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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

BIBLIÓFILOS: COM A CASA NAS COSTAS


Este escriba na sua biblioteca. (Juiz de Fora, 2010).

Sou bibliófilo. Desde a infância vivi entre livros. Ganhei deles uma alergia brava que se transformou em sinusite crônica com desdobramentos desagradáveis como a síndrome de Meunier... O amor pelos livros foi-me ensinado pelo meu pai, Don Alfonso, um espírito quixotesco que misturava conservadorismo, paixão libertária, catolicismo antioqueño, horror ao clericalismo, fé na iniciativa privada, desconfiança em face de milicos e advogados e uma enorme curiosidade intelectual de autodidata (embora tivesse se formado como professor primário e sempre tivesse desejado ser engenheiro, tendo seguido cursos por correspondência nas Escolas Internacionais que, desde os Estados Unidos, ofereciam formação de técnico em construções civis).

O traço existencial que mais se destacava no meu pai era o amor aos livros. Além, claro, da dedicação à família.Tinha organizado uma pequena biblioteca em casa, cujo traço marcante era a preocupação humanística. Ali, nas férias escolares, quando crianças, eu e meus irmãos encontrávamos pequenas coleções de livros infantis. Lembro-me da série espanhola denominada "Cuentos de Calleja", belamente editada com desenhos atraentes e com uma narrativa adaptada ao público infantil. Nessa coleção apareciam os clássicos para crianças.

Este escriba na sua biblioteca. (Juiz de Fora, 2009).

Mais adiante, na adolescência e ao longo dos estudos secundários, li na eclética biblioteca paterna obras como Dom Quixote de la Mancha e Novelas Exemplares de Cervantes, o Tratado da Pintura de Leonardo da Vinci, as Obras Completas de Francisco de Quevedo y Villegas (cujos poemas picantes o meu pai recitava de cor), O Paraíso Perdido de Milton, A Terra de Émile Zola, A civilização da Renascença na Itália de Jacob Burkhardt, a Divina Comédia de Dante, O Livro do Bom Amor de Juan Ruiz, Arcipreste de Hita, A Ilíada e A Odisséia de Homero, A Eneida de Virgílio, As vidas dos Doze Césares, de Suetônio, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, O Castelo interior ou As Moradas de Santa Teresa de Avila, Idola Fori de Carlos Arturo Torres, as Obras Poéticas de São João da Cruz, Caminhos de Guerra e Conspiração, do meu avô materno, o general Amadeo Rodríguez, As Mil e uma noites, Por que sou conservador? de Carlos Eugênio Restrepo, Historia de uma alma (na verdade, duas obras diferentes com o mesmo título. Uma, a conhecida autobiografia de Santa Teresinha de Lisieux e outra, as memórias do político colombiano José Maria Samper), Mein Kampf de Adolph Hitler (na edição alemã, da qual mal conseguia soletrar o título absolutamente incompreensível para mim). Chamavam-me a atenção, nesta obra,  os caracteres góticos, que me faziam pensar numa complicada trama de agentes misteriosos e chatos... Li, também, O diabo de Giovanni Papini, O chapéu de tres picos de Pedro Antonio de Alarcón, Viagem a Pé do pensador nietzschiano Fernando González Ochoa, O homem medíocre de José Ingenierosbem como os romances de Julio Verne (Cinco semanas em balão, A volta ao mundo em oitenta dias, Miguel Strogoff, As tribulações de um chinês na China, As índias negras, Viagem ao centro da Terra, Os filhos do capitão Grant), os Dramas de Shakespeare, etc.. 

Na biblioteca paterna tive oportunidade de apreciar as belas edições espanholas dos quadros de pintores famosos como Velásquez, Goya, Fra Angêlico, Rafael Sanzio de Urbino, Miguel Angelo Buonarruti, Bartolomé Esteban Murillo, El Greco, Rubens, Caravaggio, etc. O meu pai colecionava, no seu escritório e na sala de visitas, quadros da Escola Quiteña, com algumas obras de Gregorio Vásquez Arce y Ceballos e seus discípulos. Na velhice, com os dedos castigados pela artrite, o meu pai fazia belas molduras florentinas para réplicas de quadros clássicos, ajudado na parte técnica pela minha irmã Maria Isabel, que tinha feito o curso de Artes e Decoração em Medellín.


