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terça-feira, 2 de junho de 2020

Pensadores Portugueses - ANTERO DE QUENTAL (1842-1891)



Esta exposição consta de duas partes: I – Breve sinopse bio-bibliográfica de Antero de Quental. II – Antero de Quental, ensaísta.
I - BREVE SINOPSE BIO-BIBLIOGRÁFICA
Antero Tarquinio de Quental, de origem nobre, nasceu em Ponta Delgada, ilha de São Miguel (no arquipélago das Açores), em abril de 1842. Viveu na cidade natal até os 14 anos de idade, num ambiente bucólico em que se destacava a religiosidade familiar. O tio avô de Antero era o padre Bartolomeu de Quental, orador sacro de renome, escritor de temas místicos e fundador da ordem da Congregação do Oratório. Impressionado pela figura deste familiar, bem como pela leitura do poema Deus, que integrava a obra intitulada Harpa do Crente do grande historiador Alexandre Herculano, o nosso autor cultivou durante algum tempo a idéia de se tornar sacerdote. No entanto, o contato com as "correntes do espírito moderno", que Antero conheceu ao longo dos seus estudos de direito em Coimbra (realizados entre 1856 e 1864), terminou por fazer apagar no seu coração essa tendência herdada da religiosidade familiar. A partir de 1865, ano em publica as suas Odes Modernas, consolida-se esse afastamento e o conseqüente surgimento no espírito do poeta e ensaísta da atitude crítica em face das tradições portuguesas. Adolfo Casais Monteiro considera que Antero exerceu uma posição de liderança em relação aos seus companheiros de estudo (Teófilo Braga, Vieira de Castro, Adolfo Coelho, Oliveira Martins, Eça de Queirós e outros), no que tange a uma reflexão crítica sobre Portugal e a sua cultura. A propósito, Casais Monteiro escreve: "Se procurarmos ter uma visão de conjunto da geração de 70, quanto à orientação geral das idéias, o lugar de iniciador e condutor de Antero salta imediatamente à vista" [apud Moisés, 1974:  8].  Antero ocuparia assim, em Portugal, para a geração intelectual a que pertencia, posição semelhante à ocupada no Brasil por Tobias Barreto.
Antero e a "geração coimbrã"  buscavam regenerar a cultura portuguesa, presa demais às tradições católicas dos ancestrais. O nosso autor alimentou por essa época, outrossim, o desejo de ir para longínquas terras americanas a fim de lutar pela liberdade ao lado de heróis aventureiros como Garibaldi. Os ideais revolucionários terminaram dando ensejo a um projeto bem mais modesto, mas que libertava o nosso pensador da cômoda atividade de advogado: após ter aprendido em Lisboa o ofício de tipógrafo, viajou para Paris (onde exerceu essa profissão) e Espanha, em 1867. Regressou dali ao pouco tempo, em 1868, com os quebrantos psicossomáticos que o afetariam até a morte. Nesse ano viajou para os Estados Unidos da América, tendo publicado, no final do mesmo, o folheto intitulado: Portugal perante a Revolução da Espanha. Influenciado pelas idéias radicais da Revolução Espanhola, bem como pelos ideais do socialismo francês, o nosso autor passou a se engajar cada vez mais nas lutas sociais e operárias. A sua atividade era intensa. Como confessava Antero na sua Carta autobiográfica, "ao mesmo tempo que conspirava a favor da União Ibérica, fundava com a outra mão sociedades operárias e introduzia, adepto de Marx e de Engels, em Portugal a Associação Internacional dos Trabalhadores. Fui durante uns sete ou oito anos uma espécie de Lassalle, e tive a minha hora vã de popularidade" [Quental, 1974: 132].
O primeiro escrito político de Antero datava de  1864. Sob o título de Defesa da Carta Encíclica de S. Pio IX contra a chamada opinião liberal, o nosso autor fazia uma paradoxal defesa da opinião do Papa, que tinha condenado o liberalismo no Syllabus, e que era atacado por liberais que se diziam ao mesmo tempo católicos. Na sua Carta autobiográfica Antero explicava assim a sua posição: "glorificando o Pontífice pela beleza de sua atitude intransigente em face do século, via nessa intransigência uma lei histórica, rezava respeitosamente um De Profundis sobre a Igreja condenada pela mesma grandeza da sua instituição a cair inteira mas não a render-se, e atacava a hipocrisia dos jornais liberais" [Quental, 1974: 132]. No inverno de 1865 o nosso autor passou a criticar a velha escola de crítica literária portuguesa representada António Feliciano de Castilho. A crítica de Antero aos mestres antiquados da crítica literária portuguesa foi sistematizada por ele no ensaio intitulado Bom senso e bom gosto, carta ao Exmo. Senhor António Feliciano de Castilho. O clima iconoclasta  e renovador do ensaio anteriano foi destacado pelo nosso autor na Carta autobiográfica, com as seguintes palavras:  "Quando o fumo se dissipou, o que se viu mais claramente foi que havia em Portugal um grupo de 16 a 20 rapazes, que não queriam saber da Academia nem dos acadêmicos, que já não eram católicos nem monárquicos, que falavam de Goethe e Hegel como os velhos tinham falado de Chateaubriand e de Cousin; e de Michelet e Proudhon, como os outros de Guizot e Bastiat; que citavam nomes bárbaros e ciências desconhecidas, como glótica, filologia, etc., que inspiravam talvez pouca confiança pela petulância e irreverência, mas que inquestionavelmente tinham talento e estavam de boa-fé e que, em suma, havia a esperar deles alguma coisa,  quando assentassem" [Quental, 1974: 133]. Datava de 1865 ainda um outro escrito de crítica literária: Dignidade das letras e literaturas oficiais.
Em 1871 formou-se ao redor de Antero o Grupo do Cenáculo, que concebeu as famosas Conferências do Cassino, que marcaram um momento importante da crítica filosófica e sociológica à tradicional cultura portuguesa. Eça de Queirós deu a respeito um valioso testemunho, em que destacava a figura carismática do nosso autor: "Antero, que desembarcara em Lisboa como um Apóstolo do socialismo, a trazer a palavra aos gentílicos, em breve nos converteu a uma vida mais alta e fecunda. Nós fôramos até aí, no Cenáculo, uns quatro ou cinco demônios, cheios de incoerência e de turbulência. Sob a influência de Antero, logo dois de nós, que andávamos a compor uma ópera-bufa, contendo um novo sistema do Universo, abandonamos essa obra de escandaloso delírio, e começamos à noite a estudar Proudhon nos três tomos da Justiça na Revolução e na Igreja, quietos à banca, com os pés em capachos, como bons estudantes. E do Cenáculo, de onde, antes da vinda de Antero (que foi como a vinda do rei Artur à confusa terra de Gales), nada poderia ter nascido além da chalaça, versos satânicos, noitadas curtidas a vinho de Torres, e farrapos de Filosofia fácil, nasceram,  mirabile dictu, as Conferências do Cassino, aurora de um mundo novo, mundo puro e novo que depois, oh dor!, creio que envelheceu e apodreceu..." [apud Moisés, 1974: 9-10].
Modernizar Portugal: tal era o intuito perseguido por Antero e pelos seus colegas com as famosas Conferências, que ensejaram forte movimento oposicionista do governo e das classes tradicionais, até serem proibidas. Eis a forma em que os jovens reformadores justificavam o seu empreendimento:  "Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como deve regenerar-se a organização social. (...) Abrir uma tribuna, onde tenham voz as idéias e os trabalhos que caracterizam este movimento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos. Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o nutrir-se assim dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada. Procurar adquirir a consciência dos fatos que nos rodeiam, na Europa. Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna. Estudar as condições da transformação política, econômica e religiosa da sociedade portuguesa. Tal é o fim das Conferências Democráticas" [apud Moisés, 1974: 10].
As Conferências começaram no dia 22 de maio de 1871 com a exposição de Antero intitulada: O Espírito das Conferências. A segunda, também da autoria de Antero, intitulava-se: Causas da decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos. Para o nosso pensador, tais causas eram três: o Catolicismo ultramontano que emergiu do Concílio de Trento, o Absolutismo da monarquia portuguesa e as Conquistas do Estado português além mar, na África, na Ásia e na América do Sul. A revolução, inspirada no cristianismo, seria o único meio de abrir Portugal à modernidade. A respeito, frisava o nosso autor, antecipando as palavras de Rosa Luxemburgo (no opúsculo da escritora polonesa, publicado em 1905 com o título de O Cristianismo e as Igrejas: o Comunismo dos primeiros cristãos): "O Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo: a Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno" [apud Moisés, 1974: 10]. Ficava clara em Antero a inspiração do seu conceito de reforma radical ou revolução num espiritualismo tributário da civilização cristã. Assim, mesmo que tendo se distanciado da fé dos seus pais, o nosso pensador permanecia inspirado pelo élan místico, de uma religião civil à maneira rousseauniana, ou dos cultos cidadãos que tanto sucesso tiveram na França com Henri-Claude de Saint-Simon, Augusto Comte, para não deixar de mencionar a religiosidade burguesa em que Guizot tentava ancorar a sua reformulação do Estado e da representação.
Em 1872 Antero publicou as suas Considerações sobre a filosofia da história literária portuguesa. Em 1887, a pedido do estudioso Wilhelm Storck, Antero escreveu a sua conhecida Carta autobiográfica, em que ficava clara a sua inspiração religiosa, nas seguintes palavras: "O fato importante da minha vida, durante aqueles anos, e provavelmente o mais decisivo dela, foi a espécie de revolução intelectual e moral que em mim se deu, ao sair, pobre criança arrancada do viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no seu plácido sono histórico, para o meio da irrespeitosa agitação intelectual de um centro, onde mais ou menos vinham repercutir-se as encontradas correntes do espírito moderno. Varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungente quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida" [Quental, 1974: 131].
Em 1874 Antero tinha adoecido gravemente, como frisava ele na sua Carta autobiográfica, "com uma doença nervosa de que nunca mais pude restabelecer-me completamente" [Quental, 1974: 136]. Essa crise levou-o a aprofundar numa concepção espiritualista do mundo e do homem, superando o naturalismo pelo qual tinha sentido forte atração no período anterior. As leituras dos autores alemães, notadamente Leibniz, Lange, Kant e Hartmann, bem como algumas leituras de livros budistas, constituíram o seu alimento espiritual neste duro período. "No Psiquismo - frisava o poeta - isto é, no Bem e na Liberdade moral, é que encontrei a explicação última e verdadeira de tudo, não só do homem moral mas de toda a natureza, ainda nos seus momentos físicos elementares" [Quental, 1974: 137]. No próximo item explicaremos melhor essa concepção de Antero, no contexto da evolução da filosofia na segunda metade do século XIX. Os últimos 21 Sonetos do poeta, publicados nos seus Sonetos Completos são inspirados por esse espiritualismo.
Em 1889 Antero escreveu o seu ensaio intitulado Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX. Este escrito constitui, sem dúvida, o testamento espiritual do nosso escritor, tanto no que se refere à sua concepção pessoal do homem e do mundo, quanto no relacionado à sua avaliação da cultura filosófica da época. A respeito da importância que o mencionado ensaio representa na obra de Antero, escreveu o estudioso português Leonel Ribeiro dos Santos: "Antero decide-se pela oportunidade de oferecer, sob pretexto de traçar um quadro do desenvolvimento do espírito filosófico no seu século, uma síntese orgânica dos problemas e motivos fundamentais que determinaram a sua própria evolução intelectual. Neste sentido, as Tendências não são menos a síntese da evolução intelectual e do pensamento de Antero do que são, como pretendem, a síntese das correntes fundamentais do pensamento na segunda metade do século XIX. Esta identidade entre o espírito pessoal e o espírito do tempo não deve parecer estranha em quem tanto e desde tão cedo se esforçou por ser um homem do seu tempo, a síntese de idéias da sua época, e que acabaria por conceber o processo de evolução e maturação da consciência individual como a passagem do egoísmo pessoal para a visão universal isto é, para a identificação e a comunhão com o sentido e destino do Universo. As Tendências devem, por conseguinte, ser consideradas como o esboço mais desenvolvido da filosofia anteriana" [Santos, 1989: 14-15].
Este ensaio foi, sem dúvida, o coroamento da meditação anteriana. Publicadas pela primeira vez em 1890, um ano antes do suicídio do poeta em Ponta Delgada, as Tendências são como que o testemunho do otimismo imanentista com que o sofrido poeta açoriano passou a encarar a existência, superando a crise pessimista que o tinha afetado espiritualmente anos atrás, mas que, paradoxalmente, teria se abatido novamente sobre a sua alma nos últimos momentos, fato que o levou à desesperada solução. Resta-nos, contudo, o silêncio e o mistério em torno às vivências imediatas que conduziram Antero ao suicídio, nesse final de tarde de 11 de setembro de 1891.
II - ANTERO DE QUENTAL, ENSAÍSTA
A figura de Antero desponta no universo das letras portugueses como poeta. Mas poucos conhecem o Antero ensaísta e ativista político. Ora, estas duas últimas variantes estão intimamente ligadas. O Antero-pensador é a outra cara da moeda do Antero-homem-de-ação. Poderíamos até frisar que ele foi, em Portugal, uma espécie de doutrinário, certamente não de inspiração liberal como Benjamin Constant de Rebecque, Royer-Collard ou François Guizot, mas de feição socialista. Ele e Oliveira Martins guardam essa marca de intelectuais engajados. 
