Alexis
de Tocqueville (1805-1859) e Raymond Aron (1905-1983) são, sem dúvida, duas
figuras cimeiras do pensamento liberal moderno na França, ao lado de outros
autores como Alain Peyrefitte (1925-1999) [cf. 1978 e 1999] e Jean-François
Revel (1924-2006) [cf. 1992 e 2000]. A finalidade deste artigo é mostrar os
aspectos mais marcantes da meditação política dos dois primeiros, destacando os
elos que os unem. Aron elabora a sua obra de sociólogo e pensador político,
dando continuidade aos temas desenvolvidos, originariamente, por Tocqueville e
preservando, dele, a inspiração liberal básica, na luta em prol da liberdade no
contexto da democracia.
Oito
itens serão desenvolvidos: 1) Tocqueville, Aron e os liberais doutrinários. 2)
A conversão de Tocqueville ao ideal
democrático e a opção liberal de Aron. 3) A nova
ciência política de Tocqueville e a filosofia
crítica da história de Aron. 4) A ética tocquevilliana e os seus reflexos
no pensamento de Aron. 5) Estrutura geral e idéias fundamentais da Démocratie
en Amérique de Tocqueville.
6) Despotismo e democracia na França, segundo Tocqueville e Aron. 7)
Repercussão passada e presente da meditação de Tocqueville. 8) Os problemas da
democracia moderna segundo Tocqueville e Aron.
I - Tocqueville, Aron e os liberais doutrinários
Tocqueville
recebeu o especial influxo de François Guizot (1787-1874) e dos demais
doutrinários. Em 1829-1830 o nosso autor frequentou os cursos que Guizot
ministrou, na Sorbonne, acerca da história da França. Como lembra Françoise
Mélonio (1953) [1993: 17], o jovem Tocqueville foi um “ouvinte atento”, que “tomava notas nas quais se vê a admiração
do discípulo”. Mas, por outro lado, um discípulo crítico, que tinha sofrido, na
pele da sua família nobre, os excessos da Revolução, que era focalizada pelo
frio Guizot de uma forma mais distanciada e formalista. Particularmente,
Tocqueville encontrava dificuldade em aceitar a idéia de Guizot de superar o
ciclo revolucionário, num regime fundado apenas no voto censitário.
Sem
dúvida que a influência de Guizot foi decisiva em Tocqueville, em que pese o
reparo que acaba de ser mencionado. O cerne dessa influência consistiu na
insistência do velho doutrinário em “inculcar nas jovens gerações o respeito ao
passado, para restabelecer a unidade da Nação ao longo dos séculos” [Mélonio,
1993: 17]. Pierre Rosanvallon (1948) [1985: 26] destacou, de forma clara, com
as seguintes palavras, a finalidade perseguida por Guizot e pelos demais
doutrinários: “Terminar a Revolução, construir um governo representativo
estável, estabelecer um regime que garantisse liberdades e que estivesse
fundado na Razão. Esses objetivos definem a tripla tarefa que se impõe a
geração liberal nascida com o século. Tarefa indissoluvelmente intelectual e
política, que especifica um momento bem determinado do liberalismo francês:
aquele durante o qual o problema principal é prevenir a volta de uma ruptura
mortal entre a afirmação das liberdades e o desenvolvimento do fato
democrático. Momento conceitual que coincide com o período histórico (da
Restauração e da Monarquia de Julho), no curso do qual essa tarefa está
praticamente na ordem do dia e que se distingue, ao mesmo tempo, do momento
ideológico, que prolonga a herança das Luzes e do momento democrático, que se
inicia depois de 1848”.
Tocqueville
assimilou, perfeitamente, a herança dos doutrinários, em especial de Guizot. “A
obra de Tocqueville - escreve Françoise Mélonio [1993: 16] - nasce do
sentimento da precariedade do compromisso efetivado pela monarquia
constitucional entre a reivindicação igualitária e a herança do Antigo Regime.
Tocqueville experimentou esse sentimento nas desgraças da sua família. Mas ele
lhe deu uma forma racional, graças à diuturna reflexão ao ensejo dos fatos
históricos e da leitura das obras dos seus antepassados, os doutrinários. Desde
1828 ele se afasta do radicalismo, ao repudiar a ilusão de uma volta ao
passado: ele aceita 1789 como uma ruptura definitiva na história da França. De
entrada, ele compartilha com os liberais doutrinários o sentimento de pertencer
a obscuras gerações de momentos de mudança. Como eles, observa a democracia correndo a margens cheias [expressão
cunhada por Royer-Collard, em discurso pronunciado em 17 de maio de 1820]. Como
eles, crê no caráter irresistível do curso dos acontecimentos: Os rios não remontam em direção à fonte. Os
fatos acontecidos não viram nada [expressão de Guizot]. A obra de
Tocqueville seguirá interminavelmente a metáfora fluvial introduzida pelos
doutrinários. Ao aceitar o diagnóstico dos liberais, Tocqueville faz também
seus os objetivos deles. Pois tudo está destruído, é tempo de reconstrução.
Tarefa difícil. A paixão de destruir, que sobrevive à Revolução, mantém a
sociedade em estado de guerra civil. Depois de 1820, a Restauração é alvo de
sucessivos complôs, que manifestam a impossibilidade de um consenso em relação
às instituições”.
Mas,
se Tocqueville é tributário dos doutrinários, no entanto, supera-os. A defesa
da liberdade, que no pensamento daqueles veio a se traduzir num certo
formalismo, que pretendia garantir as conquistas da Revolução, apenas para a
burguesia comodamente instalada no poder, no nosso autor constitui imperativo
categórico a ser consolidado e garantido para todos os franceses. Tocqueville
abre-se à democracia, que sente viva na América, através do caminho da defesa
da liberdade para todos.
Em
relação à maneira peculiar em que o nosso autor entende o seu ideal liberal e
democrático, em contraposição à forma tacanha em que era concebido por Guizot,
Françoise Mélonio [1993: 37] escreve: “Mas o self-government não é mais do que um dos aspectos da auto regulação
da sociedade. Tocqueville faz de toda a vida social uma grande escola de
responsabilidade; na ordem jurídica, pela participação de todos no júri, na
ordem da opinião por uma reflexão sobre os partidos e os jornais, que ele
designa com o termo genérico de associação.
Polêmica, a argumentação de Tocqueville é dirigida contra a feição conservadora
dos publicistas liberais ou doutrinários, que rapidamente tinham-se mostrado
infiéis à liberdade exigida por eles sob a Restauração, ao fazer votar as leis
de 16 de fevereiro de 1834, acerca do anúncio e a venda de jornais, de 10 de
abril de 1834, sobre as associações, de setembro de 1835, após o atentado de
Fieschi. Toda a estratégia de Tocqueville consiste em mostrar que a ordem, tão
cara aos conservadores, não pode ser garantida senão graças à liberdade de se
reunir, que eles negam precisamente ao cidadão francês. É necessário arriscar,
estamos envolvidos. Não há meio-termo entre a servidão e a extrema liberdade.
Todas as políticas de frear a história, todos os sonhos de uma ordem
estabelecida, decorrem dessas ilusões em
que adormecem geralmente as nações doentes. A democracia não é o lugar da
identidade miraculosa entre os homens, mas é aquele regime que se consolida na
relação entre as classes antagônicas”.
É
evidente que a posição crítica de Tocqueville em face dos doutrinários,
suscitou a reação deles. Françoise Mélonio [1993: 57] sintetizou a posição de
Guizot a respeito, nos seguintes termos: “Para Guizot, Tocqueville destruiu a
moralidade ao proclamar a autonomia das vontades, em detrimento dos direitos da
Verdade, tal como ela se apresenta aos espíritos esclarecidos. Guizot não é um
filósofo da liberdade. Para ele, a liberdade não é no homem mais do que o poder
de obedecer à verdade. A noção de capacidade (...) remete, também, a uma teoria
da razão e a uma teologia, segundo a qual há, na economia da salvação,
procuradores do Direito investidos da missão de guiar a humanidade. A argumentação
de Guizot se encontra em todos os escritores preocupados em preservar as
elites”.
Aron
é um herdeiro do espírito doutrinário. A sua reflexão não ocorre, apenas, em
termos acadêmicos. O pensador busca transformar as estruturas, tanto no plano
da política francesa, quanto no das relações internacionais. A metafísica
dogmática, fechada à experiência do mundo e à vivência dos grandes problemas da
humanidade, não o seduz. Nas suas memórias, escreve: "Confesso que os
filósofos ou os metafísicos, especialmente os que por tais são tidos na França,
ajudam-me pouco nas dificuldades. Que luz projetam sobre o destino da nossa civilização
liberal, limitada como todas as civilizações? A palavra niilismo acode à
pena (...) e com ela o nome de Nietzsche. Parece que vivemos numa época de
niilismo" [Aron, 1985: 700].
Em
face das contradições do mundo contemporâneo, Aron aposta na razão. Confessa-se
filho das Luzes. Considera que a Razão é a luz que pode guiar a Humanidade, na
tumultuada quadra dos últimos decênios do século XX. Em face dos apocalipses
anunciados, prefere a serenidade da reflexão projetada sobre o mundo, o que ele
denomina de saber aliado à experiência, com uma atitude de modéstia epistemológica. A respeito,
afirma nas suas memórias: "Ao contrário, em se tratando dos possíveis
apocalipses, das ameaças que gravitam sobre a humanidade, sei onde buscar a fé
e a esperança. Não possuo o segredo de remédios miraculosos contra os males da
civilização industrial, as armas nucleares, a contaminação, a fome ou a
superpopulação. Mas sei que as crenças milenaristas e as lucubrações
conceptuais de nada servirão: prefiro a experiência, o saber e a modéstia. Se
as civilizações, todas ambiciosas e precárias, devem realizar, num futuro
longínquo, os sonhos dos profetas, que vocação universal poderia uni-las senão
a Razão?" [Aron, 1985: 702].
O caminho através do qual Aron encaminha o seu engajamento,
é o da imprensa. Não se sente vocacionado para o exercício do poder, mesmo que
seja na função de conselheiro dos governantes. Acha importante a tarefa de um
Henry Kissinger (1923) ou de um Zbigniev Brzezinski (1928-2017). Mas confessa
que não possui a capacidade de lidar com a tomada de decisões que afetarão a
vida de milhões e milhões de seres humanos. Prefere ajudar a sociedade a que
ela encontre o seu caminho, ilustrando-a acerca das alternativas mais acordes
com a dignidade humana [cf. Aron, 1985: 703 seg.]. A herança tocquevilliana
está presente aqui, se bem que um tanto modificada. Tocqueville chegou ao
exercício do poder, da mesma forma que Guizot. Aron é mais um intelectual
engajado na imprensa. Desde ali, realiza a sua função de reflexão e de crítica
social. Esse será o seu principal magistério, embora também tenha passado pelo
ensino na Universidade. Mas esta é uma opção que não reveste a importância, na
sua vida, da ação do publicista. Mais adiante, ao tratar dos problemas da
democracia segundo o pensamento aroniano, ilustrarei melhor este aspecto. Fique
aqui, apenas, a seguinte anotação: a posição de Aron é doutrinária, do ponto do
vista do seu engajamento na transformação das instituições, para garantir o
exercício da liberdade. Mas essas instituições já são pensadas, por ele, à luz
de Tocqueville, ou seja, vivificadas pela dimensão democrática.
Daniel
J. Mahoney (1960) destacou, da seguinte forma, o espírito doutrinário que anima
a obra de Aron, caraterística que estaria sendo revalorizada hoje na Europa:
"Voltei a minha atenção para Aron, como antídoto contra as correntes tanto
positivista quanto pós-modernista, que dominam o ensino e a pesquisa em
ciências humanas no mundo anglo-americano. O paradoxo é interessante: cada
domínio do pensamento e da ação encontra-se explicitamente politizado, deformado por noções ideológicas abstratas, mas ao
mesmo tempo, os indivíduos perdem, hoje, a capacidade de pensar e de agir
politicamente. Por oposição, Aron encarna esta perspectiva política. Ele é um
dos últimos grandes representantes de uma tradição européia liberal em curso de
redescoberta no seu país natal (...)" [Mahoney, 1998:7]. Efetivamente, não
é por acaso que, hoje, na França, volta a ser estudada com redobrada ênfase a
obra de Madame de Staël (1766-1817), bem como a de Benjamin Constant de
Rebecque (1767-1830) e a de François Guizot, sendo os dois primeiros os
precursores da corrente do liberalismo doutrinário e o último, o grande
representante dessa tendência. Justamente, o que caracteriza o pensamento de
todos eles é a reação contra o mundo abstrato dos philosophes do século XVIII, não comprometidos com a história do
seu tempo e habitantes de um mundo nefelibático, em que sobrevivem conceitos
vácuos como volonté général, citoyen, etc.
II - A “conversão”
de Tocqueville ao ideal democrático e a opção liberal de Aron
Quando
se deu a “conversão” de Tocqueville à idéia democrática? Essa conversão concretizou-se,
de forma clara, na sua viagem à América, que ocorreu entre 11 de maio de 1831 e
20 de fevereiro de 1832. “É possível datar as etapas dessa conversão - escreve
Françoise Mélonio [1993: 29-30] -. Em New York, onde permanece de 11 de maio a
2 de julho, Tocqueville é, de entrada, muito reticente. Essa sociedade de
mercado onde o governo está ainda na infância, não possui nada que possa
seduzir a um jovem aristocrata. Tudo
quanto observo não me entusiasma, anota ele então, pois aposto mais na natureza das coisas que na vontade do homem.
Mas não pode deixar de invejar o patriotismo do povo americano e a
tranqüilidade com a qual ele se mantém em
ordem, graças somente ao sentimento de que não há mais salvaguarda contra si
mesmo do que em si mesmo. A conversão completa-se em Boston (no período
compreendido entre 7 de setembro e 3 de outubro), quando Tocqueville, ao
descobrir o que é a igualdade bem regrada, adere a uma democracia que, de
resto, triunfa irresistivelmente. É então somente agora, no final de setembro,
quando ele decide escrever um livro sobre as instituições americanas, a fim de
testemunhar, entre os franceses, que a democracia feliz existe, pois a tem
encontrado (...)”.
Vale
a pena citar o trecho da carta em que Tocqueville dá conta do novo projeto ao
seu primo, Luís de Kergorkay (1804-1880): “(Pretendo) descrever muito
exatamente o que seria necessário esperar e temer da liberdade. Nós temos tido
na França, nos últimos cem anos, a anarquia e o despotismo sob todas as suas
formas, mas jamais nada que se assemelhasse a uma república. Se os monarquistas
pudessem ver a marcha interior de uma república bem organizada, o respeito
profundo que se tem ali pelos direitos adquiridos, a pujança desses direitos
nas massas, a religião da lei, a liberdade real e eficaz de que ali se goza, o
verdadeiro reino da maioria, o progresso cômodo e natural que ali seguem todas
as coisas, perceberiam que abarcam, sob um nome comum, estados diversos que
nada possuem de análogo. Os nossos republicanos, por sua vez, sentiriam que o
que temos chamado de República, não tem sido mais do que um monstro que não se
saberia classificar (...), coberto de sangue e de sujeira, vestido de farrapos,
ao som das querelas da antiguidade” [apud Mélonio, 1993: 30].
Houve
em Aron uma conversão à democracia
como em Tocqueville? Propriamente não, a julgar pelo testemunho que Aron deu
quando da sua visita à Universidade de Brasília, em 1980, ao ensejo do simpósio
que foi realizado para estudar a sua obra. O pensador considera que houve, sim,
por volta do ano 1930, uma mudança. Formado no esquerdismo pacifista e moderado
de Émile-Auguste Chartier, pseud. Alain (1868-1951), no neokantismo de Heinrich
Rickert (1863-1936), Henri Brunschwig (1904-1989) e Alexandre Kojève
(1902-1968), na crítica ao historicismo feita por Wilhelm Dilthey (1833-1911), Georg
Simmel (1858-1918) e Max Weber (1864-1920), bem como à sombra da fenomenologia
de Edmund Husserl (1859-1938) e de Martin Heidegger (1889-1976), o jovem Aron
fica impressionado com a aguda problemática colocada pelo nacionalismo alemão e
pelos riscos que daí emergem para o convívio civilizado na Europa. Tenta
compreender o momento histórico e, nesse esforço, a leitura de Weber lhe será
de grande valia. Diríamos que Aron acorda para o risco que a liberdade sofre na
versão de democracia de massas que o hitlerismo representa.
Eis
o seu testemunho da experiência da realidade alemã, que passa a conhecer muito
de perto, nas suas permanências de 6 a 8 meses por ano, na Alemanha, entre 1930
e 1933: "A partir de 1930 senti um choque. Um choque comparado àquele
analisado várias vezes por Arnold Toynbee (1889-1975), quer dizer, a expressão history is again on the move. Na primavera de 1930, por uma espécie
de intuição que não era baseada em nada, a não ser no choque de uma Alemanha
atormentada, revoltada, impotente, esse choque com a Alemanha infeliz e
revanchista me deu a impressão de que history
is again on the move. Então, o que é que eu descobri na Alemanha nesses
três anos? Eu primeiro descobri um pouco da filosofia alemã e descobri um pouco
da política. O que descobri na Alemanha, em grande escala, foi primitivo. Mas
eu descobri a especificidade da política e a diferença radical entre a moral e
a política. Podem-me dizer que não é uma grande descoberta. (...). Mas acho que
cada um de nós, quando é de temperamento filosófico, quando é um homem de boa
vontade e quando tem 15 ou 20 anos, para ele, descobrir que a moral e a
política são duas coisas diferentes, não é tão fácil, e não é tão aceitável e
tão agradável".
"Eu
voltava da Alemanha em 1932 - continua Aron -
muito marcado pelas minhas experiências da realidade alemã, convencido
que, na Alemanha, se levantava uma onda nacionalista que ia fazer desaparecer
todas as barragens e eu queria alertar todos os franceses e meus amigos, os
homens políticos, do perigo que despontava a leste, sob a forma do
nacional-socialismo e do regime que sairia do nacional-socialismo (...)"
[Aron, 1981: 60-61].
Mas,
para Aron, houve outro fato definitivo na sua descoberta dos riscos que corria
a liberdade, desta vez em face do comunismo. Essa descoberta se dá após o pacto
entre Stalin e Hitler, em 1939. Ficou claro, para o nosso autor, que ambos
aspiravam a serem os donos da Europa. E nenhum deles apreciava a liberdade. A
ruptura com um e com outro era exigência para a preservação dos valores
fundamentais da civilização ocidental. Tanto nacional-socialismo quanto
comunismo eram, para o jovem pensador, regimes totalitários que negam o
exercício da liberdade e que conspiram contra a dignidade humana. A respeito,
escreve: "Pessoalmente, (...) eu escolhia entre os dois tipos de
sociedade; a escolha inicial era: eu escolhia as sociedades democráticas e
liberais e recusava o outro tipo de sociedade que eu não tinha jamais aceitado,
mas que eu tinha compreendido imediatamente, totalmente, no momento em que
Hitler (1889-1945) e Stalin (1878-1953) fizeram um acordo. E os grandes
comunistas, com os quais eu mantinha relações nos anos 30, se tornaram
insuportáveis para mim, em 1939, a partir do já mencionado acordo entre Stalin
e Hitler. Eu tinha, pois, escolhido o tipo de sociedade ocidental e a partir de
então eu era logicamente pró-europeu, pro-atlântico em função do argumento que
me parece, ainda hoje, ao mesmo tempo simples e evidente: para manter o
equilíbrio das forças na Europa, na época arruinada, era indispensável a
presença americana. E a Aliança Atlântica era a garantia da presença americana
na Europa, garantia do equilíbrio das forças entre as duas partes da
Europa" [Aron, 1981: 67-68].
