dá continuidade à sua filosofia modernizadora com a adoção do planejamento econômico, entendido como conjunto de técnicas destinadas a assegurar a consecução de determinadas metas, no campo da racionalização da economia.  Esse fato manifestou-se a partir dos trabalhos da Comissão Mista Brasil/Estados Unidos (1951-1953), que contou com a colaboração de 50 técnicos “senior” do Brasil, recrutados  a partir da elite acadêmica e a administração. Também merece menção a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952,  pois foi o elemento catalisador das novas técnicas e o que permitiu o teste da sua eficácia nos anos 50. No BNDE se formaria a primeira geração  de tecnocratas treinados para a promoção da racionalidade econômica, sob a intervenção do Estado (34).

b) O legado atual do patrimonialismo modernizador.- Nos três lustros posteriores ao fim da Segunda Guerra Mundial, ao lado da crise do liberalismo e das instituições representativas,  aparece na administração pública brasileira um novo grupo de elementos institucionais anteriormente inexistentes, que são legítimos herdeiros da tradição patrimonialista modernizadora:  a elite tecnocrática .  Estes elementos vão acompanhados de novo estilo de trabalho, baseado em técnicas neutras e impessoais que, pela sua natureza,  estarão chamadas a ter longa duração. O novo estilo ganharia mais um componente através do Programa de Metas do governo Kubitschek.

Com a emergência de Goulart ao poder, não houve dúvidas acerca da tendência do governo a favor do patrimonialismo tradicional, com todas as suas características: empreguismo, burocratização e ineficiência.  Comprometer-se-ia o sucesso alcançado em poucos anos pelo BNDE, que seria sistematicamente esvaziado de recursos. A vertente modernizadora retomada por Getúlio Vargas na sua última administração,  no início da década de 50,  parecia ter sido sumariamente esquecida (35).

Por último, cabe mencionar o movimento de 64, que pode ser caracterizado, do ponto de vista da evolução da vertente modernizadora do patrimonialismo, como a volta aos critérios da racionalidade econômica, através da intervenção do Estado  e da plena adoção, para isso, da idéia de planejamento. O patrimonialismo modernizador teria, no regime instaurado em 64, a sua máxima manifestação, após a reforma administrativa de 67, que enfeixou nas mãos da elite tecnocrático-militar a formulação  da política econômica e da política social, com a marginalização da classe política.  É importante ainda salientar a contribuição  da Escola Superior de Guerra (criada em 1950), que conferiu à idéia de desenvolvimento um caráter científico.  Considerando que ao Estado moderno cabe a realização do ordenamento econômico e social, a Escola acha necessário eliminar-se toda atuação  improvisada, espúria e emocional, a fim de substituí-la pelo máximo de racionalidade.  A ESG, na verdade, acabou por encampar o projeto modernizador,  com a ajuda da maior parte da elite técnica formada a partir dos anos 50 (36).

4) Representação X Tecnocracia no Brasil

4.1- O triunfo do estatismo modernizador após 1964.-  A partir de 1964 operou-se uma radical transformação na estrutura do Estado brasileiro, com a concentração da quase totalidade  do poder político  no seio da aliança militar-tecnocrática, fortemente influenciada pela visão tecnicista da vertente modernizadora do patrimonialismo.  Governar passou a ser mais uma questão de competência técnica e de eficiência administrativa, do que de habilidade política.  E à medida em que os espaços vitais do Estado  iam sendo ocupados por militares e tecnocratas, reduzia-se o peso político da representação parlamentar nos processos decisórios. O Congresso não teve outra alternativa senão contentar-se em exercer um sub-poder periférico e dependente.

Inegavelmente que o movimento de 1964 assinalou o triunfo da concepção autoritário-modernizadora, que desde o Castilhismo ensaiava fundir-se ao poder nacional (lembremos as tentativas efetivadas, nesse sentido, pelo senador Pinheiro Machado, arauto do republicanismo gaúcho a nível federal, e quem exercia uma ditadura branca no governo, segundo denunciava Rui Barbosa).  É bem verdade que Getúlio Vargas já governara sob inspiração castilhista, sobretudo nos anos do Estado Novo, em que exerceu o poder político total. Mas seu estilo de governo  -- uma espécie de  caudilhismo ilustrado  mesclado a um desempenho paternalista e populista no relacionamento  com as massas --  não foi capaz de superar a estreita perspectiva autoritária do positivismo sul-riograndense.  O varguismo tentou, sim, estabelecer um diálogo sistemático com as demais tendências autoritárias, para o qual foi instrumento importante a revista Cultura Política,  dirigida por  Almir de Andrade. Diríamos que o varguismo, com a ajuda da Segunda Geração Castilhista,  se bem não elaborou um modelo que fugisse à ditadura sul-riograndense,  teve a criatividade suficiente para implantá-lo a nível nacional  (37).

Em 1964, o estamento militar retoma o velho projeto autoritário castilhista. Para essa retomada foi de inegável importância  a versão militar do catilhismo desenvolvida pelo general Góes Monteiro. Mas a doutrina de 64 pretendeu superar o autoritarismo gaúcho, inserindo na retórica governamental os ideais de  democracia   e  desenvolvimento,  que tinham sido inicialmente debatidos no IBESP-ISEB, e que terminaram sendo encampados pela Escola Superior de Guerra. Para implementar o novo projeto modernizador, os militares  contavam com uma organização tecnocrático-militar fortemente hierarquizada e burocratizada, que se pretendia fosse avessa a personalismos e a expedientes de tipo populista. Acrescente-se a isso, a circunstância de que, mais de uma década após a formação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, o país já podia contar com uma elite técnica suficientemente experimentada no exercício de atividades  de política e planejamento econômico.