Fachada do belo sobrado espanhol construído em Bogotá por Alfonso Vélez Martínez pai deste escriba, inaugurado no ano de 1943. A biblioteca descrita acima teve a sua primeira sede nessa casa. (Foto: Google, fevereiro de 2016).
O gosto pela pintura era compartilhado por meu pai com Arturo Pizano, um rico e ilustrado amigo, dono da empresa Triplex Pizano em que trabalhara durante alguns anos, como gerente, em Bogotá. O meu pai, aliás, pintou algumas telas de qualidade bastante apurada, que seguiam o estilo de inspiração naturalista em paisagens andinas. Conservo no meu escritório um pequeno óleo, em madeira, que reproduz uma parte de Fazenda El Carmen, em La Calera. Além do gosto pelas artes plásticas, o meu pai valorizava a música clássica. Havia, na biblioteca, coleções em discos de vinil (78 revoluções inicialmente e, depois os famosos "Long Play") com as obras de Mozart, Beethoven, Haydin, Bach, Mahler, Sibelius, Albeniz, Tchaikovski, Smetana... A minha irmã, Maria Victoria, falecida prematuramente na casa dos trinta e poucos anos, enveredou pelos estudos de piano sob a influência do meu pai, tendo chegado a ser pianista de renome internacional. Quando completou um ano de idade, Don Alfonso deu de presente a ela aquele belo piano Büchner que nos acompanhou pela infância e adolescência afora.

Don Alfonso cultivava também o bel canto. Tomava aulas com o professor italiano Matias Morro. Eu e os meus irmãos gostávamos de acompanhá-lo nessas aulas e ríamos muito quando o casmurro professor lhe passava carraspanas, ao se desafinar na execução de árias ou nos corriqueiros exercícios de aquecimento da voz. A sua voz era bela, de tenor, e diziam os entendidos que se assemelhava à do cantor espanhol Alfredo Krause. Anos mais tarde, já morando em Juiz de Fora, decidi tomar aulas de canto por conselho de um amigo médico que cantava em festas. As aulas de canto melhoraram muito a minha capacidade de dicção e serviram para evitar os problemas de voz que corriqueiramente afetam aos professores. Afinal, nós e os camelôs exigimos muito das nossas cordas vocais. Não cheguei ao desempenho do meu pai no bel canto. Em companhia da minha professora, Débora e com alguns colegas de aventuras musicais, dentre os quais o jovem e saudoso amigo,  já falecido, o pianista Eduardo Tagliati, apresentei-me, uma noite de 1999, no bar "Sobre as Ondas" que ficava na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas. Tive a grata surpresa de ver, na platéia, em primeira fila, o apresentador e humorista Miele. E me atrevi a gravar, em 2007, um CD intitulado: "Paixão Latina", com canções colombianas, algumas francesas como "La vie en rose" de Edith Piaf e várias do compositor cubano Ernesto Lecuona, detre as quais "Siboney" e "Maria La O". Tive muitas satisfações ao compartilhar esse CD com os meus alunos e com familiares e amigos.

Ao longo do anos tenho carregado "nas costas" a minha biblioteca. O maior desafio foi traze-la da Colômbia, quando vim fixar residência no Brasil no início de 1979. A embrulhei cuidadosamente em vários pacotes protegidos por papelão e plástico. E chegou, de navio, miraculosamente intacta, salvo alguns pacotes que sofreram intempéries. O segundo desafio tem sido acomodá-la nos restritos espaços de apartamentos, no Rio de Janeiro, em Juiz de Fora e, agora, nos últimos anos, em Londrina.

O acervo chegou perto dos 20 mil volumes, quando para conservá-lo dispunha de um apartamento inteiro em Juiz de Fora. A Biblioteca estava dividida nos seguintes temas: 1 - Pensamento Brasileiro; 2 - Pensamento Colombiano; 3 - Pensamento Português; 4 - Pensamento Espanhol; 5 - Pensamento Hispano-Americano; 6 - Sociologia e Ciência Política; 7 - BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, Africa do Sul); 8 -  Filosofia Grega; 9 -  Filosofia Medieval; 10 - Filosofia Moderna e Contemporânea; 11 -  História da Ciência e Cosmologia; 12 - Teologia e Espiritualidade; 13 - Liberalismo: obras de John Locke, Stuart Mill, Federalistas Americanos, Alexis de Tocqueville, François Guizot, Madame de Staël, Henri-Benjamin Constant de Rebecque; 13 - Arquitetura e Urbanismo de Paris: Edição fac-similar do Plano Turgot (1739) e obras de História do Urbanismo Francês e da Cidade de Paris; 14 - Literatura Espanhola; 15 - Literatura Francesa; 16 - Literatura Colombiana; 17 - Literatura Latino-americana e Caribenha.

A partir da minha vinda para Londrina em 2013, diminuí drasticamente o acervo, tendo ficado, hoje, com aproximadamente 3.500 volumes. A maior parte as obras foi doada para bibliotecas de entidades culturais, notadamente o Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora e a pequena biblioteca Sílvio Romero que organizei, para os meus alunos, no Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da Universidade Federal de Juiz de Fora. 

