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sexta-feira, 17 de abril de 2015

A IDADE DAS REVOLUÇÕES NA FORMAÇÃO DO BRASIL

Alguns dos participantes do Colóquio sobre "A Idade das Revoluções na formação do Brasil": na primeira fileira, da esquerda para a direita: Leônidas Zelmanovitz,  Voltaire Schilling, Ricardo Vélez Rodríguez e Alex Catharino. Na segunda fileira: Sandra Axelrud Saffer e Alexandre Moreira. (Foto: álbum pessoal do editor do Blog).

Com este título instigante teve lugar em Petrópolis, no Hotel Solar do Império, de 9 a 12 de Abril, um colóquio patrocinado pelo Liberty Fund. Participaram: Sandra Axelrud Saffer (da Axellrud Arquitetura & Assessoria SS Ltda., como Diretora do evento), João Carlos Espada (Diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, como Discussion Leader), Leonidas Zelmanovitz (representante do Liberty Fund), Alberto Oliva (UFRJ), Alexandre Moreira (Banco Central do Brasil), Ricardo Vélez Rodríguez (Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas da UFJF e docente da Faculdade Arthur Thomas, Londrina), Fernando Schuler (IBMEC, São Paulo), Gunter Axt (historiador, de Porto Alegre), Flavia Santinoni Vera (assessora do Senado Federal em Brasília), Nelson Costa Fossatti (Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Anita Waigort Novinsky (USP), Rodrigo Constantino dos Santos (do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e colunista da Revista Veja), Alex Catharino (do Instituto Russell Kirk, USA) Voltaire Schilling (historiador, de Porto Alegre), Adivo Paim Filho (da Universidade Federal de Santa Maria), Jorge Nicolkas Audy (da Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e Daniela Becker (assistente do evento, de Porto Alegre).

Como material de leitura para alimentar as discussões foram analisadas, em parte, as seguintes publicações: Antônio José GONÇALVES, Memórias Ecônomo-Políticas sobre a Administração Pública do Brasil. São Leopoldo: Unisinos, 2004. Kenneth MAXWELL, Conflicts & Conspiracies: Brazil and Portugal 1750-1808. London: Taylor and Francis Books, 2004. Gabriel PAQUETTE, Imperial Portugal in the Age of Atlantic Revolutions: The Luso-Brazilian World, c. 1770-1850. New York: Cambridge University Press, 2013. Jorge CALDEIRA, História do Brasil: com Empreendedores. São Paulo: Mameluco, 2009. Roderick J. BARMAN.  Brazil: The Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988.


Hotel Solar do Império, Petrópolis (Foto: Wikipédia).

A “Idade das Revoluções na formação do Brasil” esteve marcada fundamentalmente por duas posições antagônicas, do ângulo dos atores que se defrontaram com a tarefa de fazer nascer um novo país ao redor da Nação Brasileira: a dos seguidores do “democratismo” de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e a posição liberal-conservadora dos que seguiram pelo caminho “whig” traçado por John Locke (1632-1704) no século XVII e pelos fundadores da Pátria Americana, no nascedouro dos Estados Unidos (na segunda metade do século XVIII).

Os seguidores da opção rousseauniana, em Portugal, identificaram-se com o denominado “vintismo”, ao ensejo da Revolução do Porto de 1820, que tentou estabelecer uma República nos moldes assinalados pelo filósofo de Genebra. No Brasil, tais seguidores de Rousseau identificaram-se com os radicais que pretendiam a formação de várias Repúblicas pautadas pela visão unilinear do democratismo. Essa concepção terminou sendo adotada pelas numerosas revoluções que antecederam à formação do Segundo Reinado, em 1841, com o Regresso e a Maioridade.  

Ora, a perspectiva de uma República rousseauniana foi a variante que se apresentou aos países ibéricos após a invasão pelas tropas de Napoleão Bonaparte (1769-1821), entre 1808 e 1809. Sabemos do desfecho dessa empreitada: polarização da Espanha ao redor de um regime títere de Napoleão, após a prisão do soberano espanhol, Fernando VII (1772-1833), pelas tropas francesas em Bayonne. Em Portugal ocorreu o que Napoleão não queria: fuga da corte portuguesa para o Brasil. Convém salientar que o “Plano B” de fuga da Corte em caso de invasão do Reino Português por uma potência estrangeira, era uma opção contemplada nos planos estratégicos da Coroa, já a partir do século XVII.

As interessantes leituras efetivadas pelos membros do Colóquio de Petrópolis levam em consideração essa complicada conjuntura internacional. Que os Brasileiros desde o início estavam animados por uma concepção autenticamente liberal, ancorada no “liberalismo telúrico ibérico” (do pensamento do padre Suárez e demais autores proto libertários do século XVII), bem como nas raízes do liberalismo whig da filosofia lockeana, fica patente ao examinarmos os escritos de homens como os gaúchos Antônio José Gonçalves (1781-1837) ou Hipólito José da Costa (1774-1823).