A
opção liberal de que Aron é consciente em 1939, leva-o, no segundo pós-guerra,
à ruptura definitiva com o seu amigo de juventude, Jean-Paul Sartre (1905-1980).
Inicialmente indiferente à política, o autor de L'Être et le Néant
acordou, tardiamente, em 1938, para a realidade da luta que se travava na
Europa. Passou a ler sofregamente os jornais e terminou percorrendo caminho
diametralmente oposto ao de Aron. É curioso observar, no testemunho deste, o
registro da intolerância progressiva de Sartre. "Em 1938, - frisa Aron -
ele era partidário do acordo de Munique por razões de moral pacífica. (...).
Após a guerra, eu reencontrei Sartre, que tinha sido ativo na a resistência
durante a guerra e que não era comunista, mas que estava muito próximo dos
comunistas. Ele era para- comunista, porém não queria entrar para o partido,
não aceitava o marxismo, não aceitava o materialismo, mas dava, de uma certa
maneira, seu apoio ao progressismo marxista. (...). Assim, após os anos de
reencontro, quer dizer, 44, 46 e 47, nós estávamos juntos na criação
dos tempos modernos, o que me parecia evidente, desde logo, após a guerra, após
a ruptura da aliança dos países que tinham juntos triunfado sobre a Alemanha.
Esta ruptura entre o mundo soviético e o mundo atlântico estava inscrita, com
antecedência, na História e quando esta ruptura aconteceu, ao mesmo tempo,
quase inevitavelmente, aconteceu a ruptura entre dois amigos anteriormente
muito ligados. (...). Sartre pensava totalmente diferente; para escolher entre
os Estados Unidos e a União Soviética, ele escolhia a União Soviética, ele era
orgulhosamente de esquerda, e tinha escolhido e ficado na esquerda, digamos,
por decreto de princípio, decreto este que eu tinha aceitado quando era muito
mais jovem, mas que tinha recusado desde há alguns anos. Para ele, ser
pro-europeu, pro-atlântico, era característica dos conservadores, do mau-caráter.
Até o fim de sua vida ele teve uma grande dificuldade em aceitar que se podia
tomar decisões políticas diferentes das suas, por razões válidas. Ele era tão
moralista que no fundo acreditava, sempre, que decisões políticas eram decisões
morais. De tal maneira que ele tinha tendência a condenar moralmente aqueles
que tomavam decisões políticas diferentes de sua escolha, diferentes das suas.
Eu diria que, em função de minha filosofia política, nossas diferenças
políticas não teriam implicado na ruptura, mas em função de sua filosofia moral,
a ruptura era inevitável. (...)" [Aron, 1981: 67-68].
III - A nova ciência
política de Tocqueville e a filosofia crítica da história de Aron
A
Démocratie
en Amérique deu ensejo, na França, a uma nova ciência política.
Quais os contornos que a definem? Em primeiro lugar, Tocqueville estava
inspirado numa epistemologia que hoje chamaríamos de modesta. Se é verdade que
o absolutismo é, em política, irmão gêmeo do dogmatismo em filosofia, também
podemos afirmar que a modéstia epistemológica é pressuposto do liberalismo. Não
pode haver autêntica defesa da liberdade e da tolerância, ali onde se professam
verdades inamovíveis, no que tange à concepção do homem e do mundo. Eis o que
Tocqueville escrevia, em 1831, ao seu amigo Charles Stöffels (1809-1886): “Para
a imensa maioria dos pontos que nos interessa conhecer, nós não temos mais do
que verossimilhanças, aproximações. Se desesperar porque as coisas são assim, é
se desesperar pelo fato de ser homem; pois essa é uma das mais inflexíveis leis
da nossa natureza. (...). Sempre considerei a metafísica e todas as ciências
puramente teóricas, que de nada servem na realidade da vida, como um tormento
voluntário que o homem consentia em se impor” [apud Mélonio, 1993: 31].
Em
1858, o nosso autor explicava ao filósofo Hervé Bouchitté (1795-1866) que a
mais refinada metafísica não era mais clara que o simples senso comum acerca do
sentido do mundo e, especialmente, em relação “(...) à razão do destino deste
ser singular que chamamos homem, ao qual foi dada, justamente, tanta luz quanta
era necessária para lhe mostrar as misérias da sua condição e insuficiente para
mudá-la” [Mélonio, 1993: 31]. Passagem
de verdadeira inspiração pascaliana, no sentir de Françoise Mélonio, que
escreve a respeito: “Que miséria que é o homem... Tocqueville retoma a crítica
pascaliana dos limites da Razão, atualizando-a para dirigi-la contra todos
aqueles que identificam o discurso racional com o real. A hostilidade futura de
Tocqueville a Hegel (1770-1831) não terá outra fonte diferente desta rejeição a
um providencialismo secularizado, junto com o desgosto dos espíritos finos em
relação às coisas especulativas, fora do uso comum”.
Na
trilha que acaba de ser mencionada, Tocqueville situa a sua crítica ao historicismo,
que no sentir do nosso autor, termina sacrificando a liberdade e a pessoa no
altar da abstração histórica. Tocqueville considerava que esse era um vício
próprio dos historiadores que vivem “em séculos democráticos”, preocupados mais
em serem lidos com facilidade pelas grandes multidões, do que em fazer uma
análise verdadeira dos fatos. Antecipava-se genialmente o nosso autor,
destarte, à crítica que os neokantianos, com Rickert à testa, deflagraram, na
virada do século XIX para o XX, à tendência abstrata da escola histórica alemã
de Carl von Savigny (1779-1861).
A
respeito da historiografia que se pratica nos “séculos democráticos”,
Tocqueville escreve o seguinte, diferenciando-a da historiografia que se
pratica nos “séculos aristocráticos” [1977: 375]: “Os historiadores que vivem
nos séculos democráticos mostram tendências inteiramente contrárias. A maior
parte deles quase não atribui influência alguma ao indivíduo sobre o destino da
espécie, nem aos cidadãos sobre a sorte do povo”. Mas, em troca, atribuem
grandes causas gerais aos pequenos fatos particulares. Essas tendências opostas
são explicáveis. Quando os historiadores dos séculos aristocráticos lançam os
olhos para o teatro do mundo, a primeira coisa que nele percebem é um pequeno
número de atores principais, que conduzem toda a peça. Essas grandes
personagens, que se mantêm à frente da cena, detêm a sua visão e a fixam: ao
passo que se aplicam a revelar os motivos secretos que fazem com que ajam e
falem, esquecem-se do resto. A importância das coisas que veem alguns homens
fazer, dá-lhes uma idéia exagerada da influência que pode exercer um homem e,
naturalmente, os dispõe a crer que é sempre necessário remontar à ação
particular de um indivíduo, para explicar os movimentos da multidão”.
“Quando,
ao contrário, - prossegue Tocqueville - todos os cidadãos são independentes uns
dos outros, e cada um deles é frágil, não se descobre nenhum que exerça um
poder muito grande nem, sobretudo, muito durável, sobre a massa. À primeira
vista, os indivíduos parecem absolutamente impotentes sobre ela e dissera-se
que a sociedade marcha sozinha, pelo concurso livre e espontâneo de todos os
homens que a compõem. Isso leva, naturalmente, o espírito humano a procurar a
razão geral que pode, assim, atingir a um tempo tantas inteligências e
voltá-las, simultaneamente, para o mesmo lado”.
O
principal defeito que Tocqueville enxergava na historiografia dos tempos
democráticos, consistia no fato de tal modelo se alicerçar numa concepção
fatalista da história, que pressupõe, em primeiro lugar, uma idéia determinista
do homem. A respeito, o nosso autor escreve: “Os historiadores que vivem nos
tempos democráticos não recusam, pois, apenas atribuir a alguns cidadãos o
poder de agir sobre o destino do povo; ainda tiram aos próprios povos a
faculdade de modificar a sua própria sorte e os submetem, ora a uma providência
inflexível, ora a uma espécie de cega
fatalidade. Segundo eles, cada nação é invencivelmente ligada, pela sua
posição, sua origem, seus antecedentes, sua natureza, a certo destino, que nem
todos os esforços poderiam modificar. Tornam as gerações solidárias umas às
outras e, remontando assim, de época em época e de acontecimentos necessários
em acontecimentos necessários, à origem do mundo, compõem uma cadeia cerrada e
imensa, que envolve todo o gênero humano e o prende. Não lhes basta mostrar
como se deram os fatos: comprazem-se, ainda, em mostrar que não podiam dar-se
de outra forma. Consideram uma nação que chegou a certo ponto da sua história e
afirmam que foi obrigada a seguir o caminho que a conduziu até ali. Isto é
muito mais fácil que mostrar como teria podido fazer para seguir um melhor
caminho” [Tocqueville, 1977: 375].
Tocqueville,
pensador definidamente liberal, rejeita, de plano, tal historiografia, por
considerar que essa concepção nega a liberdade humana, base da “dignidade das
almas”. Trata-se de superar as desgraças da Revolução e do Terror, não de
conduzir a nação francesa à sua definitiva destruição. O nosso autor
identifica, alto e bom som, o caminho que deve ser seguido: o da liberdade, ou
melhor, o da conquista da liberdade para todos os franceses.
A
respeito da crítica efetivada a essa concepção fatalista, Tocqueville [1977:
377] escreve: “Se essa doutrina da fatalidade, que tem tantos atrativos para
aqueles que escrevem a história nos tempos democráticos, passando dos
escritores a seus leitores, penetrasse, assim, em toda a massa de cidadãos e se
apoderasse do espírito público, pode-se prever que logo paralisaria o movimento
das sociedades novas e reduziria os cristãos a turcos. Direi mais: semelhante
doutrina é particularmente perigosa na época em que nos encontramos; nossos
contemporâneos acham-se muitíssimo inclinados a duvidar do livre arbítrio,
porque cada um deles sente-se limitado por todos os lados pela sua fraqueza,
mas ainda atribuem, de boa vontade, força e independência aos homens reunidos
em corpo social. É necessário que nos guardemos de obscurecer essa idéia, pois
se trata de restabelecer a dignidade das almas e não de completar a sua
destruição”.
Mas
se, por um lado, Tocqueville se insurge contra o historicismo, que torna o
homem peça de uma engrenagem universal, por outro lado, a sua formação cristã o
leva a aceitar a providência divina, não como “deus ex machina” que
negue a liberdade, mas, justamente, como marco teórico que a pressupõe: o plano
de Deus consiste em que os homens sejam livres, não em que se tornem escravos.
O progresso e a liberdade, não são caprichos humanos, mas formam parte do plano
que Deus providencialmente traçou ao gênero humano. Lembramo-nos, aqui, da
figura de outro liberal de formação católica, contemporâneo de Tocqueville: o
historiador português Alexandre Herculano (1810-1877), cuja visão
providencialista se aproxima muito da acalentada pelo pensador francês.
Françoise
Mélonio [1993: 32] explica da seguinte forma o providencialismo tocquevilliano:
“De entrada, o recurso à Providência aparece, de um lado, como uma ampliação
retórica da derrota dos aristocratas ou um mito consolador. O avanço irresistível
da democracia é, essencialmente, uma constatação histórica em grande escala e a
Providência fornece o aspecto objetivo de uma lei à intuição que Tocqueville
tem das tendências do corpo social. Ela é a palavra que designa aquilo que é
revelado pelo espírito de finesse:
aquilo que sentimos, que está diante dos olhos de todos mas que não sabemos
demonstrar; aquilo que é patente ao juízo, mais do que à razão cognoscente.
Invocar a Providência é, pois, explicar o que não é geometricamente
demonstrável, mas não somente isso: é também escolher o que deve ser explicado.
O espírito de finesse permite
discernir, no espetáculo do mundo democrático em gestação, a verdade, afinal
desvendada, da revelação cristã: o verdadeiro
quadro da humanidade reduzido à simplicidade da natureza, na qual todos os
homens são semelhantes. Invocar a Providência é, pois, buscar a interpretação
dos acontecimentos humanos como um todo, sob o ângulo do universalismo cristão
e tomar a decisão de resolver o dualismo entre a história e o seu fim, na
liberdade igual de todos os filhos de Deus”.
“Assim
concebido, - prossegue Françoise Mélonio - o recurso à Providência não dá à
história um sentido obrigatório. A Providência traça, é verdade, ao redor de cada homem, um círculo fatal do qual não pode
sair; mas, nos seus amplos limites, o homem é poderoso e livre; da mesma forma
acontece com os povos (....). A igualdade e o poder do povo são irresistíveis, mas a história humana,
aberta à possibilidade da liberdade, é o fruto de uma cooperação entre Deus e
os homens. A afirmação da inexorabilidade do curso da história é, em virtude
desse fato, continuamente corroída pela introdução de degraus e passos ao ponto
de Tocqueville, este profeta famoso,
somente utilizar o linguajar da predição para lembrar a sua recusa a um
determinismo absoluto”.
A
idéia providencialista em Tocqueville não é, pois, um dogma teológico que
interfira na sua visão racional da política, colocando uma espécie de fim
absoluto para a história. É um recurso epistémico que, de um lado, lhe permite
delimitar a área de estudos da política e, de outro, lhe serve para tender uma
ponte com a sua concepção ética, que pressupõe a mesma dignidade para todos os
homens. A respeito do papel instrumental da idéia providencialista em
Tocqueville, escreve Françoise Mélonio [1993: 33]: “O recurso à Providência não
implica, pois, que a ciência política seja um ramo da teologia, da
fenomenologia do espírito ou da história natural. Tendo afirmado no mesmo
movimento a Providência e a liberdade, Tocqueville pode demarcar o campo da
política e procurar ali uma racionalidade específica. A primeira Démocratie
apresenta-se como uma inquirição do regime democrático”.
Outro
aspecto que salta à vista na ciência política tocquevilliana, é a influência
que recebe da que poderíamos chamar de tendência orgânica dos estudos sociais,
caraterística que era comum no final do século XVIII e início do século XIX.
Françoise Mélonio [1993: 33] registrou essa influência da seguinte forma: “A
prática de Tocqueville tinha um precedente: as pesquisas sociais, inauguradas
no século XVIII, que conheceram a sua idade de ouro na primeira metade do
século XIX. Elas tinham como objeto privilegiado o mal social. Tendo sido
pensada a sociedade como um organismo, a sua doença implicava uma disfunção
geral. Se interessar pelo pauperismo, pela criminalidade, pela prostituição,
constituía o caminho para elaborar um diagnóstico acerca da sociedade, a fim de
fixar uma terapêutica. A viagem de Tocqueville insere-se na grande corrente da
pesquisa social, estatística e qualitativa (...)”.
A
historiografia, a filosofia, a sociologia, a teoria da política comparada e das
relações internacionais cultivadas por Aron, deram continuidade à nova ciência política proposta por
Tocqueville. A meu ver, a disciplina mestra ao redor da qual Aron sistematiza
toda a sua obra é a filosofia crítica da
história. Dois pontos são fundamentais no panorama epistemológico aroniano:
a rejeição ao dogmatismo e ao historicismo, de um lado, e, em segundo lugar, a
fé inabalável na liberdade, a partir da qual o sociólogo e o cientista político
traça as linhas mestras das futuras sociedades, tentando vislumbrar, nelas, o
espaço para o livre desenvolvimento do homem.
No
que tange ao primeiro ponto (a rejeição ao dogmatismo e ao historicismo), já a
partir da época em que Aron deixa clara a sua opção em prol das sociedades
livres do Ocidente, explicita a sua recusa aos determinismos. "Eu não
acreditava na totalidade histórica, - frisa no seu depoimento na Universidade
de Brasília - acreditava nos determinismos parciais mas não nas determinações
do conjunto da sociedade, a partir das forças ou das relações de produção"
[Aron, 1981: 66]. O pensador não duvida em rejeitar as três formas de que se
reveste o dogmatismo em matéria de ciências sociais, hoje, a saber: a ilusão
dos que imaginam uma ciência da sociedade ou da moral, a dos racionalistas que
admitem que a razão prática determina a conduta individual e a vida coletiva e
a dos pseudorealistas que pretendem pautar o futuro pelo passado, sem
perceberem que este é uma construção conceitual de seu próprio ceticismo e uma
imagem de sua própria resignação [Aron, 1948: 324-325].
O
determinismo e o historicismo, para Aron, são criações mentais dos que não
conseguem encarar o risco da liberdade ou pretendem ignorar a finitude humana.
A nossa existência oscila, dramaticamente, entre o legado que recebemos das
gerações anteriores e os nossos condicionamentos ontológicos, ou seja, o
conjunto de fatores que não podemos modificar e o que podemos pensar e decidir,
no contexto das possibilidades que o presente nos depara.
Eis
a forma em que Aron desenha esse panorama dramático da nossa existência,
destacando, ao mesmo tempo, a grandeza e a limitação humanas: "Posto que
é, ao mesmo tempo, animal e espírito, o homem deve ser capaz de se sobrepor às
fatalidades inferiores, a das paixões pela vontade, a do impulso cego pela
consciência, a do pensamento indefinido pela decisão. Nesse sentido, a
liberdade, em cada momento, coloca tudo em jogo e se afirma na ação em que o
homem não se distingue mais de si mesmo. A liberdade, possível para a teoria,
efetivada em e pela prática, não é jamais total. O passado do indivíduo
delimita a margem na qual atua a iniciativa pessoal e a situação histórica fixa
as possibilidades da ação política. Escolha e decisão não emergem do nada,
podem estar submetidas às pulsões mais elementares, mas em todo caso são parcialmente
determinadas, quando colocadas em face dos seus antecedentes. Somente o
pensamento, a rigor, escaparia à
explicação causal, na medida em que ele conformaria para si próprio a sua
independência, ao verificar os seus julgamentos. Mas o saber é sempre superado,
fadado como está à exploração dos objetos e sendo, por essência, inacabado.
Ora, para que o homem estivesse totalmente de acordo consigo mesmo, seria
necessário que vivesse segundo a verdade, que se reconhecesse autônomo, ao
mesmo tempo, na sua criação e na consciência que ele tem dela. Reconciliação
ideal mas incompatível com o destino dos que não admitem ídolos no lugar de
Deus. A existência humana é dialética, ou seja, dramática, pois age num mundo
incoerente, se engaja a despeito da duração, busca uma verdade que foge, sem
outra segurança que uma ciência fragmentária e uma reflexão formal" [Aron,
1948: 349-350].
