Arsenio Eduardo Corrêa
Diretor Executivo do Instituto de Humanidades, São Paulo.
Tive a oportunidade de chamar a atenção de nossos leitores
para a importância da iniciativa da Editora Ludwig von Mises de lançar,
conjuntamente, os principais livros de seu patrono. Indiquei ali a constatação
de que a descrição da mentalidade anticapitalista se coadunava perfeitamente com o quadro vigente no Brasil.
Queria voltar a esse tema.
Muito oportuno o lançamento promovido pela LVM
EDITORA, da Coleção von Mises, entre
os quinze livros que formam a coleção, um me chamou atenção em especial,
trata-se do “A MENTALIDADE ANTICAPITALISTA”, nela desenvolve o autor os
argumentos sobre o que é uma mentalidade capitalista, e o que identifica essa
mentalidade. Não resta dúvida que em
nosso País prevalece a mentalidade anticapitalista, mas sempre foi assim? Nunca
tivemos oportunidade de iniciar uma saída ou da formação de outra mentalidade,
a recomendada Capitalista? Sim, tivemos muitas, mas vou me referir a uma em
especial: trata-se a de Armando de Sales Oliveira, politico paulista, governou
o estado na década de 30 do século XX e deixou escritos que podemos comprovar
sua mentalidade.
No “Discurso Pronunciado Na Bolsa de Fundos Públicos
de São Paulo, Em 25 de Janeiro de 1934 (pág. 32/44) – ESCRITOS POLÍTICOS – ARX
– 2002”. Armando Sales após tecer
comentários sobre a situação economica e financeira do Estado de São Paulo, na
qualidade de Governador, apresenta um Balanço do seu Governo em face da
discussão orçamentária do Estado. Observa ainda o que ocorreu com as finanças
na década de 20 do século XX, em seguida falando de novos rumos, diz: “O que
importa, para os paulistas e para os seus governos, é desarraigar para sempre
do espírito a idéia de voltar às aventuras do passado. Não faltarão ocasiões,
nem argumentos com aparência de força, para tentarem os governos. O dever
destes será resistir de pé firme, para evitar que São Paulo se veja um dia
diante de um abismo irremediável, onde mais uma vez se decifre o enigma do
destino que espera os povos imprevidentes e surdos….”. Estava propondo
austeridade, na sequencia diz: ”…. Só um enérgico e tenaz desenvolvimento de
nossa produção, acompanhado de uma segura formação de economias, permitirá que
São Paulo honre todos os seus compromissos e firme sua prosperidade. E é um
problema que demanda tempo porque é sobretudo um problema de educação das
massas. A utilização das economias do povo na subscrição dos grandes
empréstimos públicos e na participação das emissões das grandes empresas
industriais ou de serviços públicos é um dos aspectos característicos do
capitalismo moderno…”. Aqui se identifica o pensamento capitalista; ele tinha
presente que a economia ou melhor as pequenas economias seriam fundamentais
para desenvolver o País, na sequencia exemplifica: “… Na França, onde o hábito
de economizar constitui uma segunda natureza do homem, os donos das pequenas
economias formam talvez ma maior força do país. Lá, os processos da pequena
economia são impressionantes. Há quatro anos, eram 9.616 os acionistas do Banco
da França possuidores de uma só ação; hoje são 17.916, e 65 por cento do
capital do banco pertencem a proprietários de uma ou duas ações…”. Continuando
dá outros exemplos da França e dos Estados Unidos da América do Norte.
Essas menções permitem verificar que o que Armando
Sales dizia era que a poupança miuda era o caminho para se desenvolver qualquer
economia capitalista, seguindo aborda a questão da Bolsa de Valores e diz: “…No
dia em que o nosso povo começar a compreender o alcance das aplicações
mobiliárias para as suas pequenas economias, ter-se-á criado entre nós um dos
principais fatores de equilíbrio econômico e de paz social…”. Aqui ele ratifica
o elemento principal da economia moderna e como conseguir isso, continua: “…
Para a lenta obra de educação, que esse objetivo requer, serão indispensáveis
a” ação e a colaboração da Bolsa de Valores de São Paulo. Em relação aos
valores públicos, pouco esforço haverá que desenvolver . Uma vez que se
consolide a normalização das finanças do Estado, o seu crédito se imporá por si
mesmo. Isto se dará igualmente com as municipalidades, que inspiram crescente
confiança aos tomadores de empréstimos, graças em parte a medidas felizes, de
ação moralizadora, adotadas pela própria Bolsa…”. O que quer dizer é que os
investimentos nos fundos públicos serão atraentes pois se apresentarão robustos
pelas medidas então adotadas, sobre a iniciativa privada recomenda: “….Quando,
porém, chegamos as emissões de empresas particulares, o caso muda de aspecto. O
desenvolvimento dessas empresas depende diretamente das leis, que regem as
sociedades anônimas e as emissões de debentures. Há anos que se proclama a
urgência de reformar essas leis, arcaicas e evidentemente insuficientes para
atender ao rápido progresso commercial e industrial do país nos últimos anos.
Tal processo se faz sobretudo pelo concurso de grandes capitães, e estes, aqui
como em toda a parte, se congregam por meio das sociedades anônimas, de que
participam até os mais modestos possuidores de capital.