Nessas duas bibliotecas deixei numerosas obras de história das ideias da Espanha, de Portugal e da América Latina, bem como algumas publicações periódicas, como por exemplo, a famosa Revista de Índias, que foi publicada pelo Ministério de Educação da Colômbia ao longo dos anos 30 e 40 do século passado, bem como a coleção da revista Carta Mensal publicada pela Confederação Nacional do Comércio no Rio de Janeiro e a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (publicada no Rio). Doei ao Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora uma belíssima coleção (130 volumes) sobre Historia do Liberalismo Colombiano no século XIX, editada pela Presidência da República da Colômbia e que me foi enviada pelo saudoso amigo e historiador Otto Morales Benítez. Uma coleção ímpar pela seriedade crítica e, do ângulo da universidade brasileira, importante como obra de referência da história das ideias políticas no mundo hispano-americano. O meu propósito era doar essa coleção à Biblioteca Central da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde funciona uma sala dedicada à cultura latino-americana, a fim de que se beneficiassem os alunos da pós-graduação em estudos latino-americanos.

Até hoje não entendi a pergunta feita pela diretora (petista, para variar) da mencionada Biblioteca: "esses livros, professor, em que ano foram publicados?". Respondi que a coleção tinha sido editada entre 1990 e 1997. Resposta: "Não interessam essas obras à Biblioteca, pois somente recebemos livros publicados depois do ano 2.000". Achei no mínimo estranha a resposta. Diante da minha insistência, ela me esclareceu: "É que até o ano 2.000 todas as publicações encontram-se disponíveis na internet!". Gostaria de desafiar essa senhora para que me mostrasse sequer uma obra da mencionada coleção disponível na internet.... Haja burrice digital!

Este escriba lançando mais um livro em Londrina, junto com Pedrinho, em Outubro de 2015.

E assim vai passando a vida, o meu filhinho Pedro brincando com os meus livros, imaginando bibliotecas para os seus "Lelas" (os inseparáveis ursinhos de pelúcia), a minha esposa Paula cuidadosa para que não deixe acumular poeira nas pesadas estantes e eu, folhando diariamente, ao acaso, algum livro que esqueci na prateleira há anos, ou buscando avidamente aqueles que são necessários para a próxima aula ou que me ampliam o universo de dados para um artigo em que estou embrenhado...


domingo, 27 de novembro de 2016

FIDEL CASTRO RUZ (1926-2016) E O QUADRO DO PATRIMONIALISMO LATINO-AMERICANO



Morreu o mais velho ditador das Américas. Ficou 47 anos no topo do poder. Os ditadores latino-americanos nada devem aos de outras latitudes, em termos de longevidade política. Castro vem se somar à turma dos ditadores que o Nobel colombiano García Márquez imortalizou em O outono do patriarca (1975), não pelo bem que fizeram mas pelas crueldades que praticaram para dominar os seus povos por longos anos. Fidel permaneceu quase meio século na cúpula do Estado cubano e,  ao sair, continuou fiel ao modelo de patrimonialismo original: foi sucedido pelo seu irmão.

O traço mais marcante das organizações políticas latino-americanas tem sido o Patrimonialismo, a gestão da coisa pública como patrimônio familiar. Esse caráter familístico vingou desde as origens ibéricas até a contemporaneidade, embalado, por exemplo, por essa contradança maluca de entra ministro e sai ministro do governo Temer, no nosso combalido Brasil, ou pelo mambo cubano de "Sai Fidel, entra Castro" que marcou a transição familística do poder na ilha caribenha, ou pelo tango de "Um passo para frente e dois para trás" do peronismo do casal Kirchner na Argentina, que privatizou o Estado em benefício da elite familiar e sindical, de acordo às melhores praxes peronistas. Tudo no contexto cultural de encarar a política como extensão dos interesses familísticos, tanto entre os nossos vizinhos argentinos, quanto no Brasil, na Bolívia e alhures (vide, no nosso caso, o recentíssimo evento de patrimonialismo imobiliário de Geddel Vieira Lima).

A literatura acompanha de perto a longevidade dos regimes patrimonialistas da América Latina. A ditadura de Juan Manuel de Rosas na Argentina (que durou 17 anos, até meados do século 19) foi ilustrada por Domingo Faustino Sarmiento no seu clássico: Facundo - Civilização e barbárie no pampa argentino (1846). O ciclo da "ditadura científica" de Gaspar Rodríguez de Francia (que governou com o pomposo título de "Dictador Perpetuo de la República del Paraguai"), se estendeu por longos 24 anos entre 1816 e 1840, tendo sido romanceado por Augusto Roa Bastos em Yo el Supremo (1974). A tentativa frustrada do Libertador Simón Bolívar de instaurar uma ditadura de corte rousoniano e bonapartista nos cinco países andinos por ele libertados, ao longo da segunda década do século 19, foi belamente narrada por Gabriel García Márquez no seu romance intitulado: O general no seu labirinto (1989). A aventura da "ditadura científica" do general Porfirio Díaz no México, no chamado "porfiriato", durou 30 anos, tendo terminado em 1911. O Nobel de Literatura Octavio Paz romanceou esse regime no seu clássico livro intitulado: O ogro filantrópico (1979). A ditadura castilhista, no Rio Grande do Sul, que durou 39 anos (entre 1891 e 1930) foi, nos seus primórdios, retratada de forma crítica pelo poemeto campestre Antônio Chimango (1915) de Ramiro Barcellos. A subsequente ditadura getuliana, nitidamente de inspiração castilhista, que durou 15 anos (entre 1930 e 1945) foi retratada por Érico Veríssimo no terceiro volume de O Tempo e o Vento, intitulado: O Arquipélago (1961). 

