Amigos, a Revista Nabuco, no seu 3º número de início deste mês, publicou o artigo, de minha autoria, que ora divulgo entre os seguidores do meu blog
O Brasil,
do ângulo das ideias e dos costumes, é um país conservador. O povo brasileiro preserva
as suas tradições. Na trilha patrimonialista em que surgiram as nossas
instituições, a sociedade pende para a valorização da autoridade. A tradição
rousseauniana, que no contexto hispano-americano deu ensejo a grande
instabilidade em decorrência da exaltação das ideias revolucionárias, no
contexto brasileiro ficou restrita a minorias de ativistas de extrema-esquerda.
A longa
formatação da nossa sociedade no decorrer do século XIX, ao redor de um centro
de poder presidido pelo Imperador deu ensejo, no imaginário popular, a uma
organização social presidida por uma autoridade patriarcal que equacionaria, de
cima para baixo, os conflitos e os problemas. Para bem ou para mal, essa
tradição foi a espinha dorsal da configuração das nossas instituições. É
interessante destacar que essa crença permanece no fundo da alma popular, como
um dos mitos formadores da Nação.
No âmago
do coração do brasileiro há a expectativa do Rei, do pai benigno que zela por
todos. O Zé povinho batiza os seus empreendimentos com o apelativo real: “Rei
legítimo das peixadas”, “Rei das tintas”, “Rei do futebol”, “Rei do Carnaval” e
por aí afora. Nunca vimos estampada na entrada de um boteco ou de um clube
carnavalesco a legenda: “Presidente legítimo das peixadas” ou “Presidente do
Carnaval”. Poderia alegar alguém que
hoje, em tempos de democracia petista, as coisas mudaram com a “Presidenta”. Em
termos. O povão aceitou a candidata-poste porque acreditava cegamente no líder
que prometeu mundos e fundos e que continua, na surdina e no palanque, a dar
orientação e legitimidade carismática à sua escolhida. Esse é o nosso drama
político do momento.
Contudo,
a fé cega que o eleitorado depositou na candidata eleita em 2010 diminuiu
significativamente. A “Mãe do PAC” que Lula anunciou há quatro anos não é mais
a mesma. Claro que hoje, em face da complexidade e da descrença perante um
governo que tomou posse em clima de fim de festa, Lula continua a reforçar a
imagem benévola do “Pai do Povo” como distribuidor de benefícios. A recente
reunião dos líderes situacionistas ao redor do Lula no Largo de São Francisco
colocou os movimentos sociais como os representantes da alma popular. A luta
será por tentar aproximar as reivindicações desses movimentos com o que a
sociedade almeja. Mais uma jogada de perplexidade no tabuleiro da nossa vida
institucional, administrada macunaimicamente por aquele que, em determinado
momento, virou “Lulinha paz e amor” e que aspira a voltar em grande estilo
sebastianista, findo o atual quatriênio que, pelo andar da carruagem, será de
incertezas e assombrações.
Essa fé
conservadora no Pai benigno, sabemos, conduziu a sociedade brasileira aos
atuais sobressaltos. Talvez porque nos arraiais oposicionistas não conseguiram
os candidatos e os seus respectivos marqueteiros interpretar a alma popular,
que ainda almeja por um guia. Mas convenhamos que não foi por culpa das
expectativas do povo, mas dos que não conseguiram interpretar devidamente os
secretos desejos da sua alma. Os nossos candidatos continuaram a oferecer, na
campanha presidencial, “mais do mesmo”.
Uma agenda
conservadora teria, com certeza, mobilizado as massas, desmascarando aquilo que
de destrutor havia nas propostas lulopetistas. Mas a campanha se desenvolveu
dentro do esquema de “ou elegem Dilma ou os pobres perderão tudo aquilo que
conseguiram” no festival de bolsas e benefícios distribuídos como doações da
casa-grande sobre a grande massa dos carentes. A votação massiva em Aécio Neves
mostrou, contudo, uma coisa: a sociedade quer mudanças. Uma proposta
nitidamente conservadora teria chancelado as expectativas populares com uma
mudança de rumo necessária.
É curioso
observar que a votação que deu o triunfo a Dilma se decidiu nos arraiais de
Minas Gerais, um dos Estados mais tradicionais do Brasil, onde o espírito
barroco ainda se aninha profundamente na alma popular. Ora, esse espírito não
encontrou eco nas propostas do tucano Aécio. É que, a meu ver, o candidato se
assemelhava muito ao seu opositor candidato a governador nas Alterosas. Os
governos tucanos em Minas desenvolveram políticas públicas estatizantes, haja
vista a faraônica cidade administrativa inaugurada por eles em Belo Horizonte.