Desenvolveremos os conceitos fundamentais da filosofia de Antero nos seguintes doze itens: 1) O ensaio Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, no contexto da obra anteriana; 2) Espírito metafísico mas não sistemático da meditação anteriana; 3) Finalidade do ensaio sobre as Tendências gerais da Filosofia; 4) Poesia e religião na filosofia anteriana; 5) Natureza absoluta e relativa da Filosofia; 6) A metafísica latente que corresponde a cada período histórico e a aproximação eclética entre os sistemas na modernidade; 7) As quatro noções metafísicas que caracterizam o pensamento moderno; 8) Crítica ao dogmatismo do idealismo sistemático alemão; 9) O predomínio do processo indutivo e do espírito científico; 10) A renovação do espiritualismo no kantismo e na psicologia científica; 11) Resposta às questões espiritualismo / liberdade e mecanismo / determinismo; 12)  A plena manifestação do espírito na ordem moral. Concluiremos destacando o perfil do espiritualismo anteriano no panorama cultural português e assinalando as fontes de que se louvou o nosso pensador na elaboração da sua filosofia.
1) O ensaio sobre as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, no contexto da obra anteriana 
Antero sintetizou a sua concepção filosófica nesse belo ensaio que foi publicado em 1890, no fim de sua vida. Várias tentativas têm sido feitas pelos estudiosos do pensamento anteriano, para assinalar as etapas da obra do poeta-filósofo. Lúcio Craveiro da Silva, por exemplo, no seu estudo intitulado Antero de Quental, evolução do peu pensamento filosófico, divide a vida intelectual do autor, bem como a sua produção filosófica, em cinco períodos: a) da formação universitária (1861-1864). A respeito deste frisa Craveiro da Silva que tal  "período de formação de seu caráter foi atravessado por um rasgão de dúvida que abalou a sua crença católica e tradicional, e o fez voltar sofregamente para as novas correntes da filosofia européia e para as novas realidades sociais"  [Silva, 1959: 16]. b) Período da Questão Coimbrã (1865-1866), no qual são fatos marcantes o intento de realização do ideal socialista que o poeta teve em Paris como tipógrafo, nos anos 1867-1868, e a sua visita aos Estados Unidos em 1869. c) Período de febril propaganda socialista (1870-1874), no qual o fato marcante são as Conferências do Casino (1871). d) Período da crise pessimista (1874-1881).  e) Por último, período em que o poeta ensaia uma síntese filosófica (1881-1891).
Já para José Bruno Carreiro na sua obra intitulada Antero de Quental: subsídios para a sua biografia, são fundamentais três períodos na vida intelectual de Antero: a) agitação política (1870-1873). b) Crise pessimista, que coincide praticamente com a permanência do poeta em Vila-do-Conde (1874-1881). c) Período em que se perfila a figura de Santo Antero e que é caracterizado pelo amadurecimento da sua obra filosófica (1882-1891). Joaquim de Carvalho, nas suas magníficas análises sobre Antero, que foram publicadas com o título de Estudos sobre a cultura portuguesa do século XIX - Volume I: Anteriana, identifica os mesmos períodos na vida do autor, salientando que na evolução do espírito do poeta açoriano "julgamos ver a sucessão de três vidas ou núcleos de polarização interior - o homem novo, o desesperado e o filósofo - considerando como marcos capitais da expressão literária desta existência, tão revolta metafísicamente e tão estável afectivamente, as Odes Modernas, os Sonetos e as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, ou sejam, respectivamente, o manifesto da juventude, o testamento do poeta e o derradeiro ideário do sages". [Carvalho, 1955: 6].
Como se pode observar, a distinção dos períodos da evolução intelectual de Antero não difere essencialmente nos autores citados, sendo que Craveiro da Silva desdobra em três etapas o primeiro período assinalado por Bruno Carreiro e por Joaquim de Carvalho. Para todos eles, de outro lado, o ensaio de Antero sobre as Tendências gerais da Filosofia representa a mais importante síntese do seu pensamento filosófico, como bem o salientou Joaquim de Carvalho no texto que acabamos de citar. Ampliando a sua observação, afirma este autor: "A marcha ascendente no sentido de uma nova concepção da vida e da existência tem duas expressões capitais:  os sonetos do último ciclo - o quinto, constituído pelos sonetos escritos entre 1880 e 1884, os quais significam o testamento político de Antero e o ensaio sobre as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX (1890), que condensa o seu testamento filosófico" [Carvalho,  1955: 162-163].
2) Espírito metafísico mas não sistemático da meditação anteriana
Não há dúvida quanto à índole metafísica da meditação anteriana. Essa caraterística influi definitivamente em toda a sua obra. Em carta a Oliveira Martins (de 13 de maio de 1876), o poeta confessa que "eu, por mim, sinto-me incapaz de caminhar direito pela realidade enquanto não tiver, como um espartilho de fino aço, que me sustente, todo um sistema de idéias transcendentais - e é isto que me faz parecer muitas vezes estranho e sonambulesco" [in: Carvalho, 1955: 292]. Essa sede metafísica inspira a própria linguagem poética do nosso autor, podendo ser caracterizado o seu estilo como "idealizador de emoções intelectuais", no sentir de Ruy Galvão de Carvalho [1965: 175] e a sua imaginação como "de tipo aéreo, como aliás convém aos metafísicos e aos homens de instinto libertário" segundo a apreciação de João Mendes [1971: 481].
Essa inspiração metafísica do pensamento anteriano foi assim tipificada por Joaquim de Carvalho em relação à crise pessimista: "Necessidade dum sistema absolutista de idéias, carência de bases inabaláveis e alentadoras do pensamento discursivo e da ação - eis a essência da crise metafísica de Antero. A dúvida que então o afligia não era a dúvida dum céptico. Ignorava, padecia de incertezas, sentia-se atraído para soluções opostas e diversas, mas no íntimo admitia a possibilidade de certezas e verdades transpessoais (...). O mobilismo e o fenomenismo repugnavam-lhe como subversores da concepção do mundo, e porque o entusiasmo idealista e romântico da juventude o habituara nobremente a repudiar o conceito instrumental de verdade, (...) procurava a verdade absoluta ou, como ele diz com sabor kantiano, um sistema de idéias transcendentais que tornassem possível e explicável a variedade da experiência e a esta dessem norte" [Carvalho, 1955: 292-293].
Em que pese a inspiração metafísico do seu pensamento, Antero não é um filósofo sistemático. Essa característica é patente para quem se aproximar da sua obra. Ele mesmo reconhece essa caraterística em carta escrita a Eça de Queirós em 1889, afirmando que desistia de expor a sua filosofia "porque fazê-lo estaria acima das minhas forças e, ademais, ninguém me entenderia" [apud Carvalho, 1955: 191].
3) Finalidade do ensaio sobre as Tendências gerais da Filosofia
É clara a finalidade que Antero persegue no seu ensaio escrito em 1890, um ano antes da sua morte. Situado no último período da sua produção filosófica (1882-1891), o autor trata de reagir contra o naturalismo que o tinha influenciado marcadamente nos períodos anteriores e que o teria conduzido à crise pessimista (1874-1881). Na Carta autobiográfica que o nosso autor endereçou a Wilhelm Storck (em 14 de maio de 1887), Antero confessa: "A minha antiga vida pareceu-me vã e a existência em geral incompreensível. Da luta que então combati, durante 5 ou 6 anos, com o meu próprio pensamento e o meu próprio sentimento que me arrastavam para um pessimismo vácuo e para o desespero, dão testemunho, além de muitas poesias, que depois destrui (...) as composições que perfazem a secção 4ª (de 1874 a 80) do meu livrinho (...). Direi somente que esta evolução de sentimento correspondia a uma evolução de pensamento. O naturalismo, ainda o mais elevado e mais harmônico, ainda  o dum Goethe ou dum Hegel, não tem soluções verdadeiras, deixa a consciência suspensa, o sentimento, no que ele tem de mais profundo, por satisfazer. A sua religiosidade é falsa, é só aparente; no fundo não é mais do que um paganismo intelectual e requintado" [Quental, 1974: 136].
Joaquim de Carvalho sintetizou assim a finalidade perseguida por Antero no seu ensaio sobre as Tendências gerais da Filosofia: "Com veemente sinceridade, como é próprio da filosofia de alguém sem a impedimenta de um filósofo escolar, as Tendências são a expressão viva do esforço de Antero em demanda de uma concepção universal, do Mundo e da Vida, que, estabelecendo a ponte entre a Ciência e as aspirações morais, lhe dissipasse a sensação de suspensão da consciência, que o naturalismo lhe provocara" [Carvalho, 1955: 191]. Essa concepção universal do mundo e da vida, veremos,  Antero a orienta em direção do espírito e da realização de um projeto moral como m máxima expressão da grandeza humana. O tipo de homem perfeito, para o poeta, não será já o revolucionário que derruba reinos, nem sequer o cientista ou o filósofo abstrato. O ideal humano apregoado por Antero na parte final do seu ensaio será o da santidade. Como bem sublinhou ele na sua Carta autobiográfica, "para o santo, o mundo deixou de ser um cárcere; ele é, pelo contrário, o senhor do mundo, porque é o seu supremo intérprete. Só por ele é que o Universo sabe para que existe: só ele realiza o fim do Universo". Ao longo desta apresentação desenvolveremos as idéias fundamentais de Antero em relação ao seu espiritualismo, que o levam a formular no seu ensaio sobre as Tendências gerais da Filosofia o que Joaquim de Carvalho denominou de transcendentalismo anteriano [cf. Carvalho, 1955: 300].
4) Poesia e religião na filosofia anteriana
Heidegger sublinhou em vários dos seus ensaios (principalmente em A origem da obra de arte e Hölderlin e a essência da poesia) que a poesia é o dizer da descoberta ou da revelação do ser, porquanto no dizer poético põe-se em obra a verdade projetante daquele. Porisso a obra de arte, cuja essência não é outra coisa diferente da poesia, funda verdadeiramente e institui o mundo, ao trazer a um povo o conceito da sua própria realidade. Como afirma o filósofo alemão,  a poesia não é "um simples ordenamento que acompanharia a realidade humana, nem um mero entusiasmo passageiro, como também não é uma simples exaltação ou um passatempo. A poesia é o fundamento que suporta a História"  [cit. por Ferreira da Silva, 1964: I, 261].
Não podemos deixar de mencionar, mesmo que rapidamente, este importante aspecto da obra anteriana que lhe dá, aliás, muita atualidade. Para Antero, a poesia é fundamentalmente revelação do ser. Daí porque não podemos entender a sua evolução filosófica sem levarmos em consideração a sua obra poética. Referindo-se aos sonetos, afirma o poeta açoriano em carta dirigida em 5 de julho de 1876 ao amigo Lobo de Moura: "reconheço que de tudo quanto tenho escrito é onde tenho posto mais verdade, digo verdade pessoal, expressão exacta do meu íntimo sentir. O atual (refere-se ao seu soneto Transcendentalismo), mais do que qualquer outro, tem esse valor. Posso chamar-lhe um salmo, uma efusão religiosa, porque está ali com efeito a minha religião, o meu culto da existência supra-sensível, sem o qual não sei o que seria desta minha pobre existência sensível" [apud Carvalho, 1955: 299-300]. Esse soneto justamente sintetizava toda a doutrina espiritualista que Antero expõe nas Tendências gerais da Filosofia. Eis os dois tercetos: "Não é no vasto mundo - por imenso / Que ele pareça à nossa mocidade - / Que a alma sacia o seu desejo intenso... / Na esfera do invisível, do intangível, / Sobre os desertos, vácuo, soledade, / Voa e paira o espírito impassível!" 
Delfim Santos salienta a íntima relação existente, em Antero, entre o seu sentir poético, o lirismo, e o espiritualismo, assinalando o influxo anteriano no meio português: O seu espiritualismo - frisa - põe a descoberto e revela em forma admirável,  um dos aspectos permanentes do pensamento nacional e fixa as suas principais coordenadas no lirismo, de que ele é um dos mais excelsos representantes. Sampaio Bruno, apesar de o seu inicial labor ter sido encarado com simpatia pelos positivistas, em breve adere a essa mesma corrente metafísica e dedica um volume profundo ao tratamento especulativo da idéia de Deus" [Santos, 1971: 451].
Salientemos um outro aspecto sem o qual não poderiamos interpretar o pensamento filosófico de Antero: o seu profundo sentimento religioso. Ele constitui, na obra do poeta açoriano, como que o ambiente em que se desenvolve toda a sua meditação filosófica. Essa caraterística é, ao nosso entender,  uma das responsáveis mais diretas pelo profundo apreço de que goza a obra anteriana no meio português. Antero representa como que a materialização desse Leitmotiv da cultura lusa, surgida ao ensejo da fé cristã.
