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A percepção do fluir do tempo na história das sociedades não é unívoca, mas análoga à versão que dos eventos tecem os seres humanos. Assim, tanto Wilhelm Dilthey (1833-1911) quanto José Ortega y Gasset (1883-1955) destacaram a “densidade” dos momentos históricos. O Brasil viveu em 2014, uma dessas raras circunstâncias. Parece como se os fatos tivessem se acelerado e concentrado numa conjugação de circunstâncias paradoxais.
A percepção do fluir do tempo na história das sociedades não é unívoca, mas análoga à versão que dos eventos tecem os seres humanos. Assim, tanto Wilhelm Dilthey (1833-1911) quanto José Ortega y Gasset (1883-1955) destacaram a “densidade” dos momentos históricos. O Brasil viveu em 2014, uma dessas raras circunstâncias. Parece como se os fatos tivessem se acelerado e concentrado numa conjugação de circunstâncias paradoxais.
Vivenciamos no ano que ora
finda, paradoxal sequencia de eventos incomuns que, juntos, causaram esse clima
de novidade perigosa que afeta à opinião pública, deixando-a paralisada. Os
mais significativos desses fatos na sua desconjuntada sequência foram: a prisão
dos condenados na Ação 470; a Copa do Mundo (com a derrota acachapante da
seleção brasileira); as multitudinárias manifestações de repúdio à presidenta
Dilma nos estádios, quando das suas raras aparições em público; a CPI da
Petrobrás (esvaziada pelo Governo e que não deu em nada); a Operação “Lava
Jato”, deslanchada pela Polícia Federal sob o amparo legal da Justiça; a campanha
eleitoral com a onda de baixarias praticadas pelo PT, em que prevaleceu o
“assassinato de reputações” dos candidatos oposicionistas; a trágica morte de
Eduardo Campos e a súbita ascensão da candidata Marina Silva nas pesquisas de
opinião após esse triste evento; a progressiva ocupação dos espaços ocupados
por Marina, pelo candidato Aécio Neves, no final da campanha; as eleições
presidenciais renhidas como nunca na história deste país (com a Justiça
eleitoral fazendo corpo mole perante as denúncias contra a candidata oficial) e
o clima de desconfiança que se instalou entre os eleitores em decorrência dessa
ineficiência, no julgamento das ações impetradas por vários setores da
sociedade contra o partido do governo.
Poder-se-ia completar o
quadro anterior com estes outros eventos: os desdobramentos judiciais das
investigações do Ministério Público e do Juiz Sérgio Moro em relação à operação
“Lava Jato”, com doleiros e empresários aderindo à delação premiada; os respingos
destes acontecimentos policiais e judiciários na idoneidade moral do PT e
demais partidos da base aliada; a nomeação atabalhoada, pelo novo Governo, dos
ministros que serão empossados no início do próximo ano (com figuras
provenientes de setores oposicionistas e com programas de gestão contrários ao
prometido pela candidata vencedora na campanha); a sensação de vitória pírrica
da candidata Dilma em face do enfraquecimento moral do seu partido e dela
própria ao ensejo da crise do Petrolão; enfim, a vertiginosa queda das
expectativas econômicas do país perante o quadro de corrupção e de
incompetência generalizadas do Governo no desmonte da Petrobrás, que se tornou
evidente nos últimos meses.
A impressão que se tem é que
o Brasil está à beira de um grande movimento de renovação social, em face do
desgaste dos procedimentos e das instituições do que se convencionou em chamar
de “velha política”. A rápida ascensão de Aécio no final da campanha
presidencial e os 51 milhões de votos que quase o guindam ao poder, com estreitíssima
margem em face da candidata vencedora, provam que a sociedade brasileira
propende, hoje, pela mudança. Isso em que pese a teimosia petista em se aferrar
ao poder, num esquema de governança já gasto e desacreditado.
Dizia Alexis de Tocqueville
(1805-1859), em face dos acontecimentos que antecederam a revolta francesa de
1848 (que contrapôs socialistas ensandecidos, liberais e conservadores): “As
revoluções nascem espontaneamente de uma doença geral dos espíritos, induzida
de repente ao estado de crise por uma circunstância fortuita que ninguém
previu; quanto aos pretensos inventores ou condutores dessas revoluções, nada
inventam ou conduzem; seu único mérito é o dos aventureiros que descobriram a
maior parte das terras desconhecidas: atrever-se a ir sempre em linha reta,
para a frente, com o vento a favor” (Lembranças de 1848, S. Paulo:
Companhia das Letras, 2011, p. 73).
Ora, poderíamos traçar uma
semelhança entre a situação francesa de meados do século XIX e a nossa: os
revolucionários de plantão, no caso do Brasil, os petistas, assumiram o comando
do navio sem mudar o rumo traçado inicialmente, a fim de tomar conta de todos
os espaços, tendo como norte unicamente garantir a hegemonia partidária. Os
bravos petralhas caminham direto, em linha reta, para o desastre.
Recente artigo deu conta dos
contornos dessa tragédia anunciada no plano econômico: “Quanto mais fundo se
mergulha na Operação Lava Jato, mais
cresce o risco de que ondas de choque se propaguem para além das empresas
diretamente envolvidas no escândalo e atinjam outros setores da economia
brasileira. Com isso, talvez não leve muito tempo até que a
investigação se reflita no bolso de cada brasileiro por meio da redução da
oferta de crédito” (Ana Clara Costa e Luís Lima, “O Petrolão é uma bola de
neve e você está no caminho”, Veja, edição de 14/12/2014).
Diante dessa situação de
crise generalizada, o que fazer? Dizia Tocqueville em 1848: “Sempre tive por
máxima que, em momentos de crise, não só é necessário estar presente na
assembleia da qual se faz parte como também é preciso manter-se no lugar onde
habitualmente se é visto”.
No nosso caso, em face da
complexidade que nos depara este Governo que começou parecendo já estar
terminando, nós, cidadãos, permaneçamos no nosso lugar, cumprindo com as
responsabilidades que assumimos. Os massivos protestos que encheram as ruas das
cidades brasileiras em junho de 2013 contra a corrupção e a “velha política”
têm continuidade hoje na corajosa ação da Justiça contra empreiteiras e
políticos da operação Lava Jato.
Tempos novos virão!