O ciclo militar que, no Brasil, constituiu, ao longo dos seus 21 anos de funcionamento, uma modalidade de patrimonialismo estamental modernizador, foi objeto de numerosos relatos jornalísticos, historiográficos e literários, dentre os quais se pode mencionar, do ângulo da historiografia, o conjunto de 5 obras do jornalista Elio Gaspari, intitulado: A Ditadura (2002-2016). Do ponto de vista oficial, o melhor documento que explica a política autoritária e modernizadora dos militares foi, a meu ver, a obra do general Golbery do Couto e Silva, Conjuntura política nacional - O Poder Executivo e geopolítica do Brasil (1981). 

O Nobel de Literatura Miguel Angel Asturias, escreveu O Senhor Presidente (1946), inspirado no regime autocrático de Manuel  Estrada Cabrera, que governou com mão de ferro a Guatemala como se fosse a sua fazenda durante 22 anos, entre 1898 e 1920. O Nobel de Literatura Mário Vargas Llosa retratou, por sua vez, com cores vivas, a sanguinolenta ditadura exercida durante 31 anos (1930-1961) por Rafael Leonidas Trujillo na República Dominicana, na novela intitulada: A festa do bode (2000). Narrativas jornalísticas de qualidade ilustraram as ditaduras castrista (A Ilha do Doutor Castro, a transição confiscada de Corine Curmelato e Denis Rousseau, 2001) e chavista (A Revolução Sentimental, viagem jornalística pela Venezuela de Chávez de Beatriz Lecumberri, 2012). Mencionemos, para finalizar esta incompleta enumeração, o clássico de García Márquez, O outono do patriarca, cuja inspiração imediata foi motivada pela longa ditadura de Juan Vicente Gómez que durou 27 anos, entre 1908 e 1935, antecipando, na Venezuela, o longo ciclo da "Revolução Bolivariana" de Hugo Chávez, do qual ainda não se viu livre o país vizinho.

Do ângulo da história do pensamento político ocidental, encontramos dois modelos relativos à organização do Estado: idealista e realista. 

O primeiro, formulado por Platão na sua República, parte do pressuposto de que a organização política deve-se sedimentar na construção da unanimidade, a fim de garantir o reto funcionamento da Polis. A unanimidade ao redor do Rei Filósofo, com exclusão de qualquer dissidência, essa seria a condição para a fundação do Estado em bases firmes. Deste modelo aproximar-se iam três concepções que definiram em grau bastante forte a política moderna: o hobbesianismo, o rousseaunianismo e o marxismo-leninismo. Convenhamos que o modelo é idealista demais, se levarmos em consideração a natureza humana, dissidente por essência, em decorrência dos interesses individuais, altamente diferenciados. Ora, o castrismo - como de resto as demais formas de organização política que apontaram para a materialização do comunismo, no século 20 -, situa-se neste contexto, cuja nota característica é o alto custo social na sua implementação. Os 100 milhões de vítimas ensejadas pelo comunismo mundo afora, no século passado, são prova contundente disto. 

O líder falecido em dias passados inspirou-se inicialmente em Rousseau, com os seus comitês de defesa da revolução e a busca da unanimidade ao redor do Legislador, encarnado na figura do Fidel. Uma vez assumido o poder, Castro declarou-se comunista. Não precisou, aliás, mudar de ideologia: o marxismo-leninismo (com o princípio formulado por Lenine de que o ideal seria um governo não limitado por leis) é uma variante do pensamento de Rousseau. Convenhamos que a construção da unanimidade cubana saiu cara. Além dos mortos pelo regime (estimados pelos estudiosos em 100 mil), o funcionamento dos comitês de defesa da revolução do castrismo colocou metade dos cubanos vigiando a outra metade. Estima-se que, de onze milhões de habitantes, Cuba hoje está dividida em dois grandes grupos: os que policiam os cidadãos nos comitês de defesa da revolução e nos organismos estatais (que chegariam a 5 milhões) e os cidadãos, que seriam os restantes 6 milhões. Um regime estatista e caro demais. E que ensejou uma complicada e forte burocracia que se refestela sobre as privações do resto.