Se
a nossa condição humana nos coloca nessa situação de dramaticidade, o saber
sobre o homem deve-se revestir dessa caraterística paradoxal. Não pode haver um
fosso entre as ciências do homem e a reflexão sobre a sua condição existencial.
"(...) Mais uma vez - frisa Aron - deve ficar claro que filosofia e
história, filosofia da história e filosofia total são inseparáveis. A filosofia,
ela também, está de início na história, pois ela encontra-se fechada nos
limites de um ser particular, ela é histórica posto que é a alma ou a expressão
de uma época, ela é histórica posto que tem consciência de que se trata de uma
criação inacabada. A filosofia é a pergunta radical que o homem, em busca da
verdade, se faz a si mesmo" [Aron, 1948: 344]. A história, enquanto
disciplina, não pode desconhecer esse caráter complexo do ser humano de que dá
testemunho a filosofia. A história é, para Aron, "a dialética na qual
essas contradições tornam-se criativas, o infinito no qual o homem reconhece a
sua finitude" [Aron, 1948: 338].
A
filosofia crítica da história deve renunciar a encontrar o sentido último da
evolução. A crítica ao historicismo hegeliano é clara e retoma os reparos que
Tocqueville tinha levantado contra a história que se escreve nos séculos
democráticos. "A filosofia tradicional da história, - escreve Aron -
encontra o seu acabamento no sistema de Hegel. A filosofia moderna da história
começa pela rejeição ao hegelianismo. O ideal não é mais determinar, de um
golpe, a significação do devir humano, a filosofia não se considera mais a
depositária dos segredos da providência. A Crítica
da razão pura acabava com a esperança de ter acesso à verdade do mundo
inteligível; da mesma forma, a filosofia crítica da história renuncia a atingir
o sentido último da evolução. A análise do conhecimento histórico é, em face da
filosofia da história, o que a crítica kantiana é em face da metafísica
dogmática" [Aron, 1950: 15].
No
que tange ao segundo ponto, a fé inabalável na liberdade, Aron considera que o
cientista social e o historiador devem partir, sempre, do pressuposto básico da
civilização ocidental, o homem como ser consciente e livre [Aron, 1948: 346]. É
interessante destacar que essa pressuposição está presente, no seio da
filosofia de Ocidente, mesmo entre aqueles que levantam a sua voz contra a
liberdade humana: não se nega com tanto afinco senão aquilo que é tão evidente
para todos nós. A respeito, frisa Aron: "Por que se mantém com tanta
energia essa permanência do homem, palavra que ganha, na boca dos incrédulos,
uma ressonância solene e como que sagrada? Sem dúvida pretende-se salvar um dos
elementos da herança cristã, fundamento da democracia moderna, o valor absoluto
da alma, a presença em todos de uma razão idêntica. Ao mesmo tempo, espera-se
desvalorizar as particularidades de classe, de nação e de raça, a fim de chegar
a uma reconciliação total dos homens, em si mesmos e de uns para com os outros"
[Aron, 1948: 343].
Em
face ou dos pessimismos radicais que invadiram o século XX, ou do excesso de
otimismo que fez enxergar uma idade de ouro à luz dos "30 gloriosos
anos" do welfare state americano e europeu ocidental, Aron
situa-se num termo meio de otimismo moderado: acredita na possibilidade de o
homem construir um projeto que respeite a liberdade e a dignidade, conservando
os progressos econômicos e técnicos feitos, sem por isso negar os riscos que
pendem sobre a Humanidade. "Pessoalmente, e vocês não ficarão inteiramente
surpresos, - frisa o pensador no seu depoimento na Universidade de Brasília -
eu não estou de acordo nem com o otimismo de Hermann Kahn (1922-1983) nem com o
pessimismo do Clube de Roma. Se eu tivesse um revólver na cabeça e fosse obrigado
a escolher entre os dois, eu escolheria o otimismo de Hermann Kahn. Se é
preciso escolher, prefiro a versão otimista à versão pessimista, e creio que é
o mais provável, e creio ainda que é uma situação baseada em melhores
argumentos. Dito isto, de qualquer maneira são perspectivas a longo prazo e,
pessoalmente, eu tomaria uma posição intermediária: não advogo nem o happy end nem o paraíso econômico, e
descarto neste instante a hipótese da catástrofe total, em função da penúria
generalizada" [Aron, 1981: 79].
IV - A ética tocquevilliana e os seus reflexos no pensamento de Aron.
Talvez
Alexis de Tocqueville tenha sido um dos pensadores sociais e homens de ação que
realizou, de forma mais completa, a dupla feição da ética estudada por Max
Weber (ética de convicção e de responsabilidade) [cf. Weber, 1972]. O pensador
francês, efetivamente, ancorou tanto numa quanto noutra. Tocqueville cultua o
ideal da ética de convicção, quando reflete acerca do seu compromisso como
intelectual. Mas desenvolve, outrossim, interessante conceito de ética de
responsabilidade em relação à problemática da busca do bem comum por parte do
homem público, destacando-se, neste particular, o equacionamento da
problemática da pobreza. Abordarei ambos os aspectos, para caracterizar as suas
linhas gerais, destacando que os dois integram o conceito tocquevilliano de
ética pública.
O
pensador francês considerava que o seu primeiro compromisso como intelectual
consistia no esclarecimento e na divulgação da verdade histórica, que conduzisse
à conquista da liberdade para todos os franceses. Neste seu empenho não admitia
negociação. Daí as suas fortes críticas aos socialistas, aos bonapartistas, aos
seus pares, os nobres (que tinham ancorado numa proposta de volta ao Ancien Régime), e aos próprios
doutrinários, seus mestres, que tinham fechado as conquistas liberais na gaiola
de ouro do formalismo jurídico e do elitismo burguês. Destaquemos, de entrada,
a forma toda peculiar em que Tocqueville entende a democracia, como conquista da liberdade por parte de todos.
Três
pontos saltam à vista na ética intelectual tocquevilliana: em primeiro lugar, a
fundamentação das suas convicções morais no cristianismo, do qual o nosso autor
tira o princípio fundamental de que todos os seres humanos possuem a mesma
dignidade e, portanto, podem aspirar aos benefícios da liberdade. Em segundo
lugar, a solidariedade com os seus
concidadãos, que correm perigo de cair nas mãos do despotismo, em lugar de
conquistar a almejada liberdade. Em terceiro lugar, o dever de testemunhar a
verdade histórica que o nosso autor descobriu na sua viagem à América. Essa
verdade histórica resume-se na seguinte afirmação: a liberdade democrática é
possível!
No
tocante ao primeiro ponto, Tocqueville [1977: 329] escreve o seguinte: "Todos os grandes escritores da
Antigüidade faziam parte da aristocracia dos senhores, ou, pelo menos, viam
essa aristocracia estabelecida, sem contestação, diante dos seus olhos; o seu
espírito, depois de se haver expandido em várias direções, achou-se, pois,
limitado por aquela, e foi preciso que Jesus Cristo viesse à terra para fazer
compreender que todos os membros da espécie humana eram naturalmente
semelhantes e iguais".
Em
relação ao segundo ponto, assim escrevia Tocqueville, em carta inédita a Camille
d´Orglandes (1798-1871), de 24/11/1834): "Eu creio que cada um de nós deve
prestar contas à sociedade, tanto dos seus pensamentos quanto das suas forças.
Quando vemos os nossos semelhantes em perigo, é obrigação de cada um ir em
socorro deles". [Apud Mélonio, 1993: 30].
Em
relação ao terceiro ponto, o dever de testemunhar a verdade histórica
descoberta na América, Françoise Mélonio [1993: 30-31] escreve:
"Tocqueville regressa, pois, da América, investido do dever de
testemunhar. O primeiro volume da Démocratie, que publica em 1835, recebe desse objetivo apologético os traços
que fazem dele o breviário da democracia moderna. A Démocratie é uma obra de auxílio ao povo em
perigo (...). Ora, há urgência. Na Europa, os
tempos se aproximam do triunfo da democracia. Tocqueville assume a postura
de um São João Batista da democracia clamando no deserto: acordai antes que
seja tarde demais!; o movimento democrático não
é, ainda, suficientemente rápido como para desistir de dirigi-lo. A sorte [das
nações europeias] está nas suas mãos, mas
bem cedo lhes escapa. E que não se diga que é tarde demais para tentar.
Contra os pregoeiros de desgraças, os resignados, Tocqueville faz um apelo aos
franceses para que, sem delongas, tomem o seu destino nas próprias mãos, a
exemplo da América. Como os profetas e os pregadores, (...) argumenta com os
riscos que representa uma conversão
tardia".
Tocqueville
elaborou a sua concepção de uma ética política, notadamente, ao discutir a
problemática da pobreza na sociedade européia da sua época. As suas reflexões a
respeito estão contidas em dois escritos de 1835, intitulados: "Memória
sobre a pobreza" e "Segundo artigo sobre a pobreza", que foram
redigidos para a Sociedade Acadêmica de
Cherbourg e que integram os seus "Escritos Acadêmicos". Na edição das
Oeuvres
de Tocqueville [primeiro
volume, 1991], preparada por André Jardin (1912-1996), Françoise Mélonio e Lise
Queffélec, outros dois ensaios de Tocqueville foram escolhidos: o
"Discurso à Academia Francesa", de 1842, sobre a história da França e
o "Discurso à Academia de Ciências morais e políticas", de 1852,
sobre a ciência política. A finalidade desses "Escritos Acadêmicos"
era, segundo aponta Françoise Mélonio [1991: I, 1626] discutir "como
estruturar a sociedade moderna, aglutinando os cidadãos desunidos, que a
hierarquia de privilégios do Antigo Regime não organizava mais".
Tocqueville
analisa a problemática da pobreza no contexto mais amplo da ciência social da
época, inspirada na fisiologia social
de Cabanis, Bichat, Pinel, Vicq d'Azyr, Saint-Simon, etc. [cf. Rosanvallon,
1985: 22; Mélonio, 1993: 33 seg.; Vélez-Rodríguez, 1997c: 22-45]. É bem verdade
que o nosso autor supera qualquer pretensão
cientificista, deixando de render tributo, portanto, ao vício do historicismo.
Mas utiliza o símil do corpo enfermo, para se referir à problemática social. Em
relação ao mencionado fenômeno na Inglaterra, por exemplo, o nosso autor
escreve: "(...) o pauperismo, esta enorme e horrível chaga em um corpo
vigoroso e saudável" [Tocqueville, 1991: I, 1174].
Fiel
ao arquétipo epistemológico mencionado,
Tocqueville analisa a problemática da pobreza em três etapas:
sintomatologia, tratamento errado e tratamento certo. Em relação à primeira
etapa, o pensador francês destaca um fato paradoxal: essa doença somente é
visível em organismos fortes. As nações que caminham rumo à modernidade, como a
Inglaterra e a França, apresentam o contraste entre geração da riqueza e
pobreza, contraste que não é visível onde a pobreza é a norma e a riqueza a
exceção, como na Espanha ou em Portugal. O nosso autor dedica especial atenção
ao estudo da doença na Inglaterra, país que conseguiu desenvolver os recursos
econômicos de forma a permitir, à maioria dos seus cidadãos, a conquista
de uma vida confortável e segura. Um
sexto da população britânica, no sentir de Tocqueville, é marginalizada pela
pobreza. Mas justamente por estar a maioria dos cidadãos em situação de
conforto econômico, a marginalização do proletário é mais visível entre os
ingleses do que na própria França.
No
que tange à França da sua época, Tocqueville destaca que acontece algo
semelhante: percebe-se mais a pobreza ali onde houve maior desenvolvimento. A
respeito, o nosso autor escreve: "A média dos indigentes na França (...) é
de um pobre para vinte habitantes. Mas grandes diferenças são observáveis entre
as diferentes partes do mesmo reino. O departamento du Nord, que é, com certeza,
o mais rico, o mais populoso e o mais desenvolvido, sob todos os pontos de
vista, tem cerca de um sexto de sua população como dependente da caridade. Em
Creuse, o mais pobre e menos industrial de nossos departamentos, existe apenas
um indigente para cada cinquenta e oito habitantes. Ainda de acordo com esta
estatística, La Manche está listado como tendo um indigente para cada vinte e
seis habitantes". [Tocqueville,
1991: I, 1156].
Em
relação à segunda etapa na discussão da problemática da pobreza (o tratamento
errado da mesma), Tocqueville chama a atenção para a confusão que a cultura
humana termina estabelecendo entre necessidades artificiais e essenciais. O
nosso pensador considera que o progresso da civilização leva, também, a que a
sociedade busque aliviar as necessidades dos que se sentem carentes. "O
progresso da civilização - frisa a respeito [Tocqueville, 1991: I, 1164] - não
apenas expõe os homens a muitas desgraças desconhecidas: ele também faz com que
a sociedade amenize as misérias que são totalmente desconhecidas nas sociedades
menos civilizadas. Em um país onde a maioria tem vestimentas ruins, habitações
de má qualidade, pouco alimento, quem pensaria em dar roupas limpas, comida
saudável e habitação confortável aos pobres? A maioria dos ingleses, tendo
todas essas coisas, considera a ausência delas um problema terrível; a
sociedade crê estar destinada a ajudar aqueles que não possuem tais confortos,
e a curar os males que não são sequer reconhecidos como tais em outros
lugares".
Essa
tendência encontrou expressão na Inglaterra, pela primeira vez, na lei de
Elizabeth I (1533-1603) que dispunha a nomeação, em cada paróquia, de
inspetores dos pobres (1601). Essa medida vinha responder à supressão, por
Henrique VIII (1491-1547), de todas as comunidades dedicadas à caridade. Essa
foi a remota origem da preocupação do governo inglês com a questão da pobreza,
que nos países protestantes passou a ser responsabilidade do Estado, enquanto
no universo católico, tradicionalmente, foi incumbência da caridade privada
[Tocqueville, 1991: I, 1164-1165].
Tocqueville
é claro na sua crítica à forma estatal da caridade: para ele, toda medida
contra a pobreza, alicerçada numa estrutura burocrática permanente, produz a
preguiça social. O nosso autor se antecipava, profeticamente, das dificuldades
encontradas pelo Welfare State na
erradicação da pobreza. Eis as palavras de Tocqueville em relação ao tópico em
apreço: "Qualquer medida que estabeleça a caridade legal de forma
permanente e lhe dá uma forma administrativa cria, com isto, uma classe ociosa
e preguiçosa, que vive às custas da classe trabalhadora e industrial. Isto,
pelo menos, é a conseqüência inevitável, senão o resultado imediato. Ela
reproduz todos os vícios do sistema monástico, mas não os altos ideais de
moralidade e religião, que em geral estavam associados a eles. Tal lei é uma
semente ruim plantada no solo da estrutura legal. Assim como na América, as
circunstâncias podem prevenir que a semente tenha um rápido desenvolvimento,
mas não podem destrui-la, e se a geração atual escapar à sua influência, o
bem-estar das gerações seguintes será devorado " [Tocqueville 1991: I,
1170].
Tocqueville
formula os elementos básicos do que poderíamos chamar de princípio da beneficência na ética pública, quando apresenta as
suas soluções, na terceira etapa da discussão da problemática da pobreza. O nosso pensador parte da definição
moral do princípio da beneficência. Esse princípio alicerça-se numa espécie de
imperativo categórico: deve poder se aplicar universalmente e as suas
conseqüências devem estar de acordo com a moral. Eis as suas palavras a
respeito: "Obviamente não quero pôr em julgamento a beneficência, que é
uma das virtudes mais naturais, belas e sagradas. Mas penso que não existe
nenhum princípio, por melhor que seja, cujas conseqüências possam ser todas
consideradas boas. Ela deveria ser uma virtude humana e sensata, não uma
inclinação fraca e irresponsável. É necessário fazer o que for mais útil a quem
recebe, e não o que mais agrada ao doador; fazer o que melhor atende às
necessidades da maioria, e não o que é a salvação de poucos. Apenas desta forma
posso conceber a benevolência. Qualquer outra forma seria a representação de um
instinto ainda sublime, mas não mais me parece digna de receber o nome de
virtude" [Tocqueville, 1991: I, 1177-1178].
O
nosso pensador enxerga uma solução completa para a problemática da pobreza,
diferente da caridade ou do simples assistencialismo. Trata-se da formulação,
por parte do Estado, de uma política social que abarque três grandes aspectos:
educação dos pobres, estímulo à propriedade fundiária dos camponeses e estímulo
à poupança dos operários das indústrias. A finalidade dessa política social
consistiria em estabelecer um equilíbrio entre a produção de bens e o seu
consumo, a fim de evitar as distorções causadas no mundo moderno pelo sistema
produtivo.
No fundo da proposta tocquevilliana
há três convicções de profunda fé liberal: em primeiro lugar, é possível,
mediante uma inteligente legislação, criar os mecanismos institucionais que
permitam corrigir os desvios do sistema produtivo, a fim de torná-lo mais
justo, de acordo com o ideal democrático; em segundo lugar, a legislação deve
atender à educação do homem, que é o meio adequado para lhe permitir
desenvolver a sua inteligência; em terceiro lugar, a legislação deve-se voltar,
também, para a democratização da propriedade, que é o meio através do qual os
pobres podem recuperar a dignidade perdida, a sua liberdade, a fim de que se
integrem, produtivamente, à sociedade moderna.
As duas dimensões da ética
no pensamento de Alexis de Tocqueville, a intelectual e a política, embora
tematizadas em contextos diferentes da sua obra, estão, contudo, profundamente
relacionadas e são fruto, como já foi destacado anteriormente, da influência
dos doutrinários na sua formação. Diríamos que o ideal da ética política,
materializado no princípio da beneficência, torna-se possível unicamente
mediante o cumprimento do imperativo da defesa incondicional da liberdade para
todos. O nosso pensador, efetivamente, caracteriza o princípio da beneficência
da seguinte forma: fazer o bem mais
verdadeiramente útil àquele que o recebe, de forma que sirva ao bem-estar do
maior número. Ora, no pensamento tocquevilliano o bem mais radicalmente
útil que se pode conceber para alguém, na sociedade, consiste na conquista da
liberdade. O completo desenvolvimento do imperativo categórico da beneficência
aponta, em última instância, para essa finalidade. Trata-se de fazer aos
excluídos da sociedade da sua época, os proletários, o bem mais útil. Esse bem
consiste, no pensamento do nosso autor, em dotá-los dos meios que lhes
possibilitem reconquistar a dignidade perdida, alicerçada na liberdade. O
proletário deve ser estimulado, nas empresas, a ter algum interesse material,
assim como o homem do campo deve preservar as suas pequenas posses. Isso,
basicamente, porque a partir daí eles poderão reconstruir o ideal de luta pela
liberdade. O pensamento ético de Alexis de Tocqueville ancora, destarte, na
mais pura tradição liberal de Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755),
Jefferson (1743-1826) e dos Federalistas americanos.