Na nova correlação de forças que se estabelece no bloco do poder,  temos, pois, em primeiro plano,  a interação de dois segmentos: o estamento militar e a tecnoburocracia.  Ao primeiro cabiam as decisões políticas gerais e ao segundo as específicas da área econômica. Num segundo plano, situava-se a classe  político-parlamentar, apartada dos centros nevrálgicos do poder. Oliveiros S. Ferreira traduziu, de forma clara, as expectativas ufanistas desse modelo, que Wanderley Guilherme dos Santos batizou, com propriedade, de autoritarismo instrumental. Eis os termos em que Oliveiros S. Ferreira exprime  o ufanismo tecnocrático-militar, então em voga: “(...) o Exército só poderia aliar-se à Tecnocracia e nunca  à Política, porque ambos são expressão de uma mesma mentalidade, de uma igual racionalidade. A tecnocracia fornece ao Exército a possibilidade que lhe é própria. Com isso,  as Forças Armadas têm assegurada a possibilidade de ver corrigidas as distorções econômicas (...)  e construir uma indústria capaz de atender aos reclamos de renovação  técnica,  sem onerar grandemente a balança de pagamento. E a Tecnocracia encontra no Exército, além do mesmo espírito voltado para a ordenação racional e burocrática das coisas,  o instrumento apto a assegurar a tranqüilidade social,  capaz de permitir a reconstrução da economia,  sem o perigo de a demagogia atrapalhar a integração do Brasil, como grande potência, no mercado mundial”(38).

Essa reordenação do bloco do poder resultou da intercorrência de inúmeros fatores, desde as grandes transformações   sócio-econômicas  do país nos últimos cinqüenta anos, até as razões de ordem político-institucional. Tomemos como ponto de partida o período compreendido entre 1945 e 1964,  da chamada  Segunda República.

4.2- Natureza da crise política antes de 1964.-  No modelo constitucional talhado pela Constituinte de 1946, reproduziu-se o sistema da Constituição de 1891, no que concerne às relações entre  Executivo e Legislativo. Coerentes com os ventos liberais que voltaram a soprar, e temerosos de que um Executivo institucionalmente forte pudesse ensejar o retorno ao autoritarismo,  os constituintes privilegiaram de tal forma  a participação do Congresso Nacional na política do país,  que  não raro ficava inibido o governo na sua ação. Assim é que todas as decisões politicamente relevantes, vale dizer,  o estabelecimento das prioridades da administração pública, bem como os meios para implementá-las,  dependiam de aprovação do Legislativo.

Ocorre, contudo,  que em termos de nossa realidade sócio-econômica,  Congresso e Presidência se vinculavam a regiões e setores sociais bastante heterogêneos. A representação política federal  estava umbelicalmente enraizada nos interesses de grupos oligárquicos, os quais, desde os tempos do Império, vinham exercendo rígido controle eleitoral sobre as populações rurais e interioranas.  O antigo PSD,  predominante no Legislativo,  apesar de seu avançado programa e da adesão de líderes empresariais nacionalistas,  era controlado por grandes proprietários rurais  do Brasil sub-desenvolvido. Já a Presidência da República, devido ao progressivo crescimento da força eleitoral do Sudeste (Brasil desenvolvido), era mais sensível às exigências de modernização social e econômica dos centros urbanos.   Assim, enquanto o Legislativo representava, grosso modo,   o conservadorismo caraterístico das regiões sub-desenvolvidas do país,  o Executivo se comportava perante o eleitorado como agente reformista e modernizador.

Até o ano de 1962 foi possível preservar o equilíbrio político-institucional, não obstante as crises que se sucediam de modo intermitente. Esse equilíbrio era viabilizado por uma espécie de pacto implicitamente estabelecido entre as principais forças políticas,  de modo a conciliar ou acomodar tanto os interesses das lideranças comprometidas com o Brasil sub-desenvolvido, como os das lideranças engajadas no projeto de modernização da estrutura urbano-industrial do país. Segundo Celso Láfer, cabia ao Congresso “(...) fiscalizar de modo conservador o núcleo inovador representado  pelo Executivo e, nesse processo, garantir as demandas da cultura política do Brasil desenvolvido”(39). A estabilidade política alcançada ao longo do governo Kubitschek  deve ser creditada, em larga medida,  à coexistência pacífica   entree tão heterogêneos interesses:  prova disso é o fato de que, embora tivesse empolgado todo o país com a mística desenvolvimentista impulsionada pelo  Executivo, o Legislativo  nada fez para alterar nossa obsoleta estrutura fundiária  e as relações de trabalho no campo.

De fundamental importância para a manutenção  desse pacto político foi o papel desempenhado pelo PTB, que, funcionando como linha auxiliar do PSD,  viabilizou a sustentação político-partidária dos governos Vargas e Kubitschek. Ambas as agremiações, como se sabe,  originaram-se da mesma matriz getulista. Na coalizão PSD-PTB agregavam-se interesses tanto daa oligarquias agrárias e de figuras do empresariado nacionalista,  (presentes também na direção do PTB), como de líderes trabalhistas urbanos.

Já os dois últimos presidentes desse período  -- Jânio Quadros e João Goulart --  tiveram um relacionamento difícil e tenso com o Legislativo, onde, aliás,  não dispunham de maioria parlamentar. Com o agravamento da crise econômica em fins do governo Kubitschek, caracterizada pela contínua expansão  da espiral inflacionária, crescia dia a dia o volume das demandas dos centros urbanos do país, consubstanciadas em inúmeros projetos de cunho reformista. A questão agrária, não resolvida,  constituia-se num dos pontos mais sérios de estrangulamento da nossa economia. Além disso, projetos de reforma social, tributária ou educacional, enviados pelo Executivo ao Congresso,  raramente tinham conseqüência nessa casa legislativa.  Os conflitos entre os dois poderes do Estado acabaram gerando impasses insuperáveis no processo decisório, com danosos reflexos sociais.

Em meio ao clima de efervescência social então criado,  começaram a radicalizar-se grupos e forças políticas em pólos antagônicos, à esquerda e à direita do espectro ideolgógico, conforme o seu posicionamento fosse favorável ou desfavorável às chamadas reformas de base.  Esse processo de radicalização ficou claramente evidenciado nas eleições de 1962: pela primeira vez não houve coligação entre o PSD e o PTB nas eleições para governador. A representação do PTB na Câmara Federal crescera vertiginosamente no período entre 1945 e 1962: em 1945, o total dos parlamentares petebistas equivalia à apenas 1/7 do PSD; já em 1962, os dois partidos praticamente se igualavam (40).  Ora, o crescimento eleitoral do PTB resultava, em grande parte,  da insatisfação das massas urbanas com a intransigência da maioria congressista em relação à questão social. E, a partir  daí, aprofundou-se progressivamente o seu engajamento na política reformista-populista patrocinada por Goulart. Rompida a histórica aliança eleitoral, visível, aliás, no posicionamento das duas agremiações face a questões cruciais como reforma agrária e greves,  foi-se acentuando cada vez mais o desequilíbrio que,  no plano das instituições políticas,  opunha, à esquerda,  a Presidência e o  PTB (além de partidos menores como o PSB) e, à direita, as demais forças partidárias do Congresso.

