O Professor Doutor João Carlos Espada, Diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa - Lisboa. |
Aos amantes da liberdade, orgulhosamente patriotas, europeus e euro-atlânticos, Churchill disse em 1940: ‘Nunca nos renderemos!’
Sim, vi o filme na semana passada, mal chegou até nós. E, sim, vou ver
mais vezes. E vou hoje voltar a escrever sobre Churchill. Há uma desprezível
seita anti-Churchill que o insulta sistematicamente nos ‘sites’ abertos de
comentários da imprensa. Devem essa liberdade a Winston Churchill.
Na sala de cinema não estava muita gente — embora uma longa fila
esperasse depois cá fora para a sessão seguinte. Na minha sessão, havia três
senhoras francesas. Tal como eu, viram o filme em permanente tensão, inclinadas
para a frente, com as mãos nas faces. No fim, aplaudimos discretamente.
É um grande filme (com alguns episódios menos felizes) e, sobretudo, com
grandes actores. Mas é sobretudo um grande filme para aqueles que amam a
liberdade e sabem o que ela vale. Nem todos sabem o que ela vale. E muitos são
feitos para servir. Sobretudo ‘aqueles que pedem à liberdade algo mais do que a
própria liberdade’, como alertou Alexis de Tocqueville.
Winston Churchill não foi feito para servir. E não pedia à liberdade
mais do que a própria liberdade. Era um patriota orgulhoso da história da sua
nação marítima e independente — da sua ilha, como refere várias vezes no filme.
Era um falante de inglês, orgulhoso da história dos povos de língua inglesa,
incluindo a grande democracia americana — sobre os quais escreveu o último dos
seus 40 livros e ao qual dedicou cerca de 25 anos, sem nunca desistir.
E era também, crucialmente, um grande admirador da civilização europeia
e ocidental — no seio da qual sempre entendeu a sua nação e os povos de língua
inglesa. Cícero e Shakespeare, além da Bíblia, são as únicas referências citadas
por Churchill no filme. Mas o filme podia ter acrescentado algumas passagens
dos inúmeros discursos em que ele associou a defesa da sua ilha à defesa da
civilização europeia e ocidental — contra as barbáries imperialistas nazi e
comunista, que desencadearam em conjunto a II Guerra com a combinada invasão da
nação Polaca em Setembro de 1939.
Tudo isto foi-me explicado por Karl Popper, com grande intensidade, há
trinta anos, em 1988, quando o visitei pela primeira vez na sua casa em Kenley,
ao sul de Londres. Agora, quando, em apertado silêncio, assistia ao filme sobre
Churchill, era a voz de Popper, há 30 anos, que eu ouvia em surdina, sob a voz
de Churchill no filme.
Popper vivia numa ‘cottage’ encantadora, com um belo jardim, que ele
conservava imaculado. Tinha uma vasta biblioteca, onde apenas se encontravam os
grandes livros e os grandes autores da civilização ocidental. Fiquei por isso
surpreendido ao ver duas gigantescas prateleiras com livros de e sobre
Churchill. E perguntei-lhe por que motivo tinha tantos livros sobre Churchill,
tendo ele sido basicamente um político.
Popper olhou-me intensamente. Houve um silêncio. E, a seguir, mandou-me
sentar com um gesto inquestionável. ‘Sente-se rapaz! Receio ter de lhe ensinar
algumas coisas muito sérias!’
Eu sentei-me, perplexo. E escutei-o atentamente, por mais de uma hora.
Foi uma lição magistral. Sobre Churchill e sobre como ele salvou a civilização
europeia e ocidental da pestilência nazi e, depois, da comunista.
Popper, nascido em Viena, a seguir literalmente declamou sobre o
‘mistério dos povos de língua inglesa e o seu simultâneo empenho na liberdade e
o seu sentido de dever’. E não se esqueceu de rematar: ‘Estou surpreendido que
você não esteja a par de tudo isto pois o seu país tem a mais antiga e honrosa
aliança com a Inglaterra, chamada Tratado de Windsor, assinado no século XIV’.
(Mandou-me em seguida estudar em Inglaterra, o que eu felizmente cumpri).
Tudo isto eu recordei intensamente enquanto assistia intensamente ao
filme sobre Churchill. Quando saí, vagueei errantemente à procura de organizar
os meus sentimentos. Creio que são relativamente simples e muito pouco
inovadores:
Existe uma civilização europeia e ocidental — o chamado ‘milagre
europeu’, que distinguiu culturalmente e misteriosamente uma península europeia
de uma massa continental euro-asiática.
Qual é a chave dessa misteriosa diferenciação?
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