A ética de Raymond Aron
segue as pegadas da meditação tocquevilliana. A influência de Max Weber é
reformulada, em Aron, à luz da leitura da obra de Tocqueville. Mas é clara,
também, a influência do pensamento kantiano e de um hegelianismo mitigado. Rejeitado
de plano o historicismo, fica claro, para o nosso autor, que não pode haver uma
cisão entre ética intelectual e ética política. O imperativo categórico que
regula a ação individual no terreno do conhecimento científico da sociedade,
acontece num ser histórico inserido numa época determinada, e deve ter relação
estreita com os imperativos morais da ação. Para Aron, a ética intelectual deve
iluminar a política, a fim de torná-la reta. De outro lado, a prudência do
político deve estar presente, também, no homem que pensa. Tanto o conhecimento
do homem de ciência, quanto o do homem político são probabilísticos. Não há
certezas absolutas, nem na ciência da sociedade, nem na ação que pretende
transformar esta última. Aron adere ao princípio popperiano da refutabilidade,
para fundamentar a certeza em ciência social. E considera que, no homem
concreto, não se pode cindir, do ângulo existencial, o pensar a sociedade e o
agir sobre ela. A separação weberiana entre o político e o científico, decorre,
no sentir de Aron, da índole abstrata e puramente formal em que o sociólogo
alemão pensa os seus tipos ideais. Mas faltou-lhe considerá-los inseridos na
concreção do mundo da vida. É o que o pensador francês tenta fazer, ao pensar a
ciência social e a política, do ângulo dos seus atores, o cientista e o
político, encarnados na mesma pessoa [cf. Aron, 1985: 696 seg.].
Mahoney destacou a relação
estreita que há entre ciência e política no pensamento aroniano, da seguinte
forma: "O probabilismo pretende encorajar uma sadia concepção do mundo
político e social e da ação refletida e responsável. Aron busca restaurar os
laços entre pensamento e ação, ciência e política, quebrados por Max Weber e a
sociologia moderna. Para Aron, o pensamento e a ciência devem guiar e
influenciar a ação responsável, não esvaziando a indeterminação do mundo,
tarefa digna de Sísifo, mas enxergando
não de outra forma, porém mais longe do que os partidos. O cientista
encoraja a análise responsável, ou seja, probabilista, da escolha política. Ele
deve compreender as coisas tais como são: essa é a finalidade da ciência. Os julgamentos de valor são, pois, um
elemento intrínseco de uma compreensão autêntica da política. Para compreender
bem um fenômeno social como o despotismo, é necessário chamá-lo pelo seu nome.
Uma compreensão autêntica é impossível, se negarmos que os valores se
transformam em fatos e que os fatos são inteligíveis sem julgamentos de
valor" [Mahoney, 1998: 148].
V - Estrutura e conteúdo de A
Democracia na América.
O principal trabalho de
Tocqueville constituiu, inicialmente, duas obras, as chamadas, popularmente, Primeira
e Segunda
Democracia. A primeira foi editada em 1835, em dois volumes. A
segunda apareceu em 1839, em 4 volumes. A Primeira Democracia constituiu
mais uma descrição do que o nosso autor observou na América. Já na Segunda
Democracia encontramos uma dimensão mais abstrata. Conforme
salientou Pierre Larousse (1817-1875) [1865b], “A obra de Tocqueville sobre a
democracia americana se divide, quanto ao fundo, em duas partes: na primeira,
vê-se um observador que analisa; na segunda, um pensador que medita e julga”.
A elaboração da obra foi
complexa, não tendo se limitado o seu autor à reprodução das notas de viagem.
Profunda meditação sobre os materiais coletados, bem como sobre as relações
entre os sistemas políticos americano e francês, precederam à escrita de La
Démocratie. Estudioso do caminho percorrido por Tocqueville na
elaboração dessa obra, James T. Schleifer (1942) escreve: “A primeira viagem de
Alexis de Tocqueville à América do Norte concluiu em 20 de fevereiro de 1832,
data em que o navio Le Havre partiu de Nova York rumo à França. Mas a sua
visita de nove meses tinha sido somente o prólogo de uma segunda viagem, que se
estenderia pelos oito anos seguintes: a composição de A democracia na América
(...). Há tempo os intelectuais perceberam o fato de que os ingredientes que
compõem A democracia são muitos e variados. Alguma coisa deve o livro
ao ambiente em que se movimentava Tocqueville, particularmente ao panorama
intelectual e político da França de começo do século XIX. A obra revela os
estigmas da juventude e a educação do autor. Baseia-se nas intensas
experiências de primeira mão, que ele e Gustave de Beaumont (1802-1866) tiveram
dos Estados Unidos e do presidente Andrew Jackson (1767-1845). Responde, também,
às cartas e ensaios de amizades norte-americanas e europeias que lhe ajudaram;
a uma longa lista de materiais impressos; às opiniões e críticas de parentes e
amigos, que leram os primeiros rascunhos; às suas experiências na França
durante a redação de A democracia; responde, por último, às suas
crenças, dúvidas e ambições pessoais. No entanto, a narração da elaboração do
livro exige uma reavaliação geral dessas fontes e, ao mesmo tempo, coloca
questões mais específicas. Quando e em que medida determinados homens, livros
ou acontecimentos afetaram A democracia? As leituras de
Tocqueville e as suas conversas acerca dos diferentes temas, eram adequadas?
Como conciliava ele opiniões e informações contraditórias? Quais as fontes que,
em última instância, eram as mais importantes? Revelam os rascunhos ou
manuscritos de trabalho algumas raízes novas não suspeitadas?”. [Schleifer,
1980: 15-16].
Embora não se possa negar
essa complexidade, é possível se ter uma idéia geral da obra. O fato que mais
impressionou a Tocqueville no seu primeiro contato com a América foi, sem
dúvida, a igualdade da sociedade americana. Mas, ao mesmo tempo, o nosso autor
descobriu que se tratava de uma democracia alicerçada na defesa da liberdade.
Depois de ter salientado as principais características físicas da América do
Norte, Tocqueville passou a identificar as populações que, fugindo das
perseguições religiosas na Europa, vieram para a América a fim de tentar uma
nova forma de convívio religioso e político. A essa busca veio somar-se, no
sentir do nosso autor, a igualdade civil e política, garantida pela divisão da
terra desde o período colonial. Foram fatores que concorreram à prosperidade
das Colônias anglo-americanas e que se somaram a outras variáveis: os costumes
puritanos, a poupança, fruto do espírito de trabalho, bem como um certo
desleixo da Metrópole que, já adiantado o século XVIII, terminaria sendo
decisivo para o momento independentista [cf. Larousse, 1865a; 1865b; Friedman,
1956; Jardin, 1984; 1991; Mélonio, 1993].
A prática política e
administrativa das Colônias anglo-americanas terminou consagrando alguns
princípios que eram, em geral, desconhecidos dos países europeus, como a
participação direta do povo nos negócios públicos, notadamente nas comunas, o
voto livre dos impostos, a responsabilidade dos agentes do poder, a liberdade
individual e o julgamento pelo júri. Tocqueville destacou, no seu estudo, que,
enquanto a liberdade se desenvolvia na ordem civil e política na América, a
religião presidia no terreno moral, fundando os direitos sobre a base firme dos
deveres, eticamente justificados.
Depois de o nosso autor ter
assinalado, de forma bastante detalhada, os efeitos sociais da igual partilha
da propriedade nas sucessões, passou a analisar a maneira em que,
paralelamente, a inteligência, também, estava mais ou menos distribuída de forma
equilibrada. Não encontrou Tocqueville, na América, grandes individualidades
que brilhassem pela sua inteligência, como na Europa. Mas constatou que o bom
senso e um nível básico de instrução estavam democraticamente distribuídos na
população do vasto país. Nos Estados Unidos, destacava ele, a soberania do povo
domina e, ainda, governa e ela se exerce pelo sufrágio universal.
A União americana, destacava
o nosso autor, compõe-se de Estados, cada um dos quais se divide em comunas e
condados. No seu entender, a comuna parecia surgida das mãos de Deus, como
primeiro refúgio da liberdade e não dependia senão dela própria, em tudo que se
relacionasse ao convívio dos cidadãos. A comuna era enxergada, por Tocqueville,
como um foco de febril atividade social e de sadia emulação. O condado, por sua
vez, seria o equivalente do arrondissement
francês; caracteriza-se porque é puramente administrativo e judiciário, não é
eletivo e pauta juridicamente a ação das comunas. O governo americano,
considerava o nosso autor, age como a Providência, sem se revelar. O poder é,
sem dúvida, o auxiliar da lei. Mas o soberano é a lei mesma.
Sendo o poder respeitado no
seu princípio, justamente pelo fato de ser enxergado não como sobranceiro à
sociedade, mas como o seu instrumento, ele não era concebido pelos
anglo-americanos como algo que devesse se concentrar numa única mão, à maneira
do absolutismo europeu, mas como uma instância que deveria ser dividida, a fim
de que a sua ação se mitigasse. Tocqueville apontava, surpreendido, para o fato
de não existir, na América, nenhum centro geral da administração. O que não
significava que as decisões tomadas pelos poderes legitimamente constituídos
fossem fracas. Em nenhuma outra parte do mundo, considerava Tocqueville, a ação
governamental é mais poderosa, justamente porque brota do consenso da maioria.
O nosso autor não deixava de apontar para o risco da tirania da maioria, à qual
essa prática anglo-americana poderia dar ensejo.
De outro lado, Tocqueville
observava que o poder judiciário ocupa um lugar de destaque na sociedade
americana. A sua influência estende-se da ordem civil à política. Aos atributos
que, em todas partes, caracterizam a ação da Justiça, juntava-se, na América, o
de exercer um controle indireto sobre os outros poderes, alicerçado na
interpretação da Constituição, mais do que das leis, mas somente em casos
particulares.
Depois de ter exposto a
organização civil, jurídica e política do Estado, Tocqueville passava a
examinar a Constituição Federal da União. O nosso autor achava interessante se
adentrar no espírito que animava a essa Carta, bem como nas relações das
instituições políticas federais. A unidade política reside nas atribuições
soberanas assinaladas à União. A unidade judiciária é constituída por uma corte
suprema que interpreta as leis e que faz o papel de mediadora nos conflitos
entre os Estados; o princípio da independência dos Estados é representado pelo
Senado; a Assembléia dos representantes encarna o dogma da soberania nacional.
Ao poder legislativo, o Senado junta o poder judiciário e político. Já o poder
executivo é vigiado, mas não dirigido, pelo Senado e personifica-se no
Presidente, a fim de que a sua responsabilidade seja mais completa. O primeiro
mandatário está munido com o poder do veto suspensivo.
A prática, aceita pela
Constituição americana, da reeleição do Presidente, coloca-o, no sentir de
Tocqueville, a serviço do despotismo da maioria. O único motor de todo esse
mecanismo é o povo. Sob o império da organização comunal, do sufrágio universal
e do tribunal do júri, o povo se administra a si mesmo, na América, faz e
aplica as leis. Os partidos que, nos sufrágios, fossem relegados à categoria de
minoria política, renunciam à prática da violência e assumem o compromisso de
tentar vencer os seus adversários, mediante a persuasão e a prática
parlamentar. O nosso autor assinalava dois caminhos que permitiam, ao povo
americano, se movimentar e se agitar: a liberdade de imprensa e o espírito de
associação. Mas é a liberdade de associação que parece ser o princípio vital:
ela se aplica a tudo, desde as decisões mais comezinhas da vida civil, até aos
atos mais importantes da soberania nacional. O nosso autor chamava a atenção
para o fato de que a mutabilidade da administração e da legislação eram
conseqüência do governo eletivo.
O princípio do mandato
imperativo, adotado nos Estados Unidos, parecia a Tocqueville estimular o
despotismo da maioria, mal que o autor apontava como ameaça para o futuro da
liberdade americana. Esse despotismo, no sentir dele, corre o risco de
instaurar o reino da mediocridade e paralisar os espíritos. Nem o dramaturgo Molière
(1622-1673) nem o moralista Jean de La Bruyère (1645-1696) poderiam pensar e
escrever livremente acerca do ridículo dos políticos ou dos vícios do povo
americano, caso fossem cidadãos dos Estados Unidos. Esse despotismo, contudo,
aponta Tocqueville, é temperado pelos costumes em geral, pela divisão do poder,
pela ausência de qualquer centralização administrativa, pela influência dos
advogados, bem como pela ação do tribunal do júri. O nosso autor se perguntava
se as leis e os costumes políticos imperantes na América, seriam suficientes
para manter vivas as instituições democráticas, em qualquer outro lugar do
planeta. Responde afirmativamente.
Tocqueville traçava um
quadro bem dramático do relacionamento entre os três grupos raciais presentes na
América: os índios, os negros e os brancos. Em relação aos índios, destacava,
com perplexidade, que, justamente no país em que a liberdade dos cidadãos fez
mais progressos, “os selvagens da América do Norte só tinham dois meios de
escapar à destruição: a guerra ou a civilização”. Já que os aborígines não
podiam fazer a guerra, em decorrência da sua evidente inferioridade numérica e
técnica, Tocqueville analisava esta paradoxal questão: “por que não desejam
civilizar-se, quando o poderiam fazer, e não mais o podem quando chegam a
desejá-lo?”. O nosso pensador desenhava, com cores sombrias, outrossim, o
futuro da problemática do negro. De forma irônica, numa sociedade em que tinha
se realizado o ideal da igualdade, “o preconceito dos brancos contra os negros
parece tornar-se mais forte à medida que se destrói a escravidão”. E, numa
espécie de premonição acerca do futuro das relações internacionais no século
XX, previa que russos e americanos elevar-se-iam até o primeiro lugar no
contexto de todas as nações, pois um desígnio secreto da Providência os chamava
a partilhar, um dia, o império do mundo.
Logo após ter estudado a
influência geral que a democracia tinha sobre o desenvolvimento intelectual,
moral, civil e político da sociedade americana, em face das outras sociedades
da época, e após ter identificado as virtudes e os vícios da mesma, o nosso
autor passava à conclusão do seu estudo. O individualismo, solidamente
alicerçado na prática do livre exame, converteu-se em traço marcante da
sociedade americana. No entanto, essa caraterística foi mitigada pelo
influência da religião, que se estruturou separada da ordem política. As
grandes verdades morais, destarte, conservaram o seu salutar império.
Mas Tocqueville apontava, na
sua conclusão, um paradoxo: a sociedade americana professava, paralelamente, um
grande amor ao conforto e ao bem-estar material. Esse confronto entre religião
e materialismo, talvez se encontre solucionado graças à mediação, na sociedade
americana, da ética do trabalho. O trabalho produtivo, quaisquer que fossem as
condições em que era praticado, tinha alta relevância social. Na América,
destacava o nosso autor, a indústria e o comércio predominam sobre a
agricultura. Emerge daí uma aristocracia manufatureira que não chegaria,
contudo, a ter a independência das antigas aristocracias de origem nobre, mas
que possui grande destaque na opinião pública, em virtude do fato de
contribuir, de forma definitiva, ao acréscimo da riqueza do país. No que tange
à organização familiar, impressionava ao nosso autor o fato de que a tutela
paterna, nos Estados Unidos, fosse abandonada facilmente. As crianças são, do
ponto de vista social, quase iguais aos pais. Não se observam, na sociedade
americana, esses traços de acentuado paternalismo do chefe de família, que se
encontravam nas sociedades europeias do século XIX. Inferior na sociedade, a
mulher, nos Estados Unidos, é elevada ao nível do homem, na intimidade. A noção
de honra está, de outro lado, em franca decadência. O amor ao lucro sobrepõe-se
ao espírito militar.
Diante
dos graves problemas da democracia apontados na obra, Tocqueville não escondia
as contradições presentes na sociedade americana. A mais importante delas, já
mencionada, o risco do despotismo da maioria. Esse perigo era tanto menos
forte, na América, quanto grande era, nessa sociedade, a tradição de defesa da
liberdade. O nosso autor, evidentemente, chamava a atenção para o fato de tal
risco ser maior numa sociedade que se esqueceu de lutar, ardentemente, pela
liberdade, como a francesa do período da monarquia de Luís Filipe (1773-1850).
Na
chamada Segunda Democracia, Tocqueville debruçava-se sobre aspectos
mais abstratos. Quatro grandes problemas chamaram a atenção do nosso autor: em
primeiro lugar, a influência da democracia sobre o movimento intelectual, nos
Estados Unidos [Tocqueville, 1977: 321-382]. Em segundo lugar, a influência da
democracia sobre os sentimentos dos americanos [Tocqueville, 1977: 383-426]. Em
terceiro lugar, a influência da democracia sobre os costumes propriamente ditos
[Tocqueville, 1977: 427-510] e, por último, a influência que as idéias e os
sentimentos democráticos exercem sobre a sociedade política [Tocqueville, 1977:
5121-542]. No último item desta exposição, quando trate acerca dos problemas da
democracia segundo Tocqueville, será ampliado este ponto.
Aron debruçou-se, com
dedicação, sobre a obra de Tocqueville, tendo-a estudado em Les étapes de la pensée sociologique.
Não há dúvida, segundo Aron, de que os dois principais escritos tocquevillianos
são a Démocratie en Amérique, bem como L'Ancien Régime et la
Révolution. Se no
primeiro encontramos desenhada, de forma completa, a arquitetura do que seria o
edifício democrático dos tempos modernos, no segundo Aron descobre a crítica
mais sistemática de Tocqueville às deformações sofridas, na França, pelo ideal
democrático.
No que tange à Démocratie
en Amérique, Aron
centra a sua análise no método sociológico utilizado pelo autor. Tocqueville é,
sem dúvida, em matéria de sociologia, discípulo de Montesquieu. Utiliza, como
seu inspirador, dois métodos sociológicos: um, descritivo, que lhe permite
identificar o espírito da nação americana nas suas várias manifestações; outro,
analítico e conceitual, com ajuda do qual aprofunda no problema da democracia
nas sociedades modernas. "Há em Tocqueville, - frisa Aron - como em
Montesquieu, dois métodos sociológicos, sendo que um leva ao retrato de uma
coletividade singular, e o outro coloca o problema histórico abstrato de um
certo tipo de sociedade" [Aron, 2000:214].
A utilização desses dois
métodos sociológicos teve, para Tocqueville, um duplo resultado: em primeiro
lugar, colocou-o entre os autores clássicos (Aristóteles e Montesquieu, por
exemplo), que misturam as suas análises das várias formações sociais, com
juízos de valor sobre as mesmas, conferindo, ao estilo da ciência social, uma
abrangência genérica mais do gosto do grande público; em segundo lugar, ficou
por fora da assepsia sociológica da tradição francesa, iniciada por Comte (1798-1857)
e Durkheim (1858-1917), que impede, a qualquer preço, a formulação de juízos de
valor. Apesar disso, ou talvez mesmo por causa da sua ousadia, a análise
tocquevilliana conserva a sua atualidade, se colocarmos o nosso autor em face
de dois grandes pensadores sociais do século XIX: Marx (1818-1883) e Comte.