Na verdade, tanto entre as fileiras da direita, como da esquerda,  já se generalizara a impressão  de que o sistema político então vigente tinha esgotado todas as suas possibilidades. Conforme frisa o brazilianist   Alfred Stepan, “(...) Os mais capacitados a defender o regime  -- os dois últimos presidentes antes do colapso de 1964, Jânio Quadros e João Goulart --  estavam pessimistas quanto às probabilidades de funcionamento efetivo do sistema político, e pode-se mesmo afirmar que ambos trabalharam mais firmemente para mudar o regime , do que para  realizar metas dentro dos limites  da estrutura existente.  De fato,  Jânio Quadros renunciou  na esperança de conseguir um mandato gaullista para executar importantes reformas de estrutura. Seu sucessor, João Goulart, freqüentemente falava da sua impotência para governar o país e, na verdade,  segundo parece,   permitiu que alguns problemas piorassem tanto, a fim de reforçar sua afirmação de que o sistema exigia uma mudança básica”(41). Diferentemente das crises anteriores, onde o que estava em questão  era a figura dos dirigentes,  a crise da antevéspera de 64 envolvia a credibilidade no próprio sistema do poder executivo.  Nesse sentido,  qualquer facção que conseguisse a plenitude do mando político,  procederia a reformulações estruturais no plano institucional.

E foi isso, de fato, o que aconteceu, após a derrubada de Goulart pelos militares que se opunham à sua política populista-reformista, com o deslocamento do eixo de gravidade do processo decisório para o Poder Executivo e a conseqënte marginalização  do Congresso.

4.3- O conceito de modernização segundo o grupo militar-tecnocrático.-   A circunstância de militares contrários a Goulart terem assumido o poder não significou,  a bem da verdade,  o triunfo da resistência conservadora do Congresso, ainda que interesses vitais de grupos oligárquicos  -- como a intocabilidade da estrutura fundiária do país --  fossem acolhidos pelo novo grupo dirigente, em virtude do potencial eleitoral eles possuiam.  De outro lado, o que o estamento militar entendia  por modernização do país, não era seguramente o mesmo que entendiam os defensores das reformas de base.  Para estes, o processo de modernização deveria ser presidido por critérios eminentemente sociais; seu grande objetivo  seria ampliar a participação  dos segmentos médios e inferiores da sociedade brasileira nos bens culturais e na riqueza produzidos. Abstração feita dos meios propostos para tal, não há como pôr em dúvida o propósito último da propaganda reformista, que mobilizava largas camadas sociais.

Para o grupo militar-tecnocrático que ascendeu ao poder em 1964,  o conceito de modernização tinha um sentido mais preciso: ele era fundamentalmente econômico  e não social.  Tratava-se de,  em aliança com o empresariado nacional e multinacional,  implementar ambiciosos projetos de desenvolvimento econômico, que permitissem ao país atingir o status de potência até o final do século. A realização dessa meta exigiu ao governo a adoção de uma forte política intervencionista, voltada para a rápida acumulação dos capitais necessários aos grandes investimentos empresariais no setor público ou privado, estratégia que significou, na prática, o refreamento da tendência distributivista existente antes de 1964 e o incremento, de outro lado, da arcaica tendência cartorial e centralizadora do Estado-empresário, na materialização das grandes obras de infra-estrutura. Sem ser declaradamente anti-social, o modelo econômico implementado pelos sucessivos governos militares, acabou gerando inevitável compressão no nível de rendimento das classes assalariadas, especialmente nos segmentos mais baixos: prova disso é que os índices oficiais de atualização  salarial nunca acompanharam, via de regra, o crescimento da inflação real.  Para conter as insatisfações decorrentes dessa linha de ação, criaram-se instrumentos legais de caráter coercitivo, como a Lei de Segurança Nacional e inúmeros Atos Institucionais.  Tais instrumentos permitiram, em primeiro lugar, que o poder permanecesse nas mãos de dirigentes comprometidos com a continuidade do projeto modernizador de 1964:  em segundo, que fosse assegurada a ordem social imprescindível à consecução das metas estabelecidas.

Importante frisar, ainda, que o engajamento dos militares no processo de modernização do país, terminou por esvaziar a tradição  legalista que, até 1930,  havia sido a tendência predominante no seio das Forças Armadas. Já na década de 20, a jovem elite militar brasileira, influenciada não apenas pelo ideal desenvolvimentista herdado do positivismo, mas também pelo intercâmbio de idéias mantido com instrutores militares estrangeiros, entendia como imprescindível a participação dos militares na luta contra o atraso econômico e social do país.  Conhecidos como “tenentes”, lideraram movimentos contra os grupos oligárquicos no poder antes da Revolução de 1930.  A partir daí, a oficialidade militar brasileira, tornou-se cada vez mais empolgada com a mística desenvolvimentista, ao mesmo tempo que se generalizava a convicção de que a classe política civil, herdeira dos velhos hábitos do patrimonialismo tradicional, estaria moral e técnicamente desqualificada para liderar o processo de modernização do país.  Assim é que, a partir de 1964, não hesitaram os militares em assumir diretamente o controle do processo político. Até então, como é sabido,  o estamento militar vinha desempenhando o papel de árbitro do jogo político, limitando-se a interferir, como uma espécie de poder moderador, nos momentos em que os conflitos desaguavam em impasses insuperáveis.

