Dizia o grande sociólogo Max Weber, em Economia e Sociedade, que um dos traços característicos do Patrimonialismo consiste em o líder guindar, do nada, às alturas do poder, figuras absolutamente inexpressivas, como forma de manter a sua dominação carismática pessoal.
Nesse tipo de hegemonia, o Brasil da era Lula está dando provas concretas da validade da apreciação do sociólogo alemão. Duas mulheres são "postes" do Lula: uma no poder, Dilma, disposta a defender a herança lulista do chefe e inspirador, outra nas sombras da confusão entre público e privado, Rosemary.
Transcrevo artigo de conhecido escritor que ilustra magnificamente essa dupla cooptação efetivada pelo articulador das nossas desgraças republicanas hodiernas, Lula.
ARTIGO /
GUILHERME FIUZA
Publicado:
21/12/12 - 19h09 O Globo.
Nesses
tempos de devoção às minorias, não é justo deixar de destacar a contribuição de
Rosemary Noronha para a causa feminina. O Brasil progressista explode de
orgulho por ser governado por uma mulher — que aliás deu a Rosemary sua chance
de brilhar — e não pode agora se esquecer de reverenciar mais uma expoente do
gênero. Assim como Dilma, Rose chegou lá. O fato de estar enrolada com a
polícia é um detalhe.
Rose e
Dilma escreveram seus nomes na história do Brasil por serem, ambas, utensílios
de Lula. A finalidade de cada uma para o ex-presidente não vem ao caso. O que
importa é que ambas funcionaram muito bem. Como se nota pelo ufanismo nacional
em torno de Dilma, não se espera mais da mulher moderna opinião própria,
autonomia e iniciativa. Basta botar um tailleur vermelho, um colar de pérolas e
decorar suas falas. E muito importante: falar o mínimo, para errar pouco. Até
outro dia isso era piada entre Miguel Falabella e Marisa Orth (“cala a boca,
Magda!”). Hoje é sinal de poder.
O grande
símbolo feminino brasileiro da atualidade, que desperta a admiração de Jane
Fonda — que tempos! — não tinha feito nada de extraordinário na vida até ser
levada pela mão do padrinho ao topo. O feminismo realmente mudou muito.
Lá
chegando, seu maior mérito foi usar vestido e não ser o Lula (para os que não
suportavam mais o ogro bravateiro), ou ser o Lula de vestido (para os que
seguem venerando o filho do Brasil). Sem nenhum plano de governo, com um
ministério fisiológico de cabo a rabo, sem um mísero ato de estadista em dois
anos de mandato, Dilma se destaca por ser ou não ser Lula, dependendo do ponto
de vista. É a apoteose da nulidade, que o Brasil progressista e feminista
consagra com aprovação recorde.
Diante
desses novos valores, seria injusto não consagrar Rosemary também. A
representante da Presidência da República em São Paulo fez exatamente o que
Dilma fez em Brasília: cacifada por Lula, passou a reger o parasitismo do PT,
cuidando da nomeação de companheiros e dando blindagem política às suas
peripécias para sucção do Estado.
No caso
de Dilma, a grande orquestra fisiológica foi desmoronando ao vivo, com nada
menos que sete ministros nomeados (e protegidos até o fim) por ela caindo de
podres, graças à ação da imprensa. A mulher-modelo de Jane Fonda ainda havia
parido uma Erenice, a quem preparava para ser a dama de ferro de seu governo
(Jane não pode imaginar o que seria isso) — derrubada por fazer na Casa Civil
algo muito parecido com as operações fantásticas de Rosemary. Até o uso da Anac
como balcão de negócios se repetiu. Por que só Dilma é ícone feminino, se
Rosemary mostrou ser um prodígio da mesma escola?
Por algum
mistério insondável, a Polícia Federal não fez escutas nos telefones de Rose,
ou diz que não fez. As conversas da mulher que regia uma quadrilha grudada em
Lula, se apresentando como sua namorada, e que tramou até sabotagem ao
julgamento do mensalão — o mesmo que Lula tentara com Gilmar Mendes — não
interessou aos investigadores. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
disse que não havia motivos para grampear Rosemary — uma suspeita que está
impedida pela Justiça de sair de sua cidade. Esses ministros farsescos do PT
podiam ao menos ser mais criativos. Mas não precisa, porque o Brasil engole
qualquer coisa.
Marcos
Valério disse que Lula teve despesas pagas pelo esquema do mensalão e autorizou
operações bancárias do valerioduto. É comovente a desimportância atual dessas
declarações. Lula é o líder de um projeto político montado para a permanência
no poder a qualquer custo — e essa fraude está exaustivamente demonstrada pelo
mensalão, por Dirceu, Erenice, Palocci, Pimentel, aloprados, Rosemary e
praticamente todo o estado-maior petista, tanto de Lula quanto de Dilma,
flagrados em tráfico de influência para se aferrar ao poder na marra. O que
mais é preciso denunciar?
O eleitor
brasileiro está brincando com fogo. Enquanto o desemprego estiver baixo, vai
continuar afiançando a fraude que finge não ver. O país vai sendo empurrado com
a barriga pelos fisiológicos — e essa conta vai chegar. O governo desistiu de
controlar a inflação, que vai se afastando da meta (apesar da mudança de
cálculo que reduziu o índice). A gastança pública é disfarçada com truques
contábeis para esconder o déficit. A arrecadação brutal banca a farra dos
companheiros, sem sobra para investimentos decentes — e tome literatura de
trem-bala e tarifas mentirosas de energia, que já multiplicam os apagões por
manutenção precária.
Como se
viu na funesta CPI do Cachoeira, a mafiosa Delta comandava o planejamento da
infraestrutura terrestre.
Mas está
tudo bem, e oito governadores podem ir de cara limpa prestigiar Lula e sua
democracia de aluguel. Se este é o país que queremos, Rosemary é a mulher do
ano.
GUILHERME
FIUZA é escritor
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