"Espírito naturalmente religioso" escrevia Antero de si mesmo em 1887, numa das suas cartas. Jaime de Magalhães Lima, por sua vez,  afirma que "acima de todos os talentos de Antero, porventura humilhando-os, ele foi talvez o mais religioso dos religiosos que o sangue português gerou". Luis de Magalhães não hesita em frisar que os sentimentos de Antero pela Igreja Católica "seguiram o mesmo rumo de respeito, de simpatia e de admiração, embora não houvesse reingressado no seu  grêmio, nem uma crença definida e precisa se restabelecesse no seu espírito. Lia com encanto e alto interesse os grandes Padres da Igreja e até forrageava no campo da Teologia no seu ermitério de Vila-do-Conde" [apud Carreiro, 1948: I, 25].
Em que pese a crise pessimista que o abalara, Antero escrevia assim em carta de 1876: "O meu misticismo dia a dia se consolida mais, como sentimento e como doutrina. Neste último ponto tenho realmente feito importantes progressos, devidos a um belo método que inventei e que consiste no estudo das religiões (especialmente o Cristianismo) segundo um critério metafísico. Creio que já uma vez lhe toquei neste meu método, a que eu dou a máxima importância, porque o tenho achado fecundíssimo. É neste sentido que vou prosseguindo os meus estudos, lentamente, mas com segurança, porque caminham com alvo fixo" [apud Carvalho, 1955: 300]. Na parte final do ensaio anteriano sobre as Tendências gerais da Filosofia, que analisaremos a seguir, o pensador açoriano insiste na necessidade de o sentimento religioso vivificar a realização do projeto moral, que é a máxima manifestação do espírito. Craveiro da Silva sintetizou muito bem os principais pontos da meditação anteriana: "Espiritualismo. Busca de Deus. Preocupação moral. Problema da dor. Sentido da existência. Valor das ciências e da metafísica. Reação contra um soberbo e frio intelectualismo que despreza as vozes humanas do coração" [Silva, 1959: 153].
5) Natureza absoluta e relativa da Filosofia
Antero inicia o seu ensaio sobre as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, salientando o caráter vivo da meditação filosófica que, como o pensamento em geral, é suscetível de progresso e retrocesso. A filosofia tem dois aspectos: no seu fieri incessante, que trata de exprimir consciente e sistematicamente a misteriosa realidade do ser, ela representa "o que há de absoluto no pensamento". Mas, ao mesmo tempo,  representa "o que há de relativo na consciência que o pensamento tem de si mesmo)" [Quental, 1931: 62-63]. Esses dois aspectos, no entanto, estão intimamente relacionados, porquanto a filosofia progride graças ao que tem de relativo: essa relatividade consiste na dúvida, através da qual a filosofia consegue não só propor os grandes problemas, mas começar a resolvé-los.
Iludem-se, então, pergunta Antero, os que procuram a verdade na filosofia? E responde: iludem-se aqueles que buscam nela uma verdade completamente acabada em que possam instalar-se. E manifesta a sua antipatia por esse tipo de filosofia, que é a própria negação do espírito filosófico. A propósito frisa: "Uma filosofia definitiva, feita e assente uma vez para todo o sempre, implicaria a imobilidade do pensamento humano: o absoluto anestesiá-lo-ia. Essa tal verdade,  aspiração ingênua de espíritos incultos, pode animar os crentes e exaltar os entusiastas; nos domínios do puro pensamento nunca produzirá senão vertigem e ilusão" [Quental, 1931: 63]. Isso não significa, no entanto,  que a verdade filosófica não exista: a sua relatividade, considera Antero,  implica limitação e não erro. Trata-se de uma verdade simbólica em que a imagem imperfeita da verdade incognoscível apresenta alguns vagos lineamentos. Não sendo o absoluto, participa contudo da sua natureza. Baseado nessas considerações, o autor propõe a seguinte definição da filosofia: "É a equação do pensamento e da realidade, numa dada fase do desenvolvimento daquele e num dado período do conhecimento desta: o equilíbrio momentâneo entre a reflexão e a experiência; a adaptação possível em cada momento histórico (da história da ciência e do pensamento) dos fatos conhecidos às idéias diretoras da razão, e a definição correlativa dessas idéias, não por esses fatos, mas em vista deles" [Quental, 1931: 64].
6) A metafísica latente que corresponde a cada período histórico e a aproximação eclética entre os sistemas na modernidade
Em virtude dessa natureza do pensar filosófico, salienta Antero,  a cada período histórico corresponde a sua própria filosofia. Não que a razão mude na sua essência: permanecendo sempre e em todos os temos a mesma, a experiência varia continuamente; em relação a ela a razão define, coordena e sistematiza as diversas concepções.
Essa identidade da razão consigo mesma permite reconhecer,  entre os diferentes sistemas de uma época determinada, um ar de família, uma metafísica latente, que são expressão de um estado íntimo psicológico de cada período da civilização. Forma-se assim, segundo Antero, o substrato da alma coletiva de cada idade. É possível, pergunta ele, que a razão humana atinja e sintetize esse substrato que, inconscientemente, anima os diferentes sistemas, num dado momento histórico do pensar humano? O autor não chega a reconhecer essa possibilidade. No entanto afirma que, em compensação,  dá-se uma interpenetração dos diferentes sistemas filosóficos em cada época, fenômeno que se manifesta na aproximação dos diferentes pontos de vista, que se materializa num ecletismo ou num sincretismo mais ou menos sistemático.
Ao sincretismo que caracteriza o ambiente filosófico na segunda metade do século XIX, contribuem vários fatores, entre os quais Antero menciona os seguintes:  o cansaço produzido pelas discussões intermináveis; o ceticismo que acompanha a esse cansaço; a complicação crescente dos sistemas; a erudição; uma surda elaboração geral do pensamento metafísico e, por último, o espírito prático das multidões não filosofantes que exigem resultados e não disputas, a fim de terem um chão firme de afirmações dogmáticas. Em que pese a atualidade desse fenômeno de sincretismo, ele tem-se dado em outras épocas: foi por exemplo o que aconteceu no período alexandrino, quando se uniram as diferentes correntes de Pitagóricos, Platônicos, Estóicos e até Peripatéticos, no esforço de elaboração de uma última fórmula menos nítida mas talvez mais ampla, sutil e profunda do racionalismo iluminista dos pensadores helênicos. Foi o que aconteceu, também,  com o sábio ecletismo de São Tomás de Aquino, que sintetizou na gigantesca Summa Theologica a herança de três séculos de criação filosófica e de acirradas disputas entre correntes tão diferentes como as filosofias de Santo Anselmo, Pedro Abelardo, Lanfranco e Santo Alberto Magno.
Na época moderna também aparece esse espírito de sincretismo. Depois de terem-se formulado, ao longo dela, desde a Renascença até a segunda metade do século XIX os mais variados sistemas filosóficos, tendo-se revestido a razão com manifestações idealistas, espiritualistas, panteístas, materialistas e céticas, hoje se experimenta um progressivo enfraquecimento da atitude dogmática e do espírito de sistema. O fenômeno do criticismo é uma das caraterísticas do espírito moderno, e é responsável por essa crise do dogmatismo sistemático. Eis a forma em que o autor caracteriza o que ele chama de período alexandrino do pensamento moderno: "E também de todos os lados o espírito prático, debatendo-se no meio da confusão moral da sociedade contemporânea, aspirando, como no período greco-romano, a uma direção segura, pede mais uma vez aos filósofos resultados e não disputas. A hora do joeiramento das verdades adquiridas, da crítica e coordenação dos diversos pontos de vista, e da conciliação dos sistemas parece ter soado para a filosofia moderna. Entre os muitos sintomas, que o indicam, um dos mais frisantes é por certo o gradual enfraquecimento do espírito de sistema, do fanatismo dogmático. Não só se não criam já novos sistemas, verdadeiramente originais e inteiriços, mas todos os homens realmente inteligentes, inclinando-se, como é natural, mais ou menos para certas soluções gerais, forcejam entretanto por se conservarem sempre acessíveis a outras influências, venham elas de onde vierem, conquanto que sejam racionais. O adepto de uma escola, segundo os velhos moldes, absoluto e intransigente, faz-nos hoje muito proximamente o efeito de uma inteligência acanhada, às vezes quase de um extravagante. Um largo criticismo vai rapidamente substituindo o antigo dogmatismo. Por este lado ainda, tudo indica que somos entrados no que se pode chamar o período alexandrino do pensamento moderno" [Quental, 1931: 69].
Antero se pergunta, contudo, se essa aproximação eclética entre os sistemas, produzida pelo criticismo moderno, não passa de uma simples convergência acidental, ou se, pelo contrário, trata-se de uma verdadeira síntese do pensamento. E responde afirmando esta segunda hipótese, baseado no fato de encontrar, no arcabouço do pensamento da idade moderna, um substrato de noções metafísicas que, penetrando todos os sistemas, tornam possível a apreensão filosófica da unidade fundamental. As noções capitais, segundo Antero, seriam quatro: as de força, de lei, de imanência ou espontaneidade e de desenvolvimento. Vale a pena citar as suas próprias palavras a respeito: "É efetivamente para alguma coisa como uma síntese do pensamento moderno que parece caminhar-se. A história mostra-nos, com efeito, a existência de um substratum de noções metafísicas comuns a toda a filosofia moderna, que penetram mais ou menos profundamente os diversos sistemas, e não só os sistemas mas ainda todas as criações espirituais dos povos modernos, afeiçoam os seus processos de pensar, inspiram as teorias gerais das suas ciências, como determinam as tendências típicas da sua arte, da sua poesia, da sua política, modificam a sua religiosidade, infiltram-se no sentido geral, constituindo por assim dizer a atmosfera intelectual e psicológica do mundo moderno, ao qual dão a sua feição histórica particular e a sua unidade fundamental. Essas noções capitais são as de força, de lei, de imanência  ou espontaneidade e de desenvolvimento" [Quental, 1931: 70].
Ora, é esse substrato de noções metafísicas o responsável pelo caráter revolucionário do pensamento moderno e, ao mesmo tempo, o que o diferencia do pensamento antigo. Enquanto este último se inclinava para a abstração e para o formalismo dialético, o pensamento moderno é decididamente realista na forma de conceber as idéias e as suas relações com o mundo objetivo; enquanto no pensamento antigo a metafísica era quase uma derivação da lógica, no pensamento moderno, pelo contrário, a lógica é determinada pela metafísica; enquanto para o pensamento antigo a realidade era a emanação de um ser em si absoluto e só verdadeiramente existente, já para o pensamento moderno a realidade consiste no fieri incessante de um ser "em si só potencialmente existente e que só realizando-se atinge a plenitude"; enquanto no pensamento antigo o princípio de energia dos seres era exterior a eles e a distinção entre matéria e forma era radical,  no pensamento moderno elas são indissolúveis e "fundem-se na natureza autônoma dos seres" cujo princípio de energia, longe de ser exterior, constitui a sua essência; enquanto para o pensamento antigo o movimento dos seres parecia reproduzir um arquétipo primordial, inalterável e fixo desde toda a eternidade, já no pensamento moderno o movimento consiste numa criação em permanência dos próprios seres; enquanto para o pensamento antigo a necessidade dos fatos aparecia como um decreto exterior imposto de cima sobre os seres, e determinando a sua natureza, no pensamento moderno é a natureza deles que determina a sua necessidade, de dentro para fora; enquanto o pensamento antigo considerava a realidade como dividida ou fracionada numa série de categorias incomunicáveis entre si, o pensamento moderno considera a realidade como o ato único de uma substância omnímoda, sendo todos os seres momentos ou modalidades dela, que por sê-lo intercomunicam-se constantemente; enquanto o pensamento antigo fazia do universo uma máquina, cujo plano de funcionamento lhe era imposto de fora, o pensamento moderno, pelo contrário, concebe o universo como um ser vivo, cuja atividade obedece a um princípio intrínseco: "as tendências espontâneas do seu próprio desenvolvimento". Em síntese, enquanto o pensamento antigo buscava a unidade fora do universo, o pensamento moderno a encontra na unidade imanente na mesma diversidade.
7) As quatro noções metafísicas que caracterizam o pensamento moderno
Antero analisa, ao longo do seu trabalho sobre as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX,  a forma em que se apresentam, no pensamento moderno, as quatro noções metafísicas que o caracterizam. Analisa essa presença mostrando a atuação viva desse substrato metafísico no seio do pensamento moderno. Essa substrato será, em última análise, o que permitirá entender o rumo do pensamento filosófico da modernidade. Acompanhemos o poeta-filósofo na sua análise. Mas, antes, salientemos um aspecto que poderíamos chamar metodológico na meditação anteriana. Tanto a aparição no plano da consciência moderna, do substrato metafísico a que aludimos anteriormente, quanto da evolução dessa consciência à luz das noções basilares, não é obra de um indivíduo isolado. É, fundamentalmente, uma obra coletiva e cíclica, em que os pensadores e as correntes, muitas vezes inconscientemente e opondo-se uns aos outros, contribuem para uma finalidade profunda e desconhecida, que leva o espírito moderno até atingir a sua maturidade. Além disso, devemos levar em consideração outra caraterística do evoluir do pensamento moderno: a sua estreita vinculação ao desenvolvimento científico. Antero pressupõe que filosofia e ciência vão de mãos dadas, de forma tal que "cada passo para diante no terreno da especulação provoca logo no campo das ciências uma remodelação das suas teorias gerais"; paralelamente, a fundação de uma ciência nova ou o progresso de uma delas obrigam a filosofia "a aprofundar ou definir melhor os seus princípios".  Para o autor,  é justamente esse caráter coletivo e cíclico que mencionávamos atrás, o elemento que faz da filosofia moderna uma verdadeira história, ou seja, uma unidade de desenvolvimento.
