A triste saga de corrupção, autoritarismo e violência que os nossos irmãos venezuelanos sofrem não pára de piorar. A seguirem assim as coisas, o maduro-chavismo descambará em mais uma ditadura totalitária, na trilha da que, há mais de sessenta anos, se apossou de Cuba sob a férula de ferro dos irmãos Castro e da sua revolução comunista.
Como frisava, em artigo recente, o cientista político Bolívar Lamounier ("A Venezuela e as esquerdas brasileiras", O Estado de S. Paulo, 23/04/2017, p. A2), "Passo a passo, o legado chavista vai destruindo a Venezuela. Em vez de agir no sentido da reconciliação da sociedade, Nicolás Maduro, o sucessor de Hugo Chávez, parece querer dividi-la ainda mais. A realidade cotidiana do país é o desabastecimento generalizado e a miséria. Dias atrás os jornais estamparam uma foto de venezuelanos disputando restos de comida com urubus num aterro sanitário de Boa Vista (Roraima). A alucinação de Maduro é de tal ordem que a hipótese de uma guerra civil não pode ser descartada. Informações divulgadas na semana passada dão conta de que ele estaria disposto a recrutar e armar um milhão de milicianos para defender a soberania nacional".
Esses males de ditaduras megalomaníacas não aparecem da noite para o dia. A ditadura cubana foi o primeiro balão de oxigênio que deu fôlego ao autoritarismo chavista. Houve estreita colaboração entre o maluco coronel-presidente Chávez e o regime de Havana, a tal ponto que o ministério venezuelano que cuidava da informação e da segurança do Estado passou a funcionar na ilha caribenha "assessorado" por militares cubanos da área de informação, no contexto da estratégia da guerra revolucionária para o continente latino-americano traçada há mais de três décadas pelo Barba-roxa cubano, o amigo de Fidel, Manuel Piñeiro.
O projeto era transformar o ensaio venezuelano numa revolução continental que teria como eixo Havana. A idéia, megalomaníaca, foi de Fidel Castro e de Chávez. Este não piscou em comprometer seriamente a soberania do seu país entregando a gestão da informação estratégica e a segurança a estrangeiros. Mais uma vez se verifica que para a esquerda messiânica a ideia de Pátria é relativa. O que importa é a grande revolução mundial dos "oprimidos" contra os "opressores". Os primeiros, sabemos a-priori quem são: os povos latino-americanos. Os segundos concentram-se nos Estados Unidos. Duas simplificações catastróficas das quais somente saem lucrando os administradores da "salvação coletiva" habilmente manipulada pelos revolucionários de plantão. Referir-me-ei logo mais, no presente comentário, a este último ponto.
Mas ainda falando do tema que mencionei no parágrafo anterior, a revolução bolivariana não surgiu do dia para a noite porque, além da ajuda cubana, houve o compromisso de regimes esquerdistas latino-americanos com o seu sucesso.
Lembremos que, quando Chávez foi desalojado do poder na tentativa de golpe ocorrida em abril de 2002, um dos que colaboraram mais estreitamente com o coronel venezuelano, uma vez abortado o golpe, foi Lula, ao longo do seu primeiro mandato. Diante da ameaça de crise de abastecimento de petróleo (paradoxalmente sofrido pela Venezuela, grande produtora mundial, quando das medidas estatizantes da petrolífera PDVSA por Chávez), Lula colocou à disposição do colega bolivariano um navio cargueiro da Petrobrás para suprir as necessidades prementes do governo chavista. Essa foi a primeira "ajuda" do governo petista ao autocrata venezuelano.
Na trilha dessa generosidade patrimonialista viriam outras "ajudas" como a do falido projeto da refinaria Abreu e Lima, que consumiu bilhões de reais sem que os venezuelanos aportassem (como prometeram) os fundos a que tinham se comprometido. Ora, esses bilhões não se traduziram em obras, mas em engorde das contas bancárias dos petralhas e associados. Outra "ajudinha" dos petralhas a Chávez correu por conta de uma das suas "reeleições", sendo que a campanha foi feita pelo marqueteiro de Lula.
