O traço mais marcante das organizações políticas latino-americanas tem sido o Patrimonialismo, a gestão da coisa pública como patrimônio familiar. Esse caráter familístico vingou desde as origens ibéricas até a contemporaneidade, embalado, por exemplo, por essa contradança maluca de entra ministro e sai ministro do governo Temer, no nosso combalido Brasil, ou pelo mambo cubano de "Sai Fidel, entra Castro" que marcou a transição familística do poder na ilha caribenha, ou pelo tango de "Um passo para frente e dois para trás" do peronismo do casal Kirchner na Argentina, que privatizou o Estado em benefício da elite familiar e sindical, de acordo às melhores praxes peronistas. Tudo no contexto cultural de encarar a política como extensão dos interesses familísticos, tanto entre os nossos vizinhos argentinos, quanto no Brasil, na Bolívia e alhures (vide, no nosso caso, o recentíssimo evento de patrimonialismo imobiliário de Geddel Vieira Lima).
A literatura acompanha de perto a longevidade dos regimes patrimonialistas da América Latina. A ditadura de Juan Manuel de Rosas na Argentina (que durou 17 anos, até meados do século 19) foi ilustrada por Domingo Faustino Sarmiento no seu clássico: Facundo - Civilização e barbárie no pampa argentino (1846). O ciclo da "ditadura científica" de Gaspar Rodríguez de Francia (que governou com o pomposo título de "Dictador Perpetuo de la República del Paraguai"), se estendeu por longos 24 anos entre 1816 e 1840, tendo sido romanceado por Augusto Roa Bastos em Yo el Supremo (1974). A tentativa frustrada do Libertador Simón Bolívar de instaurar uma ditadura de corte rousoniano e bonapartista nos cinco países andinos por ele libertados, ao longo da segunda década do século 19, foi belamente narrada por Gabriel García Márquez no seu romance intitulado: O general no seu labirinto (1989). A aventura da "ditadura científica" do general Porfirio Díaz no México, no chamado "porfiriato", durou 30 anos, tendo terminado em 1911. O Nobel de Literatura Octavio Paz romanceou esse regime no seu clássico livro intitulado: O ogro filantrópico (1979). A ditadura castilhista, no Rio Grande do Sul, que durou 39 anos (entre 1891 e 1930) foi, nos seus primórdios, retratada de forma crítica pelo poemeto campestre Antônio Chimango (1915) de Ramiro Barcellos. A subsequente ditadura getuliana, nitidamente de inspiração castilhista, que durou 15 anos (entre 1930 e 1945) foi retratada por Érico Veríssimo no terceiro volume de O Tempo e o Vento, intitulado: O Arquipélago (1961).
O ciclo militar que, no Brasil, constituiu, ao longo dos seus 21 anos de funcionamento, uma modalidade de patrimonialismo estamental modernizador, foi objeto de numerosos relatos jornalísticos, historiográficos e literários, dentre os quais se pode mencionar, do ângulo da historiografia, o conjunto de 5 obras do jornalista Elio Gaspari, intitulado: A Ditadura (2002-2016). Do ponto de vista oficial, o melhor documento que explica a política autoritária e modernizadora dos militares foi, a meu ver, a obra do general Golbery do Couto e Silva, Conjuntura política nacional - O Poder Executivo e geopolítica do Brasil (1981).
O ciclo militar que, no Brasil, constituiu, ao longo dos seus 21 anos de funcionamento, uma modalidade de patrimonialismo estamental modernizador, foi objeto de numerosos relatos jornalísticos, historiográficos e literários, dentre os quais se pode mencionar, do ângulo da historiografia, o conjunto de 5 obras do jornalista Elio Gaspari, intitulado: A Ditadura (2002-2016). Do ponto de vista oficial, o melhor documento que explica a política autoritária e modernizadora dos militares foi, a meu ver, a obra do general Golbery do Couto e Silva, Conjuntura política nacional - O Poder Executivo e geopolítica do Brasil (1981).
O Nobel de Literatura Miguel Angel Asturias, escreveu O Senhor Presidente (1946), inspirado no regime autocrático de Manuel Estrada Cabrera, que governou com mão de ferro a Guatemala como se fosse a sua fazenda durante 22 anos, entre 1898 e 1920. O Nobel de Literatura Mário Vargas Llosa retratou, por sua vez, com cores vivas, a sanguinolenta ditadura exercida durante 31 anos (1930-1961) por Rafael Leonidas Trujillo na República Dominicana, na novela intitulada: A festa do bode (2000). Narrativas jornalísticas de qualidade ilustraram as ditaduras castrista (A Ilha do Doutor Castro, a transição confiscada de Corine Curmelato e Denis Rousseau, 2001) e chavista (A Revolução Sentimental, viagem jornalística pela Venezuela de Chávez de Beatriz Lecumberri, 2012). Mencionemos, para finalizar esta incompleta enumeração, o clássico de García Márquez, O outono do patriarca, cuja inspiração imediata foi motivada pela longa ditadura de Juan Vicente Gómez que durou 27 anos, entre 1908 e 1935, antecipando, na Venezuela, o longo ciclo da "Revolução Bolivariana" de Hugo Chávez, do qual ainda não se viu livre o país vizinho.