4.4- A representação política após 1964.-  Um exame superficial da situação do Congresso nacional após 1964, face aos super-poderes enfeixados na mão pelo Executivo, aponta distorções alarmantes, que passam a ser diagnosticadas nas próximas linhas. Convém destacar, no entanto, que em que pese as múltiplas causas ideológicas e estruturais do movimento militar modernizador, o cerne da influência, ou melhor, o arquêtipo predominante foi o castilhista-getuliano, que aliás tinha sido incorporado na mentalidade militar a partir da mediação, já mencionada, do general Góes Monteiro. Diríamos que, se em 30 o getulismo cooptou o elemento militar, em 64 este, tendo incorporado o modelito   castilhista-getuliano, cooptou o elemento civil.

a)  A marginalização do legislativo.- A política econômica, sem dúvida o ponto nevrálgico de qualquer programa de governo,  ficou inteiramente confinada à esfera do Executivo. Por força do disposto no parágrafo 1 do artigo 65 da Constituição de 1967, os parlamentares estavam virtualmente impedidos de introduzir modificações nas leis orçamentárias -- exatamente as que estabeleciam a destinação dos recursos fornecidos pela sociedade --.  Era-lhes vedado apresentar “emenda de que decorra aumento da despesa global (...) ou que vise a modificar-lhe o montante, a natureza ou o objetivo”. Ora,  ainda que em sua elaboração o recurso a meios técnicos  seja imprescindível, o orçamento não deixa de ser,  do ponto de vista dos efeitos que gera, uma peça essencialmente política.  Daí a necessidade da participação da representação política da sociedade,  ao menos na definição de suas prioridades.

O esvaziamento do Congresso foi de tal ordem, que até o clássico princípio de não haver imposição de tributos sem o consentimento dos representantes dos cidadãos tributados, acabou sendo atropelado (No taxation without representation).  Impostos e taxas das mais diferentes naturezas foram criados, por vezes de surpresa,  mesmo após ter sido elaborado e aprovado o orçamento fiscal. O Banco Central, criado nos primeiros anos dos governos militares, logo perdeu a sua independência face às pressões dos generais, abrindo assim as portas para a espiral inflacionária. O fundador do Banco, que se opunha à perda da independência da entidade, foi obrigado a exonerar-se. Por não figurarem na lei orçamentária, os recursos extraordinários arrecadados de forma compulsória ficavam sem uma destinação definida, vale dizer, ao inteiro arbítrio do Executivo. Isso tudo sem falar do orçamento monetário, que abrigava somas substancialmente superiores às do orçamento fiscal, e que não era submetido à apreciação do Legislativo.

Outro aspecto extremamente grave do problema diz respeito à impossibilidade prática de ser exercido, pelo Congresso,  o controle político da administração direta e indireta, função essencial da representação popular. O artigo 45 da Constituição de 1967 estabelecia que “a lei regulará o processo de fiscalização, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, dos atos do Poder Executivo, inclusive os da administração indireta”. Não obstante dezenas de projetos de lei regulamentando a citada disposição  constitucional terem sido apresentados ao Legislativo, desde   os primeiros anos dos governos militares, nenhum deles conseguiu chegar a plenário, retidos que ficaram nas comissões técnicas, por determinação do governo. Ora, o controle mediato da sociedade civil sobre o Estado constitui imperativo ético, do qual é impossível fugir sem quebra da legitimidade política. Ao lado do controle contábil executado pelo Tribunal de Contas,  o controle político do desempenho administrativo do Executivo, através da representação,  pode reduzir consideravelmente, por exemplo, os abusos e excessos de toda ordem praticados pelas empresas estatais, em conseqüência da incúria, incompetência ou da corrupção administrativa.

Houve, finalmente, além das restrições infligidas ao instituto da inviolabilidade parlamentar, a aberração da legislação  a prazo fixo, em que consistia a lei aprovada por decurso de prazo. Matérias de relevantes efeitos políticos, sociais e econômicos, enviadas pelo Executivo ao Congresso,  acabaram sendo aprovadas sem o mais superficial exame por parte dos representantes do povo.  O fato de não se conhecer, no mundo, nenhum país onde leis entrem em vigor por simples decurso de prazo, ilustra bem a precariedade da situação do Legislativo, no ciclo autoritário militar.

b) A falta de modernização da classe política.- Mas à própria representação política cabe ponderável parcela da responsabilidade pela sua marginalização  do processo decisório. Governar é tarefa extremamente complexa,  que requer amplo domínio de técnicas e informações resultantes do desenvolvimento científico e tecnológico. Todos os grandes problemas nacionais revestem-se de componentes técnicos, exigindo, para seu equacionamento, o concurso de especialistas de alta capacitação profissional. Ora, não há como negar o gritante descompasso existente, sob tal aspecto, entre a classe política e a elite tecnocrática no poder. A falta de modernização do Legislativo brasileiro, desprovido de informações e quadros técnicos que dêem o necessário respaldo ao seu desempenho como órgão do Estado, é uma das deficiências mais gritantes da realidade política das últimas décadas.

O Brasil do ciclo militar carecia de lideranças políticas modernizadas, capazes decontrapor  às omissões ou desacertos governamentais, projetos alternativos viáveis, bem como de desempenhar,  em toda a sua plenitude, a função de órgão fiscalizador dos atos do Executivo. Do Congresso Nacional não partiram propostas concretas e coerentes com vistas a, por exemplo, reformular o sistema tributário ou a estrutura fundiária do país. Pouco fizeram os partidos políticos para se adaptarem à época atual,dominados em geral por considerações imediatistas e arrraigados a vícios históricos darepresentação, como o carreirismo, o oportunismo e, principalmente, o clientelismo.

Em suma, a classe política brasileira menosprezou, ela própria,  as funções legislativas. Como afirma Antônio Paim, “(...) a classe política brasileira não constituiu em seu seio nenhum agrupamento modernizador, familiarizado com a evolução da prática e da doutrina do sistema representativo. O mínimo que se poderia exigir  de uma elite com tais características é que fosse conhecedora do processo adaptativo experimentado pelo Parlamento,  em especial na grande democracia presidencialista que são os Estados Unidos; que dominasse a experiência de superação das crises entre Legislativo e Executivo, como a que viveu a França, e as soluções superadoraas adotadas (...). A liderança de nossa elite política não foi capaz de dar esse passo, por si mesma, ancorada que ficou no patrimonialismo tradicional, identificando poder com Executivo, tendo como meta sobretudo alcançá-lo e, por isto mesmo, transformando a função representativa numa simples ponte e a instituição em mero elemento de barganha”(42).