A
hipótese que defendo nestas linhas é a seguinte: o Brasileiro é um povo
conservador. E somente uma mudança de rumo pensada no pano de fundo da
preservação das tradições formatadoras da Nação, conseguirá renovar as
expectativas frustradas. A pergunta, então, seria a seguinte: há quem pense
nessas propostas conservadoras capazes de renovar a vida nacional?
Responderei
positivamente à questão formulada, identificando os pensadores que se situam
nesse parâmetro de defesa de determinadas tradições renovadoras. Defendo, com
João Camillo de Oliveira Torres (1916-1973), que o que define ao conservador em
política não é o fato de que este seja contrário às mudanças. O conservador é
aberto a elas, desde que se sedimentem na história da sociedade. Era a proposta
que Alexis de Tocqueville (1805-1859) defendia para a França após o terremoto
da Revolução de 1879.
Delimitarei
o marco cronológico da minha análise do conservadorismo brasileiro à época
contemporânea: entre 1970 e 2014. É o período em que de perto conheci a
realidade brasileira, primeiro como estudante de pós-graduação na PUC do Rio de
Janeiro e, depois, como professor universitário. Agruparei os pensadores influenciados
pela mentalidade conservadora em três grandes núcleos: 1 - conservadores e
tradicionalistas, 2 - católicos e 3 - liberais-conservadores.
Todos
eles são guiados por uma ideia comum: não haverá verdadeira transformação senão
preservando determinadas tradições que se formataram na nossa história. Pode
haver mudanças, sim. Mas ancoradas fortemente em tradições que consigam se opor
às deformações impingidas na história republicana pelo cientificismo
positivista.
1 - Pensadores conservadores e
tradicionalistas. Quatro
autores sobressaem, no período contemporâneo, como estudiosos e divulgadores do
pensamento conservador, num contexto hermenêutico: Vicente Ferreira da Silva
(1816-1963), Adolpho Crippa (1929-2000), Paulo Mercadante (1923-2013) e Olavo
de Carvalho (1947). Os fatos que constituem a cotidianidade da política, bem
como as doutrinas em que ela se inspira, não explicam, por si sós, o evoluir
das Nações ao redor do poder e das instituições em que este se exerce e se
legitima. É necessário conhecer, antes de tudo, o pano de fundo de crenças
fundamentais em que se apoiam a imaginação e o lógos das respectivas
sociedades.
Ora, tal
pano de fundo não é apenas um passado que ficou para trás, nas névoas do tempo.
É um passado primordial sempre presente. A caracterização desse back-ground difere para estes autores,
desde os mitos fundadores da Civilização Ocidental emergentes da religiosidade
órfica, que ensejou a presença do fascinator
entre os gregos (para Ferreira da Silva), ou dos mitos ancestrais presentes na
simbiose entre cristianismo e helenismo (para Adolpho Crippa), passando por uma
tradição barroca de mitos luso-brasileiros resgatáveis com o auxílio de uma
espécie de cabala, em que a matemática entra como linguagem simbólica (em Paulo
Mercadante) ou a partir de uma plataforma de mitos primordiais presentes nas
antigas tradições espirituais – taoísmo, judaísmo, cristianismo, islamismo –
(em Olavo de Carvalho).
Discípulo
de Eric Voegelin (1901-1985) quando dos seus estudos de pós-graduação na
Luisiana State University, nos Estados Unidos, sobressai como conservador, no
campo da sociologia, José Arthur Rios (1921), que tem desenvolvido, no seio do
Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, no Rio de Janeiro,
importantes trabalhos no terreno da problemática urbana, bem como na abordagem
da questão agrária e das lutas sociais, notadamente no que tange à violência.
No
contexto do pensamento tradicionalista, destaca-se a obra de Alexandre Correia
(1890-1984), importante representante do pensamento católico junto ao Centro
Dom Vital. Traduziu, para o português, integralmente, a Suma Teológica de São
Tomás de Aquino, empreendimento ao qual dedicou dez anos de labuta. A sua maior
contribuição ao pensamento político é constituída pela sua obra intitulada: Ensaios
políticos e filosóficos. Em que pese a influência recebida do tomismo,
no entanto, do ângulo político distanciou-se do mesmo, mantendo uma posição
contrária à democratização do Estado nos moldes moderados adotados por tomistas
brasileiros como Leonardo Van Acker (1896-1986). Outro pensador que se insere
na corrente tradicionalista é José Pedro Galvão de Sousa (1912-1992).