O primeiro elemento pertencente ao substrato metafísico que se manifesta no século XVII é a idéia de força. Os responsáveis por essa inserção são Descartes, Bacon,  Leibniz, Espinoza, Galileu e Copérnico. A revolução feita por eles no que se refere à compreensão dos primeiros princípios do movimento e da matéria, ensejou uma autêntica consistência para a filosofia moderna. Tanto o cartesianismo quanto a monadologia de Leibniz são materializações da idéia de força. O cartesianismo, por exemplo, afirma Antero, leva à conclusão da  identidade do ser e do saber, bem como à da "autonomia dum universo que, análogo no fundo ao espírito, só pelas suas idéias imanentes existe e se governa". Em que pese a vinculação de Descartes aos credos tradicionais, diz Antero,  Espinoza encarregou-se de salientar a idéia de força contida na sua filosofia, ao formular o seu panteísmo, tendo-se inspirado na filosofia cartesiana. Leibniz, com a sua monadologia, por sua vez, fazia da força a essência comum da matéria e do espírito. Ao fundamentar a monadologia na teoria da harmonia preestabelecida, Leibniz fazia, de outro lado, uma grande afirmação da idéia de lei. Para Antero,  essa idéia que forma parte do substrato metafísico em que se apoia o pensamento moderno, "saía ao mesmo tempo da elaboração das ciências físicas". Assim, duplamente alicerçada na ciência e na filosofia, a idéia de lei entrou no espírito moderno de forma definitiva.
O século XVIII, com todo o seu ímpeto revolucionário, traz ao arcabouço das noções últimas do pensamento moderno a idéia de desenvolvimento. Tal idéia, considera Antero, inspira filosofias muito diversas como o naturalismo de Diderot, o panteísmo de Lessing, o idealismo de Vico, o deísmo de Herder, o humanismo poético de Goethe e Schiller, a paixão revolucionária de Rousseau e até o seco racionalismo de Voltaire. Eis a forma em que Antero explica a aparição dessa idéia no seio do pensamento moderno: "A idéia de desenvolvimento é a conseqüência e o complemento natural das idéias de força e imanência. Saindo da evolução lógica delas, é o último elo da grande cadeia das concepções modernas fundamentais. Apareceu pois no seu tempo e no seu lugar. Com efeito,  se a essência da força é a atividade, a sua existência pressupõe uma série contínua de atos,  atos que, sucedendo e apoiando-se cada um no anterior e como que envolvendo-o, não podem ser a simples repetição do mesmo ato (pois a repetição do mesmo ato reduz-se, metafisicamente, a um ato único), mas um avanço do posterior relativamente ao anterior, que nele vem contido, um alargamento da esfera de ação da força, isto é um desenvolvimento. Todo o ser tende para a afirmação de si mesmo, isto é,  para a expansão e realização da sua essência, que exprime a sua mesma existência, lhe é imanente, a sua potência ou virtualidade de expansão e realização é necessariamente ilimitada, pois no momento em que encontrasse um limite absoluto a essência do ser estaria em contradição consigo mesma (...). O universo aparece-nos agora não já somente como o grande ser autônomo e eternamente ativo, mas como o ser de ilimitada e infinita expansão, tirando de si mesmo, da sua inesgotável virtualidade, de momento para momento, criações cada vez mais completas (...).  Divino e real ao mesmo tempo, manifesta a si mesmo a sua essência prodigiosa, contempla-se numa infinidade de espelhos e em cada um sob um aspecto diverso" [Quental, 1931: 76-77].
Kant é o responsável pelo ingresso, no seio do pensamento moderno, da idéia metafísica de imanência ou espontaneidade, segundo Antero. O filósofo alemão representa para o pensamento moderno o que Sócrates tinha representado para o pensamento grego. Este último com o conceptualismo, Kant com o criticismo, conseguiram libertar o pensamento filosófico das cadeias do dogmatismo. Kant pretende, fundamentalmente, "assentar as verdadeiras bases dos nossos conhecimentos".  Como?  Antero responde: a solução para Kant está na imanência do espírito, ou seja, no reconhecimento de que "é partindo do espírito que se há de conhecer o mundo objetivo, não partindo do mundo objetivo que se há de conhecer o espírito".
O nosso autor é enfático ao concluir que, queira Kant ou não, o espírito é o verdadeiro noumenon, o espírito "é o ser tipo, a medida de todos os seres". Antero sintetiza as suas apreciações a respeito do criticismo kantiano com estas palavras: "O universo, no kantismo, reflui todo para a consciência e some-se nela, mas para de lá sair transformado, análogo ao espírito e idêntico com o espírito. O subjetivismo de Kant é, pois, ou coisa alguma, - a impossibilidade de qualquer conhecimento além do da mesma faculdade de conhecer, neste caso sem objeto -  ou então, como o entenderam Fichte, Schelling e Hegel, o reconhecimento da identidade do ser e do saber, a generalização do espírito a todo o universo, um idealismo realista, que, ao mesmo tempo que subordina todos os seres às leis da razão, põe a razão e as suas leis latentes em todos os seres, ainda os mais elementares. Sendo isto assim,  e não parece que possa ser de outro modo,  a crítica de Kant veio, pelo rodeio do ceticismo, confirmar e ampliar prodigiosamente as idéias fundamentais do pensamento moderno, levando-as, pode dizer-se, até as suas últimas conclusões" [Quental, 1931: 79-80].
Antero reduz a significação histórica do kantismo ao que, segundo o seu modo de ver, é aquilo que legitimamente saiu dele, ou seja, o realismo transcendental de Schelling e Hegel, que tiveram a incumbência de alargar as bases do criticismo kantiano, reinterpretando o panteísmo e o naturalismo do período anterior, do ponto de vista do novo idealismo transcendental da Crítica da Razão Pura. A nova filosofia que sai dessa releitura, baseia-se na identidade do ser e do saber e constitui a síntese mais acabada do substrato metafísico que representa a base do pensamento moderno. Antero caracteriza assim essa nova síntese da filosofia pós-kantiana, que explica a realidade como um grande processo evolutivo do ser, com uma finalidade espiritual: "A nova filosofia fundada sobre a identidade do ser e do saber leva as idéias fundamentais do espírito moderno, as idéias de força, imanência e desenvolvimento, até o máximo grau de condensação. Schelling e Hegel fundaram definitivamente a doutrina da evolução, e fundaram-na na mais alta região das idéias, onde ela domina todo o pensamento do nosso século. A evolução, vista dessa altura, não é somente o processo mecânico e escuro da realidade; é o próprio processo dialético do ser tem as suas raízes, comuns com as raízes da razão, na inconsciente mas fundíssima aspiração da natureza a um fim soberano, a consciência de si mesma, a plenitude do ser e a ideal perfeição. A lei suprema das coisas confunde-se com a sua finalidade e essa finalidade é espiritual. Com Schelling e Hegel a filosofia da natureza compenetra-se dos seus verdadeiros princípios metafísicos: o mecanismo dissolve-se no dinamismo, cujo tipo último é o espírito. O universo, à luz do realismo transcendental dos dois grandes sucessores de Kant, transfigura-se; o seu movimento aparece como uma sucessão e encadeamento de idéias e a sua imanência define-se como a da alma infinita das coisas" [Quental, 1931: 81].
8) Crítica ao dogmatismo do idealismo sistemático alemão
Em que pese a importante contribuição da filosofia alemã, que levou o pensamento moderno a realizar essa grande síntese inspirada no idealismo kantiano, o realismo que radicalmente empolga a meditação filosófica do seu tempo, frisa Antero,  conduz a "valorizar os aspectos cambiantes das coisas, a comprazer-se com a linha sinuosa das realidades", e a superar as limitações dos filósofos alemães. As mencionadas limitações consistem no dogmatismo que ainda secretamente inspira essa sistematização, principalmente o pensamento hegeliano. O pensamento moderno, sem abandonar a grande síntese em torno do espírito feita pela filosofia alemã, quer mudar o dogmatismo e trocá-lo por "alguma coisa de espontâneo e orgânico", como a fonte de inspiração da ciência moderna: a natureza.. Nesse sentido, frisa Antero, o pensamento moderno sente-se mais representado por um homem como Goethe, "poeta, artista, naturalista, por cima disso viajante e homem de mundo, tendo também uma clara orientação  filosófica", mas longe do espírito de sistema que caracteriza a um pesado construtor de silogismos como Hegel.
A fim de fundamentar a sua crítica ao dogmatismo filosófico alemão, e de justificar a necessidade de superá-lo numa nova interpretação filosófica mais realista, baseada no reconhecimento das descobertas científicas dos últimos séculos, Antero fixa o divisor de águas entre filosofia e ciência. Essa distinção é reduzida por ele a quatro pontos: 1)  o terreno da especulação está limitado aos primeiros princípios das coisas e à análise das idéias fundamentais, enquanto "o grande e variado mundo dos fatos pertence inteiro à observação, à experiência e à indução". 2)  A hipótese que gera a teoria e que fecunda a ciência, é filha legítima da especulação, mas não se impõe à ciência, apenas ilumina-a, sendo sempre necessário que a observação, dirigida pelos métodos próprios de cada ciência, confirme a hipótese; esta é, portanto, o ponto de contato entre a filosofia e a ciência. 3) A cada ciência preside uma idéia fundamental, sendo missão da filosofia tomar posse dessa idéia e de todas elas, para as tornar matéria das suas especulações, cabendo à ciência o dever de realizar o desenvolvimento dessas idéias no mundo dos fenômenos. 4) Por último,  sintetizando as características  mencionadas anteriormente para a filosofia e para a ciência, Antero frisa que cabe a esta última a tarefa de desenhar, "com os traços firmes das leis positivas, o quadro do universo na sua variedade e complexidade fenomenal", enquanto à filosofia cabe a missão de "interpretar superiormente a significação desse quadro" e de tentar descobrir a chave do grande enigma do ser.
Por aqui se compreende melhor a crítica que Antero faz ao dogmatismo da filosofia alemã: o seu apriorismo absoluto levou-o a tentar realizar a "pretensão exorbitante de tentar construir o universo dedutivamente e só com o poder da dialética", perpetrando assim um verdadeiro atentado contra as ciências modernas que, nos últimos três séculos, tinham-se esforçado por criar uma imagem realista do universo, "pedra a pedra, pela paciente observação e pela indução cautelosa". Contra a tentativa de construir o universo dedutivamente e só com o poder da dialética, tentativa que se materializou especialmente no sistema hegeliano, insurgiram-se as próprias ciências da natureza e as ciências humanas, que incorporara, a partir de 1830, a idéia de evolução. "Ela irrompia, frisa Antero, quase ao mesmo tempo, no chão de todas as ciências, desde a astronomia (...) até a antropologia, a etnografia e a lingüística".
Assim foi como a física, por exemplo, esquecendo a velha hipótese dos fluidos imponderáveis ao restaurar a doutrina cartesiana do éter, encaminhava-se para a teoria da unidade e correlação das forças físicas, a química, por sua vez, demonstrava a circulação no universo "duma mesma matéria disfarçada na variedade das formas", ao chegar às noções de corpos inorgânicos e corpos orgânicos. A geologia tornava-se geogenia sob a inspiração de Cuvier, Leopoldo de Buch, Alexander de Humboldt, E. de Beaumont, etc., ou seja, ciência de uma evolução, considerando o globo "quase um ser vivo, que se desenvolve". A paleontologia, uma das ramas da geologia, adotava também a idéia de evolução, inspirando-se nos grandes precursores de Darwin, Lamark e Geoffroy Saint-Hilaire. A antropologia também aderia à idéia evolucionista e transformava-se em verdadeira ciência natural, ao testemunhar as origens animais do homem. E a lingüística, por sua vez, assumia também uma perspectiva evolucionista ao destacar o progresso sofrido pela linguagem, a partir da simplicidade da expressão humana "que correspondia à rudeza primordial do pensamento". Desta forma mostra Antero como as ciências caminharam, já antes da metade do século XIX, por uma via que renegava qualquer tentativa de organização apriori e que se regia pela idéia mestra de evolução. Conclui a respeito: "Reconheçamos que era, pelo menos, mal escolhido o momento pela filosofia transcendental para vir impor a essas diligentes e poderosas obreiras os seus planos apriori".
Mas a crítica às pretensões apriorísticas do idealismo alemão não se limitara só à intervenção das ciências positivas. Também insurgiram-se contra essas pretensões a história e a psicologia. A primeira, ao salientar a importância essencial de um fator imponderável na explicação dos fatos humanos: o fortuito. Escreve a respeito Antero: "Providência, Acaso? Liberdade humana? Tudo é possível: mas o certo é que estava aí um elemento irredutível à teoria". Só esse fato, considera nosso autor, é suficiente para tirar credibilidade às pretensões apriorísticas da filosofia alemã. E confirma a sua apreciação com estas palavras, salientando o caráter indutivo e a índole peculiar da disciplina que estuda os fatos humanos no tempo: "A história não é a metafísica. As idéias metafísicas dominam e penetram a história, não a fazem. Na ordem dos fatos, não se pode construir apriori o que não se conheça já a posteriori. Sem direção metafísica não poderá nunca haver verdadeira e superior compreensão da história:  mas, com tudo isso, os historiadores continuarão a procurar o encadeamento e a lei real dos fatos no estudo crítico dos mesmos fatos e deixarão sempre uma larga margem àquele factor (necessário, sem dúvida, como tudo,  mas de uma necessidade que escapa à razão, embora provavelmente não esteja fora da razão), a que chamarão cada um, conforme a cambiante filosófica do seu pensamento, Providência, acaso, liberdade, ou simplesmente o desconhecido" [Quental, 1931: 89].