A criação de quadros técnicos especializados dentro do Legislativo, com a função de assessorar os parlamentares quanto ao exame e elaboração de matérias de interesse público, possibilitaria a tão almejada colaboração entre técnicos e políticos.  Levando-se em conta que uma solução técnica comporta normalmente várias alternativas, caberia aos políticos, possuidores de uma visão global da sociedade e conhecedores dos seus anseios fundamentais, fazer a escolha mais acertada. Em outras palavras, o papel do político seria justamente o de saber interpretar as expectativas e preocupações do meio social, face às soluções apresentadas pelos técnicos. Um exemplo poderia ilustrar melhor esse papel. Na crescente oposição que há, a nível mundial, contra a instalação de centrais nucleares, corresponderia aos políticos, de um lado, canalizar até o Estado e à elite técnica que o assessora, as inquietações da população e, de outro, “traduzir” ao cidadão comum os riscos e as vantagens da solução técnica pretendida  pelo Estado.

c) A crise do estatismo.- A marginalização do Legislativo e a falta de modernização da classe política foram, a bem da verdade, induzidas pelo regime militar,  que numa paradoxal estratégia apontou as suas baterias para a destruição da elite liberal.  Grandes líderes civis terminaram sendo ilhados e perseguidos pelo autoritarismo castrense.  Antônio Paim considera que esse constituiu o pior descaminho do movimento de 64 que,  por essas ironias da história, acabou  pondo em prática a teoria stalinista do “golpe principal”.

Eis as palavras de Paim a respeito: “Como se explica que a Revolução de 64  -- que era um movimento de inspiração liberal, destinado a impedir que o país se transformasse numa república sindicalista, presidida pelo jubileu da incompetência nacional encarnado na dupla Jango/Brizola --  tenha chegado a tão melancólico resultado (...)? “ .   Muitas seriam as explicações a respeito, a primeira das quais apontaria para a perpetuação do nosso autoritarismo republicano. Mas, considera Paim, o fato é que o grupo  que terminou empolgando o poder, dentro do Exército, após a morte do marechal Castelo Branco,  decidiu aplicar a teoria stalinista do “golpe principal”, que consistia em ferir de morte, não o inimigo principal, mas aquela força capaz de impedir que os comunistas (no caso de Stalin), ou os militares (no caso brasileiro) conquistassem o seu objetivo.  Ora, essa força, na nossa conjuntura histórica, seriam os liberais. “No caso brasileiro  --escreve Paim--  a força  capaz de impedir que a Revolução empreendesse o caminho do franco autoritarismo era a liderança liberal. Convencidos que estavam os seus chefes de que somente com censura à imprensa, prisões e outras ilegalidades seriam liquidados os terroristas, trataram de abrir o caminho ao sistema de seus sonhos, eliminando a liderança liberal. Os liberais não eram certamente os inimigos mortais da Revolução de 64. Mas acabaram sendo tratados como tais. A partir de determinado momento, as cassações voltaram-se contra esse segmento. Rolaram cabeças de homens como Milton Campos, Carlos Lacerda e tantos outros. De sorte que as dificuldades presentes resultam desse legado de 64, isto é, o país perdeu a sua liderança liberal. Tivéssemos hoje uma liderança liberal competente e as dificuldades da transição certamente seriam minimizadas”(43).

O ponto alto do autoritarismo castrense foi,  do ângulo do processo estatizante,  o governo Geisel (1973-1979). Dois fatores estatizantes foram acelerados nesse período: o crescimento das empresas do Estado, que chegaram a 485, e a manipulação da representação política pelo poder central, ao privilegiar  -- no pacote de abril de 1977--  o norte e o nordeste no Congresso, justamente as regiões que mais dependiam dos favores do Executivo.

Em relação ao primeiro aspecto, um indicador que mostra claramente o gigantismo e a baixa produtividade estatal no periodo militar é o seguinte: segundo dados da Gazeta Mercantil,  enquanto os gastos calculados para as 485 empresas estatais cresceram 153%, o lucro líquido negativo de 13 das 50 maiores  equivalia, em 1985, a 37,58% do líquido global. Diversamente, o lucro líquido negativo de 52 das 500 maiores empresas privadas,  em 1985,  chegava apenas a 5,81% do lucro líquido total.  De outro lado, como destacou o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, o grau de estatização sofrido pelo Brasil no período apontado foi o maior ocorrido no hemisfério ocidental, ao longo deste século (44).

Em relação ao segundo aspecto,  ao longo das últimas décadas houve séria distorção da representação política,  em conseqüência da desastrada emenda constitucional do governo Geisel que, como frisa Miguel Reale, “(...) para asegurar-se maioria no famigerado colégio eleitoral, conferiu o mínimo de oito representantes a a cada Estado,  ainda que não chegasse a ter duzentos mil eleitores”. Essa medida, aliada à que consagrava o máximo de 60 deputados (atribuído a S. Paulo), terminou por dar mais peso representativo aos Estados menos desenvolvidos (os que dependiam em maior grau do poder central).

Em que pese o fato de, numa das mais tumultuadas sessões da Constituinte,  ter sido aprovada emenda aumentando  o limite máximo de deputados federais por Estado para 70, tendo sido conservado o mínimo de oito, não foi corrigida a distorsão que confere, por exemplo,  20 vezes maior valor a um eleitor de Roraima, em relação ao que vota em S. Paulo. A respeito, Miguel Reale alertava:  “(...) se considerarmos que se pretende criar mais quatro unidades federativas, fácil é compreender que serão atingidos ainda mais os médios e grandes Estados, com absoluto predomínio, na Câmara dos Deputados,  das regiões econômica e culturalmente  menos desenvolvidas (...)”(45).

Estes dados nos permitem avaliar o grau do impacto prejudicial que teve, para o futuro político do país, a deformação impingida à representação pelo governo Geisel.  Na trilha dessa deformação, elegeu-se para o parlamento uma classe política vinculada aos interesses do Brasil mais arcaico, que é responsável, sem dúvida, pelas contradições da Constituinte e da Constituição de 1988. Os efeitos nocivos da ditadura, fazem-se sentir ainda hoje.