A propósito deste ponto,
escreve Aron, destacando a sua preferência por Tocqueville: "Na visão
sociológica de Tocqueville, as desigualdades de riqueza, por maiores que sejam,
nunca contradizem a igualdade fundamental das condições, característica das
sociedades modernas. É verdade que, numa determinada passagem, Tocqueville
indica que, na sociedade democrática, voltará a se constituir uma aristocracia,
por meio dos líderes industriais. No conjunto, porém, não acredita que a
indústria moderna leve a uma aristocracia. Prefere pensar que as desigualdades
de riqueza tenderão a se atenuar à medida que as sociedades modernas se tornem
mais democráticas. Crê, sobretudo, que as fortunas industriais e mercantis são
muito precárias para originar uma estrutura hierárquica durável. Em outras
palavras, ao contrário da visão catastrófica e apocalíptica do desenvolvimento
do capitalismo, própria do pensamento de Marx, Tocqueville sustentava, desde
1835, a teoria semi-entusiástica, semi-resignada, mais resignada do que
entusiástica, do welfare state, ou do
aburguesamento generalizado".
"É interessante -
conclui Aron - confrontar essas três visões, a de Comte, a de Marx e a de
Tocqueville. Uma era a visão organizadora daqueles que hoje chamamos de
tecnocratas; a outra, a visão apocalíptica dos que, ontem, eram
revolucionários; a terceira, a visão mitigada de uma sociedade em que cada um
possui alguma coisa, e em que todos, ou quase todos, estão interessados na
conservação da ordem social. Pessoalmente, creio que, dessas três visões, a que
mais se aproxima das sociedades europeias ocidentais dos anos sessenta, é a de
Tocqueville. Para ser justo, é preciso acrescentar que a sociedade europeia dos
anos trinta tinha uma tendência a se aproximar da visão de Marx. Resta em
aberto, portanto, a questão de saber qual das três visões se parecerá mais com
a sociedade européia dos anos noventa" [Aron, 2000: 206-207].
VI - Despotismo e democracia na França,
segundo Tocqueville e Aron
L’Ancien Régime et la Révolution corresponde, na agitada vida
intelectual de Tocqueville, à obra da maturidade. A sua elaboração foi, no
espírito do nosso autor, um bálsamo para
as feridas morais causadas pela atividade política. Tocqueville opôs-se,
decididamente, ao golpe de estado desfechado pelo presidente Luís Napoleão
(1808-1873), em 2 de dezembro de 1851. Junto com outros membros ilustres da
Câmara dos Deputados foi preso e conduzido, já doente, a Vincennes. Tão grande
foi o desagrado que causou a Tocqueville esse atentado do absolutismo que, como
frisa André Jardin [1988: 369] “(...) jamais perdoou ao seu autor a afronta
feita à representação nacional e a perda das liberdades públicas”.
Assim exprimia Tocqueville o seu repúdio à aventura
militarista, em carta dirigida a um conterrâneo seu, em 14 de dezembro de 1851:
“O que acaba de acontecer em Paris é abominável, no fundo e na forma, e quando
se conheçam os detalhes, parecerão ainda mais cruéis que todo o acontecimento.
Quanto a este, já se encontrava em germe desde a revolução de fevereiro, como o
pintinho no ovo; para fazê-lo sair, não faltava mais do que o tempo necessário
de incubação. A partir do momento em que se viu aparecer o socialismo, devia
ter-se previsto o reino dos militares. Um geraria o outro. Eu esperava isso há
algum tempo e, embora sinta muita pena e dor pelo nosso país, e uma grande
indignação contra certas violências ou baixarias, que vão além do aceitável,
estou pouco surpreendido ou perturbado interiormente. (...). Neste momento, a
nação está com medo louco dos socialistas e deseja, ardentemente, voltar a
encontrar o bem-estar; é incapaz, digo-o com pena, e indigna de ser livre. (...).
É necessário que a nação, que tem esquecido desde há 34 anos o que é o
despotismo burocrático e militar (...) o prove de novo e, desta vez, sem o
ornato da grandeza e da glória” [apud Jardim, 1988: 369].
Tendo abandonado a vida pública, segundo escreve André Jardin
[1988: 389; 1984: 460], Tocqueville “encontra, na preparação ativa da obra
projetada, o melhor remédio para a profunda tristeza que o invadia e, muito
rapidamente, entrega-se a essa tarefa com paixão”. A defesa da liberdade,
ameaçada pelo binômio despótico socialismo/militarismo, eis o verdadeiro motivo
que levou Tocqueville a essa apaixonada luta. Motivo, aliás, que está presente
na sua restante obra. Eis um testemunho claro dessa ampla motivação liberal, no
prólogo de L’Ancien Régime [Tocqueville, 1988a: 93-95; 1989: 46-47]:
“Alguns hão de acusar-me de mostrar, neste livro, um gosto muito intempestivo
pela liberdade, a qual, segundo me dizem, é algo com que ninguém mais se
preocupa na França. Só pedirei àqueles que me fariam esta censura, lembrar-se
que esta tendência é muito antiga em mim. Há mais de vinte anos, falando de uma
outra sociedade, escrevia quase textualmente o que vão ler aqui”.
“No meio das trevas do futuro, continua Tocqueville, já
podemos descobrir três verdades muito claras. A primeira é que, em nossos dias,
os homens estão sendo levados por uma força desconhecida, que temos a esperança
de poder regular e abrandar, mas não de vencer, e que os impele suave ou
violentamente a destruir a aristocracia. A segunda é que, em todas as
sociedades do mundo, aquelas que sempre
encontrarão as maiores dificuldades para escapar, por muito tempo, ao governo
absoluto, serão precisamente estas sociedades onde não há mais e não pode haver
uma aristocracia. A terceira é que em nenhum lugar o despotismo poderá produzir
efeitos mais nocivos do que neste tipo de sociedade, porque mais do que
qualquer outra espécie de governo, ele
favorece o desenvolvimento de todos os vícios, aos quais estas
sociedades são especialmente sujeitas, e assim as empurra em uma direção à qual
uma inclinação natural já as fazia pender”.
“Só
a liberdade - conclui o nosso autor -
pode combater, eficientemente, nesta espécie de sociedades, os vícios
que lhes são inerentes e pará-las no declive por onde deslizam. Com efeito, só
a liberdade pode tirar os cidadãos do isolamento no qual a própria
independência de sua condição os faz viver, para obrigá-los a aproximar-se uns dos outros, animando-os e
reunindo-os, cada dia, pela necessidade de entender-se e de agradar-se
mutuamente, na prática de negócios comuns. Só a liberdade é capaz de
arrancá-los ao culto do dinheiro e aos pequenos aborrecimentos cotidianos (...),
para que percebam e sintam sem cessar a pátria, acima e ao lado deles. Só a
liberdade substitui, vez por outra, o amor ao bem-estar por paixões mais
enérgicas e elevadas, fornece à ambição objetivos maiores que a aquisição das
riquezas e cria a luz, que permite enxergar os vícios e as virtudes dos homens.
(...). Eis o que eu pensava e dizia há vinte anos. Tenho de confessar que,
desde então, nada aconteceu no mundo que me levasse a pensar e falar
diferentemente. Tendo demonstrado a boa opinião que eu tinha da liberdade, num
tempo em que alcançou o apogeu, não acharão ruim que nela eu persista quando a
abandonam”. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma profissão de fé liberal, que
constitui o ponto de partida de toda a obra tocquevilliana.
O período de maturação de L'Ancien Régime et la Révolution
foi longo. Encontramos, aliás, um paralelismo muito significativo no processo
de elaboração das duas grandes obras de Tocqueville. La Démocratie en Amérique
foi precedida de longas reflexões que se estenderam de 1825 a 1835 e que, após
a viagem de nove meses à América, tornaram-se mais sistemáticas. Em relação a L’Ancien
Régime, Tocqueville pensou nos temas centrais da obra entre 1836 e
1850; neste último ano, ele amadureceu o projeto. Esses longos períodos de
meditação prévia guiaram-no na elaboração do trabalho. Foram o momento de
acúmulo de experiências e de conhecimentos sobre os quais o nosso autor se
debruçou, para dar forma acabada às suas obras [cf. Jardim, 1984: 456-457].
O plano detalhado de L’Ancien Régime et la Révolution
foi elaborado em dezembro de 1850, em Sorrento, na Itália, onde Tocqueville
permaneceu até março de 1851, se recuperando de uma crise de tuberculose,
doença que lhe causaria a morte anos mais tarde, em 1859. Ao longo de 1852, o
nosso autor começou o seu trabalho de busca e organização de documentos, tendo
realizado, também, uma enquete na Normandia. O trabalho de documentação
continuou em 1853 em Tours, onde o nosso autor estudou os Arquivos da
Intendência relativos ao século XVIII. Em 1854, entre os meses de julho e
setembro, Tocqueville viajou à Alemanha, onde, em Bonn principalmente, estudou
as características do feudalismo. Ao longo de 1855, o autor deu forma final à
obra, que apareceu publicada, em junho de 1856, pelo editor Michel Levy, de
Paris.
Frisei atrás que o período de maturação de L’Ancien
Régime foi longo. Efetivamente, já em 1836, encontramos Tocqueville
preocupado com os temas básicos da obra, conforme revela o artigo que publicou,
a pedido de John Stuart Mill (1806-1873), na London and Westminster Review,
sob o título de “Political and social condition of France”, que constituiu o
primeiro trabalho de Tocqueville como historiador da França, e que foi,
posteriormente, publicado em francês sob o título de “État social et politique
de la France avant et depuis 1789” [Tocqueville, 1988b; cf. Mélonio, 1988: 11].
Qual foi o método seguido pelo nosso autor em L’Ancien
Régime? Poderíamos caracterizá-lo como de gênese histórica. As
nações, como os organismos, possuem uma espécie de código genético que as
caracteriza. Mesmo que aconteçam grandes movimentos revolucionários, não se
perde a identidade primordial. As mudanças e as revoluções acontecem
essencialmente vinculadas a essa identidade. Por isso, para entender a França
de 1789, a França revolucionária, era necessário, no sentir de Tocqueville,
interrogar a França do Antigo Regime. Ao estudar a França revolucionária,
Tocqueville escreve, no Prefácio de L’Ancien Régime [1988a: 87-88;
1989: 43]: “Eu tinha a convicção de que, sem sabê-lo, (os franceses) retiveram
do antigo regime a melhor parte dos sentimentos, dos hábitos e das próprias
idéias que os levaram a conduzir a Revolução que o destruiu e que, sem querer,
serviram-se de seus destroços para construir o edifício da nova sociedade. De
modo que, para bem compreender tanto a Revolução como sua obra, era preciso
esquecer, por um momento, a França que vemos e interrogar, no seu túmulo, a
França que não existe mais. É o que tenho tentado fazer aqui”.
Essa idéia aparece clara em outros lugares do Prefácio, como,
por exemplo, aqui: “À medida que progredia neste estudo, admirava-me ao rever,
em todos os momentos da França dessa época, muitos traços que impressionam na
França de hoje. Reencontrava um sem-número de sentimentos, que pensava nascidos
da Revolução, um sem-número de idéias, que até então achava oriundas
exclusivamente dela, mil hábitos que só a ela são atribuídos, e por toda parte
encontrava as raízes da sociedade atual profundamente implantada nesse velho
solo. Quanto mais me aproximava de 1789, percebia, mais distintamente, o
espírito que fez a Revolução formar-se, nascer e crescer. Via, pouco a pouco,
desvendar-se, aos meus olhos, toda a fisionomia desta Revolução. Já anunciava
seu temperamento, seu gênio: era ela própria. Lá não só descobria a razão do
que ia fazer no seu primeiro esforço, mas talvez, ainda mais, o anúncio do que
devia fundar com o tempo”. [Tocqueville, 1988a: 90; 1989: 44].
Um pouco mais adiante, o nosso autor
afirma: “(...) a Revolução teve duas fases bem distintas: a primeira, durante a
qual os franceses parecem abolir tudo que pertenceu ao passado; e a segunda,
onde nele vão retomar uma parte do que nele deixaram. Há um grande número de
leis e hábitos políticos do antigo regime que desapareceram assim,
repentinamente, em 1789, e que aparecem novamente alguns anos mais tarde, como
certos rios que se afundam na terra para reaparecer um pouco mais adiante,
mostrando as mesmas águas a novas margens” [Tocqueville, 1988a: 90; 1989: 44].
O modelo teórico que inspirou L’Ancien Régime foi a obra de Montesquieu intitulada: Considérations
sur les causes de la grandeur des Romains et de leur décadence. Em
relação a este ponto, André Jardin [1984: 460] escreve: “(...) Montesquieu
tinha uma tarefa mais cômoda, ao trabalhar sobre uma história longínqua, livre
de todos os fatos secundários, enquanto, para uma época recente, e um período
de dez anos, os fatos determinantes ficam atrelados aos detalhes”. Ainda
segundo Jardim [1984: ibid.], Tocqueville pretendia realizar, na sua obra,
“(...) um misto de história e de filosofia da história, intimamente ligadas”.
A obra divide-se, nitidamente, em três grandes partes: a)
essência, finalidade e efeitos da Revolução Francesa; b) raízes da Revolução
Francesa no Antigo Regime; c) como se desenvolveu o processo revolucionário.
Qual foi o fenômeno fundamental observado por Tocqueville na vida política da
sociedade francesa da segunda parte do século XVIII? Sem dúvida alguma que esse
fenômeno consistiu na centralização. O nosso autor não deixa de constatar essa
descoberta com surpresa: “(...) Um estrangeiro - escreve [Tocqueville, 1988a:
89] - ao qual fossem liberadas hoje todas as correspondências confidenciais que
estavam contidas nos bilhetes do ministério do interior e das prefeituras,
saberia muito mais sobre nós do que nós mesmos. No século XVIII, a
administração pública já era (...) muito centralizada, muito poderosa,
prodigiosamente ativa. Vê-la-íamos ajudar sem cessar, impedir, permitir. Ela
tinha muito para prometer e muito para dar. Ela influenciava já de mil
maneiras, não somente no andamento geral dos negócios, mas também na sorte das
famílias e na vida privada de cada homem. De resto, ela permanecia sem
publicidade, o que fazia com que as pessoas não tivessem medo de vir a expor,
aos seus olhos, até as doenças mais secretas”.
O que mais incomodava ao nosso autor era o efeito político
que o centralismo terminara causando na sociedade francesa: o despotismo. O
centralismo tirava da sociedade a sua iniciativa e a transformava em eterno
menor de idade perante o Estado todo-poderoso. O grande mal causado à França
pelo centralismo era antigo, no sentir de Tocqueville. A substituição paulatina
do velho direito consuetudinário germânico pelo direito romano, situava-se nas
origens de todos os males e era como que a fonte jurídica do processo
centralizador que se alastrou, depois, a todos os aspectos da vida social. O
despotismo é, na sua essência, centralizador. Acaba com as solidariedades
locais e torna insensíveis os cidadãos às comuns desgraças e necessidades. O
nosso autor descreve, de forma detalhada, o efeito deletério do despotismo,
naquelas sociedades que, como a francesa, foram niveladas pelo centralismo
avassalador do rei e dos seus intendentes.
A propósito, escreve [Tocqueville, 1988a: 93-94; 1989:
46-47]: “Não havendo mais entre os homens nenhum laço de castas, classes,
corporações, família, ficam por demais propensos a só se preocuparem com os
seus interesses particulares, a só pensar neles próprios e a refugiar-se num
estreito individualismo, que abafa qualquer virtude cívica. Longe de lutar
contra esta tendência, o despotismo acaba tornando-a irresistível, pois tira
aos cidadãos qualquer paixão comum, qualquer necessidade mútua, qualquer
vontade de um entendimento comum, qualquer oportunidade de ações em conjunto,
enclausurando-os, por assim dizer, na vida privada. Já tinham a tendência a
separar-se: ele os isola; já havia frieza entre eles: ele os congela”.
O nosso autor prossegue, no mesmo texto, com a descrição das
desgraças causadas pelo despotismo centralizador: “Neste tipo de sociedades
onde nada é fixo, cada um sente-se constantemente aferroado pelo temor de
descer e o ardor de subir e como o dinheiro, ao mesmo tempo que lá se tornou a
marca principal que classifica e distingue os homens, também adquiriu uma singular
mobilidade, passando sem cessar de mãos em mãos, transformando a condição dos
indivíduos, elevando ou rebaixando as famílias, quase não há mais ninguém que
não tenha de fazer um esforço desesperado e contínuo para conservá-lo ou
adquiri-lo. A vontade de enriquecer a qualquer preço, o gosto pelos negócios, o
amor ao lucro, a procura pelo bem-estar e os prazeres materiais, lá são,
portanto, as paixões mais comuns. Estas paixões facilmente espalham-se em todas
as classes, penetram mesmo naquelas até então mais alheias e conseguiriam,
rapidamente, enervar e degradar a nação inteira, se nada viesse pará-las. Ora,
faz parte da própria essência do despotismo favorecê-las e espalhá-las. Estas
paixões debilitantes ajudam-no, desviam e ocupam a imaginação dos homens,
mantendo-os longe dos negócios públicos, e fazem que a simples idéia de
revolução os faça tremer. Só o despotismo pode fornecer-lhes o segredo e a
sombra, que colocam a cupidez à vontade e permitem angariar lucros desonestos,
ao desafiar a desonra. Sem ele teriam sido fortes, com ele reinam”.
Tão deletério, para a constituição política de um povo, é o
despotismo, no sentir de Tocqueville, que chega até se esconder sob a aparência
de honestidade da vida privada, tolhendo o surgimento de bons cidadãos. “As
sociedades democráticas que não são livres - escreve nosso autor [Tocqueville,
1988a: 95; 1989: 47] - podem ser ricas, refinadas, adornadas e até magníficas e
poderosas, graças ao peso de sua massa homogênea; nelas podemos encontrar
qualidades privadas, bons pais de família, comerciantes honestos e
proprietários dignos de estima; nelas veremos até mesmo bons cristãos, pois a
pátria daqueles não é deste mundo e a glória de sua religião é produzi-los, no
meio da maior corrupção dos costumes e debaixo dos piores governos: o Império Romano, na sua extrema decadência,
estava repleto deles. Mas o que nunca se verá em sociedades semelhantes, ouso
dizê-lo, são grandes cidadãos e, principalmente, um grande povo, e não tenho
medo de afirmar que o nível comum dos corações e dos espíritos não cessará
nunca de baixar, enquanto houver a união da igualdade e do despotismo”.
Pareceria, do exposto, que a liberdade é a condição menos
natural ao homem e que o despotismo é o clima que melhor responde à sua
natureza. Nada mais falso, no sentir de Tocqueville. A busca da liberdade é
essencial ao ser humano. O despotismo ocorre, portanto, contrariando as tendências
naturais humanas. Somente vinga ali onde o déspota quer, com mão de ferro, toda
a liberdade para si e desconhece esse direito aos demais. A respeito, o nosso
autor escreve [Tocqueville, 1988a: 95-96; 1989: 47]: “Qual o homem com uma
natureza tão baixa que preferiria depender dos caprichos dos seus semelhantes,
que seguir as leis que ele próprio contribuiu a estabelecer, caso considerasse
que a sua nação tinha as virtudes necessárias para fazer bom uso da liberdade?