O segundo modelo que se estabeleceu na concepção do Estado no seio do pensamento ocidental foi o realista, tendo sido o seu primeiro formulador Aristóteles, com a  Política. Para o estagirita, o ser humano era, em essência, dialético, ou seja, diferenciado na procura de interesses materiais diversificados. O papel da política consistiria em, a partir da dissidência, ir construindo consensos. Desse modelo aproximar-se iam alguns pensadores modernos como John Locke, no século 17, e Montesquieu, bem como os Patriarcas Americanos no século 18. Silvestre Pinheiro Ferreira e Tocqueville, no século 19 e Raymond Aron, no século 20, foram representantes dessa tendência. Pensadores contemporâneos como Jürgen Habermas, com a sua teoria da ação comunicativa na construção de grandes consensos, situar-se-iam nesse contexto. Desse grupo fazem parte, hoje, a grande maioria dos pensadores liberais, conservadores e social-democratas. 

terça-feira, 22 de novembro de 2016

ESTADO RICO, POVO POBRE: A CONSEQUÊNCIA DIABÓLICA DO PATRIMONIALISMO

Rodin, "A Porta do Inferno" - Museu Rodin, Paris.

Disse o general Médici quando, como presidente da República, fez a sua primeira turnê pelo Nordeste: "Estado rico, povo pobre". Afirmação semelhante, cinquenta anos depois, foi feita pelo juiz federal Sérgio Moro, diante da quebradeira dos Estados que começa a ser revelada pelas investigações da Justiça e do Ministério Público: "Uma versão criminosa de governantes ricos e governados pobres". 

É a eterna ciranda do Patrimonialismo entre nós, que vai muito bem, enquanto os brasileiros cada vez mais perdemos as esperanças num futuro de progresso e bem-estar. O Patrimonialismo suga as nossas riquezas e enterra as esperanças dos nossos filhos e netos. O panorama anuncia-se cada vez mais sombrio. É o começo do inferno, naquela versão genialmente desenhada pela bela poesia de Dante Alighieri, no quatrocento, nas páginas da sua Divina Comédia. Satanás, narra o poeta, colocou na entrada do inferno o seguinte outdoor para saudar os visitantes que ficariam eternamente presos às gentilezas luciferinas: "Percam toda esperança". Rodin, o genial escultor, deixou gravada essa tragédia da perda da esperança na magnífica "Porta do Inferno", que é exposta no Museu d´Orsay em Paris.

Essa é, infelizmente, a perspectiva que nos espera, em face do reforço brutal que o Patrimonialismo, na área econômica, teve entre nós, acelerado nos treze anos de desmandos lulopetistas à frente da Coisa Pública. Nunca, como hoje, o Estado foi mais rico do que todos nós. Jamais os contribuintes trabalhamos tanto para cobrir as exigências gulosas do Leviatã. 

Os felás do Antigo Egito, aqueles camponeses pobres que deveriam trabalhar seis meses de graça para o Faraó, na indigna corveia  (que constituía uma forma de trabalho escravo de graça para o Estado), aproximam-se, hoje, da situação que vivemos os brasileiros, que já trabalhamos, por ano, cinco meses e um dia para satisfazer a fome do Leão da Receita. Estúpida perspectiva que torna minguada a nossa esperança. O regime tributário que o Estado Patrimonial nos impôs vai chegando à maligna propaganda anunciada no outdoor de Satanás no inferno de Dante: "Percam toda esperança".

Contribuição significativa no debate em torno ao inferno tributário que sofremos no Brasil, foi dada pelo jornal O Estado de São Paulo, na matéria intitulada: "O peso colossal dos tributos", de autoria do jornalista José Fucs (edição de domingo 20/11, na página A12, intitulada: "A reconstrução do Brasil - Impostos"). A respeito do castigo que a classe média sofre nas mãos dos cobradores de impostos, escreve Fucs:"Embora tenha uma carga tributária de Primeiro Mundo, o Brasil oferece serviços de Terceiro Mundo à população. Como o governo não entrega os serviços públicos que deveria entregar, em troca dos impostos pagos pela população, a classe média se vê obrigada a recorrer à iniciativa privada para ter um atendimento de melhor qualidade na saúde, uma escola que faça jus ao nome e até para garantir o seu patrimônio, com a contratação de uma empresa de segurança particular. Na Previdência Social não é diferente. Muita gente, que pagou a vida inteira a aposentadoria pelo teto, hoje recebe uma miséria (...). Para completar o quadro, o sistema tributário brasileiro é um cipoal de normas que onera as empresas e intimida os mortais. (...) O Brasil é o país em que as empresas perdem mais tempo para enfrentar a burocracia tributária no mundo. De acordo com o levantamento de 2016, são nada menos que 2.038 horas perdidas por ano só com isso. Na Venezuela, segunda colocada no ranking, são 792 horas por ano, menos da metade".

Um paciente advogado mineiro, Vinícius Leôncio, conta o jornalista Fucs, tomou-se o trabalho de reunir em livro a legislação tributária do Brasil. O resultado da pesquisa e da trabalheira foi impressionante: um mostrengo que pesa 6,2 toneladas, com um total de 43.216 páginas (cada uma do tamanho de 2,2 metros de altura e 1,40 metro de alto). As páginas, enfileiradas, cobririam uma distância de nada menos do que 95 km. A obra de Vinícius Leôncio credencia-se, assim, ao prêmio Guiness de tamanho da legislação tributária de um país! Não era para menos. O nosso país, segundo os cálculos dos entendidos, edita 35 normas tributárias por dia.