A Constituição de 1988 reforçou o traço estatizante do período militar, ao adotar mecanismos intervencionistas exagerados como o tabelamento de juros, a reserva de mercado e um estreito conceito de empresa nacional. De outro lado, a xenofobia presente no texto constitucional abre as portas perigosamente para a fuga dos capitais estrangeiros de que tanto precisa a nossa economia. Parece que os constituintes brasileiros optaram por remar contra a corrente, num momento em que crescem os incentivos ao capital externo, mesmo em economias tradicionalmente fechadas como a chinessa ou a russa. A errada política tributária adotada pela Constituição, se bem consolidou a descentralização das receitas, não conseguiu a descentralização das atribuições,  com o que o cidadão  ficou submetido a uma tripla carga tributária.

A visão terceiro-mundista, aliada a um provincianismo canhestro, terminou conduzindo a política econômica do país a um isolacionismo perigoso. Parece que o Brasil fez uma opção pela pobreza e pelo atraso,  ao rejeitar a integração ao mercado mundial.

d)  Panorama do atual Estado patrimonial brasileiro.- O Estado patrimonial brasileiro,  em que pese o processo modernizador nele presente, não tem conseguido, no entanto,  evoluir até a plena  prática da democracia. Max Weber considerava que é possível passar de Estados com forte tradição patrimonial, para organizações políticas mais afinadas com o modelo contratualista, em que o Estado não se consolida  -- como no caso do patrimonialismo --  a partir da hipertrofia de um poder patriarcal original, mas em que o Estado surge a partir da negociação entre as diversas ordens de interesses presentes na sociedade. Os processos ocorridos, ao longo dos últimos vinte anos, em países de longa tradição patrimonial como Espanha e Portugal  -- e, no caso latino-americano, a  démarche  modernizadora e democrática de países como Chile, México e Argentina --  confirmam a  validade da previsão weberiana.

No Brasil, contudo, as forças de sustentação deo Estado patrimonial parecem ainda muito fortes. A herança cartorial portuguesa revelou-se, no nosso caso, muito mais duradoura do que o centralismo hispânico. Isso porque, talvez, foi Portugal um país em que a  raison d’état  se mostrou muito mais viva do que na Espanha, o que possibilitou, diga-se de passagem, que se conservasse unido o vasto império luso- americano, ao passo que a parte hispânica se esfacelou em múltiplas repúblicas.  Nesse ponto, o nosso patrimonialismo foi muito mais eficaz. Contrastando com um Continente em que cada vez entram mais fundo as idéias neo-liberais, “(...) no caso brasileiro,  -- observa Meira Penna --  o que está ocorrendo é um fenômeno inverso. Em que pese as tímidas privatizações empreendidas pelo governo federal e o de São Paulo, a opressão do setor público sobre a economia tende a crescer. Aumentam os impostos precisamente sobre o único setor produtivo da Nação: o privado (...). Para esse lastimável resultado contribui não só a classe propriamente política, que detém o poder em Brasília, e a burocraciade cerca de 8milhões  deindivíduos que (mal) administram o País, na União, nos Estados e nos municípios, mas entidades corporativas interessadas ideologicamente na manutenção de seus privilégios patrimonialistas,parasitários do Estado. A CUT, a UNE, a Justiça do Trabalho, os escalões inferiores na redação dos grandes jornais, o meio universitário docente e discente, o clero dito progressista (...), todos se esmeram na preservação da estrutura intervencionista do Estado brasileiro  -- herdada da Colônia, revigorada pelo positivismo e corporativismo getuliano e consolidada pelo marxismo que contaminou a cultura brasileira depois da II Guerra Mundial --” (46).

A situação do Estado patrimonial brasileiro não mudará, enquanto a sociedade não tiver consciência de que quem mais se representa, hoje, no Congresso, não são os cidadãos e os seus interesses, mas a nomenklatura   patrimonialista que tomou conta do Estado. “A elite burocrática estatal,   -- escreve Antônio Paim --   que sempre foi a classe dominante, conseguiu aumentar espantosamente o seu poder sob os governos militares, ao multiplicar empresas estatais e empregos rendosos”(47). Nesse contexto, a adoção do voto distrital é o instrumento legal mais importante para dar base firme à prática da representação no Brasil. Somente aproximando o eleito dos interesses do eleitor, será possível moralizar o Congresso. Estudos e propostas não faltam. Falta, sim vontade política do Congresso e do governo para efetivar essas reformas (48).

A mais recente prova da inoperância  da representação no Brasil, foi o fracasso estrondoso que a classe política protagonizou na reforma da Constituição de 1988. As  soi-disants “forças progressistas” obstruíram sistematicamente os trabalhos da revisão constitucional,  que se alastraram penosamente ao longo do primeiro semestre de 1994.  E o resto do Congresso  -- a situação   --  afinou-se com a hipócrita atitude do governo Itamar Franco, que falava da importância da revisão, mas que sistematicamente a sabotava, pois não interessava aos seus anseios estatizantes e à sua compulsão clientelista.

Essa situação levou Adolpho Crippa a escrever: “Conduzido de maneira descoordenada, sem contar com a força e o brilho de personalidades marcantes, enfrentando o desinteresse e o temor de uma maioria amorfa e pulverizada em partidos pouco ou nada expressivos euma minoria orquestrada e agressiva e, por fim, relegado à pouco importância pelo presidente da República e a quase totalidade dos ministros de Estado, o processo revisor só poderia terminar como está terminando.  Um enorme e humilhante malogro. Perdeu-se mais uma oportunidade derecoloar o país nos caminhos do progresso e da moralidade. Como tributo à mediocridade de uns e à inconsciênciade outros,  ao atraso mental de uns e à prepotência de outros, aos erros do passado e aos equívocos do presente,  o país terá de continuar pagando a pesadacarga da desorientação, da miséria,  da desumana distribuição de renda e da estagnação por mais alguns anos”(49).

Outra exigência imperiosa para a superação do estatismo patrimonialista brasileiro,  diz relação à educação para a cidadania. Odramático desmantelamento do ensino básico levou, no Brasil, ao longo dos últimos 30 anos,  ao absoluto descuido na formação da consciência cidadã. Esta deve ocorrer no ciclo  inicial  do ensino primário. Sem se equacionar esse grande problema, não serápossível aspirar a construír uma moderna democracia. A discussão atual acerca do problema tem sido efetivada, principalmente,  no contexto do pensamento liberal por Antônio Paim (50).