Acho que este homem não existe. Até os déspotas não negam a excelência da
liberdade. Somente que a querem só para eles e supõem que todos os outros não
são dignos dela. Assim não é sobre a opinião que se deve ter sobre a liberdade,
que existem divergências, e sim sobre a menor ou maior estima em que se tem os
homens. E é assim que se pode dizer, a rigor, que o gosto mostrado para o
governo absoluto está em relação exata com o desprezo que se tem para com o seu
país”.
O que Tocqueville afirmava do centralismo despótico,
aplicava-se, em primeiro lugar, à França revolucionária. Em que pese o fato das
juras libertárias dos jacobinos, no entanto a Revolução terminou sendo
deglutida pelos velhos hábitos centralizadores e despóticos. O nosso autor
cita, para confirmar esta apreciação, as palavras que Mirabeau (1749-1791) escrevia secretamente ao
rei, menos de um ano depois de ter eclodido a Revolução: “Comparemos o novo
estado das coisas com o antigo regime; lá nascem os consolos e as esperanças.
Uma parte dos atos da Assembléia Nacional - a mais considerável – é,
evidentemente, favorável ao governo monárquico. Não significará nada ser sem
parlamento, sem governo de Estado, sem corpo de clero, de privilegiados, de
nobreza? A idéia de formar uma só classe de cidadãos teria agradado a Richelieu
(1585-1642): esta superfície igual facilita o exercício do poder. Alguns reinos
de um governo absoluto não teriam feito tanto em prol da autoridade real quanto
este único ano de Revolução” [apud Tocqueville, 1989: 56].
Arguto e crítico observador do fenômeno revolucionário,
Tocqueville comenta as palavras de Mirabeau, destacando o caráter cosmético da
Revolução de 1789, no que tange ao despotismo centralizador. O processo
revolucionário fez ruir um governo e um reino, mas sobre as suas cinzas, ergueu
um Estado muito mais poderoso que o anterior. “Como o objetivo da Revolução
Francesa - escreve o nosso autor
[Tocqueville, 1989: 56-57] - não era
tão-somente mudar o governo, mas também abolir a antiga forma de sociedade,
teve de atacar-se, ao mesmo tempo, a todos os poderes estabelecidos, arruinar
todas as influências reconhecidas, apagar as tradições, renovar os costumes e
os hábitos e esvaziar, de certa maneira, o espírito humano de todas as idéias
sobre as quais se assentavam, até então, o respeito e a obediência. Daí provém
o seu caráter tão singularmente anárquico”.
“Mas afastemos estes resquícios - prossegue Tocqueville - e perceberemos um poder central imenso, que
atraiu e engoliu, em sua unidade, todas as parcelas de autoridade e influência
antes disseminadas numa porção de poderes secundários, de ordens, de classes,
profissões, famílias e indivíduos, por assim dizer espalhados em todo o corpo
social. Não se tinha visto no mundo um poder semelhante desde a queda do
Império Romano. A Revolução criou esta nova potência ou, melhor, esta saiu das
ruínas feitas pela Revolução. Os governos que fundou são mais frágeis, é
verdade, porém são cem vezes mais poderosos que qualquer um daqueles que
derrubou. (...). Foi desta forma simples, regular e grandiosa que Mirabeau já
entrevia, por trás da poeira das velhas instituições meio destruídas. Apesar de
sua grandeza, o objeto ainda era invisível para os olhos da multidão: mas,
pouco a pouco, o tempo foi expondo este objeto a todos os olhares”.
Quatro idéias centrais Aron
destaca em L'Ancien Régime et la Révolution. A primeira consiste no fato
de a Revolução Francesa ter se apresentado como uma grande revolução religiosa.
Daí a sua radicalidade, bem como a sua universalidade. Considera que
Tocqueville colocou, aqui, um tema definitivo para compreender os processos
revolucionários do futuro. "Esta coincidência de uma crise política com
uma espécie de revolução religiosa - frisa Aron - é, ao que parece, uma das
características das grandes revoluções das sociedades modernas. Aos olhos de um
sociólogo da escola de Tocqueville, a Revolução Russa de 1917 tem, igualmente,
a mesma característica de ser uma revolução de essência religiosa. Creio que é
possível generalizar a proposição: toda revolução política assume certas
características de revolução religiosa, quando pretende ser universalmente
válida e se considera o caminho da salvação para toda a humanidade" [Aron,
2000: 217].
A segunda idéia que Aron
destaca em L'Ancien Régime é a que já tinha sido enunciada por Guizot e
que, conforme reconhece Plekhánov (1856-1918), seduziu ao próprio Marx: os
atores da política moderna já não são os indivíduos, mas as classes sociais. A
respeito, escreve Aron: "Para esclarecer seu método, Tocqueville
acrescenta: Falo de classes; só elas devem ocupar a
história. Esta frase é textual, e estou certo, contudo, de que se uma
revista a publicasse com a pergunta: quem
a escreveu?, quatro entre cinco pessoas responderiam: Karl Marx. As classes
cujo papel decisivo é evocado por Tocqueville são: a nobreza, a burguesia, os
camponeses e, secundariamente, os operários" [Aron, 2000: 217]. Mesmo que
Tocqueville não tenha formulado uma completa sociologia das classes sociais,
não podemos negar a força sugestiva do seu pensamento.
A terceira idéia é que a
centralização não é uma fenômeno novo na França do período revolucionário: ela
já tinha acontecido ao longo do Ancien Régime, por força do centripetismo da
administração monárquica, solidamente costurada ao redor dos intendentes do Rei. "Sem dúvida -
frisa Aron - a França do Antigo Regime apresentava extraordinária diversidade
provincial e local, em matéria de legislação e regulamentação; contudo, a
administração real dos intendentes tornava-se, cada vez mais, a única força
eficaz" [Aron, 2000: 218].
A quarta idéia ressaltada
por Aron na análise tocquevilliana do processo revolucionário é que ao
centralismo real correspondia, na sociedade francesa, o insolidarismo das
classes, que lhes tirava a força para lutar pela liberdade. Parece-me, aqui,
que Aron não enfatiza devidamente a carência da representação política, que já
tinha sido salientada como a grande causa da falta de força do tecido social,
por autores como Madame de Staël, nas suas Considérations sur la Révolution Française,
bem como por Benjamin Constant de Rebecque nos seus Principes de Politique
e pelo próprio Guizot na sua Histoire de la Civilisation Européenne.
Porque não houve, na França, um processo de construção da representação de
interesses de baixo para cima (ao contrário do que Tocqueville observou na
América, onde a representação emerge da comuna
e percorre, gradativamente, todo o organismo social), as classes permaneceram
dispersas e incapazes de se contraporem ao centripetismo real. Seja como for,
Aron afirma a respeito: "Tocqueville faz uma descrição puramente
sociológica do que Durkheim tinha chamado de desintegração da sociedade
francesa. Não havia unidade entre as classes privilegiadas e, de modo mais
geral, entre as diversas classes da nação, devido à carência de liberdade
política. Subsistia uma separação entre os grupos privilegiados do passado, que
tinham perdido sua função histórica, mas conservavam seus privilégios, e os
grupos da nova sociedade, que desempenhavam um papel decisivo, mas permaneciam
separados da antiga nobreza" [Aron, 2000: 219].
VII - Repercussão passada e presente da
meditação de Tocqueville.
A publicação do primeiro
volume da Démocratie en Amérique granjeou a Tocqueville o reconhecimento
da sociedade francesa. O nosso autor passou a ser convidado habitual dos salões
mais exclusivos de Paris, como o da duquesa de Dino (que era frequentado pelo
velho Talleyrand, além de importantes figuras como Royer-Collard, Berryer e o
duque de Noailles); outros salões por ele frequentados foram o de Madame
D’Arguesseau, o de Madame Ancelot, o de Madame Récamier, situado em
L’Abbaye-au-Bois, etc.
Nada
melhor para auferir a repercussão da obra de Tocqueville na sua época, do que
transcrever o parecer da Academia Francesa, quando da premiação do nosso autor,
em 1836. O porta-voz da Academia, Abel-François Villemain (1790-1870), afirmou
no seu discurso [apud Pierre Larousse, 1865a: vol. 6, pg. 408]: “Encontram-se
reunidas aí a grandeza da matéria, a novidade das pesquisas, a elevação das
perspectivas. De qualquer ângulo que se considere, o governo e a sociedade dos
Estados Unidos são um problema curioso e inquietante para a Europa. Discutir
esse problema, analisar esse novo mundo, mostrar as suas analogias com o nosso
e as suas insuperáveis diferenças, ver transplantadas ao seu lugar de origem e
desenvolvidas, num alto grau de crescimento, algumas das teorias que agitam a
Europa e julgar assim o que, mesmo no meio de uma natureza feita expressamente
para elas, falta ao seu sucesso ou tangencia a duração e as torna de entrada
impossíveis, eis sem dúvida uma das mais graves lições que poderia dar o
publicista amigo da humanidade, e tais são os resultados involuntários ou buscados
do trabalho de Monsieur de Tocqueville. (...). Uma das belas caraterísticas do
seu livro é a de ser um protesto contra toda iniquidade social, de qualquer um
que a autorizar (...). Hábil apreciador dos grandes princípios da imprensa
livre e do júri, lamenta-se de vê-los às vezes esvaziados na América, por essas
correntes uniformes de opinião, que ele chama de despotismo intelectual da
maioria e, por esse caminho, indica como seria conveniente um tipo de governo
mais concentrado, menos popular para beneficiar esses mesmos princípios e lhes
conferir força, encontrando neles apoio. Tal é o livro de Monsieur de
Tocqueville. O talento, a razão, a amplitude de visão, a firme simplicidade do
estilo, um eloquente amor ao bem caracterizam esta obra, não deixando à
Academia a esperança de coroar tão cedo outras obras semelhantes”. Apreciação
positiva, não há dúvida, mas cautelosa. Nada de projeções diretas da análise
tocquevilliana sobre a realidade francesa da época.
Apreciação ponderada, porém
mais aberta às suas teses fundamentais, fez da obra de Tocqueville, no Brasil,
Paulino Soares de Souza (1807-1866), visconde de Uruguai [1960: 343-418]. O
grande estadista do Império valorizava em Démocratie en Amérique, a defesa
da descentralização administrativa entre os americanos. Mas considerava que
essa prática, tal como existia nos Estados Unidos, pressuponha uma tradição
política que era alheia ao Brasil. O self-government,
não sendo uma praxe decantada na realidade brasileira, mal poderia ser um
pressuposto no nosso meio, a fim de nele alicerçar a descentralização
administrativa. No entanto, considerava Paulino [1960: 418], “há muito o que
estudar e aproveitar nesse sistema, por meio de um esclarecido ecletismo.
Cumpre porém conhecê-lo a fundo, não o copiar servilmente como o temos copiado,
muitas vezes mal, mas sim acomodá-lo com critério, como convém ao país (...).
Cumpre distinguir, acuradamente, quais sejam esses negócios para evitar
confusão, usurpações e conflitos, e, a respeito deles, dar mais largas ao self government entre nós, reservada
sempre ao poder central aquela fiscalização e tutela que ainda mais
indispensáveis são em países nas circunstâncias do nosso”.
A obra de Alexis de
Tocqueville, neste século, somente começou a ser valorizada na França a partir dos
anos cinquenta. Segundo Françoise Mélonio [1993], pode-se distinguir três
momentos na releitura que os franceses têm feito da obra de Tocqueville, ao
longo do século XX: em primeiro lugar, os anos cinqüenta, época em que Raymond
Aron estimula uma reflexão sobre os regimes, centrada na leitura da primeira Démocratie
en Amérique. Em
segundo lugar, os anos sessenta, período no qual os sociólogos, filósofos e
etnólogos focalizam a segunda Démocratie, aprofundando a concepção tocquevilliana acerca da cultura
democrática. Em terceiro lugar, os anos setenta a noventa, período no qual
François Furet (1927-1997) e o grupo dos seus colaboradores (entre os quais se
situa Françoise Mélonio), reunidos no Centre de Recherches Politiques Raymond
Aron (ligado à École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris), deram a L’Ancien
Régime et la Révolution um lugar de destaque na interpretação da
história da França.
A respeito do significado
desse triplo enfoque por parte dos estudiosos franceses, Françoise Mélonio
[1993: 274] escreve: “Três leituras que se sucedem, mas que também se
inter-relacionam, pois pertencem ao mesmo universo intelectual. Todas nascem de
um encontro frutífero com a cultura americana e colocam, como cerne da reflexão,
a comparação entre Europa e América; todas elas buscam reintroduzir a liberdade
como critério central nas ciências sociais, que se tinham constituído na
hipertrofia de uma positividade cega”.
Raymond Aron, lembra com
propriedade Françoise Mélonio, considerava que as sociedades ocidentais se
polarizaram, ao longo do século XX, ao redor de dois modelos de democracia: o
totalitário, que seguiu as pegadas de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e que
terminou sendo encampado pelo pensamento de Marx, e o liberal, herdeiro dos
ensinamentos de Tocqueville. Ao passo que o primeiro modelo seduziu a
intelectualidade européia até os anos trinta, o segundo passou a ser valorizado
quando foram sentidas as catastróficas conseqüências do totalitarismo, ao longo
das décadas de 40 e 50.
A indiscutível atualidade de
Tocqueville, na cultura francesa hodierna, decorre, com certeza, da sua defesa
incondicional da liberdade no contexto da tradição democrática. A respeito,
Françoise Mélonio [1993: 304] conclui: “A obra de Tocqueville tem um alcance
diferente pelo fato de ser um elo na história do liberalismo, depois de
Montesquieu ou Constant e antes do liberalismo democrático moderno. (...). A
obra de Tocqueville nos interessa, pois, menos pela linhagem na qual se insere,
do que pelo seu exotismo. Aristocrata por instinto e democrata por razão, na
encruzilhada das duas culturas, a americana e a francesa, Tocqueville tem sido
o esquecido da nossa tradição democrática”.
Poderíamos afirmar que, no
universo luso-brasileiro hodierno e no mundo ibero-americano em geral, o
pensamento de Tocqueville também merece aprofundado estudo, toda vez que
descobrimos - como fez o grande pensador
na França do século XIX - a falência do
democratismo patrimonialista e do marxismo, e passamos a valorizar uma versão
de democracia consentânea con o exercício da liberdade e o funcionamento das
instituições do governo representativo. De forma semelhante a como a reflexão
de Tocqueville sobre a sociedade e as instituições americanas iluminou a trilha
pela qual deveria enveredar a França no segundo pós-guerra, graças ao esforço
de Raymond Aron atrás apontado, também podemos aproveitar a análise
tocquevilliana acerca da democracia na América e no Velho Mundo, para
encontrarmos o caminho que devemos trilhar, neste início de milênio, na
caminhada rumo à plena vida democrática.
VIII - Os problemas da democracia moderna segundo
Tocqueville e Aron.
Como foi apontado no início
deste capítulo, Alexis de Tocqueville e Raymond Aron pertencem à mesma escola
de pensadores que foi denominada, na França do século XIX, de "liberais
doutrinários". Tanto um quanto outro dão continuidade à reflexão/ação
iniciada pelos precursores desse "estilo" de pensar a política desde
dentro, Madame de Staël e Benjamin Constant de Rebecque. Ambos os pensadores,
Tocqueville e Aron, retomam a herança dos doutrinários propriamente ditos, cujo
representante foi Guizot (que influiu de forma eminente no Brasil na
"geração de homens de mil", identificada com Paulino Soares de Sousa
e demais estadistas do Segundo Reinado). Tanto no que se refere à forma de
pensar, fugindo dos dogmatismos que pretendem dizer a última palavra, quanto na
maneira como se relacionam com o mundo dos fatos históricos, Tocqueville e Aron
reproduzem as caraterísticas marcantes dos doutrinários
franceses. Poderíamos dizer que o ponto marcante desse estilo de pensar
consiste no engajamento. Não se trata de pensar a política como categoria
abstrata. Também não é aceito o mergulho total na corrente da história, como se
ela já estivesse predefinida pela roda cega do destino. Tocqueville e Aron
encaram a história como soma de acontecimentos que, em parte, escapa à nossa
ação, como tendência que não podemos ignorar e que herdamos dos séculos
passados, mas que, de outro lado, pode ser abordada à luz da razão para lhe
identificar os traços marcantes e influir no rumo da mesma, com o intuito de
preservar a liberdade. Devemos tentar compreender a história. Mas é nosso
dever, também, influir nela, através da nossa participação consciente e
sistemática nos fatos mutáveis, para tornar as instituições mais acordes com o
ideal da dignidade humana.
Ora, essa participação, esse engajamento para
corrigir os rumos da história e garantir a liberdade, processa-se, tanto para
Tocqueville como para Aron, no contexto da atividade que no século XIX
identificou-se como ação dos publicistas.
Ou seja, mediante a participação direta no debate político, no parlamento ou na
imprensa. Sabemos que Tocqueville optou pela primeira forma de participação,
tendo deixado de lado, logo nos primeiros anos da sua vida profissional, o
exercício da magistratura e sendo a sua ação no terreno da imprensa bastante
limitada, embora tivesse tentado fundar um jornal para melhor firmar o seu
ponto de vista político. Mas o importante a ser destacado é que a meditação
tocquevilliana de longo curso esteve finalizada por essa preocupação prática,
de tentar encontrar, para os Franceses, o caminho adequado à defesa da
liberdade, no exercício da democracia. A rápida passagem de Tocqueville pelas
funções de governo, quando da sua indicação para integrar o gabinete como
ministro das Relações Exteriores da França, esteve claramente marcada pela
preocupação doutrinária de tentar pôr em prática uma política meditada à luz dos
princípios liberais por ele defendidos [cf. Jardin, 1984: 267-440].
O engajamento doutrinário de Aron acontece,
sobretudo, na imprensa, atividade para a qual o pensador francês acordou,
quando da sua participação na direção da Revista La France Libre, que
apoiava a luta dos aliados contra o regime hitlerista. Pode-se dizer que a ação
doutrinária de Aron estendeu-se à cátedra universitária e aos seus escritos
sistemáticos, pois tanto numa quanto noutros encontramos a preocupação
fundamental de debater os grandes temas da democracia no mundo contemporâneo,
visando abrir um caminho, na França, para a defesa da democracia liberal, em
face da capitulação da intelectualidade diante do marxismo. O cerne da oposição
entre Aron e o seu amigo de juventude, Jean-Paul Sartre, situa-se nesse
contexto.