A psicologia como ciência da alma insurgira-se também contra as pretensões sistematizadoras apriori do dogmatismo alemão.  A própria escola escocesa, em que pese a índole não plenamente científica das suas afirmações, tirava porém toda possibilidade ao dogmatismo, pelo fato de que reconhecia uma esfera moral que não podia ser substituída por nenhuma abstração mental. E conclui Antero: "Ora, se o sentimento moral não é a filosofia nem se pode substituir à  filosofia, é muito certo também que filosofia alguma, que o sentimento moral reprove, poderá prevalecer contra ele". Nesse sentido, reconhece o nosso autor, os escoceses conseguiram o fim que pretendiam: reivindicar a existência da alma espiritual. De outro lado, a psicologia dos espiritualistas franceses (Royer-Collard, Maine de Biran, Jouffroy, Cousin, Ravaison), apesar de ter-se limitado apenas a uma ciência literária, no sentir de Taine, que só conseguiu "produzir um mito de escola e um simples Deus oficial", representava porém mais um obstáculo às pretensões apriorísticas do hegelianismo, ao reivindicar em nome da consciência humana a irredutibilidade do espírito do homem à qualquer abstração filosófica.
Eis a forma em que Antero interpreta a contribuição dos espiritualistas franceses, ao mesmo tempo em que não deixa de reconhecer as suas limitações, salientando de outro lado a forma em que eles representaram as idéias de força e imanência: "Mais do que qualquer outro sistema metafísico, o da nova filosofia alemã, arrastando e como que triturando os seres na sua poderosa engrenagem, substituindo à realidade a dialética, parecia anular os indivíduos, fundidos na absoluta unidade do ser-idéia, e suprimir a liberdade como incompatível com a necessidade lógica dos desenvolvimentos desse ser. Por muito profunda que fosse a concepção hegeliana da história, da política, da ética - e era-o, sem dúvida alguma -, por muito subtis que fossem as suas distinções - e eram-no, também -, esta objeção surgia irresistivelmente e, ainda quando não ia até condenar o sistema em globo, apontava em todo o caso para uma lacuna gravíssima, um aleijão de nascença que tornava suspeita a sanidade de todo o organismo. E, torno a dizé-lo, essa objeção não era só filosófica, era humana: daí a sua grande força. Em face dessa necessidade superior dos desenvolvimentos do ser-idéia, substituindo-se nos indivíduos ao seu princípio íntimo de ação, onde ficavam, o que eram o esforço intrépido dos heróis, as lutas secretas da virtude e os seus dolorosos triunfos, a abnegação sublime dos mártires, a renúncia voluntária dos bons e dos justos, onde ficava o dever e a liberdade e toda a nobreza moral que estas duas palavras exprimem? Coisa curiosa, aqui nesta profunda região do senso íntimo e da verdadeira realidade humana os espiritualistas, pouco filósofos, nada metafísicos, pareciam representar mais genuinamente essas idéias de força e imanência, de que o hegelianismo é a mais vasta e poderosa sistematização, do que o mesmo Hegel e o seu sistema!" [Quental, 1931: 96-97].
Antero salienta, a seguir, que o protesto dos espiritualistas contra o desconhecimento da dimensão espiritual e irredutível da consciência, por parte da filosofia dogmática, também se estendia às "tendências mecanistas e deterministas das ciências". Essa crise, a seu ver, pode exprimir-se "por esta antítese: espiritualismo e liberdade, dum lado, mecanismo e determinismo, do outro". O autor pergunta se poderá resolver-se esta formidável antítese. Para dar a resposta, faz um balanço dos elementos com que pode contar. Os fenômenos que mais importância têm nesse contexto, e que constituem "os dois fatos mais consideráveis da história da filosofia" na segunda metade do século XIX, são, por um lado, "o descrédito da especulação metafísica sistemática e das ambiciosas construções a priori, e o conseqüente predomínio do processo indutivo e do espírito científico; por outro lado, a transformação ou antes visceral renovação do caduco espiritualismo, retemperado no criticismo kantiano e numa psicologia verdadeiramente científica"  [Quental, 1931: 98].
9) O predomínio do processo indutivo e do espírito científico
Em relação ao primeiro fato (predomínio do processo indutivo), Antero considera que a crise da filosofia transcendental alemã proveio do fato de pretender deduzir o ser da razão, o que supõe que a razão se conhecesse a si mesma com uma certeza absoluta. No entanto, afirma, tudo leva a pensar que a razão se conhece de forma muito imperfeita, "só nos seus elementos fundamentais, nas suas grandes faculdades e noções''. Se a razão é, como pretendem os filósofos alemães, a expressão superior do ser, isso mesmo nos deve levar a crer que existe uma distância enorme entre a razão e os "estados obscuros e rudimentares de onde partiu". A consciência que a razão tem das suas origens remotas, "daquela região inferior que é o mundo objetivo", é muito confusa. Este fato permite a Antero concluir que é evidente "o descrédito da especulação metafísica sistemática e das ambiciosas construções apriori". Contudo, se o dogmatismo da metafísica sistemática está em crise, isso não significa que o pensar filosófico esteja em crise também. Antero considera que é chegado o momento de uma profunda mudança no que ele chama de temperamento da filosofia. Essa mudança consiste em que a meditação filosófica da metafísica se torne científica; de transcendental se torne realista e de dedutiva, indutiva. Porém, não nega simplesmente a possibilidade da metafísica. Reconhece que no seio desta nova tendência pode haver uma metafísica, a partir da experiência e dos fatos. E considera que a mudança de temperamento da filosofia está presente no pensamento de Comte, Spencer, Stuart Mill e Taine.
A respeito do anterior, Antero frisa: "Um recrudescimento do espírito filosófico é uma das características da segunda metade do nosso século. Somente, a par com esse recrudescimento, dá-se uma mudança no temperamento da filosofia: de metafísica, torna-se científica; de transcendental, realista; de deductiva, inductiva. Querem-se idéias, mas que as idéias se adaptem o mais perfeitamente possível aos fatos, não que pairem, em largo vôo, por cima deles. É esta nova tendência que se patenteia na Filosofia Positiva de Augusto Comte, na Filosofia da Evolução de Herbert Spencer, na Lógica de Stuart Mill, no livro Da inteligência de Taine e em outras obras consideráveis deste tempo. Procura-se chegar à síntese pelo caminho da inducção; procura-se até construir a metafísica partindo da experiência só e dos fatos. Todos almejam por imprimir à especulação um caráter positivo" [Quental, 1931:100].
O caráter fundamental da ciência perante a complexidade do real, considera Antero,  consiste em "procurar os elementos irredutíveis dos fenômenos complexos, decompondo a aparência enganosa das coisas e resolvendo-a em fatos últimos", que são os únicos suscetíveis de serem apreendidos com rigor e que, de outro lado, constituem expressão perfeita da linguagem científica, porquanto podem ser reduzidos a fórmulas matemáticas.  Assim se materializa o ideal científico de explicar o complexo pelo simples. Mas é justamente nesse esforço de simplificação que aparece o vício do mecanismo, tendência que afeta diretamente à filosofia inspirada na ciência moderna. O mecanismo se dá no arcabouço da ciência, pois ao decompor a realidade, despojando-a das qualidades segundas que revestem os fenômenos, "o resíduo objetivo de toda sensação é sempre, em última análise, um movimento". Podemos concluir, portanto, que os fatos últimos da ciência são simples movimentos. O mecanismo científico, assim caracterizado por Antero, gera o determinismo, pois a concatenação de movimentos é necessariamente explicada pelo princípio da causalidade mecânica. Desta forma, considera Antero, as ciências da natureza, bem como a filosofia nelas inspirada, são mecanistas e deterministas. O autor conclui assim: "O mundo da mecânica é o mundo da necessidade. Reina ali, de uma maneira absoluta, o princípio da causalidade mecânica. Não se concebe movimento que não tenha atrás de si outro movimento; nenhum se cria, assim como nenhum se destrói. Uma ação é provocada por outra, e a sua intensidade é medida pela intensidade da que a provocou. Tudo ali se passa segundo leis simples e férreas, nem há lugar para o acaso ou a Providência, assim como o não há para a espontaneidade; uma série de fatos chama outra série de fatos, e os fenômenos sucedem-se numa ordem invariável e fatal, ordem que porisso mesmo pode ser rigorosamente conhecida, descrita e prevista. A precisão da ciência funda-se nesta âncora, e uma filosofia científica da natureza tinha de ser determinista, pela mesma razão por que tinha de ser mecanista" [Quental, 1931: 102].
O universo científico é, além de mecanista e determinista, evolutivo. Mas com um tipo de evolução puramente cumulativa. Levando em consideração a forma em que as ciências da natureza enfrentam o universo, não reconhecendo nele uma substância com poderes de renovação constante de si própria nas suas manifestações, mas como simples concatenação mecânica de movimentos simples, o autor salienta que o conceito de evolução assumido por tais ciências é puramente formal, gerando assim a "fantasmagoria do mundo fenomenal". E conclui em relação a esse ponto: "Reduzindo assim a uma ilusão subjetiva o que dava à evolução a sua substancialidade, excluído qualquer aumento de ser, qualquer superioridade verdadeira, o universo, agregado uniforme regido por leis matemáticas, dissolve-se numa vasta mecânica de forças elementares" [Quental, 1931: 105-106]. Ora, a filosofia científica da natureza é, a fortiori, porquanto inspirada nas ciências, uma filosofia evolucionista.  Antero diferencia aqui a forma em que é entendida a evolução por parte da filosofia e das ciências da natureza, de um lado, e por parte da metafísica alemã, de outro. Para esta última, a evolução implica a idéia de aumento de ser, qualidade que lhe provinha da "virtualidade infinita da idéia (de substância) no seu processo de desenvolvimento. A evolução tinha, pois, (...) um conteúdo verdadeiro, era essencialmente substancial". Entretanto, a evolução para a filosofia e as ciências da natureza é entendida, segundo Antero, como processo puramente formal, despojado de qualquer aumento de ser.
Mecanismo, determinismo, evolução: eis as três caraterísticas que marcam profundamente a filosofia e as ciências da natureza. Em que pese o rigor matemático alcançado pelas ciências nesse contexto, bem como o caráter científico assumido pela filosofia nelas inspirada, há em tudo isso um aspecto negativo: a concepção da realidade e do homem é essencialmente fatalista, porquanto tudo se reduz a movimentos determinados, conduzindo, em última análise, ao pessimismo. A vida do espírito, a espontaneidade, as aspirações do nosso sentimento moral, ficam sem resposta nesse gélido universo. Diante desse quadro, o autor afirma, angustiado: "De tudo isto resulta uma concepção das coisas extremamente precisa, mas limitada à esfera inferior do ser e por isso abstrata e inexpressiva. Daí o que quer que é de glacial e morto na sua lucidez. É um universo que se move nas trevas, sem saber por que nem para onde. Não o alumia a luz das idéias, não lhe dá vida a circulação do espírito. Paira sobre ele um mudo fatalismo. A inerte serenidade, que inspira a sua contemplação, é muito semelhante ao desespero. A sua beleza puramente geométrica tem alguma coisa de sinistro. Nada nos diz ao coração, nada que responda às mais ardentes aspirações do nosso sentimento moral. Para que, um tal universo? E para que viver nele? Nada alimenta tanto o mórbido pessimismo dos nossos dias como este gélido fatalismo soprado pela ciência sobre o coração do homem" [Quental, 1931: 106-107].
Até aqui o autor caracterizou o que ele reconhece como um dos "fatos mais consideráveis da história da filosofia", ou seja, "o descrédito da especulação metafísica sistemática e das ambiciosas construções apriori e o conseqüente predomínio do processo indutivo e do espírito científico". Assinalou Antero a respeito os aspectos positivos e negativos desse novo espírito científico, mostrando que se bem permitiu superar o dogmatismo metafísico da filosofia alemã, conduziu, de outro lado, a uma visão mecanista, determinista e formalmente evolutiva do universo que, logicamente, deixa sem responder as questões surgidas do fundo do sentimento moral.