Entre os
tradicionalistas deve ser mencionado Plínio Corrêa de Oliveira (1909-1995),
fundador, em São Paulo, do movimento “Tradição, Família e Propriedade”, que no
ano 2000 contava com 20 mil adeptos no Brasil e simpatizantes em 14 países. A
respeito da obra deste pensador, frisa Antônio Paim no Dicionário biobibliográfico de
autores brasileiros (Brasília: Senado Federal, 1999): “(…) por entender
que a Igreja Católica relegava a segundo plano o combate ao comunismo, além das
muitas concessões à modernidade, inclusive no plano litúrgico, fundou a
Sociedade Brasileira Tradição, Família e Propriedade, conhecida como TFP.
Manteve-se fiel ao bispo suíço Lefèvre, mesmo depois que este foi excomungado
pelo Papa”.
2 - Pensadores católicos. No seio do pensamento católico
houve, no período estudado, contribuições que se situam no contexto da Doutrina
Social da Igreja, superando a radicalização da Teologia da Libertação. Na
trilha do “Humanismo Integral” proposto por Jacques Maritain (1882-1973), o
pensamento católico contemporâneo elaborou completa reflexão política, a partir
de uma posição moderada que margeia os ideais da democracia cristã e que
valoriza a doutrina dos Papas sobre questões sociais, sem fugir à discussão dos
problemas do mundo contemporâneo.
Os principais
representantes dessa vertente são: Alceu Amoroso Lima (1893-1983), Gustavo
Corção (1896-1978), Leonardo Van Acker (1896-1986), Hubert Lepargneur (1925),
Dom Boaventura Kloppemburg (1919-2009), Urbano Zilles (1937) e Tarcísio
Meirelles Padilha (1928). De outro lado, os principais estudiosos do pensamento
católico no período em apreço são: Antônio Carlos Villaça (1928-2005), Fernando
Arruda Campos (1930), dom Odilão Moura (1918-2010) e Anna Maria Moog Rodrigues
(1936). Do ângulo institucional, vale a pena mencionar o trabalho desenvolvido,
no Rio de Janeiro, pelo Centro Interdisciplinar de Ética e Economia
Personalista, que reúne jovens intelectuais católicos.
3 - Pensadores liberais-conservadores. É variada a gama dos autores de
inspiração liberal-conservadora na atual conjuntura brasileira. Destaquemos, de
entrada, o papel dos que, a meu ver, têm sido os inspiradores desta vertente de
pensamento.
Em
primeiro lugar, deve ser mencionado o jurista e pensador Miguel Reale
(1910-2006), máximo representante da Escola Culturalista. Em matéria de
pensamento social, esta corrente deu ensejo ao denominado “Culturalismo
Sociológico”, iniciado pelas figuras pioneiras de Sílvio Romero (1851-1914) e
Oliveira Vianna (1883-1951).
A tese
fundamental consiste no pressuposto de que não há monocausalismo em ciências
sociais, sendo necessário se aproximar do objeto de estudo de maneira
monográfica, levando em consideração que as variáveis são múltiplas e
irredutíveis umas às outras. Ora, o pensamento político de Reale se ajusta a
esse pressuposto. Ao longo da sua prolífica obra, vemos que o autor realiza uma
análise crítica da conjuntura sócio-política, de vários ângulos: o jurídico, o
histórico, o filosófico, o político, o cultural, reconhecendo, sempre, a
complexidade da vida social. O objeto formal da análise de Reale é constituído
pelo ponto de vista do que se convencionou em denominar de “liberalismo
social”. Tal doutrina defende fundamentalmente a liberdade dos indivíduos, no
contexto do que Alexis de Tocqueville denominava de “interesse bem
compreendido”. Para Reale, efetivamente, a defesa do indivíduo e dos seus
interesses não pode correr solta em face dos interesses da comunidade.