José Fucs entrevistou o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), uma organização que busca o aprimoramento do sistema tributário. Segundo Appy,  o software usado para pagar impostos no exterior pela matriz de uma empresa europeia de bens de consumo que funciona no Brasil, tem 50 linhas de programação. Já o programa utilizado só para o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no Brasil tem 20 mil linhas de programação. O tributarista Ives Gandra, entrevistado por Fucs, afirma:"Em 1958, quando me formei, eu dava segurança para os meus clientes em questões tributárias. Hoje, com 59 anos de experiência, tendo escrito 84 livros, (eu digo que) é impossível descifrar o entendimento da Receita Federal".

O atual governo tenta elaborar uma política de revisão para a maluca política tributária vigente. Dado o tamanho do leviatã orçamentívoro, o esforço foi concentrado na racionalização dos tributos incidentes sobre o consumo nos três níveis de governo (o imposto sobre produtos industrializados - IPI, o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços - ICMS, o imposto sobre serviços - ISS e as contribuições sociais como o programa de integração social - PIS e a contribuição para o financiamento da seguridade social - Cofins). 

O esforço da base aliada parlamentar será enorme, segundo confessa o deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator da Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados. Hauly propõe que seja criado um novo ICMS que unifique todos os tributos sobre consumo, sem alterar as atuais fatias apropriadas pelos entes da Federação. O trabalho será árduo, dados os interesses em conflito e a mentalidade orçamentívora dos agentes oficiais. Se na simples apresentação da PEC 241 sobre teto de gastos para o setor público houve toda a gritaria que conhecemos, o balbúrdia não será menor quando se trate de revisar a política tributária que alimenta os barnabés de todos os níveis. 

O melhor, a meu ver, talvez seria que os cidadãos começassem a foçar, no seu município, as políticas tributárias existentes, bem como os órgãos de cobrança e iniciassem por aí o trabalho de desfiar o novelo tributário, de baixo para cima, cobrando dos administradores municipais mais transparência no que tange à fixação de tributos. 

O que não pode continuar acontecendo é a ominosa altivez de funcionários públicos que fazem pouco dos interesses dos cidadãos, decretando greves abusivas (como a que inferniza, em portos e aeroportos, a exportação de produtos, lesando, assim, produtores nacionais e compradores estrangeiros que irão buscar fornecedores menos complicados no competitivo mercado global).

A corrida tributária só se acelerou na gestão das esquerdas no Brasil, ou seja, nos dois governos de Fernando Henrique e nos quatro consulados petralhas. Revise-se as estatísticas e se verá o crescimento enorme da tributação nesse longo período. A esquerda é mestre em arrecadar e gastar! 

Lembro-me do que, nos tempos áureos de estreia do Plano Real, o secretário da receita, Everardo Maciel, respondeu a uma contribuinte perplexa, que não entendia o cipoal legislativo parido pela Receita Federal: "A senhora não tem que compreender, a senhora tem que pagar"! 

Haja deboche com o contribuinte. Assim não vamos sair das portas do inferno!

domingo, 20 de novembro de 2016

CRÔNICA DE UM DESASTRE ANUNCIADO: LULA E DILMA PREMEDITARAM TUDO


Lula, do alto da empáfia típica do messianismo político que o inspira, teve o topete de mandar os seus advogados para que processassem o honrado juiz Sérgio Moro. Não é a primeira vez que o líder da corrupção republicana tenta desmoralizar aqueles que se insurgem contra a sua bazófia. Em outras oportunidades, o Lularápio conseguia adesões. Hoje, quase todo mundo fica calado, ou batendo palmas para aqueles que o apontam como um dos maiores ladrões da história brasileira.


As artimanhas de Lula são variadas. Confesso que, nisso, ele é bastante criativo. Mas, como diziam os críticos de Keynes após os "30 gloriosos anos", o receituário do intervencionismo não deu certo por uma simples razão: o honorável público matou a charada.


Mutatis mutandis (afinal, Keynes não era ladrão, mas um conceituado economista cuja fórmula salvacionista do desgastado capitalismo laissezferista de início do século XX tinha se desgastado também), o público brasileiro, e o internacional também, já mataram a charada do Lula: ora se finge de humilde retirante nordestino, ora veste a roupagem agressiva da Jararaca pronta para o ataque. A panóplia lulista é variada e os seus causídicos sabem usá-la conforme as circunstâncias exigem. O livro de Romeu Tuma Jr. Assassinato de reputações um crime de Estado, publicado em 2014 pela editora Topbooks, ilustra detalhadamente o modus operandi de Lula quando se trata de atacar quem o critica. Detonar a imagem de quem tem a coragem de criticá-lo. Essa é a tática empregada. Mas vamos convir que o honorável público já matou a charada da Jararaca. Não adianta ameaçar. De nada vale levantar falsas acusações contra os detratores do lulismo. As pessoas, no Brasil e pelo mundo afora, já sabem que esse é seu estilo.