10) A renovação do espiritualismo no kantismo e na psicologia científica
Vejamos agora a forma em que Antero analisa o outro fato considerável na história da filosofia na segunda metade do século XIX, "a transformação ou antes visceral renovação do caduco espiritualismo, retemperado no criticismo kantiano e numa psicologia verdadeiramente científica" [Quental, 1931: 98]. Em primeiro lugar, o nosso autor coloca no seu lugar a concepção mecânica do universo. Não se trata de uma síntese científica desprezível. Afinal de contas, "representa o substratum sobre que assentam as mais altas operações da razão". O erro consiste em pretender identificar essa conquista com a dinâmica total do espírito. A crítica que o autor fez anteriormente ao mecanismo científico que gera o determinismo, visa não à necessária abstração que a razão faz sobre a realidade material, mas à aplicação dessa abstração, de caráter matemático, à vida do espírito. Situando-se numa perspectiva de inspiração kantiana, Antero considera que "o quadro rígido do mecanismo universal exprime a dinâmica das coisas" no seu aspecto exterior e abstrato e frisa que se trata, por isso mesmo, de um quadro simples e fixo. E conclui: "é necessário porque é elementar; e, porque é elementar, é incompleto". Portanto,  a concepção mecânica do universo é incompleta; a resposta para os grandes interrogantes do espírito humano deve provir de outro lugar. E, o que é mais importante do ponto de vista do conhecimento, essa concepção científica é possível porque existe uma dimensão - transcendental - mais ampla do espírito.
A respeito desse ponto, frisa Antero: "É, pois, um erro, uma ilusão monstruosa esta concepção mecânica do universo, que resulta da grande síntese científica dos últimos 40 anos? De modo algum. É uma verdade fundamental, mas circunscrita, positiva dentro dos seus limites, mas incompleta na medida da estreiteza desses limites. Já vimos que estes são os da mesma inteligência científica. E assim como os dados empíricos sobre que opera a inteligência científica são o substratum sobre que assentam as mais altas operações da razão, assim a sua concepção mecânica será o substratum do conhecimento racional do universo. Esse quadro rígido do mecanismo universal exprime a dinâmica das coisas no que elas têm de exterior e abstracto, por isso mesmo de simples e fixo. É necessário porque é elementar; e, porque é elementar, é incompleto (...). Tal como é, representa um resultado enorme: a síntese do espírito moderno no terreno do conhecimento científico. Outros elementos do mesmo espírito, que aqui faltam e que, pela própria natureza das coisas, aqui deviam faltar, mas que abundam em outra esfera virão ampliá-lo, fecundá-lo, alumiá-lo com a penetrante luz transcendental, que necessariamente lhe falece" [Quental, 1931: 108].
O espírito, considera Antero, existe e tem vida própria. Os fatos constatados pelas ciências são apenas o ponto de partida. Mas o que lhes confere ser e expressão é a inteligência, ao entrarem nas categorias desta e serem organizados pela elaboração mental. Numa perspectiva sempre kantiana, o autor não duvida em afirmar que o conhecimento "é um fato legítimo e próprio do espírito". Assim como este tem vida própria no que tange ao conhecimento, ele também é espontâneo no campo da vontade, que se autodetermina em face de motivos sem que eles a determinem. A respeito Antero escreve: "Os fatos são o ponto de partida das idéias, cuja virtualidade está no espírito: em si são inertes e inexpressivos. O que lhes dá a expressão e verdadeiro ser é a inteligência, em cujas categorias entram, fundidos pela elaboração mental, como em outros tantos moldes, ordenando-se nelas e por elas. O conhecimento é pois um fato íntimo e próprio do espírito, e o universo conhecido o produto da sua espontânea atividade. E assim como o espírito é espontâneo na esfera do conhecimento, não o é menos na da vontade. Determina-se esta em vista de motivos, mas não a determinam eles. Tem em si a raiz última das suas determinações. Ser causa é a própria essência da vontade. Não há volição, ainda a mais elementar, que seja absolutamente passiva: a determinação da vontade nunca é assimilável à determinação mecânica porque tem um fim, e esse fim (em última análise) está nela mesma. Por trás da determinação limitada está uma virtualidade ilimitada" [Quental, 1931: 114-115].
O que é, afinal, o espírito para Antero? Ele o define como força espontânea e consciente: "O espírito é pois uma força espontânea: mas é, por cima disso, uma força consciente. É esse predicado que vem completar a sua plenitude e fazer dele a força tipo. Conhecendo-se, possui-se na identidade fundamental de todos os seus momentos, vê-se na sua unidade e propõe a si mesmo o seu próprio fim. Este conhecer-se tem graus: é mais ou menos íntimo; mas, ainda nos ínfimos graus, a unidade do espírito aparece já,  encerrando o mais elementar a virtualidade do mais pleno. Fazendo-se toda a evolução do espírito dentro da sua própria natureza, e não sendo mais do que a gradual realização de si mesmo em si mesmo, há oposição entre as sucessivas esferas do seu desenvolvimento, nunca contradição. É assim que o espírito, sem sair de si, se cria e fecunda continuamente, compenetrando-se cada vez mais com a sua própria essência, extraindo dela, da sua infinita virtualidade, momentos cada vez mais complexos e ricos de ser, até atingir a mais alta consciência de si. Reconhece-se então idêntico com o eu absoluto e independente de toda a fenomenalidade: concebe Deus como o tipo de sua mesma plenitude, concebe e sente a vida moral como a esfera da realização desse ideal. A realização desse ideal parece-lhe agora como o seu fim último, aquele de que os fins anteriormente propostos, limitados e transitórios, eram só imagem e preparação. Este fim último, porém, sendo imanente, confunde-se com a perfeição do seu mesmo ser: na atração dele reconhece a causa de toda a sua evolução, que só para realizá-lo tendia. Pela realização dele é livre  - livre na medida exata em que o realiza -  (...). Reunindo deste modo na sua unidade, agora consciente, a causa e o fim, a sua autonomia é completa" [Quental, 1931: 115-116].
Em síntese, o espírito é para Antero uma força espontânea e consciente que, conhecendo-se, possui-se na identidade fundamental de todos os seus momentos, vê-se na sua unidade e propõe a sim mesmo o seu próprio fim. Convém frisar que na análise anteriana da dinâmica do espírito, estabelece-se uma confusão entre dois planos, o ontológico e o crítico, que o levam a identificar a dimensão transcendental do espírito, no campo do conhecimento e da vontade, com a afirmação do eu absoluto, Deus. Outra anotação importante:  Antero dá primazia ao plano moral, como esfera da realização da plenitude humana. A partir daí, a filosofia do nosso autor assume um caráter de projeto moral que materializa o ideal da plenitude do espírito. Antero salienta que assim como a filosofia anterior "se resolvera num dinamismo mecânico", o seu espiritualismo resolve-se num dinamismo psíquico. Esta característica ele faz derivar da autonomia do espírito. A respeito, afirma: "Segundo o nosso espiritualismo, o espírito define-se como uma força autônoma que se conhece na sua íntima natureza, que é causa dos seus próprios fatos e  só às suas próprias leis obedece, que a essas leis submete os fatos objetivos e só assim lhes dá significação e realidade, que a si mesma determina o seu próprio fim, que existe em si e em si encontra a sua plenitude. Sendo a força autônoma, consciente e plena, é a força por excelência, a força tipo. O espiritualismo resolve-se num dinamismo psíquico, assim como o materialismo da filosofia científica da natureza se resolvera num dinamismo mecânico" [Quental, 1931: 116-117]. Vale a pena salientar, aqui, uma nova confusão que Antero estabelece, ao identificar o plano transcendental da consciência com o plano psíquico, que faz referência ao processo subjetivo-individual.
Entendido o saber científico dentro deste amplo contexto do espiritualismo anteriano, desaparece qualquer contradição entre metafísica e ciência, pois se trata já não de formas de conhecimento antagônicas, mas de manifestações complementares do saber total que é, ao mesmo tempo, positivo e metafísico, experimental e especulativo. Em relação a este ponto, frisa o nosso autor: "A metafísica e a ciência não são pois rivais, mas colaboradoras na obra do conhecimento, e a concepção metafísica e a científica não devem ser representadas como duas esferas opostas, mas como dois círculos concêntricos. Finalmente e como conseqüência do que fica dito, só este processo tem o caráter do verdadeiro realismo: ele constitui o saber total, ao mesmo tempo positivo e metafísico, experimental e especulativo, tomando o ser na sua unidade, da qual o espírito só arbitrária  e violentamente pode ser amputado, e na ordem de desenvolvimento dos seus momentos, dos quais o espírito é o superior e típico" [Quental, 1931:  120]. Antero conclui a análise da profunda renovação do velho espiritualismo com estas palavras: "temos pois já conhecido o terreno da síntese do pensamento moderno, o dinamismo, e o processo adequado à realização dela, a interpretação do mecanismo pelo psiquismo".
11) Respostas às questões espiritualismo / liberdade e mecanismo / determinismo
Feito o balanço que se propunha dos elementos com que podia contar, para responder à dupla questão da antítese espiritualismo/liberdade e mecanismo/determinismo, Antero trata de dar uma resposta direta na última parte do seu Ensaio. Em primeiro lugar, salienta que "é no terreno da idéia de espontaneidade que se resolve a antítese determinismo/liberdade". Em segundo lugar, lembra que a caraterística fundamental do espírito consiste em que a sua idéia básica, a espontaneidade, envolve as de força e causa. A espontaneidade seria, pois, a capacidade da força-espírito para se determinar a si mesma ou, em outros termos, para ser causa de si mesma. Levando em consideração, em terceiro lugar, que é pela força-causa do espírito que em último termo pode ser explicada a realidade do mundo natural,  Antero conclui que é daquele tipo de força da qual deveremos deduzir a natureza íntima de todas as forças, inclusive as mais elementares. Em quarto lugar, o autor salienta um fato que para ele é evidente: não há, no mundo natural, ser totalmente passivo; todos os seres, mesmo os mais simples, possuem certa espontaneidade, no sentido de que em tudo palpita uma vontade própria, que não é mais nada do que a tendência teleológica a realizar o próprio fim. Para Antero é claro que há alguma coisa de espontâneo "e um acordo do ser com a sua verdade profunda e com a sua infinita virtualidade", mesmo nos fenômenos que se nos revelam como os mais elementares no campo da matéria, terreno no qual parece reinar o determinismo mecânico. Essa secreta finalidade que em todo ser revela uma força-causa que procura um fim, não pode ser explicada pelo simples fluir dos fenômenos, como se os antecedentes determinassem a finalidade dos conseqüentes: o fenômeno antecedente é só condição para que se produza o conseqüente. A propósito, frisa Antero: "A causa do fenômeno está na mesma natureza do ser onde ele se dá, ou antes, do qual ele é essencial modalidade".
Da anterior análise o nosso autor conclui que a distância existente entre os seres do mundo natural e o espírito não é intransponível. Esse pouco de espontaneidade que os seres naturais têm assemelha-os ao espírito. "Não há ainda a liberdade - afirma Antero - no alto sentido espiritual desta palavra:  mas é o prenúncio dela e o seu germe. Na espontaneidade inconsciente da matéria está a raiz do que na consciência se chama verdadeiramente de liberdade" [Quental, 1931: 123]. Em que consiste propriamente a liberdade? Deixemos que o próprio Antero expresse o seu pensamento: "A liberdade, no rigoroso sentido da palavra, é pois a espontaneidade quando plena, isto é, quando o ser, não já espontâneo apenas na sua atividade exteriormente condicionada (...), o é ainda nessa mesma condicionalidade, criando conscientemente os motivos das suas determinações e criando-os em vista do próprio fim. Neste ponto culminante, o motivo da determinação identifica-se com a essência e o fim do ser que se determina: este, conformando-se com o motivo, conforma-se exclusivamente consigo mesmo. A sua determinação é agora um fato absolutamente seu, é ele mesmo, na plenitude da sua essência, refletindo-se na realidade, é essa essência, substituindo-se a todas as leis exteriores, feita lei única da sua atividade. Agora, quando mais se determina, mais livre é, porque as suas determinações, motivadas só pelo seu próprio fim, não envolvendo elemento algum estranho à sua substância e tirando dela a sua matéria e a sua forma, são atos perfeitamente adequados à sua potência e outras tantas realizações da sua mesma unidade" [Quental, 1931: 123].
Trata-se, sem dúvida, ao nosso modo de ver, da dimensão transcendental da atividade humana, o que poderiamos chamar de fundamentação transcendental da moral. Antero não duvida em atribuir ao agir humano, desta forma considerado, um valor ideal e absoluto. O nosso sentimento de liberdade provém da nossa união a esse centro que unicamente se revela através da consciência, mediante a razão. É o que ele salienta no texto a seguir: "Este ser, que está todo em cada um dos seus atos, cuja essência se substitui ao universo, e cuja atividade não reconhece outros limites senão as leis da sua própria natureza, realiza por certo o ideal de ser livre. É por isso também que é um ser só ideal. Deus, se Deus fosse possível, seria esse ser absolutamente livre. Mas, por isso que não é real, é que é verdadeiro. Ele é o tipo da plenitude do ser, tipo de que a nossa liberdade moral, aquela que com tamanhos esforços conseguimos realizar, é só vaga imagem, longínqua semelhança. Esse ideal da nossa essência, esse eu do nosso eu, último e mais profundo, é o centro de atração de toda a vida espiritual: é na união com ele que nos sentimos livres, livres na medida exata dessa união. Segredo mais íntimo do ser, mas tão sepulto na inconsciência das coisas, não o descobre o mundo. Revela-o a consciência e é a razão o seu intérprete soberano. Só pela razão somos verdadeiramente" [Quental, 1931:  124]. Vale a pena salientar que, neste texto ao menos, Antero permanece estritamente no plano transcendental, sem fazer a confusão de planos que criticamos anteriormente. O teor da sua referência a Deus, neste texto, é muito claro: "Por isso que não é real, é que é verdadeiro". O nosso autor exclui qualquer referência ao plano ontológico.