Reale reconhece
a necessidade da intervenção estatal em determinados momentos de crise, como
foi o caso, por exemplo, das reformas ensejadas no capitalismo à luz do
pensamento de John Maynard Keynes (1883-1946), após a crise de 1929. Mas
deve-se considerar que essas intervenções precisam ser limitadas. Entre o
“socialismo liberal” apregoado por Norberto Bobbio (1909-2004) e o
“social-liberalismo” ou “liberalismo social”, Reale prefere a segunda opção,
justamente porque põe limite à intervenção do Estado, preservando a liberdade.
O Liberalismo de Reale ancora na tradição européia, notadamente no hegelianismo
moderado de Benedetto Croce (1866-1952), bem como no liberalismo com feições
doutrinárias de Raymond Aron (1905-1983). No Instituto Brasileiro de Filosofia,
criado por Reale em 1949, o pensador paulista conseguiu instituir um ambiente
liberal para o debate político, sendo a Revista Brasileira de Filosofia o
veículo de divulgação.
Em
segundo lugar, cabe mencionar o nome de Roberto Campos (1917-2001). Diplomata e
ex-ministro de Estado, ele representa uma das fontes do pensamento liberal
contemporâneo, do ângulo da concepção econômica, aliada a uma ampla visão
política. Para Campos, o Liberalismo consagrou, desde os tempos de Adam Smith
(1723-1790), a liberdade de mercado e ensejou o processo de enriquecimento da
Humanidade, superando definitivamente a antiga concepção mercantilista, que
fazia da acumulação de riqueza um processo de “soma zero” (me enriqueço se
roubo de alguém), passando a desenvolver uma concepção macroeconômica: é
possível criar riqueza, mediante a aplicação da inteligência ao trabalho e à
transformação da natureza.
Mas o
jogo econômico precisa de um marco ético-político em que se possa desenvolver. É
necessário garantir o exercício da liberdade dos cidadãos mediante a criação de
instituições que a protejam e que tenham continuidade. Entre estas
instituições, Campos considera que o governo representativo e o seu
aperfeiçoamento constituem uma grande conquista do Liberalismo, nos períodos
moderno e contemporâneo. Roberto Campos se destacou como um dos grandes
tecnocratas a serviço do desenvolvimento; atribuía ao Estado a indelegável
responsabilidade de, mediante um planejamento democrático, abrir espaços para
que a iniciativa privada florescesse. No prefácio à sua obra de memórias,
intitulada: A Lanterna na Popa, Campos sintetizava a sua saga como sendo a
encarnação de uma espécie de apóstolo da liberdade (à maneira de Tocqueville)
que pregava no deserto de um século coletivista.
Em terceiro lugar, sobressai a figura de José
Guilherme Merquior (1941-1991), diplomata, pensador e crítico literário. O
autor, marcadamente influenciado por Raymond Aron (1905-1983), de quem foi
aluno na Haute École de Sciences Sociales,
em Paris, se definia como um “liberal neoiluminista”, ou como seguidor do
“social liberalismo”. Merquior
caracterizou-se pela sua abertura a todas as correntes de pensamento existentes
no Brasil e no exterior, o que não sufocou, no entanto, o viés crítico da sua
escrita, como tampouco o seu compromisso para traçar políticas públicas, quando
a isso foi chamado pelos diferentes governos aos quais serviu como diplomata.
Mencionemos, em quarto
lugar, a figura de Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999), docente da
Universidade de São Paulo. Ele pensou o Liberalismo na sua condição trágica,
porquanto a defesa da liberdade constituiu, para ele, no século XX, um dos
grandes riscos, em face do coletivismo e, de outro lado, porque, no plano
existencial, coloca o homem na sua condição de ser responsável individualmente
pelos seus atos.
Segundo Roque Spencer, o
homem, na modernidade, encontrou na meditação filosófica dois parâmetros
comportamentais: o individual e o coletivista. No parâmetro individual, que foi
aprofundado por John Locke (1632-1704) e pelos pensadores que continuaram na
sua trilha, como Thomas Jefferson (1743-1826), Alexis de Tocqueville, etc., o
homem sempre sentiu a tragicidade da sua solidão como ser livre e responsável.
É o ponto de vista liberal. No contexto do coletivismo, cujo principal
formulador foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o homem aspirou, sempre, a se
refugiar na entidade anônima da totalidade social, para esconjurar, assim, o
trágico dever da liberdade e da responsabilidade.