Falei no início deste comentário que, em face das artimanhas lulistas (intimidatórias ou piegas), "quase todo mundo" fica calado ou aprova entusiasticamente. Sim, porque algumas figuras públicas falam impropriedades pelo temor de desagradar o molusco. Já foi o Fernando Henrique que, líder evidente da oposição ao lulismo, na época do mensalão, preferiu "deixa-lo sangrar" a dar força ao impeachment, que teria definitivamente sepultado o mito antes da quebradeira do Brasil. Outra figura de prol da República, Michel Temer, atual presidente, no programa Roda Viva, no decorrer da semana passada, declarou que a eventual prisão de Lula traria "sérios problemas" ao país.

Ora, ora, panos quentes em nada ajudam ao Brasil nesta situação de desastre generalizado de que tentamos nos reerguer, após os treze anos de desgovernos de Lula e Dilma. Se há alguém que terá problemas com a ida de Lula para o xilindró é ele mesmo, assim como as suas viúvas, a começar pela Dilma, bem como os "movimentos sociais" e a militância partidária que perderá de vez o fôlego. Perderá igualmente espaço na vida pública a esquerda que se ergue na trilha do ocaso lulista, como herdeira do maluco populismo que nos atrapalhou a vida.

Thais Herédia, comentarista de economia da Globonews, no seu blog resenha brevemente importante livro que acaba de ser publicado com o título de: Anatomia de um Desastre, São Paulo: Portfolio-Penguin (da Companhia das Letras), 264 pgs. [http://g1.globo.com/economia/blog/thais-heredia/post/anatomia-de-um-desastre-o-livro.html, consultado em 18/11/2016]. A resenha foi a base para a breve apresentação que da obra faz Eliane Cantanhede na sua coluna ("Questão de vida ou morte", Estadão, 20/11/2016, p. A8). Os autores da obra que certamente ganhará a atenção dos leitores nas próximas semanas, são os jornalistas João Borges (editor de economia da Globonews), Claudia Safatle e Ribamar Oliveira (da revista Valor Econômico). O prefácio é do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga.

O cerne da narrativa do livro, escrito do ângulo da pesquisa jornalística, destacando portanto os fatos marcantes, consiste nas discussões que houve nas altas esferas econômicas em 2005, terceiro ano do governo Lula, acerca do "choque de austeridade" que deveria ser efetivado no país, a fim de pavimentar o futuro mediante a conquista do déficit nominal zero, num período de cinco ou dez anos, que garantiria, ulteriormente, o crescimento econômico sem sobressaltos. O projeto tinha sido articulado por Delfim Netto, Antônio Palocci e Paulo Bernardo. Tratava-se, sem dúvida, de uma versão precursora da atual PEC do gasto público que o governo Temer luta para ver aprovada.

A versão do que então se passou é digna de uma narrativa de "realismo mágico". Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil, que presidia a reunião, escorraçou, com a gentileza de praxe, os autores da proposta e deu por encerrada a discussão destacando que "despesa é vida", que limita-la iria criar problemas para o governo petista e que não se falaria mais no assunto. Pelo que se vê, a Ministra-Chefe falava em nome do chefe, Lula, que queria a todo custo a reeleição e que precisava das torneiras abertas, a fim de garantir o sucesso do seu desejo.

Armínio Fraga, no prefácio, escreve: "Se o texto que vem a seguir em algum momento lhe parecer ficção, a culpa é dos fatos, não dos autores". João Borges, um deles, por sua vez frisa: "O nosso livro não é escrito sob a perspectiva do historiador e sim do jornalista, que testemunha o que vai acontecendo e analisa os fatos numa perspectiva jornalística. Nós temos que dar uma contribuição e esclarecer o por que dos problemas".

O Brasil já sabe, portanto, que a desgraceira da economia não foi um acidente da história: foi planejada friamente pela dupla Lula e Dilma, com a finalidade de reeleger o molusco, que pretendia perpetuar o PT no poder. Panos quentes com essa patota, portanto, nada resolvem. Deixemos que o juiz Sérgio Moro cuide do caso Lula. E que Dilma, mais adiante, seja chamada às falas. O verdadeiro risco para o Brasil é que a Justiça não consiga realizar a sua missão de pôr a casa em ordem.

sábado, 19 de novembro de 2016

CABRAL, GAROTINHO E OUTROS SOLAVANCOS DO PATRIMONIALISMO BRASILEIRO

Festança patrimonialista: o público como privado nas altas esferas da República e nos governos estadual e municipal.