A grandeza humana, em que pese as nossas limitações de seres condicionados "pelo organismo, pelos instintos, pelas relações exteriores" (e como sofreu Antero com esses condicionamentos!) consiste nesse podermos nos identificar com o próprio ideal. Em síntese, a nossa grandeza de seres humanos provém do nosso valor moral, que por sua vez se alicerça nessa dimensão transcendental do nosso agir. A respeito, o pensador-poeta escreve: "Fixando em si esses elementos do seu próprio ideal, esses princípios geradores do seu espontâneo desenvolvimento, este pobre eu que somos, ou parecemos ser, tão estreitamente condicionado pelo organismo, pelos instintos, pelas relações exteriores que o comprimem num círculo fatal, este pobre eu, que assim começa captivo e quase esmagado, transpõe gradualmente esses limites, transborda, por assim dizer, sobre o mundo que o continha, substitui motivos próprios aos motivos alheios, faz-se fim onde era meio e, de particular e limitado, transforma-se finalmente no que se diria outro eu, impessoal, absoluto, todo razão e vontade pura. Identificado com o próprio ideal só agora é ele mesmo. Não concebemos que outra coisa seja ser livre" [Quental, 1931: 125].
A evolução universal, à luz do relacionamento natureza/espírito, assume uma caraterística de unidade e de progressiva caminhada até a realidade do espírito, que em último termo comanda todo o processo. "A cadeia universal das inexistências - frisa Antero -  na sua prodigiosa espiral de espirais, aparece-nos como a ascensão dos seres à liberdade, na qual descobrimos a causa final de tudo" [Quental, 1931: 126]. O nosso autor atribui as seguintes características à evolução universal: a) ela não é uma lei imposta de fora à natureza. Baseia-se, pelo contrário, na "virtualidade infinita do ser", que está presente mesmo nas realidades mais simples como as moléculas. b) Essa evolução dirige-se "a um fim, à realização dessa virtualidade, à plenitude e perfeição do ser". c) De outro lado, a evolução universal não é uma lei fatal, cega, mas trata-se de uma lei racional, análoga à razão. d) A evolução universal pode caracterizar-se, também,  como "a aspiração profunda de liberdade, que abala as moles estelares como agita cada uma das suas moléculas". e) Trata-se de um processo "não já puramente formal e aparente, mas real, substancial, é um verdadeiro progresso", que consiste em que "cada nova esfera de desenvolvimento traduz um aumento de ser". f) Esse aumento de ser, em que consiste o cerne dessa evolução universal, se dá graças a um gradual desdobramento da infinita virtualidade que possui a natureza, consistindo essa virtualidade no fato de o ser-causa estar "imanente nas formas limitadas" e juntar "ao tipo inferior preexistente esse quid novo e diverso, com que produz o tipo superior". g) Este tipo superior não é uma pura formalidade mas "é-o substancialmente e em toda a verdade" porque "é mais rico de idéia" e "contém mais ser". h) No processo evolutivo o tipo superior explica o inferior, pois "é para aquele que este gravita". i) Por último, frisa Antero, "se o ideal supremo, que a tudo atrai, para que tudo gravita, é razão, vontade pura, plena liberdade, a evolução só será perfeitamente compreendida definindo-se como a espiritualização gradual e sistemática do universo" [Quental, 1931:  127-128]. 
Em síntese, podemos afirmar que a evolução é para Antero, fundamentalmente, um processo de progressiva espiritualização do universo. É, ao mesmo tempo, um processo de humanização das coisas, pois a máxima manifestação do espírito acontece na consciência humana. Graças a esse processo de espiritualização da natureza, frisa, "o espírito humano sente agora palpitar nas coisas o que quer que é análogo à sua própria essência", em virtude de que "ele próprio é que é agora a chave do enigma universal", pois só ele "conhece a causa e o fim de tudo e esse segredo sublime é a sua verdade mais íntima, o seu mesmo ser".  Antero conclui este arrazoado assim: "O universo aspira com efeito à liberdade, mas só no espírito humano a realiza".
12) A plena manifestação do espírito na ordem moral
Se o rumo da evolução é o homem, para entendermos o sentido do progresso daquela devemos considerar, em última instância, em que consiste verdadeiramente a feição humana do mesmo. Antero frisa, em primeiro lugar, que "o progresso da Humanidade é (...) essencialmente um fato de ordem moral". O progresso, portanto, pressupõe o contínuo exercício da razão e da vontade humanas, para conseguir o aprimoramento moral. A respeito, frisa o nosso poeta-pensador: "sem o esforço sempre renovado do pensamento para a razão, da vontade para a justiça, de todo o ser social para o ideal e a liberdade, o caminho andado escorrega debaixo dos pés". E, num outro lugar, afirma em relação à forma em que entende o progresso: a sua essência "está justamente nessa intervenção, cada vez mais larga e intensa, do espírito na humanidade (...). A criação da ordem racional e o alargamento indefinido do domínio da justiça, tal é a definição do progresso. Fato da liberdade, ele consiste intimamente num desdobramento incessante da energia moral, numa reação contínua da vontade sob o estímulo do ideal, e é por isso que a virtude é a verdadeira medida do progresso das sociedades" [Quental, 1931: 130]. Em que pese o fato de a ordem criada pelo direito refletir a moralidade e a liberdade humanas, o progresso, porém, deve-se manifestar, fundamentalmente, na consciência individual. "No mundo da consciência  - frisa Antero -  dissolvem-se todas as leis naturais na única lei moral. A lei moral, criada pelo espírito para si mesmo, ou melhor, expressão da unidade final realizada pelo espírito em si mesmo, da inteira compenetração da vontade com o seu ideal, é lei perfeita da liberdade, porque o próprio dever, à medida que a sua idéia se aprofunda, perde gradualmente o rígido caráter de obrigação, que lhe dava não sei que longes de fatalidade, e transforma-se em atração pura, puro amor" [Quental, 1931: 131].
É pois no seio da consciência que o espírito se liberta de todas as limitações, ensejando um mundo transcendente e definitivo. Esse mundo transcendente tem alguma coisa de absoluto e é não individualizado, apesar de ligado ao indivíduo. Nesse mundo se dá, para o indivíduo, a "transição do ser para o não-ser, que eqüivale, quanto cabe na realidade, à plenitude e perfeição do ser. É o que, na linguagem (que para nós não pode ser senão simbólica) do misticismo, se chama a união da alma com Deus: nós diremos simplesmente que é a união do eu com o seu tipo de perfeição" [Quental, 1931: 131]. Impõe-se, portanto, para Antero, uma espécie de ascese em que o indivíduo renuncie ao egoísmo tornando-se instrumento do bem universal, seguindo os ditames da consciência moral e inserindo-se, assim, no mundo da transcendência. Essa espécie de kénosis do indivíduo condu-lo à liberdade. Diz Antero a respeito: "A renúncia a todo o egoísmo é para ele (o indivíduo) o caminho direto que o leva à liberdade, à perfeição, à beatitude". Agindo assim, frisa o nosso autor, o indivíduo conquista a virtude que sintetiza os ideais da liberdade, da perfeição e da beatitude e que coloca o indivíduo numa perspectiva universal e eterna.  Graças à virtude, frisa Antero, a existência do homem "já não é de uma individualidade particular, circunscrita no tempo e no espaço, condicionada pelo temperamento, pela raça, pela nação, pelo período histórico, pela educação, por mil circunstâncias fortuitas; não:  é como que a existência dum princípio universal, impessoal, absoluto, atuando indiferentemente num ponto do espaço, e a sua obra, a virtude, não é também uma obra particular e transitória, mas universal e absoluta. A virtude, liberdade suprema, é por isso a realidade por excelência, a única realidade plena" [Quental, 1931: 132-133].
Sem essa ascese, frisa Antero, torna-se impossível a vida moral. E ela é também a verdadeira vivência religiosa e a fonte do único culto: "a consciência do justo  - afirma -  é o único templo do único Deus; e, nesse templo, a renúncia ao egoísmo é o único culto, Cessasse um só instante esse culto,  esse holocausto do egoísmo nas aras do ideal, e imediatamente toda a vida moral se suspenderia (...). O mundo moral só subsiste por essa renúncia" [Quental, 1931: 133]. Consequentemente o máximo desenvolvimento da ascese e da virtude, que é a santidade, é o termo de toda a evolução e a máxima libertação a que o homem pode aspirar. "Concluamos  - escreve Antero -  que a santidade é o termo de toda a evolução e que o universo não existe nem se move senão para chegar a este supremo resultado. O drama do ser termina na libertação final pelo bem" [Quental, 1931: 134].
Antero culmina o seu ensaio refletindo sobre as tendências básicas do pensamento moderno na segunda metade do século XIX. Caracteriza essas tendências como orientadas no sentido de uma síntese indutiva: " Não será - escreve -  uma nova construção  apriori, depois de tantas outras, mais um sistema  - último e definitivo sistema -  mas a coordenação superior e  (...) a interpretação dos fatos positivos no ponto de vista dos últimos princípios fornecidos ao mesmo tempo pela análise da razão e pela análise da consciência" [Quental, 1931: 135]. Caracteriza tal coordenação superior como um espiritualismo idealista que florirá e frutificará  "no tronco robusto do materialismo". E lhe atribui as seguintes notas: a) será "superior à ciência como idéia e como critério", mas a ela estará submetido do ponto de vista do fornecimento da matéria-prima "que tem de ser elaborada especulativamente". Assim, a nova síntese do pensamento moderno, 2) reunirá, na sua unidade, "as duas tendências divergentes da inteligência moderna, resolvendo nessa unidade superior, por uma mútua penetração, a antítese da razão e da experiência". Por se tratar de uma síntese, todas as grandes correntes do pensamento moderno no século XIX estarão representadas, aproveitando o que cada uma delas tem de legítimo: o positivismo (sob o aspecto da adoção de uma ordem de evolução formal dos dados científicos); o idealismo alemão (pela afirmação da evolução dialética da realidade e pela adoção do princípio da identidade do ser e do saber); o espiritualismo (pela introdução de elementos psíquicos na especulação, bem como pela adoção da idéia de força-espírito, e pela finalização de todo o processo evolutivo na lei moral, que soluciona o conflito determinismo-liberdade); por último, o criticismo também estará representado (pela "verificação severa dos princípios pela dúvida sistemática", que se insurge contra o dogmatismo). 3) A nova coordenação superior do pensamento moderno reproduzirá o pluralismo da sociedade moderna que, longe de ser uma igreja fechada "é uma larga comunhão de inteligências e de sentimentos, fecunda na medida da sua mesma variedade e liberdade, rica de impulsos diversos, que são outras tantas manifestações da atividade sempre criadora da natureza humana".  Assim, essa coordenação superior será caracterizada  pela unidade na variedade. 4) Por último, "a síntese do pensamento moderno, preparada pelos filósofos, tem de ser a obra coletiva da humanidade culta"; para isso,  essa síntese não poderá ser um grande e acabado sistema, mas um "alto ideal comum, um princípio universal de inspiração, falando a todas as potências da alma humana, e a cada uma na sua língua".  Esse ideal será "o espírito criador da civilização moderna". Antero termina valorizando o papel do pensamento filosófico moderno, que se orienta a essa síntese. A propósito, afirma: "Se definir o espírito duma civilização e torná-lo cônscio de si mesmo é a obra essencial da filosofia, não se poderá dizer que a filosofia moderna tenha mentido à sua missão".
Conclusão
Destaquemos, em primeiro lugar, o posto que Antero ocupa no panorama cultural português. Eça de Queirós, nas belíssimas páginas que dedicou ao querido amigo, salienta a presença tutelar de Antero no pensamento português e alicerça a sua afirmação em dois fatos: Antero, de um lado, possuía uma alma onde, na meiga e intraduzível expressão francesa,  il faisait très bom. "Por isso  - afirma Eça -  todos os intelectuais, que uma vez o encontrassem, lhe conservavam para sempre um sentimento que era misturado de amor e não dissemelhança da devoção. E tínhamos ainda nele um confortante orgulho, pois bem sentíamos que esse homem tão simples, com uma má quinzena de alpaca no verão, um paletó cor de mel no inverno, vivendo como um pobre voluntário num casebre de vila pobre, sem posição nem fama, sempre ignorado pelo Estado, nunca invocado pelas multidões, era o elo rijo, o mais rijo elo de fino ouro, que prendia Portugal ao mundo do pensamento. Ora uma nação só vive porque pensa  -  e pelo que pensa. Cogitat - ergo est. Naquele humilde, pois, que se comprazia entre os humildes, estava a mais larga e mais rica soma da verdadeira vida de Portugal" [Queirós, 1970: 285]. Em segundo lugar, no sentir de Eça, Antero representou, para o Portugal moderno, um precioso testemunho de valor humano e moral. "Por mim penso  - escreve Eça de Queirós -  e com gratidão, que em Antero de Quental me foi dado conhecer, neste mundo de pecado e escuridade,  alguém, filho querido de Deus, que muito padeceu porque muito pensou, que muito amou porque muito compreendeu, e que, simples entre os simples, pondo a sua alma em curtos versos, era um gênio que era um Santo" [Queirós, 1970: 288].