Tocqueville e Aron encaram a democracia
moderna destacando, de um lado, os principais riscos que a ameaçam e, de outro,
assinalando os caminhos pelos quais pode ser defendida a liberdade, por parte
dos intelectuais engajados na defesa desta. Da leitura da segunda Démocratie en Amérique de
Tocqueville e, no que tange a Raymond Aron, da République impériale - Les
États-Unis dans le monde (1945-1972) ressalta a coragem de ambos os
pensadores na abordagem do problema da democracia moderna, na terceira década
do século XIX (Tocqueville) e no último quartel do século XX (Aron). Nenhum dos
dois faz concessões às modas intelectuais imperantes na sua época. Ambos
assinalam, com honestidade intelectual singular, os remédios a serem tomados
para defender a versão de democracia (a liberal) que salvaguarda a liberdade,
sem deixar de explicitar as perplexidades suscitadas por uma realidade
altamente complexa e em estado de constante mutação. E ambos professam, no meio
do fluir do rio da democracia, a sua fé inabalável na liberdade e na dignidade
humanas. Oportuna lição para estes tempos de angústia e perplexidade, em face
do novo inimigo que a todos ameaça, o terrorismo globalizado, diante do qual
não poucos capitulam nas várias opções do irracionalismo pós-moderno, que se
travestem de fanatismo religioso, de ressentimento terceiro-mundista, de
fundamentalismo político ou de mimetismo politicamente correto.
Tocqueville destaca, no final do seu segundo
volume da Démocratie en Amérique, que a democracia não é mais uma moda
no mundo moderno. Na trilha das lições do seu mestre, Guizot, no curso dado por
este na Sorbonne no final da década de 1820, Tocqueville considera que a
tendência democrática constitui a marca registrada dos novos tempos. Uma
variante que não foi objeto de escolha, mas que se impôs às sociedades europeias,
de maneira inevitável, pelo evoluir da própria história. A melhor maneira de os
Franceses prepararem-se para a democracia é canalizando-a pelo caminho da
defesa da liberdade. E aí o exemplo americano é importante. "Estou
convencido - frisa nosso autor no
capítulo VII da obra mencionada - de que fracassarão todos aqueles que, nos
séculos em que entramos, tentarem apoiar a autoridade sobre o privilégio e a
aristocracia. Fracassarão todos aqueles que desejarem atrair e conservar a
autoridade no seio de uma só classe. Hoje em dia, não há soberano bastante
hábil e bastante forte para fundar o despotismo restabelecendo distinções
permanentes entre seus súditos; assim também, não há legislador tão douto e tão
poderoso que esteja em condições de manter instituições livres se não tomar a
igualdade como primeiro princípio e como símbolo. Por isso, é preciso que todos
aqueles nossos contemporâneos que desejarem criar ou assegurar a independência
e a dignidade de seus semelhantes, se mostrem amigos da igualdade; e o único
modo de se mostrarem tais é serem tais: o êxito de sua sagrada empresa depende
disso. Assim, não se trata, absolutamente, de reconstruir uma sociedade
aristocrática, mas de fazer sair a liberdade do seio da sociedade democrática
onde Deus nos faz viver" [Tocqueville, 1992: 841].
O principal risco que Tocqueville enxerga
para as sociedades modernas é o fato de a consolidação da democracia enveredar
pelo caminho do despotismo. Esta opção apresenta-se como algo de democrático,
saído do voto popular. Os tutelados podem muito bem renunciar à sua liberdade,
alegando que elegeram, à la Rousseau, o seu tutor. Ora, é
necessário denunciar com claridade esse risco. Eis as palavras de Tocqueville a
respeito: "(Os cidadãos) imaginam um poder único, tutelar, todo-poderoso,
mas eleito por eles mesmos. Eles confundem centralização e soberania popular.
Isso lhes traz uma certa tranqüilidade. Consolam-se de estar sob tutela,
imaginando que eles próprios escolheram os seus tutores. Cada indivíduo tolera
ser acorrentado, porque percebe que não é nem um homem nem uma classe, mas o
próprio povo que segura a extremidade da corrente" [Tocqueville, 1992:
838].
O despotismo, frisa Tocqueville, não aparece
nas grandes declarações constitucionais, mas disfarça-se nas medidas
administrativas do dia-a-dia. Por isso é fundamental, para a preservação da
democracia, desmontar esse tipo de atentado miúdo à liberdade, impedindo que os
administradores tomem conta da vida privada dos cidadãos. O caminho básico para
se defender a sociedade desse vício do despotismo administrativo, é reforçar a
soberania popular.
Cinco iniciativas identifica Tocqueville que
devem ser postas em prática: o reforço às associações civis; o desempenho,
pelas instâncias civis locais, das funções administrativas nos municípios; a
liberdade de imprensa; a independência do poder judiciário em face dos outros
poderes públicos e a preservação das formas e dos ritos jurídicos. Ora, neste
terreno o nosso pensador retoma as lições de Benjamin Constant de Rebecque,
claramente expostas na sua obra de 1806, intitulada Principes de politique [Constant, 1997], na qual destaca-se o
princípio de que a soberania popular não constitui um dogma universal que deva
acorrentar a vida dos cidadãos, mas é-lhe assinalado um claro limite: somente
vale no relacionado à organização do Estado e das relações políticas. O
princípio da soberania popular deve deixar intocada, portanto, a vida privada
dos cidadãos.
As providências assinaladas por Tocqueville
constituem, no sentir dele, os grandes reptos dos legisladores nas democracias
modernas. A respeito, afirma: "Assinalar ao poder social amplos limites,
mas visíveis e imóveis; dar aos particulares certos direitos e lhes garantir o
gozo indiscutível desses direitos; assegurar ao indivíduo o pouco de
independência, de força e de originalidade que lhe restam; reerguê-lo ao lado
da sociedade e sustentá-lo em face dela: tal parece-me ser o primeiro objetivo
do legislador na época em que nos encontramos" [Tocqueville, 1992: 848].
A meditação de Raymond Aron segue as pegadas
abertas por Tocqueville. Interessa-lhe, sobretudo, a discussão acerca dos riscos
que a liberdade sofre no contexto das democracias contemporâneas, notadamente
na França. A Europa, após as duas Guerras Mundiais, terminou perdendo fôlego na
defesa da liberdade, embalada pelo ambiente do "politicamente
correto". Aron lamenta, especialmente, a claudicação da intelectualidade
francesa diante do comunismo. Para ele, como para Tocqueville, a História não
está totalmente pré-determinada. É evidente que recebemos das épocas passadas
tendências contra as quais seria infantil nos levantarmos. Mas, em face do que
é fato consumado, há um horizonte de alternativas ainda não configuradas, nas
quais abre-se espaço à liberdade. É aí que deve dar-se o nosso combate em prol
da democracia liberal.
No lusco-fusco do confronto entre as forças
profundas da História e as circunstâncias variáveis, deve intermediar a nossa
ação livre. "Nós nos fazemos pelas decisões que tomamos - frisa Aron no
seu depoimento na Universidade de Brasília, em 1980, acerca da sua atitude em
face da Segunda Guerra Mundial -. E, na época, perseguidos pelo
nacional-socialismo e pelo risco de uma França nacional socialista, eu dizia
que se engajar numa política determinada é se engajar no seu próprio destino,
pois a política, que nos períodos tranquilos é um divertimento para os homens
políticos, nos períodos sérios, trágicos, implica que a decisão de cada um seja
uma decisão existencial sobre si mesmo, sobre seu destino, sobre o que ele quer
saber e sobre o que ele será. Essa filosofia histórica não era nem Hegel, pois
eu não acreditava no saber absoluto, nem Marx, pois eu não acreditava na
totalidade histórica, eu acreditava nos determinismos parciais mas não nas
determinações do conjunto da sociedade, a partir das forças ou das relações de
produção; não era nem Spengler (...) porque eu mantinha a esperança de uma
humanidade una, logo, de uma história una, e eu me recusava a acreditar na
impossibilidade de comunicação entre as culturas. Foi, pois, com esta teoria da
ação política que eu enfrentei o período da guerra" [Aron, 1981: 66].
Aron não pretende resolver, de maneira
teórica, o conflito entre moral e política. Para ele, é mais importante buscar
a forma de preservar a dignidade humana nas decisões concretas a serem tomadas.
O teórico puro faz abstração desta problemática e, à maneira dos
enciclopedistas do século XVIII, imagina um tipo de homem que não existe. Em
face do mundo da política, cabe ao homem de estudos se fazer a seguinte
pergunta: o que eu faria, se tivesse a responsabilidade política de tomar uma
decisão, em face destas circunstâncias concretas? Não adianta dizer
comodamente: "essa não é a minha função. Eu devo somente pensar".
Essa é, para Aron, a atitude dos acadêmicos, em geral. O seu conflito com a
Universidade radicou, justamente, nesse engajamento. "Eu já estava,
digamos - frisa Aron - um pouco marginalizado na Universidade francesa, pois eu
vivia, ao mesmo tempo, na Universidade e no mundo" [Aron, 1981: 64].
Mahoney destacou esse traço doutrinário de Aron, da seguinte forma: "Ele
oferece um poderoso antídoto à tentação da política literária ou metafísica. Os
seus escritos ilustram a fecundidade de uma aproximação sociológica, que fica
próxima dos fenômenos da verdadeira vida política. A sua vida e a sua obra
constituem uma impressionante manifestação das possibilidades intelectuais e da
grandeza moral inerentes ao raciocínio político e à sabedoria prática"
[Mahoney, 1998: 16].
Para equacionar o grave problema da afirmação
da liberdade no mundo contemporâneo, é necessário conhecê-lo em profundidade, a
fim de descobrir os espaços que nele persistem para a construção de uma
sociedade democrática e liberal. Aron retoma o projeto tocquevilliano de estudo
das sociedades democráticas, para identificar as tendências que se desenham
nelas. Nesse contexto situa-se o interesse de Aron pelo estudo das sociedades
industriais, que constitui parte essencial da sua obra. A propósito, afirma, no
seu depoimento na Universidade de Brasília, que representa uma espécie de
testamento filosófico, pois viria a falecer três anos depois, em 1983:
"Vocês sabem, as últimas páginas de Tocqueville são consagradas às
sociedades democráticas do futuro. As sociedades democráticas do futuro, dizia
ele, serão necessariamente democráticas porque o desenvolvimento em direção à
igualdade das pessoas é irresistível, porém é possível que as sociedades
democráticas sejam, umas liberais e prósperas e outras, despóticas e
miseráveis. A reaproximação entre os dois tipos de sociedade industrial e as
duas versões da sociedade democrática de Tocqueville, é preciso reconhecer,
estas duas comparações eram tentadoras e eu não resisti à tentação. Foi a
partir disto que tentei, se o posso dizer, elaborar uma teoria mais ou menos
rigorosa destes dois tipos de sociedade" [Aron, 1981: 71].
A meditação tocquevilliana, assim como a de
Aron, projetou-se, de forma sistemática, também sobre as relações
internacionais. Os dois pensadores franceses estão preocupados com as
perspectivas que se descortinam para o exercício da liberdade no mundo que
tiveram de viver, e também com os riscos que a cerceiam. As relações
internacionais constituem, para os dois pensadores, o pano de fundo ideal para
a tomada de consciência dos valores típicos em que ancora a cultura nacional.
Essa tendência de abertura já se desenha na meditação dos precursores dos
doutrinários, Madame de Staël e Constant de Rebecque. Lembremos apenas o grande
laboratório de confronto de culturas nacionais num ambiente de liberdade
intelectual que constituiu Coppet, de onde surgiria, certamente, a primeira
definição do que seria a cultura francesa, em face das culturas alemã e
inglesa. Vale a pena recordar que é nesse ambiente de abertura em que ancora a
formulação, por Constant, do termo liberalismo
como "atitude de vigilância crítica em face dos poderes e de uma ameaça de
retorno ao antigo" [Jaume, 1997:
14].
Pois bem: tanto Aron quanto Tocqueville abrem
um capítulo importante, nas suas respectivas obras, para a meditação em torno
das relações internacionais, tendo como preocupação fundamental a defesa da
liberdade, ou do que viria a se chamar no século XX de "mundo livre".
Tocqueville deixou-nos precioso registro dessas reflexões no seu clássico livro
La
Démocratie en Amérique, nos seus discursos parlamentares, bem como
nos cadernos de viagens, publicados estes últimos sob o título genérico de Voyages
[Tocqueville, 1991: 3-1594]. Os cadernos tocquevillianos abarcam as
observações feitas nas viagens à América, à Sicília, à Inglaterra, à Suíça e à
Argélia, bem como o esboço de uma obra sobre a Índia.
Aron concentrou o seu pensamento sobre o tema
das relações internacionais em várias obras como Les guerres en chaîne (Paris: Gallimard, 1951), La
tragédie algérienne (Paris: Plon, 1957), Espoir et peur du siècle (Paris: Calmann-Lévy, 1957), La
société industrielle et la guerre - Tableau de la diplomatie mondiale en 1958 (Paris: Plon, 1959), Paix
et guerre entre les nations (Paris: Calmann-Lévy, 1962), Le
grand débat: initiation à la stratégie atomique (Paris: Calmann-Lévy, 1963), De Gaulle, Israël et les Juifs (Paris: Plon, 1968), Histoire et dialectique de la violence (Paris: Gallimard, 1973),
République
impériale. Les États-Unis dans le
monde 1945-1972 (Paris: Calmann-Lévy, 1973), Penser la guerre, Clausewitz. I: L'Âge
européenn, II: L'Âge planétaire (Paris: Gallimard, 1976), Playdoyer
pour l'Europe décadente (Paris: Laffont, 1977) e Mémoires,
50 ans de réflexion politique
(Paris: Julliard, 1983).
Para Tocqueville, as
relações internacionais, na modernidade, estão submetidas à tendência a um
progressivo desenvolvimento da igualdade. As duas nações que, no decorrer do
século XX, deveriam impor a sua dominação ao mundo, seriam aquelas em que a
igualdade tivesse se materializado de forma mais completa. Essas nações seriam
a Rússia e os Estados Unidos da América. Mas o desenvolvimento da democracia
percorreria caminhos diversos numa e noutra: na primeira, a igualdade seria
conquistada a partir da centralização ao redor de um poder absoluto: o
czarismo. Na segunda, desenvolver-se-ia a democracia alicerçada no exercício da
liberdade e do self government. De
outro lado, o nosso pensador considerava que as nações mais desenvolvidas
econômica, política e culturalmente puxariam as menos desenvolvidas. Isso
aconteceu, no contexto europeu, entre a Inglaterra e as nações do continente.
Isso acontecerá, também, nas Américas, sendo os Estados Unidos o polo
dinamizador desse processo de modernização.
Tocqueville, aliás, era
otimista em relação à América Latina. Achava que o estado de atraso dos países
do continente seria transitório e que, assim como a Inglaterra conseguiu
influenciar positivamente nos países da Europa Continental na superação das
mazelas da pobreza e do autoritarismo, de forma semelhante os Estados Unidos
conseguiriam, mais cedo ou mais tarde, influenciar beneficamente nos seus
vizinhos do sul, fazendo surgir, neles, a valorização do trabalho, do
desenvolvimento e da democracia, dinamizando os elementos de civilização cristã
presentes nas tradições ibéricas. Antecipava o grande pensador francês a
proposta da Aliança do Livre Comércio das Américas, que hoje os Estados Unidos
tentam implementar na América Latina. Tocqueville talvez possa se aproximar da
idéia de Nisbet [1969] no sentido de que as mudanças sociais não obedecem
apenas a fatores endógenos, mas que são implementadas fundamentalmente por
influências exógenas.
Vale a pena citar as
palavras de Tocqueville a respeito, extraídas da última parte da primeira Démocratie
en Amérique (capítulo X sobre as três raças que habitam nos Estados
Unidos): "Os espanhóis e os portugueses fundaram, na América do Sul,
grandes colônias que posteriormente se transformaram em impérios. A guerra
civil e o despotismo desolam, hoje em dia, aqueles vastos territórios. O
movimento da população se detém e o reduzido número de homens que os habita,
preocupado com o cuidado de se defender, apenas experimenta a necessidade de
melhorar sua sorte. Mas não será possível ocorrer sempre assim. A Europa,
entregue a si mesma, chegou pelos seus próprios esforços a vencer as trevas da
Idade Média; a América do Sul é cristã como nós; tem as nossas leis, os nossos
costumes; encerra todos os germes das civilizações que se desenvolveram no seio
das nações europeias e de seus rebentos; a América do Sul tem, mas do que nós,
o nosso exemplo: por que há de permanecer bárbara para sempre?"
"Trata-se,
evidentemente, neste caso, de uma questão de tempo: uma época mais ou menos
distante chegará, em que os sul-americanos formarão nações florescentes e
esclarecidas. (...). Não poderíamos duvidar que os americanos do norte da
América venham a ser chamados a prover um dia às necessidades dos
sul-americanos. A natureza os colocou perto deles. Forneceu-lhes, assim,
grandes facilidades para conhecer e julgar as suas necessidades, a fim de
estabelecer com aqueles povos relações permanentes e para se apoderar
gradualmente do seu mercado. O comerciante dos Estados Unidos só poderia perder
essas vantagens naturais se fosse muito inferior ao comerciante da Europa.
Acontece que é, pelo contrário, superior a este em muitos pontos. Os americanos
dos Estados Unidos já exercem grande influência moral sobre todos os povos do
Novo Mundo. É deles que partem as luzes. Todas as nações que habitam o mesmo
continente já se habituaram a considerá-los como os filhos mais esclarecidos,
mais poderosos e mais ricos da grande família americana. Constantemente voltam
os seus olhares para a União e, na medida do possível, assemelham-se aos povos
que a compõem. Todos os dias vão buscar nos Estados Unidos doutrinas políticas
e tomar-lhes leis emprestadas".
"Os americanos dos
Estados Unidos estão, perante os povos da América do Sul, precisamente na mesma
situação que seus pais ingleses perante os italianos, os espanhóis, os
portugueses e todos aqueles povos da Europa que, sendo menos adiantados em
civilização e indústria, recebem das suas mãos a maior parte dos objetos de
consumo (...)" [Tocqueville, 1992: 471-473].
O arrazoado de Raymond Aron
em matéria de relações internacionais desenvolve-se a partir das linhas mestras
assinaladas por Tocqueville. O aspecto fundamental da sua teoria consiste no
paralelo que faz, de maneira sistemática, entre os dois modelos democráticos, o
alicerçado na liberdade (Estados Unidos) e o fundamentado no despotismo (União
Soviética). Aron dá um passo mais: analisa essa realidade bipolar, à luz da
categoria de sociedade industrial.
Eis a forma em que ilustra a bipolaridade entre as duas potências que
materializaram o ideal da igualdade, confirmando os traços gerais apontados
pela precursora e genial análise tocquevilliana: "(...) Todos nós
admitimos que a cena internacional tem sido dominada, desde 1945, por apenas
dois atores: as duas Superpotências, os Dois Grandes, os Supergrandes, os
Estados-Continentes (fiquemos com a denominação que mais nos agradar). Mas
acontece que esses irmãos-inimigos nada têm de semelhante: sociedade aberta e
sociedade fechada; oligarquia acessível ao público e oligarquia que se dissimula
por trás dos mistérios do Kremlin; Washington, que é capaz de tudo, menos de
guardar silêncio, e Moscou, onde a leitura da imprensa continua sendo para os
embaixadores estrangeiros a principal fonte de informação" [Aron, 1976:
9-10].