Como não respirar o frescor liberal de um texto como o seguinte, de autoria de Antônio José Gonçalves, que denunciava, já no início do século XIX, os males do patrimonialismo português que fazia do Estado propriedade particular do Rei e dos seus burocratas? Eis o valioso texto: “Demolindo os reis o primeiro sistema [do poder arbitrário dos capitães-generais], convencidos sem dúvida de que era mau, declararam o Brasil uma propriedade sua e nomearam seus capitães-generais, vice-rei, governadores, etc... Deram então terras de boa graça a quem as queria possuir (...) reservando a si a liberdade de cada um indivíduo que nelas se estabelecesse e dela fizeram especial graça a seus capitães-generais e governadores, pois não há ramo nenhum da administração pública em uma capitania, nem indivíduo, que não esteja sujeito ao poder absoluto dos capitães-generais (...). As leis generalizavam-se no Brasil, mas só tinham valor quando não ofendiam os capitães-generais; como podiam elas então proteger os indivíduos quando se achavam em contradição com os interesses desses seres supremos no Brasil, que só ao rei deviam dar contas e que se desprezavam de ter correspondência com os ministros de Estado? Pode-se dizer que o Brasil, na passagem do primeiro para o segundo sistema, mudou de proprietários, mas não mudou de condição, pois até aconteceu que nenhum capitão-general ou governador tem sido castigado, e a impunidade foi sempre causa de maiores maldades (...)”. [1]


Senti falta, nas leituras propostas, de algum escrito de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), que veio com a Corte de D. João VI ao Rio de Janeiro, tendo sido Ministro da Guerra do novo Estado que aqui surgiu em 1815 com o pomposo nome de: "Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve". 

Ora, Silvestre foi o nosso primeiro pensador "whig", sendo da sua lavra o modelo de Monarquia Constitucional que pôs fim ao Ancien Régime português, com a adoção do modelo parlamentar mitigado inserido na prática da dupla representação (dos interesses permanentes da Nação, pelo Imperador, e dos interesses mutáveis dos cidadãos, pelo Parlamento). Teria sido desejável a leitura, por exemplo, da obrinha de Silvestre Pinheiro Ferreira intitulada:  Idéias Políticas - Cartas sobre a Revolução do Brasil - Memórias Políticas sobre os Abusos Gerais e Manual do Cidadão num Governo Representativo, (introdução de Vicente Barretto; apresentação de Celina Junqueira), Rio de Janeiro: PUC / Conselho Federal de Cultura - Editora Documentário, 1976 (da Coleção de Textos Didáticos do Pensamento Brasileiro, organizada por Antônio Paim). 

A partir deste escrito formou-se, no Segundo Reinado, a "Geração de Homens de Mil", aqueles estadistas que ajudaram o Imperador na formação dos Partidos Liberal e Conservador e no aperfeiçoamento das Instituições para garantir a unidade nacional e a liberdade dos cidadãos. 

Com essa geração o Brasil superou o modelo de Patrimonialismo Tradicional da Monarquia Portuguesa, tendo-se voltado para a instauração de um modelo de Patrimonialismo Modernizador de tipo estamental, que caminhava a passos largos, ao longo do Segundo Reinado, para o estabelecimento de um modelo contratualista claramente liberal-conservador. Mas a República, com o seu cientificismo doentio, fez renascer a pior tendência do estatismo pombalino, sina da qual nunca conseguiu se ver livre a Nação Brasileira até os dias de hoje.

O Professor João Carlos Espada, que como frisei inicialmente desempenhou-se no Colóquio como Discussion Leader, no seu artigo intitulado: "O Mistério brasileiro: vale a pena prestar atenção" (publicado no jornal português O Público, edição de 13/04/2015) escrevia que "Algo surpreendente está a ocorrer na paisagem intelectual e política do Brasil". Destacava o conceituado intelectual, meu amigo de longa data: "Escrevo do Brasil, na manhã de domingo, horas antes das manifestações previstas para centenas de cidades do país, bem como de várias outras cidades do mundo: Nova Iorque, Toronto, Londres, Sydney, Berlim e parece que também Lisboa, entre várias outras.  Não faço ideia da projecção que estas iniciativas vão ter - na sequência das manifestações que no passado dia 15 de Março trouxeram à rua mais de dois milhões de brasileiros. Mas, tendo passado por aqui - no Rio e em Petrópolis - a última semana, posso seguramente reportar que algo está a ocorrer por estas paragens. O que é exatamente eu não sei   - se é que alguém sabe ao certo. Um imenso movimento popular, pacífico, ordeiro, patriótico, está em marcha. Não existe um centro organizador deste movimento. Baseia-se nas redes sociais, tem jovens, muito jovens, a dar a cara, que recusam qualquer identificação partidária e que assumem um programa genérico contra a corrupção e o aparelhamento do Estado. Alguns, talvez muitos, exigem o impeachment da Presidente Dilma. Mas muitos outros dizem que basicamente querem o respeito pelo Estado de Direito e pelos princípios da liberdade sob a lei. Embora se trate de um vasto movimento de rua, ninguém põe em causa a Constituição ou as instituições representativas".

O meu amigo está certo: ressurge, das cinzas do estatismo e do populismo, a velha tradição liberal-conservadora, de inspiração whig, à luz da qual se formataram as instituições imperiais e da qual se abeberaram os críticos liberais da República positivista, Rui Barbosa (1849-1923), Assis, Brasil (1857-1938), Silveira Martins (1835-1901), Milton Campos (1900-1972), Carlos Lacerda (1914-1977), Miguel Reale (1910-2006), Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999), Ubiratan Macedo (1937-2007), Og Leme (1922-2004), Roberto Campos (1917-2001), Gilberto Paim (1919-2013), José Osvaldo de Meira Penna (1917), Antônio Paim (1927) e tantos outros. É o começo do desmonte do Estado Patrimonial? Os tempos dirão.


[1] GONÇALVES, Antônio José. Memórias Ecônomo-Políticas sobre a Administração Pública do Brasil. São Leopoldo: Unisinos, 2004, pg. 37. 

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