Escrevia sir Francis Bacon (1561-1626), um dos
ícones do empirismo inglês, na sua obra intitulada Novum Organum Scientiarum
(1620), que a experiência humana tem momentos privilegiados, aqueles em que os
segredos da natureza se revelam, por instantes, perante a lente dos cientistas.
Considerava que alguns fatos constituíam instantiae ostensivae (instâncias
reveladoras, ou casos em que as estruturas da natureza estariam no seu máximo de
manifestação). Esses seriam os momentos de insight das leis que comandam o
cosmo.
Os
brasileiros estamos assistindo, nos eventos do petrolão, a uma dessas raras
circunstâncias na evolução do nosso secular Estado patrimonial, que o público
em geral não vê, mas que são observáveis por mentes preparadas. A opinião
pública não vê essas instâncias, mas paga a conta. O contribuinte que o diga.
Sente já no bolso os desmandos da empresa patrimonialista, montada passo a
passo, com paciência de sindicalista que assiste à assembleia para, esvaziada
pelo cansaço, aprovar a greve almejada. No caso do petrolão, esta seria a
última etapa, a mais visível, de aparelhamento do sistema produtivo por uma
ávida elite preparada para a função de privatizá-lo, tudo em benefício da
burocracia estatal presidida pelo partido.
Não
é de hoje o projeto dessa empresa patrimonialista, que teve etapas memoráveis.
Em todas elas a ciência aplicada foi posta a serviço da burocracia estatal, a
fim de garantir a eficiência na racionalização da empresa do rei ou do primeiro
mandatário. Foi assim nas reformas pombalinas, na segunda metade do século 18,
quando o marquês de Pombal amarrou o sistema produtivo ao redor dos monopólios
reais, fora dos quais ninguém conseguiria sobreviver. Assim ocorreu nas
reformas modernizadoras do Império, com o monarca como centro da atividade
econômica, colocando sob o seu tacape aqueles que quisessem apresentar-se como
empresários independentes do trono. As agruras sofridas pelo visconde de Mauá,
um dos nossos próceres do livre empreendedorismo, estão aí para provar a
eficiência do projeto patrimonialista. Assim se deu no ciclo modernizador do
getulismo, com as reformas ensejadas pela elite gaúcha comandadas com mão de
ferro pelo próprio Getúlio Vargas, com o auxílio dos jovens intelectuais que
integravam a Segunda Geração Castilhista, com Lindolfo Boeckel Collor à frente,
tendo previamente sido cooptada a jovem elite tenentista no Clube 3 de Outubro.
Assim também no ciclo militar em torno da proposta modernizadora em andamento
nos terrenos econômico e social, pensada no petit comité que reunia, ao redor
do general-presidente, a elite tecnocrática e militar, responsável por traçar o
andamento da máquina pública rumo ao Brasil Grande.
O
lulopetismo tentou copiar esse esquema de modernidade ao redor do Estado
empresário, racionalizando ao máximo a máquina tributária, centralizando as
receitas em favor da União (com detrimento de Estados e municípios), utilizando
como mão distribuidora de recursos entre os empresários cooptados o BNDES, que
partiu também para aliciar fidelidades internacionais no Hemisfério Sul, na
tentativa de dar vida a essa nova diplomacia que está acabando de desmontar a
primorosa máquina construída, na aurora da República, pelo barão do Rio Branco
no Itamaraty. O mecanismo foi o mesmo do ângulo econômico: tudo centralizado ao
redor dos monopólios oficiais, dentre os que se destacam a Petrobrás e a
Eletrobrás. O modelo modernizador lulopetista assemelha-se, assim, ao posto em
prática por Vladimir Putin no seio do secular patrimonialismo russo, com a
hegemonia das empresas produtoras de gás e petróleo. Proveniente do meio
sindical, Lula caprichou no sentido de dominar completamente os fundos de
pensão das estatais.
Fazem-se
sentir hoje os efeitos práticos dessa política patrimonialista: enriquecimento
rápido dos agentes públicos - garantida sua segurança nas sombras da nossa
complexa legislação, que coloca sobre todos a espada de Dâmocles da insegurança
jurídica, mas para os amigos do rei constitui garantia de que nada acontecerá
com eles. Vide as penalidades muito diferentes impostas no julgamento do
mensalão: pesadíssimas para os que foram cooptados no setor privado pelo
turbilhão de dólares na cueca e nas malas gordas de notas, levíssimas para os
arquitetos dos "malfeitos" (para utilizar a terminologia do agrado da
presidente Dilma).
A
maciça divulgação dos feitos da ladroagem está sensibilizando a opinião pública
de que há algo de errado na estrutura do nosso Leviatã. Foi de tal grau o
tsunami da corrupção que inundou o quintal do dia a dia do cidadão comum.
Enquanto itens básicos da saúde pública faltam nas unidades de pronto
atendimento (UPAs), a elite larápia tem pronto atendimento de Primeiro Mundo no
Hospital Albert Einstein, o mais caro do País. Enquanto já começa a sobrar
calendário e a faltar dinheiro na metade do mês no bolso dos contribuintes, os
dólares desviados sobram nas contas milionárias da petralhada e dos empresários
corruptos. Enquanto a sociedade almeja por transparência na prestação de
contas, a Presidência da República é pródiga em enrolação e em contradições
veiculadas pelos porta-vozes oficiais. Enquanto se esperava que o Ministério da
Justiça cumprisse o seu papel de facilitador para que a Justiça operasse livre
e célere, converteu-se em guichê de reclamos dos larápios e em janela por onde
assomam os feitores dos desmandos, que buscam pressionar politicamente os
magistrados honestos.
Tomara
que de todo esse movimento de confusa agitação surja uma análise aprofundada
sobre as causas das nossas mazelas: o Estado patrimonial e o seu cérebro,
instalado hoje confortavelmente na Presidência da República e nos gabinetes dos
burocratas de Brasília.
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