Destaquemos, em quinto lugar, a figura de José
Osvaldo de Meira Penna (1917). O pensamento deste autor adentra-se não apenas
no terreno sociológico, mas se aprofunda também na análise filosófica ao redor
da temática da liberdade. Paralelamente, o pensador, que possui sólida formação
humanística, abarca, nas suas análises, as perspectivas psicológico-social (à
luz da escola junguiana, da qual é importante representante) e econômica, se
alicerçando nos conceitos de Friedrich Hayek (1899-1992), Ludwig von Mises
(1881-1973) e Milton Friedman (1912-2006). Meira Penna considera-se um
libertário, aquele que ergue como valor supremo a defesa da liberdade
individual, contra qualquer tentativa de esvaziá-la.
O Liberalismo, segundo o pensador, experimentou
crises profundas. A partir de meados do século XIX vigorou, segundo ele, um
“movimento de opinião no sentido de um retorno ao coletivismo, invocado nos
lemas de Igualdade e Fraternidade”. Meira Penna considera que, diante dessa
crise, é necessário voltar à defesa da liberdade do indivíduo em face da
coletividade, seguindo os ensinamentos de Tocqueville, de cujo pensamento o
nosso autor é um dos grandes estudiosos no Brasil, tendo fundado, em 1986, no
Rio de Janeiro e em Brasília, a Sociedade Tocqueville.
Destacarei, em sexto lugar, a obra de Antônio Paim
no que tange à historiografia do pensamento liberal, bem como à discussão da
problemática ética ensejada por essa corrente no seio da cultura brasileira.
Para Paim, o liberalismo não penetrou fundo, o suficiente, no nosso panorama
cultural, em decorrência da falta de chão axiológico sobre o qual pudesse se
firmar tal filosofia. Atribui o pensador a essa falta uma causa cultural: a
tradição contrarreformista presente na formação da Nação brasileira; tal
herança é alheia ao ideal de liberdade e de responsabilidade individual que
deveriam sedimentar uma ética do trabalho, sobre a qual pudesse se balizar o
surgimento e ulterior amadurecimento da empresa capitalista.
Tal pano de fundo se aproxima mais, no sentir do
pensador, da defesa do Estado patrimonial e das suas práticas cartoriais e
predatórias. Isso se manifesta, inclusive, nos atuais momentos, ao ensejo da
chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, a partir de 2003. Esta
agremiação política, fruto da união entre o movimento sindical e a Igreja
Católica, terminou constituindo uma modalidade de socialismo autoritário que
mantém viva a tradição patrimonialista.
De outro lado, Paim desenvolveu, ao longo dos
últimos anos, amplo trabalho de pesquisa acerca das fontes e vertentes do
Liberalismo em nível mundial, bem como no contexto brasileiro. É da sua lavra a
crítica mais consistente, em língua portuguesa, ao marxismo, efetivada na obra:
Marxismo
e descendência (Campinas: Vide Editorial, 2009). No caso brasileiro, tal
tendência inseriu-se na vertente cientificista originária do ciclo pombalino,
bem como da corrente positivista. É de inspiração cientificista, no
sentir de Paim, o modelo de ética totalitária quer anima a significativa
parcela da esquerda, cujas ações se abrigam no imperativo de que “os fins justificam os meios”. A sua incansável
pesquisa enveredou, também, pela investigação biobibliográfica acerca dos principais
pensadores do Brasil, nos terrenos da história das ideias, da antropologia
cultural, da ciência política e da sociologia. Prova dessa amplitude
intelectual é o Dicionário Bibliográfico de Autores Brasileiros (Brasília:
Senado Federal,1999), por ele coordenado.
Em sétimo lugar, sobressai, hodiernamente, a figura
do antropólogo Roberto Damatta (1936), professor emérito da Universidade Notre
Dame, nos Estados Unidos. Da sua vasta obra emerge, do ângulo do pensamento
político, um perfil liberal afinado com o ideal tocquevilliano de defesa da
democracia, com ênfase na salvaguarda da liberdade individual e na visão
pluralista de cultura. Damatta retoma, a meu ver, o viés de crítica republicana
liberal às instituições brasileiras, que já tinha sido efetivado, no século
XIX, por outro seguidor das pegadas de Tocqueville em terras brasileiras:
Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875). As bases do Estado, no Brasil,
são familísticas e conspiram contra o bem comum e contra o exercício da
liberdade.