A Operação Lava-Jato está chegando até as ramificações estaduais do mega esquema de corrupção. A ORCRIM que partiu para o fatiamento da República em clientelas com a finalidade de se apropriar do dinheiro público, começa a tocar no emaranhado das variantes estaduais, no caso, as realizadas no falido Estado do Rio de Janeiro. As prisões dos ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho revelam essa nova fase da Operação. No caso de Garotinho, a Justiça Eleitoral é que está fazendo o trabalho de investigação, em decorrência do fato de os crimes terem sido cometidos no âmbito de desvio de dinheiro público para fins eleitorais. Mas, no fundo, o que constitui a situação criminosa é o tratamento da Coisa Pública como se fosse bem patrimonial privado.

É claro que os réus agora presos farão tudo quanto for possível para se verem livres da cadeia. Mas certamente será difícil convencer a Justiça e o eleitorado de que não têm nada a ver com os crimes de que são acusados. As evidências apresentadas são muitas. E os efeitos da ação criminosa são cada vez mais intoleráveis para a população que sofre com o descaso criminoso dos ex-gestores ora processados. Postos de saúde às moscas, obras de infraestrutura não terminadas, falta de pagamento de salários a funcionários públicos, suspensão de pagamento de pensões a aposentados, etc., as desgraças só aumentam e a incerteza quanto ao futuro ameaça a vida de quem depende dos cofres estaduais. A qualidade de vida dos cariocas e fluminenses foi comprometida de forma séria com a má administração dos indigitados.

Especialmente no caso do ex-governador Cabral, a farra com o dinheiro público foi acachapante. Mais de 200 milhões de reais desviados criminosamente não é uma soma qualquer. As fotografias da época em que Cabral surfava na prosperidade revelam que da festança participaram, no palanque, altas autoridades da República, além, é claro, dos amigos "do rei". O ex-governador desenvolveu um sofisticado ritual gastronômico e de divertimentos nas altas esferas da noite parisiense. Era a réplica tupiniquim das festanças do Ancien Regime no palácio de Versalhes, às vésperas da Revolução de 1789. Tudo repetido, claro, como farsa, segundo diziam, em relação à história francesa, primeiro Comte e, depois, Marx.

Preocupa que a nata que se beneficiou da roubalheira não fique onde está, sofrendo apenas com os efeitos que os desvios praticados produzem nos processos instaurados. Jornalistas, congressistas do bem e analistas políticos alertam para os movimentos que, na surdina dos gabinetes, são orquestrados com a finalidade de fazer melar a Operação Lava Jato, a fim de que, pelas vias tortas da negociação à margem das instituições, se consiga aprovar, num cochilo da sociedade, legislação espúria que livre os réus das penas previstas e se garanta, assim, o clima de impunidade à sombra do qual sempre foram praticados os crimes contra o dinheiro da Nação.

O jornalista Percival Puggina ("A frente parlamentar do crime e a eleição de 2018", 18/11/2016) lembra que a eleição de 2014 ensejou a renovação de 43% na Câmara dos Deputados. Dos 513 deputados, 290 se reelegeram. Não conseguiram fazê-lo apenas 25% dos candidatos. "Entre os reeleitos - frisa - estão quase todos aqueles cujos fundos de campanha foram previamente abastecidos por meios escusos (...). Onde a política vira negócio, investir é parte dele".

Ora, é desse grupo que saem, hoje, pressões para entravar a operação Lava Jato. A respeito, frisa o jornalista: "Opera no Congresso Nacional uma numerosa bancada suprapartidária que poderia ser denominada Frente Parlamentar do Crime. É dela que procedem todas as tentativas de esvaziar a Lava Jato e de buscar anistias. É ela que costura as propostas para conter e constranger o Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Judiciário. É ela que se opõe às medidas legislativas sugeridas para o combate à corrupção. E não hesito em afirmar que essa frente parlamentar é, também, mais numerosa que qualquer das bancadas da casa".

No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, a ladroagem do dinheiro público não teria acontecido se, na Assembléia Legislativa, tivesse funcionado a contento a oposição. Como lembrava em recente post o vereador e ex-prefeito César Maia, em entrevista concedida ao jornal espanhol El País, "A ausência de oposição efetiva por vários anos criou a sensação de que tudo era possível. Leis tramitavam como decreto, não foi criado nenhum sistema de controle interno e os poderes executivo e legislativo atuavam como um só poder".

A falta de funcionamento adequado da representação nos corpos legislativos, esse é um mal que abre as portas à corrupção praticada pelo Executivo. A res publica como res privata ou coisa nossa que prevalece nos ambientes dominados pelo patrimonialismo, esse é o mal que afeta às nossas Repúblicas na América Latina. Como dizia Tocqueville, se referindo à República Americana, esta podia-se entender como o "reino tranquilo da maioria". Por estas bandas, as desgraças que padecemos decorrem, pelo contrário, do "reino intranquilo da minoria" que se apropriou das instituições republicanas, fazendo destas uma confusa "gestão tumultuada de bens particulares".