Exigência inadiável para atingirmos a modernidade, consiste na formulação de uma  moral social de tipo consensual.  A outra cara da moeda do paternalismo estatal é o filhotismo da sociedade. Espera-se tudo do Estado, até o equacionamento das questões morais e políticas. Lembremos que isso formava parte da aritmética política   dePombal. A moral não se discute: já está pautada institucionalmente. É questão de ciência, a ser solucionada pelos que mandam.

A crise brasileira hodierna pode ser caracterizada como essencialmente moral. Não há consenso acerca do minimum   comportamental a ser exigido socialmente de cadaum dos habitantes deste país. Por inexistir esse tipo de consenso falham as relações comerciais, num ambiente de calote generalizado;inexiste confiança entre empresários, para o andamento dos negócios: uns e outros sentem-se livres das obrigações dapalavra empenhada; desapareceu a seriedade e a meritocracianas instituições deensino, cujo corpo discente gasta toda a energia mental no desenvolvimento das técnicas da “cola”; desestrutura-se o edifício social pelo espírito de bandalaheira, delevarvantagem em tudo; osestamentos burocráticos do Estado arvoram-se em moralizadores da sociedade, numa paradoxal rotina de intervencionismo, violência, confisco, inoperância e corrupção.

Somente a formulação de uma moral social de tipo consensual, como lembra Antônio Paim (51), permitiria à nossa sociedade superar esse impasse. Lei nenhuma, nem mesmo anova Constituição, terá eficácia, na ausência desse fundamento moral. Não se trataria, evidentemente,  de desconhecer  o imperativo moral do foro íntimo. Trata-se, sim, de reconhecé-lo, inserido na dinâmica histórica da sociedade. No convívio civilizado deindivíduos de diversas formação (um convívio eminentemente pluralista), é necessário fixar por consenso o minimum   a ser exigido,a título moral, de todos os cidadãos. É evidente que a prática desse consenso abre a porta  para a sociedade democrática.

Por último, a pedra de toque do processo demodernização corresponde,  hoje, à plena adoção da economia de mercado. Uma economia, como a brasileira, controlada em 70% pelo Estado, pende mais para o socialismo. A grande questão consiste em saber se  os 30% restantes conseguem ainda erguer um modelo de economia de mercado, eficiente, produtivo, aberto ao risco e à livre iniciativa. Não nos enganemos: as travas colocadas pela Constituição de 1988 à representação dos Estados mais modernizados, constituem um sério empecilho para essa tarefa.  São travas especialmente o préconceito xenófobo contra o capital estrangeiro, o estreito conceito de empresa nacional, bem como as disposiçõescartoriais do tipo de tabelamento de juros. Impõe-se ainda, mesmo após o fracasso da revisão, uma reformulação urgente da Constituição em vigor, principalmente no que tange a esses itens.

A fome, o subdesenvolvimento, a falta de respeito que o Brasil sofre no plano internacional, devemser tributados na conta da nossa estrutura econômica pré-capitalista, que não é,aliás,  fenômeno recente, como já o tinha salientado Oliveira Vianna (52). Enquanto não se estimular a produtividade, enquanto se tributar exclusivamente o capital que gera empregos e o trabalho, enquanto a burocracia orçamentívora for o negócio mais rentável (a política é, no Brasil, segundo Simon Schwartzman, o grande negócio) (53), não sairemos do atraso. não adianta chorar lágrimas terceiro-mundistas, atribuíndo aos países ricos a nossa desgraça.

É bem verdade que se torna necessária uma nova ordem econômica internacional, consentânea com a nova aglutinação geo-política do mundo após o ciclo da guerra fria. Mas o Brasil não terá autoridade moral paraa levantar a sua voz nos foros internacionais, enquanto aqui campearem o burocratismo orçamentívoro e a incompetência. O único item positivo da hodierna economia brasileira, o superávit da nossa balança comercial, ameaça ir por água abaixo, na medida em que não for superada a mentalidade de quebra-galho e a falta de competitividade, causadas pela defasagem tecnológica e o paternalismo estatal. Segundo estudo sobre  a  situação da indústria brasileira, elaborado pelo Long-Term Credit Bank of Japan (LTCB) (54),  um dos maiores bancos de financiamento de empreendimentos em todo o mundo,  o Brasil possuía, em 1988, a oitava economia mundial, com o setor industrial respondendo por 33% do seu Produto Interno Bruto. Mas, na fortemente competitiva corrida das exportações, ocupava um modestíssimo 19  lugar, atrás de Cingapura, Hong-Kong e Austria. A eficiência da produção brasileira é bem inferior `a  da  Coréia do Sul  e de Formosa, do ponto de vista dos seguintes itens:  introdução de componentes eletrônicos; preços para a exportação; rendimento do combustível; espessura e qualidade dos laminados de aço; introdução de robôs; automação das linhas de produção; padrões de qualidade e segurança; capacidade de desenvolvimento de novos modelos e produção de computadores. Isso em virtude do protecionismo e da pouca exigência do mercado interno.










NOTAS

1)  Weber, Max. Economía y sociedad.   Primeira edição em espanhol. (Tradução de J. Medina Echavarría, et alii). México: Fondo de Cultura Económica, 1944, lo. vol., p. 241.

2) Cf. Weber, Max.  Economía y sociedad.   Ob cit., vol IV,  pp. 139-140.

3) Cf. Uricoechea, Fernando. O minotauro imperial.   Rio de JaneiroSão Paulo: Difel, 1978, pp. 31 seg.

4) Weber, Max. Economía y sociedad.   Ob. cit., vol. IV, p. 249.

5) Wittfogel, Karl. Le despotisme oriental.  (Tradução ao francês de M. Pouteau). Paris: Minuit, 1977, p. 1.

6) Faoro, Raimundo. Os donos do poder.   5a. edição.Porto Alegre: Globo, 1979, vol. I, pp. 88-89.

7) Weber, Max. Economía y sociedad.   Ob. cit.,, vol. IV, p. 249.

8) Faoro, Raimundo. Os donos do poder.   Ob. cit., vol. I, pp. 86-87.

9) Faoro, Raimundo. Os donos do poder.   Ob. cit.,  vol. I, p. 85.

10) Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.   6a. edição, Rio de Janeiro: José Olympio, 1971, p. 30.

11) Kujawski, Gilberto de Mello. “Meditação sobre o homem colonial”. Convivium,  no. 4 (1977): p. 393.