Mencionemos,
em oitavo lugar, os nomes de estudiosos que exploram aspectos variados do
pensamento liberal. No Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio,
sob a presidência de Antônio de Oliveira Santos, sobressaem as contribuições de
Ernane Galvêas (1922), ex-ministro da Fazenda e de Gilberto Paim (1919-2013),
no que tange à análise da problemática económica e política do Brasil, do
ângulo das instituições liberais. No seio do Instituto Liberal, Donald Stewart
(1931-1999), fundador dessa instituição, abriu esclarecedor debate acerca da
privatização do Estado pelos burocratas e a classe política. Ainda no Instituto
Liberal, Og Leme (1922-2004), colaborador de Donald Stewart na organização
dessa instituição, desenvolveu trabalhos acerca da temática liberal, projetada
sobre a realidade brasileira.
No seio
do Instituto Liberal outros autores têm deixado significativa contribuição ao
debate em torno à cultura política. Roberto Fendt (1944) desenvolveu pesquisas
acerca das bases culturais e políticas da liberdade de mercado, no contexto da
atual globalização. Mário Guerreiro (1944) e Alberto Oliva (1950) têm
aprofundado nas exigências epistemológicas do liberalismo, do ângulo do que se
convencionou em chamar de “modéstia epistemológica”. Representante da nova
geração de pensadores no Instituto sobressai Rodrigo Constantino (1976), que se
tem revelado polemista combativo, nas suas críticas à corrupção e ineficiência
desencadeadas pela burocracia lulopetista.
Como
presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o historiador Arno
Wehling (1947) tem dado uma contribuição importante para a compreensão do
surgimento das instituições brasileiras, consolidadas, no século XIX, sob a
égide do liberalismo conservador que empolgou a geração de estadistas do
Império.
Ubiratan
Borges de Macedo (1937-2007), de formação orteguiana, estudou, pioneiramente, o
impacto dos doutrinários franceses sobre o liberalismo brasileiro, além de ter
pesquisado a saga da idéia de Liberdade, ao longo da história do Brasil nos
dois últimos séculos. Boa parcela dessas pesquisas foi desenvolvida no Círculo
de Estudos do Liberalismo, criado por ele, no início da década de 1990, no Rio
de Janeiro. Para este pensador que, no terreno da filosofia jurídica,
aprofundou na idéia de Justiça à luz da filosofia de John Rawls (1921-2002),
não há conflito entre modernidade e catolicismo. A ausência, na meditação
brasileira, de um tratamento sistemático acerca da moral social, decorre, no
sentir dele, não da tradição católica contrarreformista, mas da feição
romântica que tomou conta da meditação nacional, ao longo do século XIX e no
começo do XX.
Francisco
Martins de Souza (1925), vinculado à Academia Brasileira de Filosofia e ao
Clube da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, desenvolveu significativa pesquisa
acerca do pensamento corporativista, do ângulo liberal, tendo identificado o
arquétipo conhecido como “Culturalismo Sociológico”. Leonardo Prota (1930), da
Academia Brasileira de Filosofia e diretor do Instituto de Humanidades (com
sede em Londrina, Paraná), realizou pesquisas sobre os fundamentos culturais do
pensamento político (com destaque para a filosofia política liberal), ao ensejo
do Curso
de Humanidades, do Curso de Introdução à Ciência Política
e dos Encontros Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia
Brasileira, organizados por ele entre 1989 e 2003.
Maria
Lúcia Victor Barbosa, da Universidade Estadual de Londrina, tem dado valiosa
contribuição à análise crítica do panorama político brasileiro, do ângulo
liberal. Arsênio Eduardo Corrêa (1945), no Instituto de Humanidades (em São
Paulo), realizou estudos que analisam a passagem do ciclo autoritário militar
para a denominada Nova República, destacando o relevante papel que os liberais
tiveram na consolidação das instituições democráticas, ao redor do primeiro
presidente civil eleito no novo ciclo, Tancredo de Almeida Neves (1910-1985).
Vicente de Paulo Barreto (1939), docente das Universidades Gama Filho e do
Estado do Rio de Janeiro, deu expressiva contribuição ao estudo das ideias
liberais, analisando, notadamente, as fontes de que se louvou o pensamento
brasileiro.