Chega-se, assim, pela cooperação de muitos, à formação
de capitais respeitáveis. Ora, as organizações de que precisamos devem ser
sociedades anônimas no espírito e na finalidade e não apenas na forma, como é a
maioria das nossas, em que o capital na realidade pertence a uma ou duas
pessoas. Raríssimas são as grandes sociedades cujo capital pertença a numerosos
acionistas. Há pouco, uma lei notável introduziu em nossa legislação uma
inovação de grande alcance, a das ações preferenciais. Título intermediário
entre ações ordinárias e as debentures, esse tipo de ações tem grande
importância no financiamento das empresas constituídas sob a modalidade
anônima. Em nada mais se alterou a lei das sociedades anônimas. Ficou para mais
tarde a reforma esperada, a que lhes deveria outorgar uma organização mais
liberal e mais flexível. As suas deficiências são tais que, sendo justamente
uma das mais notórias a falta de uma proteção adequada às minorias, não houve
meio de conseguir-se dentro daquela lei, em episódio recente, que os detentores
de 99,5 por cento de ações de uma sociedade substituíssem a sua diretoria
eleita por uma minoria possuidora de meio por cento do capital, e assim
cessasse a singular usurpação…”. Sobre outra forma de captação de capitais e de
importancia impar, diz: “…A lei referente às emissões de debêntures recebeu
também uma certa melhora com a última reforma, mas esta foi excessivamente
tímida.
A verdade, que direi com a minha habitual franqueza, é
que a rígida legislação em vigor não tem impedido que se pratiquem toda sorte
de abusos e repetidos delitos na administração das sociedades anônimas. Há em
nosso país uma inexplicável benevolência para julgar e uma irresistível
tendência para esquecer os crimes daquela natureza. Por isso raramente chegam
até a Justiça os responsáveis por esses abusos, e fica-se no regime da
impunidade. Sem chegarmos aos extremos de liberdade da legislação americana,
antes respeitando a nossa tradição jurídica, poderíamos corrigir as falhas e a
rigidez das nossas leis, tornando ao mesmo tempo mais precisas e severas as
responsabilidades dos administradores. O essencial, para a garantia daqueles,
grandes ou pequenos, que empregaram seus capitais em sociedades anônimas, é que
se punam os delitos que dentro dela se cometerem…”. Lembro que esse tema foi
objeto de legislação implantada em 1976 com a chamada “Nova Lei das Sociedades
Anônimas” e o disciplinamento do funcionamento da Comissão de Valores
Mobiliários – CVM. Conclui Sales de Oliveira:
“…A reforma das duas leis é imprescindível para o nosso progresso
econômico. Tivesse sido realizada alguns anos atrás e nunca sairiam de mãos
nacionais as numerosas empresas de serviços públicos que no interior do Estado,
através de todas as crises, acompanhavam o seu progresso, quando o não
precediam. Nenhum grupo de capitalistas nacionais seriam bastante forte para
financiar sozinho empresas que, por sua natureza especial, exigem, dia a dia,
capitais novos, que lhes assegurem o desenvolvimento normal sem alterar o
pagamento de dividendos. A rigidez das nossas leis torna impossivel esse apelo
continuado ao público.
Decrete-se uma reforma adequada das duas leis, a das sociedades
anônimas e a de debêntures, e a Bolsa de Fundos Públicos adquirira mais
poderosos instrumentos de ação. Então, poderá ela desempenhar em toda a
amplitude o seu verdadeiro papel, e os seus membros, revestidos de altas
funções públicas, passarão a ocupar o lugar de relevo que lhes compete no
edifício econômico de São Paulo.”.
No Brasil sempre se incentivou a mentalidade
anticapitalista, vamos apenas a um exemplo que considero ilustrativo de minha
afirmação:
Enquanto Armando de Sales Oliveira quer incentivar o
investimento de risco, com as cautelas de todo bom administrador, para as
classes menos esclarecidas e que poderiam significar o financiamento de nosso
desenvolvimento, nós brasileiros temos para eles a chamada Caderneta de
Poupança, garantida pelo Governo Federal, ou seja, vamos incentivar os pequenos
poupadores a não se arriscarem pois o risco não faz parte de nossa cultura.
Ora, se não queremos risco não podemos ter um País capitalista e se não o
tivermos não teremos desenvolvimento.
A Caderneta de Poupança foi historicamente criada pelo
Imperador D. Pedro II, pelo Decreto 2723 de 12 de janeiro de 1861, atualizada e
ampliada pelo Decreto 5594 de 18 de abril de 1874, entretanto foi a Lei 4.380
de 21 de agosto de 1964, lei essa que criou o Sistema Financeiro da Habitação,
e constituiu o Banco Nacional da Habitação – BNH , e Sociedades de Crédito
Imobiliário, e ainda, as letras imobiliárias, e nesse mesmo diploma legal criou
a Correção Monetária e a estendeu as Cadernetas de Poupança que viraram as
financiadoras de parte do Sistema Habitacional.
Tendo a Caderneta de Poupança no mercado e sendo os
pequenos poupadores incentivados a não correrem riscos, foi toda a poupança
nacional direcionada para ela.
Notem que uma medida do estado brasileiro, que visava
sanar a falta de moradias, trouxe em seu arcabouço uma mentalidade
anticapitalista, uma vez que se eu não tenho risco vou para a poupança.
Von Mises no primeiro capitulo do livro “Mentalidade
Anticapitalista” trata o consumidor como soberano, ele, dentro da economia
moderna serve de ancora para as decisões economicas pois é para ele que a
maioria da produção se destina, no caso brasileiro, esse consumidor pertence a
denominada “classe média”e “classe pobre”, portanto se tivessemos seguido a recomendação
de Armando de Sales Oliveira, hoje teríamos um mercado de investidores pequenos
e médios financiando a economia nacional dentro de uma mentalidade capitalista.
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