Prof. Doutor João Carlos Espada |
Três livros sobre a indispensável associação entre liberdade e sentido
pessoal de dever.
A minha
primeira sugestão de livros para o Natal é Virtude Política: Uma Análise das Qualidades e Talentos dos Governantes,
de Pedro Rosa Ferro (Almedina, 2017). Trata-se de um livro importante sobre um
tema muito importante: a virtude política.
O autor
detecta um paradoxo curioso nas nossas contemporâneas democracias liberais. Por
um lado, é voz corrente a condenação da falta de virtude política nos
detentores de cargos públicos (por vezes designados como ‘elites’). Por outro
lado, a praça pública, ou o debate político público, encara com sérias reservas
(para dizer o mínimo) qualquer referência ao conceito de virtude — embora lance
simultaneamente sobre os políticos a suspeita permanente de não praticarem a
virtude.
Pedro Rosa
Ferro discute este paradoxo com notável abertura e profundidade. Através de uma
vigorosa conversação crítica com alguns dos grandes filósofos ocidentais —
Aristóteles, Tomás de Aquino, Locke, Burke, ‘Publius’ e Tocqueville, entre
outros — Pedro Rosa Ferro recorda uma nobre genealogia intelectual da tradição
ocidental em que o ideal da liberdade e o sentido pessoal de dever sempre
estiveram associados. Em rigor, o autor parece sugerir uma tese ainda mais
forte: a liberdade e o governo limitado não estarão seguros, se não existir uma
cultura pública comum que valorize a virtude e o autocontrole.
Esta era
seguramente a convicção de Edmund Burke — para quem liberdade e sentido pessoal
de dever eram virtudes inseparáveis. Em Edmund Burke: A Virtude da Consistência (Universidade
Católica Editora, 2017), João Pereira Coutinho recorda precisamente a
originalidade de Burke — o defensor da revolução americana de 1776 e o crítico
severo da revolução francesa de 1789.
No centro
dessa originalidade de Burke estava a ideia crucial de que a liberdade ordeira
requer o sentido pessoal de dever. Se essa associação for quebrada, preveniu
Burke, o resultado será, primeiro, a desordem e, depois, o despotismo e a
tirania. Como recorda João Pereira Coutinho, tratou-se de um alerta
premonitório sobre os resultados desordeiros, primeiro, depois despóticos, da
revolução francesa. Esse alerta deve ser hoje enfaticamente recordado a
propósito da atmosfera cultural relativista em que vivemos.
Esta
mensagem sobre a centralidade dos padrões de comportamento é exemplarmente
transmitida pelo livro Comandar no Mar,
coordenado pelo Comandante Orlando Temes de Oliveira e editado por Almirante
Alexandre da Fonseca (Edições Revista de Marinha, 2017).
Trata-se
de uma coletânea de empolgantes testemunhos de pessoas que tiveram a seu cargo
a difícil responsabilidade de comandar tripulações e navios, de guerra e da
Marinha Mercante. Da leitura desses diferentes testemunhos, emerge a comum
percepção de que as condições exigentes de vida num navio requerem a educação
do carácter do líder do navio. Essa liderança inclui saber manter e estimular
um bom ambiente a bordo — saber promover a educação do carácter entre os seus
subordinados.
Por outras
palavras, na vida a bordo de um navio, as teorias relativistas pós-modernas
sobre a equivalência e arbitrariedade de padrões de comportamento caem por
terra — ou, mais exatamente, caem ao mar.
Em suma,
os três livros que aqui sugiro para este Natal podem ser descritos como tendo um
tema comum: a indispensável associação entre liberdade e sentido pessoal de
dever. Esta associação costumava estar no centro da ideia de sociedade livre e
civilizada: uma sociedade que pressupõe cidadãos livres e responsáveis — gentlemen,
na feliz expressão inglesa.
Curiosamente,
Karl Popper costumava definir o conceito de gentlemanship como
designando aqueles que, não se tomando demasiado a sério, estavam preparados
para tomar muito a sério os seus deveres — especialmente quando a maioria à sua
volta só falava nos seus direitos.
O professor doutor João Carlos Espada é diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa.
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