São justamente as afirmações de Eça de Queirós as que nos permitem descobrir a verdadeira dimensão filosófica de Antero, especialmente no ensaio analisado nestas páginas. É importante enxergar no poeta e pensador açoriano o homem que vive profunda e sinceramente a sua existência e que, filho da sua época, trata de dar uma resposta ao interrogante do sentido da vida humana a partir dos elementos filosóficos com que contava. A síntese espiritualista que Antero nos apresenta é inseparável da sua vida e do seu martírio. Talvez por não ter atendido suficientemente para esse aspecto, um crítico como Lúcio Craveiro da Silva faz um juízo negativo demais sobre o nosso autor. "É verdade  - frisa o citado autor -  que Antero não sintetizou sistemas, mas princípios e tendências de sistemas, colhendo na vasta seara da filosofia moderna algumas idéias fundamentais. Mas, se é assim,  com que direito pode afirmar ter realizado uma remodelação e síntese dessa filosofia? Por que se abandonam uns princípios e se preferem outros? Qual o critério? Em última análise, perdemo-nos num labirinto de círculos viciosos. Foi o que aconteceu. Se Antero se propusesse uma simples enumeração histórica, evidenciando os pontos de contacto, porque os há, criticando, analisando, escolhendo, realizaria obra proveitosa, mas de crítica da história da filosofia. Ao lermos as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, pressentimos à flor de pena este preconceito e esta superficialidade" [Silva, 1959: 107-109].
A obra filosófica de Antero, a sua síntese espiritualista, longe de ser como afirma o severo crítico uma "triste réverie dum gênio infeliz" [Silva, 1959: 138], representa, pelo contrário, a maturidade de uma evolução pessoal à procura da resposta filosófica acerca da questão fundamental sobre o sentido da vida humana. O critério por que pergunta Craveiro da Silva é o da sinceridade moral de Antero, assim expressado por Eça de Queirós: "Mas sobretudo se impunha pela sua autoridade moral. Antero era então, como sempre foi, um refulgente espelho de sinceridade e rectidão. De nascença a sua alma viera toda limpa e branca, e quando Deus a recebeu, encontrou-a decerto tão limpa e branca como lha entregara" [Queirós, 1970: 261]. Em termos filosóficos, Joaquim de Carvalho expressa assim o alto ideal moral que foi o critério inspirador do poeta-filósofo: "Em Antero, a liberdade, ou mais propriamente a subjetividade irredutível da consciência foi, a um tempo,  a intuição e o clarão iluminante, que eticamente lhe deu o sentimento da autonomia e compreensivamente a noção da insuficiência de toda a explicação que não tome em linha de conta esse dado. Consequentemente, Antero partiu da consciência viva da sua personalidade, e a partir dela considerou as relações humanas e a realidade natural, o que importa dizer que foi intrinsecamente idealista, quer na maneira de estimar o conviver social, quer ainda na de considerar o mundo natural, que só é tal pela referência à consciência pensante" [Carvalho, 1955: 235]. O próprio Antero já tinha assinalado esse norte de ideal ético à sua obra, quando confessa,  na Carta autobiográfica, que "Morrerei com a satisfação de ter entrevisto a direção do Pensamento europeu, o norte para onde se inclina a divina bússola do Espírito humano, Morrerei também, depois de uma vida moralmente tão agitada e dolorosa, na placidez de pensamentos tão irmãos das mais íntimas aspirações da alma humana, e,  como diziam os antigos, na paz do Senhor!" [Quental, 1974].
Em que pese as limitações de Antero enquanto pensador sistemático, Joaquim de Carvalho salienta que a essência da mensagem espiritualista do poeta-filósofo, a sua convicção inquebrantável no valor superior do espírito humano, permanece como uma lição preciosa para o mundo de hoje. "À sua razão e à sua consciência  - afirma o crítico português -  o homem justo aparece como o fim da existência, e assim tinha de ser, porque o homem é o único ente que pensa e pode elevar-se ao ideal da Humanidade, inseparável da consciência da Justiça e do Bem" [Carvalho, 1955: 245].  Trata-se, para Joaquim de Carvalho, mais de uma filosofia inspirada pela percepção poética e não puramente intelectual do homem, o que dá ao pensamento anteriano uma grande proximidade às expectativas do homem contemporâneo. Foi o coração que ditou a filosofia a Antero? - pergunta Joaquim de Carvalho. "Responder - frisa este autor -  seria criticar, porventura até refutar. Dir-se-á poética, pela forma como alarga a consciência e se situa na Natureza, reduzida a série de eventos desprovidos de valor intrínseco; mas as suas repulsas são ainda as nossas repulsas, os seus anelos, os nossos anelos, e qualquer que seja a incoerência das idéias ou os saltos da ordem subjetiva para a objetiva, da existência para o valor, singulariza e enobrece esta concepção da liberdade e este sentido da moralidade o esforço para a criação espiritual de um mundo mais justo, e para a emancipação deste desolador cativeiro de cegueiras, tradições e mecanismos, que nos encadeiam e expulsam do nosso ser profundo e do nosso destino humano" [Carvalho, 1955: 246].
Vejamos agora as fontes em que se inspirou o espiritualismo anteriano e aprofundemos um pouco no teor filosófico deste. Acerca do último ponto, Joaquim de Carvalho inclina-se a caracterizar o pensamento de Antero como um "pandinamismo psíquico", ou um "transcendentalismo" [Carvalho, 1955: 223; 246]. A essência desta filosofia consiste em que "pela conversão da Idéia em Espírito, confere à existência e à vida um sentido profundo, em que a razão e o coração coincidem. A vida devém uma aspiração para o melhor, uma ascensão íntima para a liberdade, e em face do Universo assim espiritualizado" [Carvalho, 1955: 223-224]. O transcendentalismo de Antero, frisa Joaquim de Carvalho, "não tem o significado kantiano nem tampouco o cartesiano e escolástico; é a apreensão ôntica, na esfera do invisível e do intangível,  da suprema essencialidade e valor do espírito". Trata-se, pois, da "apreensão da existência metafísica como realidade suprema e cuja expressão conceptual se encontra com algum desenvolvimento nas Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX " [Carvalho, 1955: 300-301]. Em relação às fontes de que se nutriu a filosofia anteriana, Joaquim de Carvalho salienta que "Antero foi um grande leitor, dispersivo, que não sistemático; atesta-o o Catálogo da livraria de Antero de Quental, legada à biblioteca pública de Ponta Delgada e confirmá-lo-á mais copiosamente o inventário das fontes espirituais da sua obra. A sua curiosidade, insaciável e volúvel, associada por demais em certos períodos ao desejo de fundamentar alguns escritos de filosofia da História ou de pura especulação, levara-o ao contacto quase sempre superficial, com as atitudes e com as idéias que mais rigorosamente se perfilam na história do pensamento"  [Carvalho, 1955:  310-311].
As fontes da meditação anteriana foram, além de Hegel ("o guia principal da reflexão de toda a sua vida", segundo Joaquim de Carvalho), Leibniz, Kant (através de expositores como Désiré Nolen), Emílio Boutroux (na sua obra Contingência das leis da natureza), Windelband (História da filosofia moderna), Alberto Lange (História do materialismo), Désiré Nolen (La critique de Kant et la métaphysique de Leibniz, histoire et théorie de leurs rapports, Paris, 1875), Charles Rémusat (De la Philosophie allemande, Rapport à l'Académie des Sciences Morales et Politiques précedé d'une Introduction sur les doctrines de Kant, de Fichte, de Schelling et de Hegel, Paris, 1845) e principalmente Eduardo von Hartmann (Gesammelte Studien und Aufsätze, 3ª edição, Leipzig; Phënomenologie des sittlichen Rewusstseins, Prolegomena zu künfitgen Ethik, Berlim, 1879; Religionsphilosophie. Ersterhistorischkritischer Theil. Das Religiöse Bewusstsein der Menschheit, Leipzig; Philosophie de l'Inconscient, traduit de l'allemand, Paris, 1876) [cf. Carvalho,  1955:171-172; 312-314].
A contribuição da obra de Eduardo von Hartmann é importante na elaboração do pensamento anteriano, a partir da crise pessimista que sofreu o poeta e cujo auge situa-se em 1875. Joaquim de Carvalho salienta que dois temas interessaram ao nosso poeta no primeiro contato com o pensador alemão: "a fundamentação do pessimismo e a concepção da religião" [Carvalho, 1955: 281-282]. No entanto, esse primeiro contato seria indireto, através de um artigo de Léon Dumont, publicado na Révue Scientifique. Segundo o crítico português, neste artigo que versa sobre a filosofia do inconsciente de Hartmann, "radica inicialmente a comoção intelectual no sentido pessimista" [Carvalho, 1955: 290]. O influxo definitivo da obra do pensador alemão em Antero é assim sintetizado por Joaquim de Carvalho: "A influência de Hartmann se exerceu inicialmente, em 1872, no sentido da fundamentação do pessimismo, e posteriormente, em 1876, na meditação duma concepção da religião, especialmente cristã, e na descoberta, crítica, da realidade metafísica" [Carvalho, 1955: 301]. No entanto, o influxo de Hartmann sobre Antero, longe de revelar simples adoção passiva do pensamento alheio por parte do poeta-filósofo, revela a inegável capacidade criativa dele,  bem como a sua orientação filosófica. O nosso autor aprofundou no conhecimento da Filosofia do Inconsciente do pensador alemão a partir da publicação em Paris, em 1877, da tradução francesa. Nessa altura, frisa Joaquim de Carvalho, "Antero havia atingido (...) o caminho do transcendentalismo, e por isso o terceiro contato com a filosofia de Hartmann reveste acima de tudo feição subsidiária, isto é,  de contributo para a elaboração pessoal do sistema exposto sinteticamente nas Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX" [Carvalho, 1955: 301].
A filosofia de Hartmann, efetivamente, não chega tão longe quanto o pensamento anteriano na trilha do espiritualismo. O pensador alemão, na linha do idealismo de Kant, do Fichte da primeira época e de Hegel, repudiou a idéia de Deus com atributos de antropopatismo, quer dizer, com caraterísticas de consciência, memória, sentimento, pensamento, etc., como frisa Joaquim de Carvalho, "fenomenologicamente ligados à existência de um sistema nervoso, concebendo-o, em conseqüência, sem as limitações inerentes ao eu, como espírito inconsciente e impessoal" [Carvalho, 1955: 307-308].  Isso equivale a afirmar, em palavras do próprio Hartmann, que "a forma infinita eqüivale à  própria ausência de qualquer forma, e que a consciência absoluta que se considera necessária a Deus, é idêntica à inconsciência absoluta" [apud Carvalho, 1955: 309].
Antero, é certo,  sofreu um forte influxo de Hartmann. Não podemos negar que "se deixou impregnar de algumas concepções hartmantianas" [Carvalho, 1955: 314] nos aspectos relacionados à significação metafísica do inconsciente e ao seu ativismo cósmico, bem como à efemeridade da consciência, ao panteísmo histórico-evolutivo e à morfologia da ilusão de felicidade. Contudo, nas Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, Antero supera definitivamente a posição de Hartmann, ao salientar o caráter personalista do espírito em confronto evidente com a inconsciência absoluta a que chega o filósofo alemão. Como frisa lucidamente Joaquim de Carvalho, "Antero jamais enveredou por esta metafísica do conhecimento; através das profundas vicissitudes e mutações do pensamento foi sempre personalista, considerando firmemente, embora sem meditação assídua e penetrante, a personalidade como inerente à essência do espírito, tão firmemente que constitui até um problema de difícil, senão  impossível explicação,  como pôde conciliar o personalismo com a teoria do Inconsciente como realidade psíquica independente dos graus e forma da consciência" [Carvalho, 1955: 309-310].
A atualidade da meditação anteriana situa-se justamente nessa dimensão de valorização do espírito como realidade pessoal, que não pode ser reduzido a nenhuma determinação de ordem fáctico ou exterior, que aponta para um projeto moral de autodeterminação e que não pode ser captado só mediante a fria razão, mas que podemos atingir unicamente através da vivência metafísica que não exclua o sentimento. Ao fixar essa posição, bem como ao criticar o racionalismo e o determinismo por que tinham enveredado as ciências na segunda metade do século XIX, e ao apontar a necessidade de uma nova síntese espiritual e personalista do conhecimento, Antero não faz mais do que prenunciar a meditação contemporânea, que com Husserl inicia essa  espécie de saneamento filosófico, orientado no sentido de levar o homem dos nossos dias a realizar livremente o seu ser que, para o iniciador da fenomenologia, consiste basicamente em "realizar a razão que lhe é inata, realizar o esforço de ser fiel a si mesmo, de permanecer idêntico a si mesmo em tanto que racional"  [Husserl, 1962: 272].

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[Este Ensaio foi publicado parcialmente nos Anais do Colóquio Antero de Quental, publicados em Aracaju - Sergipe, em 1993, pela Fundação Augusto Franco, pg. 81-96. O texto foi ampliado especialmente pelo autor para o Proyecto Ensayo]

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