No Rio
Grande do Sul, pela sua reflexão acerca das fontes filosóficas do liberalismo e
da contraposição desta filosofia às instituições autoritárias do Brasil republicano,
se destacam Cézar Saldanha Souza Júnior, coordenador da pós-graduação em
Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Selvino Antônio Malfatti
(1943), da Universidade Federal de Santa Maria e do Centro Universitário
Franciscano, na mesma cidade. Francisco de Araújo Santos (1935), na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, analisa a relação entre Liberalismo
e gestão empresarial. No Instituto Liberdade, em Porto Alegre, destaca-se
Margaret Tse, diretora dessa Instituição, pelas suas pesquisas acerca das
relações entre empreendedorismo e liberdade no meio brasileiro, bem como pela
abordagem da questão ambiental do ângulo liberal. Da velha estirpe de juristas
liberais, sobressai a figura do ex-parlamentar gaúcho Paulo Brossard (1924)
cuja obra, extensa, testemunha o combate assíduo deste grande orador contra o
autoritarismo republicano.
Na
Universidade de Brasília, destacam-se dois pensadores liberais, que projetam as
suas análises sobre a realidade brasileira contemporânea: Paulo Roberto da
Costa Kramer e Eiiti Sato. Em Pernambuco, sobressai a ampla perspectiva aberta
pelas análises do jurista e cientista político Nelson Saldanha (1931), ligado à
Escola Culturalista. João Scantimburgo (1915-2013), pensador católico de
inspiração blondeliana, da Academia Brasileira de Letras, destaca-se pela sua
pesquisa acerca da história do liberalismo e da empresa moderna no Brasil. O
jurista Ives Gandra da Silva Martins (1935), jurista e escritor, tem analisado criticamente
os surtos populistas na política brasileira, confrontando essa realidade com a
filosofia liberal, a tradição jurídica e a doutrina social da Igreja. Como
instituição que promove regularmente debates sobre o pensamento liberal, no
contexto da formulação de políticas públicas para o Brasil, sobressai a
Fundação Liberdade e Cidadania, do Partido Democratas, que publica,
regularmente, a revista eletrônica Liberdade e Cidadania.
A minha
contribuição ao estudo do pensamento liberal percorreu o caminho do confronto
entre liberalismo e tendências autoritárias, mostrando a forma em que se
poderia superar a tradição patrimonialista de origem ibérica, pelo estímulo ao self-government, em nível municipal,
passando pela valorização do governo representativo e da educação para a
cidadania. Tenho centrado os meus estudos, notadamente, na divulgação do
pensamento de Alexis de Tocqueville e dos doutrinários franceses, destacando a
figura de Raymond Aron como expressão contemporânea da opção liberal, bem como a
presença de Tocqueville na cultura brasileira. De outro lado, analisei criticamente
a Teologia da Libertação, destacando o compromisso dos pensadores desta
corrente com o messianismo político de inspiração marxista-leninista. Em face
da aguda problemática que a guerra do narcotráfico tem trazido para o Brasil,
tenho analisado a forma em que se poderia fazer frente a esse flagelo,
combatendo com denodo o crime organizado, incorporando à cidadania as
comunidades reféns dos cartéis da droga e preservando as instituições do
governo representativo, levando em consideração a experiência colombiana.
Conclusão: que tem o conservadorismo a oferecer à política e cultura
brasileiras do século XXI? O pano de fundo da mentalidade
conservadora certamente ajudará o Brasil na atual circunstância, a encontrar o
seu caminho rumo ao futuro. O lulopetismo corresponde a uma crise do pensamento
de esquerda no Brasil. Dessa profunda sina só poderemos sair olhando para o
nosso passado cultural, preservando a nossa identidade axiológica e efetivando
as reformas necessárias no Estado, a fim de que não fiquem excluídos os
brasileiros dessa caminhada. A proposta socialista é essencialmente excludente,
levando em consideração a versão tacanha que foi elaborada pela intelligentsia petista.
Uma proposta liberal-conservadora certamente seria a alternativa para o
Brasil de hoje. Primeiro porque preserva os nossos valores, sordidamente
conspurcados pela cultura do confronto e do sectarismo presentes na “revolução
cultural gramsciana” imposta pelos governos petistas. Em segundo lugar, porque
essa proposta está aberta à modernização em matéria de self-government da nossa sociedade.
É imperativo aperfeiçoar os mecanismos da representação política. A
causa dessa desvalorização consistiu na manutenção da velha tradição ibérica de
privatização do Estado para benefício de uma minoria. O único caminho para
superar essa concepção clânica que enxerga a política como negócio de poucos
para benefício próprio é o do aperfeiçoamento da representação, não (como prega
o PT) a sua substituição por um modelo rousseauniano de democracia direta a ser
controlado pelos donos do poder.
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