Do ângulo da história do pensamento político ocidental, encontramos dois modelos relativos à organização do Estado: idealista e realista.
O primeiro, formulado por Platão na sua República, parte do pressuposto de que a organização política deve-se sedimentar na construção da unanimidade, a fim de garantir o reto funcionamento da Polis. A unanimidade ao redor do Rei Filósofo, com exclusão de qualquer dissidência, essa seria a condição para a fundação do Estado em bases firmes. Deste modelo aproximar-se iam três concepções que definiram em grau bastante forte a política moderna: o hobbesianismo, o rousseaunianismo e o marxismo-leninismo. Convenhamos que o modelo é idealista demais, se levarmos em consideração a natureza humana, dissidente por essência, em decorrência dos interesses individuais, altamente diferenciados. Ora, o castrismo - como de resto as demais formas de organização política que apontaram para a materialização do comunismo, no século 20 -, situa-se neste contexto, cuja nota característica é o alto custo social na sua implementação. Os 100 milhões de vítimas ensejadas pelo comunismo mundo afora, no século passado, são prova contundente disto.
O primeiro, formulado por Platão na sua República, parte do pressuposto de que a organização política deve-se sedimentar na construção da unanimidade, a fim de garantir o reto funcionamento da Polis. A unanimidade ao redor do Rei Filósofo, com exclusão de qualquer dissidência, essa seria a condição para a fundação do Estado em bases firmes. Deste modelo aproximar-se iam três concepções que definiram em grau bastante forte a política moderna: o hobbesianismo, o rousseaunianismo e o marxismo-leninismo. Convenhamos que o modelo é idealista demais, se levarmos em consideração a natureza humana, dissidente por essência, em decorrência dos interesses individuais, altamente diferenciados. Ora, o castrismo - como de resto as demais formas de organização política que apontaram para a materialização do comunismo, no século 20 -, situa-se neste contexto, cuja nota característica é o alto custo social na sua implementação. Os 100 milhões de vítimas ensejadas pelo comunismo mundo afora, no século passado, são prova contundente disto.
O líder falecido em dias passados inspirou-se inicialmente em Rousseau, com os seus comitês de defesa da revolução e a busca da unanimidade ao redor do Legislador, encarnado na figura do Fidel. Uma vez assumido o poder, Castro declarou-se comunista. Não precisou, aliás, mudar de ideologia: o marxismo-leninismo (com o princípio formulado por Lenine de que o ideal seria um governo não limitado por leis) é uma variante do pensamento de Rousseau. Convenhamos que a construção da unanimidade cubana saiu cara. Além dos mortos pelo regime (estimados pelos estudiosos em 100 mil), o funcionamento dos comitês de defesa da revolução do castrismo colocou metade dos cubanos vigiando a outra metade. Estima-se que, de onze milhões de habitantes, Cuba hoje está dividida em dois grandes grupos: os que policiam os cidadãos nos comitês de defesa da revolução e nos organismos estatais (que chegariam a 5 milhões) e os cidadãos, que seriam os restantes 6 milhões. Um regime estatista e caro demais. E que ensejou uma complicada e forte burocracia que se refestela sobre as privações do resto.
O segundo modelo que se estabeleceu na concepção do Estado no seio do pensamento ocidental foi o realista, tendo sido o seu primeiro formulador Aristóteles, com a Política. Para o estagirita, o ser humano era, em essência, dialético, ou seja, diferenciado na procura de interesses materiais diversificados. O papel da política consistiria em, a partir da dissidência, ir construindo consensos. Desse modelo aproximar-se iam alguns pensadores modernos como John Locke, no século 17, e Montesquieu, bem como os Patriarcas Americanos no século 18. Silvestre Pinheiro Ferreira e Tocqueville, no século 19 e Raymond Aron, no século 20, foram representantes dessa tendência. Pensadores contemporâneos como Jürgen Habermas, com a sua teoria da ação comunicativa na construção de grandes consensos, situar-se-iam nesse contexto. Desse grupo fazem parte, hoje, a grande maioria dos pensadores liberais, conservadores e social-democratas.
Mais uma vez, Platão x Aristóteles. Só discordo do tal ciclo militar que modernizou...Ditadura atrasada e burra.
ResponderExcluirMuito bom, replicando!
MAM
Obrigado, meu caro, discordando de novo contigo quanto ao ciclo militar....Abraço
ExcluirÓtima explanação!
ResponderExcluirObrigado!
ExcluirElio Gaspar já publicou o 5o. e último volume. Revise as datas de Juan Vicente Gómez.
ResponderExcluirOK, caro amigo, obrigado pela gentileza!
ExcluirDatas revisadas. Abraço!
Obrigado!
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