31 Maio 2016 | 03h 00
Sérgio Fernando Moro (1972), juiz federal. |
Tommaso Buscetta é provavelmente o mais notório criminoso que, preso, resolveu colaborar com a Justiça. Um detalhe muitas vezes esquecido é que ele foi preso no Brasil, onde havia se refugiado após mais uma das famosas guerras mafiosas na Sicília. No Brasil, continuou a desenvolver suas atividades criminosas por meio do tráfico de drogas para a Europa. Por seu poder no Novo e no Velho Mundo, era chamado de “o senhor de dois mundos”.
Após sua extradição para a Itália, o célebre magistrado italiano Giovanni Falcone logrou convencê-lo a se tornar um colaborador da Justiça. Suas revelações foram fundamentais para basear, com provas de corroboração, a acusação e a condenação, pela primeira vez, de chefes da Cosa Nostra siciliana. No famoso maxiprocesso, com sentença prolatada em 16/12/1987, 344 mafiosos foram condenados, entre eles membros da cúpula criminosa e o poderoso chefão Salvatore Riina, que, pela violência de seus métodos, ganhou o apelido de “a besta”. Para ilustrar a importância das informações de Tommaso Buscetta, os magistrados italianos admitiram que, até então, nem sequer conheciam o verdadeiro nome da organização criminosa. Chamavam-na de Máfia, enquanto os próprios criminosos a chamavam, entre si, de Cosa Nostra.
Sammy “Bull” Gravano era o braço direito de John Gotti, chefe da família Gambino, uma das que dominavam o crime organizado em Nova York até os anos 80. Gotti foi processado criminalmente diversas vezes, mas sempre foi absolvido, obtendo, em decorrência, o apelido na imprensa de “Don Teflon”, no sentido de que nenhuma acusação “grudava” nele. Mas, por meio de uma escuta ambiental instalada em seu local de negócios e da colaboração de seu braço direito, foi enfim condenado à prisão perpétua nas Cortes federais norte-americanas, o que levou ao desmantelamento do grupo criminoso que comandava.
Mario Chiesa era um político de médio escalão, responsável pela direção de um instituto público e filantrópico em Milão. Foi preso em flagrante em 17/2/1992, por extorsão de um empresário italiano. Cerca de um mês depois, resolveu confessar e colaborar com o Ministério Público Italiano. Sua prisão e colaboração são o ponto de partida da famosa Operação Mãos Limpas, que revelou, progressivamente, a existência de um esquema de corrupção sistêmica que alimentava, em detrimento dos cofres públicos, a riqueza de agentes públicos e políticos e o financiamento criminoso de partidos políticos na Segunda República italiana.
Nenhum dos três indivíduos foi preso ou processado para se obter confissão ou colaboração. Foram presos porque faziam do crime sua profissão. Tommaso Buscetta foi preso pois era um mafioso e traficante. Gravano, um mafioso e homicida. Chiesa, um agente político envolvido num esquema de corrupção sistêmica em que a prática do crime de corrupção ou de extorsão havia se transformado na regra do jogo. Presos na forma da lei, suas colaborações foram essenciais para o desenvolvimento de casos criminais que alteraram histórias de impunidade dos crimes de poderosos nos seus respectivos países.
Pode-se imaginar como a história seria diferente se não tivessem colaborado ou se, mesmo querendo colaborar, tivessem sido impedidos por uma regra legal que proibisse que criminosos presos na forma da lei pudessem confessar seus crimes e colaborar com a Justiça.
É certo que a sua colaboração interessava aos agentes da lei e à sociedade, vitimada por grupos criminosos organizados. Essa é, aliás, a essência da colaboração premiada. Por vezes, só podem servir como testemunhas de crimes os próprios criminosos, então uma técnica de investigação imemorial é utilizar um criminoso contra seus pares. Como já decidiu a Suprema Corte dos EUA, “a sociedade não pode dar-se ao luxo de jogar fora a prova produzida pelos decaídos, ciumentos e dissidentes daqueles que vivem da violação da lei” (On Lee v. US, 1952).
Mas é igualmente certo que os três criminosos não resolveram colaborar com a Justiça por sincero arrependimento. O que os motivou foi uma estratégia de defesa. Compreenderam que a colaboração era o melhor meio de defesa e que, só por ela lograriam obter da Justiça um tratamento menos severo, poupando-os de longos anos de prisão.
A colaboração premiada deve ser vista por essas duas perspectivas. De um lado, é um importante meio de investigação. Doutro, um meio de defesa para criminosos contra os quais a Justiça reuniu provas categóricas.
Preocupa a proposição de projetos de lei que, sem reflexão, buscam proibir que criminosos presos, cautelar ou definitivamente, possam confessar seus crimes e colaborar com a Justiça. A experiência histórica não recomenda essa vedação, salvo em benefício de organizações criminosas. Não há dúvida de que o êxito da Justiça contra elas depende, em muitos casos, da traição entre criminosos, do rompimento da reprovável regra do silêncio. Além disso, parece muito difícil justificar a consistência de vedação da espécie com a garantia da ampla defesa prevista em nossa Constituição e que constitui uma conquista em qualquer Estado de Direito. Solto, pode confessar e colaborar. Preso, quando a necessidade do direito de defesa é ainda maior, não. Nada mais estranho. Acima de tudo, proposições da espécie parecem fundadas em estereótipos equivocados quanto ao que ocorre na prática, pois muitos criminosos, mesmo em liberdade, decidem, como melhor estratégia da defesa, colaborar, não havendo relação necessária entre prisão e colaboração.
