Há quatro décadas repete-se o mesmo
chavão: “O Rio está em guerra e a culpa é da elite”. À luz do pensamento da
esquerda, tudo é questão de conseguir implantar a unanimidade ao redor da
proposta salvífica de plantão, identificada com as teses marxistas. Firmou-se a
crença ingênua de que tudo quanto de ruim acontecia na “Cidade Maravilhosa”,
decorria da tentativa das elites para barrar a democratização desse canto do
Brasil. O povão é enganado e os seus representantes, os populistas, são os
porta-vozes das suas legítimas reclamações.
Foi assim como se ergueu, na mentalidade
populista, a identidade bipolar do Rio de Janeiro, pendurando a culpa numa
abstrata elite. A velha esquerda beneficiou-se dessa visão simplória, ela se
colocando como a porta-voz das reclamações populares. A própria classe
artística terminou se acomodando a essa visão bipolar, ela mesma se colocando
do lado do povão. Foi assim como se alimentou o clima inquisitorial imperante
na seara da cultura, que o dramaturgo Roberto Alvim, nomeado recentemente pelo
Presidente Bolsonaro para dirigir o Centro de Artes Cénicas da FUNARTE, denunciou
com as seguintes palavras que revelam o grau da polarização da classe
artística: “Não há diálogo possível (...) gente hipócrita e canalha. Trata-se
de uma guerra irrevogável”.
Se colocarmos no meio disso tudo a invasão do Rio pelo
narcotráfico, as coisas se explicam. Leonel Brizola, quando da sua primeira
campanha para ser eleito governador do Estado do Rio, no início dos anos 80,
encarregou-se de dar a versão esquerdista da guerra do tráfico. Ela acontecia
porque havia preconceito da elite carioca contra o povão, que residia nos
morros que era vítima da “classe dominante”. Solução: a polícia não sobe mais
no morro, que é habitado por gente simples e ordeira. Consequência: o velho
malandro carioca, habitante do morro e que no samba exprimia a sua visão ingênua
da vida, foi elevado aos altares da expressão da alta cultura. De pequeno
marginal que roubava galinhas se tornou forte com a ausência da força pública.
Estimulado pelos traficantes internacionais (dentre os que se destacava o
chefão do Cartel de Medellín, Pablo Escobar), ao longo dos anos 80 o
tradicional malandro se tornou chefe do tráfico, armado até os dentes e passou
a aprender, junto com os seus subalternos, as táticas da guerrilha em que os
traficantes colombianos eram craques. Foi assim como se consolidou o exército
do narcotráfico.
Contudo, o tráfico de drogas não se instalou no Rio por
casualidade. Foi uma decisão empresarial tomada na Itália no final dos anos 80,
pelos chefões da máfia junto com os traficantes colombianos. Diante da repressão
crescente, patrocinada pelos Estados Unidos através da DEA contra os produtores
e exportadores de coca no Eixo Andino (Peru, Colômbia, Equador e Bolívia), a
fronteira do narcotráfico deveria mudar de endereço e ir para o outro lado do
continente sul-americano, o Brasil, com mais de 8 mil quilômetros de costas.
Foi assim como o nosso país numa primeira etapa, ao longo dos anos
80 e 90, se transformou em corredor para exportação de tóxicos através dos
portos e aeroportos da Região Sudeste. A cidade-vitrine para o próspero negócio
foi, evidentemente, Rio de Janeiro. Lembrem os leitores das famosas festinhas
regadas a whisky escocês e cocaína, que uma socialite carioca oferecia à elite do
Rio, no seu luxuoso apartamento do edifício Chopin, na orla marítima de
Copacabana. Era chique cheirar pó. A própria socialite chegou a escrever um
livro, que fez sucesso na zona sul e que se intitulava: “Ai, que loucura!”.
Essa foi a origem da atual guerra carioca, que ainda não foi
desmontada, pois os parâmetros desse conflito precisam de muita inteligência
policial, item realmente esquecido pela polícia carioca. Lembremos que há
alguns anos apenas, a polícia do Rio tinha destinado anualmente, para o trabalho
de inteligência, a irrisória quantia de 1 mil e poucos reais!
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