12) Weber, Max. Economía y sociedad.   Ob. cit., vol. IV, p. 172.

13) Kujawski, Gilberto de Mello. “Meditação sobre o homem colonial”. Art. cit., p. 395.

14) Faoro, Raimundo. Os donos do poder.  Ob. cit., vol. I, p. 133.

15) Torres, João Camilo de Oliveira. Interpretação da realidade brasileira.    Rio de Janeiro: José Olympio,  1973,, pp. 28-29.

16) Ferreira, Oliveiros S. Nossa América: Indo-América. São Paulo: Pioneira, 1971, p. 20.

17) Leal, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto.   São Paulo: Alfa-Omega, 1975, pp. 65-66.

18) Cf. Uricoechea, Fernando. O minotauro imperial.   Ob. cit., p. 49.

19) Leal, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto.   Ob. cit., p. 43.

20) Tocqueville, Alexis de. A democracia na América.  (Tradução,prefácio e notas de N. Ribeiro daSilva).  Belo Horizonte: Itatiaia: São  Paulo: Edusp, 1977, pp. 39-40.

21) Paim, Antônio. A querela do estatismo.   Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978, pp. 24-25.

22) Cit. por Antônio Paim, in: A querela do estatismo.   ob. cit., p. 21.

23) Paim, Antônio. A querela do estatismo.   ob. cit., p. 29.

24) Cf. para o castilhismo, de Ricardo Vélez Rodríguez, Castilhismo, uma filosofia da República.   Porto Alegre: EST; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980.

25) Castilhos, Júlio de. “Mensagem à Assembléia do Rio Grande”, in: A Federação.   27-09-1897.

26) Ferreira Filho, Arthur.  História geral do Rio Grande do Sul.   Porto Alegre: Globo, 1958, p. 149.

27) Britto, Victor de. Gaspar Martins e Júlio de Castilhos: estudo crítico de psicologia política.   Porto Alegre: Livraria Americana, 1908, pp. 48-49.

28) Britto, Victor de. Gaspar Martins e Júlio de Castilhos.   Ob. cit., p. 51.

29) Moacyr, Pedro. Editorial, in: A Federação.   4-9-1893.

30)  Britto, Victor de. Gaspar Martins e Júlio de Castilhos.   Ob. cit., pp. 52-53.

31) Paim, Antônio. A querela do estatismo.   Ob. cit., p. 74.

32) Cit. por Antônio Paim, in: A querela do estatismo. Ob. cit., p. 59.

33) Cf. Paim, Antônio. A querela do estatismo.   Ob. cit., pp. 81-83.

34) Cf. Paim, Antônio. A querela do estatismo.   Ob. cit., pp. 85 seg.

35) Cf.Paim, Antônio. A querela do estatismo.   Ob. cit., pp. 110 seg.

36) Cf. Paim, Antônio. A querela do estatismo.  Ob. cit., pp. 114 seg.

37) Na análise do esforço modernizador, de cunho autoritário, empreendido por Vargas, é interessante levar em consideração aforma em que se processou o debate dos mais importantes temas políticos, entre as correntes conservadoras, ao redor da Revista  Cultura Política  ,  dirigida por Almir de Andrade. Cf., a respeito, Congresso Nacional, Câmara dos Deputados. Cultura Política e o pensamento autoritário.   (Introdução de Ricardo Vélez Rodríguez). Brasília: Câmara dos Deputados, 1983. Biblioteca do Pensamento Político Republicano, 21.

38) Ferreira, Oliveiros S. O fim do poder civil.  São Paulo: Convívio,  s/d., p. 16.

39) Lafer, Celso. O sistema político brasileiro.   São Pualo: Perspectiva, 1975, p. 70.

40) Cf. Soares, Gláucio Ary Dillon. Sociedade e política no Brasil.   São Paulo: Difel, 1973, pp. 175 e 190.

41) Stepan, Alfred. Os militares na política.   (Tradução de I. Tronca). Rio de Janeiro: Artenova, 1975, p. 111.

42) Paim, Antônio.  A querela do estatismo.   Ob. cit., pp. 130-131.

43) Paim, Antônio. “O defeito capital da Revolução de 64 e a tarefa magna dos próximos anos”. In: O que mudou nestes 25 anos? - Convivium  30, no. 3 (1987): p. 279.

44) Cf. “As estatais”. Relatório da Gazeta Mercantil, 05-01-84, pp. 2-3. De Mário Henrique Simonsen, cf. Brasil 2001.   Rio de Janeiro: Apec, 1966.

45) Reale,  Miguel. Ävaliação da Constituinte”.  Jornal do Brasil, 25-02-88, 1o. Caderno, p. 11.

46) Penna, José Osvaldo de Meira. “A morte lenta da galinha dos ovos de ouro”.  Boletim Planalto.  São Paulo, Boletim B, no. 34 (1994): pp. 4-5.

47) Paim, Antônio. “Falta nitidez ao Congresso”.  Boletim Planalto. São Paulo, Boletim B, No. 34 (1994):p. 2.

48) Cf. de Antônio Paim,  “A democratização do sufrágio”. Carta Mensal. Rio de Janeiro, vol. 36, no. 426 (1990): pp 19 seg.

49) Crippa, Adolpho. “O despertar da cidadania”. Boletim Planalto.   São Paulo,
Boletim A, no. 31 (1994): p. 1.

50) Cf. de Antônio Paim, “A  educação liberal”, in”Carta Mensal.  Rio de Janeiro, vol. 36, no. 424 (1990): pp. 29 seg.

51) Cf. de Antônio Paim. Modelos éticos: introdução ao estudo da moral. São Paulo: Ibrasa; Curitiba: Champagnat, 1992.

52) Cf. de Oliveira Vianna,  Introdução à história social da economia pré-capitalista no Brasil.  Rio de Janeiro: José Olympio, 1958.

53) Schwartzman, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro.la. edição. Rio de Janeiro: Campus, 1982.

54) Anónimo. “Nossos tropeços lá fora”. Jornal do Brasil .   31-07-88, Caderno B-Especial, pp. 4-5.















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Nota: Além da Bibliografia citada no texto, aparecem, nesta Bibliografia,  asprincipais obras, editadas no Brasil, sobre aproblemática do Estado Patrimonial.

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