Na Operação Lava Jato, considerando os casos já julgados, é possível afirmar que foi identificado um quadro de corrupção sistêmica, em que o pagamento de propina tornou-se regra na relação entre o público e o privado. No contexto, importante aproveitar a oportunidade das revelações e da consequente indignação popular para iniciar um ciclo virtuoso, com aprovação de leis que incrementem a eficiência da Justiça e a transparência e a integridade dos contratos públicos, como as chamadas Dez Medidas contra a Corrupção apresentadas pelo Ministério Público ou outras a serem apresentadas pelo novo governo. Leis que visem a limitar a ação da Justiça ou restringir o direito de defesa, a fim de atender a interesses especiais, não se enquadram nessa categoria.
*Sérgio Fernando Moro é juiz federal
Nosso país vive uma síndrome de delação premiada que como esta nos parece um CONVITE e não um COMBATE a CORRUPÇÃO.
ResponderExcluir.
Digo isso não no CONTEXTO de reprova-la totalmente,mas porque no Brasil DETURPAMOS tudo o que há de melhor no mundo moderno.
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Sempre digo, repito e REITERO:
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CORRUPÇÃO não se COMBATE se EVITA...
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Nosso país possui meandros e uma mentalidade criminosa própria. Compararmos com países desenvolvidos em alguns quesitos é puro jogo de Marketing de positivismo mas que para nós funciona ao contrário.
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Nossa taxa de REINCIDÊNCIA criminal é quatro cinco, vezes maiores que em outros países. Vejam que nossos criminosos comuns , letrados ou POLÍTICOS sempre voltam ao MODUS OPERANDI amplificado-os e os APERFEIÇOANDO vide o famigerado MENSALÃO que Lula nega de pés juntinhos que não existiu que evoluiu para o PETROLÃO e com certeza absoluta vamos encontra-lo(o modus operandi) nos Correios, BNDES, Caixa, Banco do Brasil, e em tantas e tantas prefeituras e instituições e autarquias pelo Brasil afora.
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Óbvio que Moro esta a fazer um EXEMPLAR serviço a Nação usando este método de DELAÇÃO PREMIADA. O problema é que nossas leis e nossas instituições superiores não compartilhem dos mesmos IDEAIS dele na tentativa de expurgar da vida pública os INDIVÍDUOS bem como cessar o MODUS OPERANDI, haja visto que nosso STF tem em mãos fartas delações e ilações que podem por Lula na prisão por décadas( como se fosse possível, pela idade e pelas facilidades que nossos políticos colocam como escape nos códigos penais).
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O Brasil tem uma FERRAMENTA que talvez não combata fielmente toda a CORRUPÇÃO sistêmica detectada em amplo espectro na vida pública, mas que ESPERTAMENTE nossos políticos e os INTERESSADOS em não serem pegos em suas tramoias financeiras em uma ampla CONSPIRAÇÃO conseguem INCUTIR na mente da sociedade que é aumento de imposto:
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A CPMF.
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Perco vários amigos por ver nela uma FERRAMENTA MONUMENTAL de controle sobre as movimentações fraudulentas e os repasses de verbas públicas que depois que ela acabou injetou e passeou pelos bancos do país e do exterior quase um trilhão.
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Olhem que os resultados do MENSALÃO foram mais promissores e alcançaram figurões que até aqui então passavam incólumes devido ao fraga feito em suas movimentações financeiras os quais foram balizadas como PROVAS CONTUNDENTES E INCONTESTÁVEIS contra o antro gerenciado por Lula&Cia onde ele saiu ILESO mais por força política e INTERESSE (pois sabiam que poderiam derrubar a CPMF, única barreira que poderia lhes delatar como provas materiais. Vejam que nossos parlamentares dentre estes os 300 picaretas comemoraram como ninguém a queda) .
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Sempre digo que á CPMF era mais barata que os desvios deste montante incalculável desviado.
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Hoje PROPONHO o RETORNO da mesma com uma alíquota irrisória de 0,0001%, apenas para que CUMPRA sua missão de EVITAR ESSAS MOVIMENTAÇÕES FRAUDULENTAS DE NOSSO ERÁRIO. Se lembram e ENTENDEM o por que DINHEIRO EM MALAS E CUECAS?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSelvino Antonio Malfatti.
ResponderExcluirConsidero-me um dos pioneiros a fazer uma correlação entre a corrupção brasileira e a italiana. Com o título: Ética e Corrupção, em Banco de Idéias do Instituto Liberal, em 2007, no vol.39, no site: http://institutoliberal.org.br, consta meu artigo.
Boa lembrança, Selvino. Se voc|ê quiser, podemos republicar o teu artigo no Portal Defesa da UFJF (www.ecsbdefesa.com.br) Abraço!
ExcluirBoa lembrança, Selvino. Se voc|ê quiser, podemos republicar o teu artigo no Portal Defesa da UFJF (www.ecsbdefesa.com.br) Abraço!
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