Lula, desde o seu eterno palanque, não perdeu nunca a oportunidade para engrandecer a figura de Chávez e a sua maluca revolução caribenha, afirmando que o problema da Venezuela é que ali havia "até democracia demais", como frisou num dos seus arroubos retóricos quando o líder venezuelano já estava doente, mas não piscava em mandar as hordas repressivas para assassinar oposicionistas ao regime. O antiamericanismo do Lula, aliás, ajudou a disseminar esse clima de admiração a Chávez e às demais propostas comunistas para a região, desde a criação, no início dos anos 90, do famigerado "Foro de São Paulo", cujo nascimento teve dois padrinhos: Lula e Fidel Castro, sendo o batismo do mostrengo ministrado por Frei Beto, representante dos bispos progressistas encarrapitados na direção da CNBB. O braço militar do Foro, é bom que se lembre, foi nomeado por Fidel na pessoa do coronel Chávez....
A propósito da defesa incondicional do regime bolivariano por Lula e patota, Bolívar Lamounier frisa no artigo acima citado: "Ora, Lula é o líder inconteste da esquerda brasileira. A maioria dos políticos, clérigos e intelectuais que se autointitulam 'de esquerda' se dedica diuturnamente a cultuar sua personalidade. Voltemos, pois, à Venezuela. Ao evocar o que há anos se vem passando naquele país, é inevitável que nos vejamos como testemunhas da atitude das esquerdas brasileiras. Estas, com as exceções de praxe, notabilizam-se, como diria Nelson Rodrigues, por um silêncio 'de estourar os tímpanos'. Não defendem os direitos humanos como conceito universal, e sim os direitos humanos de uma determinada faixa ideológica. Quem quiser compreender tal atitude deve começar pelo antiamericanismo. Para o esquerdista brasileiro (ou para o latino-americano, em geral), ser indiscriminadamente contra os Estados Unidos é a credencial sine qua non de quem luta pelo progresso social e pelo bem da humanidade. O corolário desse posicionamento é que qualquer regime antiamericano é bom. Cuba é excelente; a teocracia iraniana é excelente; o chavo-madurismo pode não ser excelente, mas não é o caso de criticá-lo É, no mínimo, um aliado em 'nossa' luta contra o imperialismo. Mas o antiamericanismo é somente a ponta emersa de um grande iceberg. A parte submersa, em geral estruturada em torno da vulgata marxista, é a missão que as esquerdas se arrogam de conduzir a humanidade a algum paraíso terreno (...)".
Voltemos aos administradores da salvação coletiva. A ideia foi inventada por um filósofo genial e maluco do século XVIII, Jean Jacques Rousseau, fundador da ditadura de massas da modernidade. Como fazer para arregimentar os milhões de seres humanos que compõem os países na era moderna, perguntava o filósofo (lembremos que na França da Revolução Francesa havia 26 milhões de habitantes). Rousseau, no 8º capítulo do seu Contrato Social fornece a receita: crie-se um "credo político" em que todos devam acreditar. Quem não acreditar, seja jogado "nas trevas exteriores", ou seja, excluído do pacto político e da existência. Por que isso? Porque a unanimidade é o estado de felicidade coletiva da Humanidade. Logo, conseguir a unanimidade implica em garantir a felicidade geral. Quem consegue implantar a unanimidade? - Os "puros", responde Rousseau, ou seja aqueles que renunciaram aos seus interesses individuais para construir o interesse coletivo. Eles são os chamados a chefiar a grande transformação revolucionária. Como? Aterrorizando e chegando até a eliminação dos dissidentes. O resultado será o reino da Unanimidade ao redor do Legislador, que garantirá a felicidade coletiva. Ele ocupará o lugar que na antiguidade Platão assinalava ao Rei Filósofo.
O corolário do maluco arrazoado é evidente: os rios de sangue que, à luz do rousseaunianismo, correram no mundo moderno, por conta das Revoluções em busca da Unanimidade, a começar pela Revolução Francesa, que inventou a maquininha para cortar cabeças de dissidentes, seguida pela Revolução Russa que, chefiada pela Minoria ("Bolcheviques", em russo) impôs o paraíso da unanimidade na ditadura totalitária bolada por Lenine e Trotsky e aperfeiçoada por Stalin e seguidores. É o paraíso que Lula et caterva queriam implantar no Brasil e que Maduro, ouvindo os trinos do "passarinho" de Chávez, está tentando impor a ferro e fogo, na vizinha Venezuela.
O troglodita metroviário virou chefe de Estado. E, com um exército de milicianos de um milhão de fanáticos armados de rifles kalashnikov, implantará o paraíso no país vizinho. Os descontentes já estão sendo mortos a tiros ou pulando fora. Os venezuelanos que disputam com urubus comida em Boa Vista formam parte dessa turma de amaldiçoados. Outros capítulos bastante cruéis desse drama estão por vir. Venezuela não merecia um desfecho tão trágico.
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