A metodologia seguida por
Aron ao elaborar a sua teoria das relações internacionais, segue de perto o
método de observação histórica seguido por Tocqueville. Nada de generalizações
que não possam ser confrontadas com uma observação detalhada e minuciosa dos
fatos históricos. Nada de categorias elaboradas de uma vez para sempre. Neste
ponto, Aron é discípulo de Weber e dos seus "tipos ideais". Eis a
forma em que Aron explica o seu método: "Em decorrência dos excessos e
lacunas de nossa documentação, devido à heterogeneidade dos Dois Grandes (cuja
rivalidade domina as relações interestatais do atual pós-guerra), devido também
à violência das paixões suscitadas por pessoas e fatos que pertencem ainda ao
nosso presente, ou a um passado que temos vivido como atores e não como simples
observadores... nem eu nem ninguém podemos pressupor que superaremos todos
esses obstáculos e escreveremos um livro científico e sereno. Além disso, não
possuo a formação do bom historiador (no sentido profissional do vocábulo), nem
os recursos de tempo e de dinheiro necessários para conseguir uma informação
exaustiva. Por tudo isso, limito-me a apresentar um ensaio ou um esboço;
ensaio que pretende ser crítica, e
não relato, da ação exterior dos
Estados Unidos" [Aron, 1976: 11].
Aron destaca um fato novo e
paradoxal nas relações internacionais na década de 1970: a supremacia
americana. O nosso pensador enxergava maior dinâmica nos Estados Unidos, que
levaria esta nação a dominar o mundo, tendo inclusive chegado a prever, com
vinte anos de antecedência, a guerra do petróleo. O paradoxo da supremacia
americana decorre do fato de a União americana nunca ter pretendido, nos seus
primórdios, extrapolar os limites do continente por ela ocupado. Aron explicita
esse paradoxo da seguinte forma: "Pela primeira vez na história (assim
exprimiam-se os comentaristas há vinte e cinco anos), uma república elevou-se
ao primeiro lugar sem ter aspirado à glória de reinar. Como preço da sua
vitória, teve de se fazer cargo da metade do mundo, garantir a segurança dos
europeus - débeis demais ainda para se
defenderem por si sós - e se interessar por regiões inteiras do planeta que
estavam prestes a cair no caos" [Aron, 1976: 16].
Essa não era, certamente, a
percepção do general de Gaulle (1890-1970), que discernia, "entre os propósitos
idealistas do presidente F. Roosevelt (1882-1945), uma vontade de poder tanto
mais pronta a se afirmar quanto mais se ignorava a si mesma" [apud Aron,
1976: 17]. Também essa não era a percepção de Hegel, para quem os Estados
Unidos chegariam, no final do século XIX, a ser a grande potência do futuro:
"América do Norte - frisava o filósofo alemão - está ainda em estado de
esboço; quando, como na Europa, tenha parado o crescimento dos agricultores e
quando os seus habitantes, em lugar de se expandirem para fora, em direção a
novos campos, se voltarem em massa sobre si mesmos, em direção às indústrias e
ao comércio das cidades, e constituírem um sistema compacto, somente então
sentirão a necessidade de se converterem num Estado orgânico... Estados Unidos
é, pois, o país do porvir, e ali se manifestará, em tempos futuros, a
gravitação da história universal, talvez mediante o antagonismo entre América
do Norte e América do Sul. Num país de sonho para todos os que estão cansados
com o vaivém da velha Europa. Assim o expressou o próprio Napoleão: Esta velha Europa me cansa. Os Estados
Unidos devem se separar do terreno sobre o qual transcorreu até agora a
história universal" [apud Aron, 1976: 30].
Aron considera que o pecado
dos americanos nas relações internacionais não consiste propriamente em ter
desempenhado a função de supremacia que a História lhes colocou nas mãos, mas
em não ter sido conscientes claramente dessa responsabilidade. Isso os conduziu
a administrar de forma pouco coerente a sua supremacia, tendo adotado atitudes
imperialistas em determinados momentos, o que não nega o importante papel
desempenhado por eles na libertação e posterior recuperação da Europa no
segundo pós-guerra. "A ação exterior dos Estados Unidos - frisa Aron - tem
pecado, não por anseio de poder, mas por inconsciência do papel que o destino
lhes impunha, durante o transcurso do meio século que medeia entre a sua guerra
contra Espanha, ocaso de um império cujos restos recolheram, a anexação das
Filipinas - imitação do imperialismo europeu, sentida popularmente como uma
falta, no duplo sentido da palavra - e a entrada na guerra contra o Japão e a
Alemanha, em dezembro de 1941" [Aron, 1976: 30].
A análise aroniana das
relações internacionais é permeada pela preocupação constante com a preservação
da liberdade, num mundo polarizado e agressivo em que muitos conspiram contra
ela. Poder-se-ia sintetizar da seguinte forma a sua contribuição à reflexão
nesse terreno: "Atuando na imprensa periódica e vivenciando diretamente o
problema da paz e da guerra, risco permanente na Europa em decorrência do
expansionismo soviético, Aron compreendeu que este é um tema privilegiado na
história do Ocidente e estudou-o com a profundidade que caracteriza as suas
análises nestes livros: Paz e guerra entre as nações e Pensar
a guerra: Clausewitz.
Amostra expressiva do seu método de análise de temas da política cotidiana
encontra-se nos Estudos políticos (1971). No ambiente intelectual francês em
que viveu, Aron achava que a postura da intelectualidade francesa predispunha à
derrota diante da União Soviética. Marcara-o profundamente a capitulação de
Munique, quando o Ocidente consagrou a política de expansão de Hitler,
admitindo ilusoriamente que se deteria no projeto de reconstituir as fronteiras alemãs tradicionais no chamado Terceiro
Reich, e temia que a Europa se encaminhasse na direção do capitulacionismo
diante do despotismo oriental, simbolizado pelo Império Soviético. Entendia
também que o destino do Ocidente estava associado à Aliança Atlântica, onde
defendia a presença dos Estados Unidos. O essencial dessa pregação reuniu-o no
livro Em defesa da Europa decadente (1977). Aron é autor de uma
distinção importante entre o que designou como liderança americana, a que Estados Unidos tinham direito,
legitimamente, e o que chamou de república
imperial, comportamento a que o país tinha sido empurrado em certas
circunstâncias, por ambições imperialistas de correntes políticas ali
existentes, como foi o caso da intervenção no Vietnã. Por sua combatividade e
persistência, Aron conseguiu formar expressivo grupo de intelectuais liberais,
que deram curso à sua obra, após a sua morte, em 1983. Presentemente esse grupo
acha-se reunido em torno da revista Commentaire
e da Fundação Raymond Aron" [Paim, 2001].
BIBLIOGRAFIA
ARON,
Raymond [1948]. Introduction à la Philosophie de l'histoire - Essai
sur les limites de l'objectivité historique. Paris: Gallimard.
ARON, Raymond [1950]. La Philosophie critique de
l'histoire. - Essai sur une théorie allemande de l'histoire. 2ª edição.
Paris: J. Vrin.
ARON, Raymond [1961]. Dimensions de la conscience
historique. Paris: Plon.
ARON, Raymond [1966]. La sociologie allemande
contemporaine. 3ª edição. Paris: Presses Universitaires de
France.
ARON, Raymond [1973]. Histoire et dialectique de la
violence. Paris: Gallimard, Les Essais.
ARON, Raymond [1976]. La República
Imperial - Los Estados Unidos en el mundo (1945-1972).
(Tradução ao espanhol, do
francês, a cargo de Demetrio Náñez). Madrid: Alianza Editorial.
ARON,
Raymond. [1981]. "Raymond Aron por ele mesmo" (I) e (II). In: Raymond
Aron na Universidade de Brasília - Conferências e comentários de um simpósio
internacional realizado de 22 a 26 de setembro de 1980. (Edição
organizada por Carlos Henrique Cardim, Antônio Carlos Ayres Maranhão, Carla
Patrícia Frade Nogueira Lopes e outros).
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981: pg. 57-82.
ARON,
Raymond [1985]. Memorias. (Tradução do
francês ao espanhol a cargo de Amanda Forns de Gioia). Madrid: Alianza
Editorial.
ARON,
Raymond [1997]. Introduction à la Philosophie politique - Démocratie et révolution.
Paris: Éditions de Fallois, Le livre de poche.
ARON,
Raymond [2000]. As etapas do pensamento sociológico. (Tradução de Sérgio
Bath). 5ª edição. São Paulo: Martins Fontes.
BOTANA,
Natalio R. [1984]. La tradición republicana. Buenos
Aires: Sudamericana.
BOURRICAUD, François [1983]. "Préface",
in: Jean-Claude Lamberti, Tocqueville et les deux démocraties. Paris: PUF, 1983, pgs. 1-8.
CHEVALLIER,
Jean-Jacques [1973]. As grandes obras políticas de Maquiavel a
nossos dias. (Prefácio de A. Siegfried; tradução de L.
Christina). 2ª edição. Rio de Janeiro: Agir.
CONSTANT
de Rebecque, Benjamin [1997]. Principes de politique applicables à tous
les gouvernements (version de 1806-1810). (Prefácio de Tzvetan
Todorov; edição preparada por Etienne Hofmann). Paris: Hachette.
DRESCHER, Seymour [1992]. " 'Why Great
Revolutions Will Become Rare': Tocqueville's Most Neglected Prognosis". In: The
Journal of Modern History. The University of Chicago Press, vol.
64, no. 3, pg. 429-454.
FRIEDMAN, Francis [1956]. Breve historia de los Estados
Unidos. Buenos Aires: Agora, vol. I.
JARDIN, André [1984]. Alexis de Tocqueville, 1805-1859.
Paris: Hachette. (Tradução
ao espanhol de R. M. Burchfield e N. Sancholle-Henraux). México: Fondo de
Cultura Económica, 1988.
JARDIN,
André [1991]. "Introduction et chronologie", in: Alexis de
Tocqueville, Oeuvres, I. (Edição publicada sob a direção de A. Jardin, com a
colaboração de F. Mélonio e L. Queffélec). Paris: Gallimard, pg. IX-LX, Pléiade.
JAUME,
Lucien [1997]. L'Individu effacé, ou le paradoxe du libéralisme français.
Paris: Fayard.
JAUME,
Lucien (organizador) [2000]. Coppet, creuset de l'esprit libéral - Les
idées politiques et constitutionnelles du groupe de Madame de Staël. Colloque
de Coppet, 15 et 16 Mai 1998. ("Introduction: Le Groupe Coppet: pour
repenser la Modernité et le Libéralisme", a cargo de Lucien Jaume).
Aix-en-Provence: Presses Universitaires d'Aix-Marseille / Paris:
Economica.
LAMBERTI, Jean-Claude [1983].Tocqueville et les deux
démocraties. (Prefácio de F. Bourricaud). Paris: PUF.
LAROUSSE, Pierre [1865a]. "Démocratie en
Amérique (De la)". In: Grand Dictionnaire Universel du XIXe.
Siècle. Paris: Larousse, vol. 6, pg. 407-408.
LAROUSSE, Pierre [1865b]. "Tocqueville
(Alexis-Charles-Henri-Clerel de)". In: Grand Dictionnaire Universel du
XIXe. Siècle.
Paris: Larousse,
vol. 15, pg. 254 seg.
MACEDO,
Ubiratan e VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1996]. Liberalismo doutrinário e
pensamento de Tocqueville. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho;
Londrina: Instituto de Humanidades. Curso de Introdução histórica ao
liberalismo, vol. 2.
MAHONEY,
Daniel J. [1998]. Le Libéralisme de Raymond Aron.
(Tradução do inglês a
cargo de Laurent Bury). Paris: Éditions de Fallois / Goodbooks Foudation.
MÉLONIO,
Françoise [1988]. “Préface”, in: Alexis de Tocqueville, L’Ancien Régime et la Révolution.
(Préface, notes, chronologie et bibliographie par F. Mélonio). Paris:
Flammarion, pg. 7-37.
MÉLONIO, Françoise [1991]. "Écrits
académiques - notice". In: Alexis de Tocqueville, Oeuvres, I. (Organizador,
André Jardin, com a colaboração de F. Mélonio e L. Queffélec). Paris:
Gallimard, La Pléiade, pg. 1626-1634.
MÉLONIO, Françoise [1993]. Tocqueville et les Français.
Paris: Aubier.
MONTAIGNE,
Michel de [1987]. Ensaios I. (Tradução de S. Milliet). 4ª edição. São Paulo: Nova
Cultural. Os Pensadores.
MONTAIGNE,
Michel de [1988]. Ensaios II e III. (Tradução de S. Milliet). 4ª edição. São
Paulo: Nova Cultural. Os Pensadores.
MONTESQUIEU,
Charles-Louis de Secondat [1982]. Do espírito das leis. (Tradução de
F. H. Cardoso e L. Martins Rodrigues). Brasília: Editora da UnB; Rio de
Janeiro: Fundação Roberto Marinho.
NISBET, Robert [1969]. La formación del pensamiento
sociológico. (Tradução
ao espanhol a cargo de Enrique Molina de Vedia). Buenos Aires: Amorrortu, 2
vol.
PAIM,
Antônio (Organizador)[1987]. Evolução histórica do liberalismo.
Belo Horizonte: Itatiaia.
PAIM,
Antônio (Organizador) [2001]. Dicionário das obras básicas da cultura
ocidental. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2002.
PEYREFITTE,
Alain [1978]. El mal latino. (Versão espanhola de Pedro Debrigode). Barcelona: Plaza & Janés.
PEYREFITTE,
Alain [1999]. A sociedade de confiança. Ensaio sobre as origens e a natureza do
desenvolvimento. (Tradução de Cylene Bittencourt; posfácio de Olavo de
Carvalho). Rio de Janeiro: Topbooks / Instituto Liberal.
PENNA, José Osvaldo de Meira [1987].
"O pensamento de Tocqueville", in: Antônio Paim (organizador). Evolução
histórica do liberalismo. Belo Horizonte: Itatiaia, pg. 45-56.
REVEL, Jean-François [1992]. L'absolutisme
inefficace ou le présidentialisme à la française. Paris:
Plon.
REVEL,
Jean-François [1997]. La grande parade. Essai sur la survie de
l'utopie socialiste. Paris: Plon.
ROSANVALLON, Pierre [1985].Le moment Guizot. Paris:
Gallimard.
SCHLEIFER, James T. [1987]. Cómo
nació "La Democracia en América" de Tocqueville.
(Tradução ao espanhol de
R. Ruza). 1ª edição. México: Fondo de Cultura Económica.
SILVA,
Golbery do Couto e [1981]. Conjuntura política nacional: O poder
executivo e geopolítica do Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: José
Olympio. Documentos Brasileiros.
SOUSA,
Paulino Soares de, visconde de Uruguai [1960]. Ensaio sobre o direito
administrativo. (Apresentação de T. Brandão Cavalcanti). Rio de
Janeiro: Serviço de Documentação do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
TOCQUEVILLE, Alexis de [s. d.] Quinze
jours au désert. Paris: Éditions 14 Bis.
TOCQUEVILLE,
Alexis de [1977]. A democracia na América. (Tradução, prefácio e notas de N.
Ribeiro da Silva). 2ª edição, Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp.
TOCQUEVILLE,
Alexis de [1988a]. L ‘Ancien Régime et la Révolution.
(Prefácio, Notas e
Bibliografia elaborados por F. Mélonio). Paris: Flammarion.
TOCQUEVILLE, Alexis de [1988b]. “État social et
politique de la France avant et depuis 1789”, In: L’Ancien Régime et la Révolution.
(Préface, notes, chronologie et bibliographie par F. Mélonio). Paris:
Flammarion, pg. 41-85.
TOCQUEVILLE, Alexis de [1988c]. “Fragments sur la
Révolution: deux chapitres sur le Directoire”. In: L’Ancien Régime et la Révolution.
(Préface, notes, bibliographie et chronologie par F. Mélonio). Paris:
Flammarion, pg. 375-403.
TOCQUEVILLE, Alexis de [1989]. O Antigo Regime e a Revolução. (Apresentação de Z. Barbu; introdução
de J. P. Mayer; tradução de Y. Jean). Brasília: Editora da Universidade de
Brasília; São Paulo: Hucitec.
TOCQUEVILLE,
Alexis de [1991]. Oeuvres, I. (Introdução e cronologia elaborados por A. Jardin,
com a colaboração de F. Mélonio e L. Queffélec). Paris: Gallimard, La Pléiade.
TOCQUEVILLE,
Alexis de [1992]. Oeuvres, II. (Edição publicada sob a direção de André Jardin,
com a colaboração de Jean-Claude Lamberti e James T. Schleifer). Paris:
Gallimard, La Pléiade.
TOUCHARD, Jean [1972]. Historia de las ideas
políticas. (Tradução
ao espanhol de J. Pradera). 3ª edição. Madrid: Tecnos.
VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1993]. "La crítica de
Tocqueville al determinismo histórico", in: Nueva Frontera, Santafé
de Bogotá, n. 964, pg. 18-19.
VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1997a] "A
problemática da pobreza segundo Alexis de Tocqueville". In Carta Mensal, Rio de Janeiro, vol.
43, no. 508, pg. 3-16.
VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1997b]. "A
problemática do liberalismo democrático no pensamento de Alexis de Tocqueville
(1805-1859)". In: Carta Mensal, Rio de
Janeiro, vol. 43, no. 503, pg. 3-38.
VÉLEZ
Rodríguez, Ricardo [1997c]. Socialismo moral e socialismo doutrinário.
Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho; Londrina: Instituto de Humanidades;
Brasília: Instituto Teotônio Vilela. Volume I da coleção A Social Democracia.
VÉLEZ
Rodríguez, Ricardo [1998a] A democracia liberal segundo Alexis de
Tocqueville. São Paulo: Mandarim / Instituto Tancredo Neves.
VÉLEZ
Rodríguez, Ricardo [1998b]. "O liberalismo democrático segundo Alexis de
Tocqueville (1805-1859)". In: Cultura,
Revista de história e teoria das idéias. Lisboa, vol. X, segunda série, pg. 437-460.
VIANNA,
Francisco José de Oliveira [1987]. Instituições políticas brasileiras.
4ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp; Niterói: Universidade
Federal Fluminense, volume 1.
WEBER,
Max [1972]. Ciência e política: duas
vocações. (Prefácio de M. T. Berlinck; tradução de L. Hegenberg e O.
Silveira da Mota). São Paulo: Cultrix.
WEHLING, Arno [1985].
"Tocqueville e a razão histórica", in: Anais da IV Reunião da Sociedade
Brasileira de Pesquisa Histórica. São Paulo: So
Nenhum comentário:
Postar um comentário