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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

MST, MITO E REALIDADE

João Pedro Stédile - (Foto: V. Campanato / Diário do Poder).

(Artigo escrito em 2005)

A problemática da violência no campo, no Brasil, deve ser enxergada à luz de duas variáveis presentes na formação social brasileira: a tradição patrimonialista do Estado e o legado rousseauniano presente no messianismo político, introduzido no campo pelos teólogos da libertação e pelos seus discípulos, os fundadores do Movimento dos Sem-Terra. Ambas as variáveis se entrecruzam, de forma a dar ensejo a uma complexa realidade, somente analisável à luz de estudos monográficos, que abarquem os seus vários níveis de manifestação. Certamente é de todo insuficiente, para a compreensão do fenômeno, o conjunto de conceitos da sociologia marxista, refém da que Wanderley Guilherme dos Santos denominava de “matriz ideológica radical”, que pressupõe que todos os conflitos somente podem ser explicados à luz de um binômio conceitual previamente selecionado, com exclusão de quaisquer outras categorias. Esse binômio pode ser o de “campo/cidade”, ou o de “opressor/oprimido” [cf. Santos, 1978]. Ora, o nosso cientificismo republicano ancorou definitivamente no segundo, tendo dado ensejo, em não poucos casos, como Antônio Paim diz (se referindo a conhecido ideólogo do passado regime), a um “discurso da confusão voluntária” [Paim, 2002a: 134].
O Estado, na tradição patrimonialista (que está em alta, nestes tempos de loteamento do espaço público entre clientelas políticas) é gerido como bem de família. Torna-se presente ali onde convém aos interesses particulares do estamento governante. Desaparece a idéia de República, como espaço de todos a ser gerido racionalmente e com vistas ao bem comum. O “bem público” é o bem do estamento burocrático que domina o Estado. Não é, como na tradição liberal de Benjamin Constant de Rebecque, aquilo que diz respeito à preservação dos interesses de todos. Por isso o Estado não se torna presente, através das suas instituições, em todo o território nacional. Uma das causas da violência no campo é essa: a ausência do Estado. Na recente onda de crimes que têm manchado as terras do Pará com o sangue de ativistas e posseiros, uma das razões da desgraça é essa ausência. O chefe do gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Jorge Armando Félix, dizia isso recentemente, com as seguintes palavras: “reconheço que é espasmódica a presença do governo e vamos fazer todo o possível para que não aconteçam tensões. O governo pretende se estruturar no estado, numa área em que os governos têm estado ausentes (...). Garanto que viemos para ficar. A lei vai ser aplicada em locais em que talvez nunca tenha sido (aplicada)” [in: Éboli, “General diz que governo está no Pará para ficar”, O Globo, 03/03/2005, 14]. É justamente essa não aplicação da lei, em face dos grileiros e do MST, que tem servido como combustível para a crise. Ao longo deste trabalho mostraremos de que maneira o Movimento dos Sem-Terra tem-se aproveitado dessa irresponsabilidade do Estado.
No que tange ao legado rousseauniano presente no messianismo político, devemos lembrar, em primeiro lugar, que a democracia conheceu, na modernidade, duas versões: a unanimista e a consensual. A primeira foi sistematizada por Jean-Jacques Rousseau e repousa sobre os seguintes sete princípios: 1) a finalidade da vida em sociedade consiste em garantir a felicidade dos indivíduos; 2) somente será possível aos indivíduos, em sociedade, atingirem a felicidade, se renunciarem à defesa dos seus interesses individuais; 3) como os indivíduos foram tornados egoístas pela sociedade, é necessário que uma minoria de puros, identificados com o bem público, os submeta a um banho catártico que os limpe das impurezas do individualismo; 4) a comunidade dos indivíduos despidos dos seus interesses individuais constitui a vontade geral; 5) nessa comunidade de homens puros vigora a unanimidade, sendo a dissidência considerada como um atentado à felicidade geral, devendo ser rigorosamente eliminada; 6) na organização do Estado deve ser levada em consideração a busca daquele modelo que melhor garanta a unanimidade; 7) o modelo de governo ideal para se conseguir a unanimidade é o da democracia direta, que se exprime de forma plebiscitária [cf.Vélez, 2002: 109-118].
Sabemos, pela experiência histórica, que o modelo rousseauniano terminou privilegiando regimes ditatoriais e, no século XX, totalitários. Esse seria o reino da paz perpétua, não no sentido liberal que Kant lhe deu, mas na acepção literal que o gênio de Könisberg viu inscrita na porta do cemitério da sua cidade, circunstância que o inspirou, aliás, na formulação da pergunta de se não haveria outra paz a que os seres humanos pudéssemos aspirar, diferente da dos túmulos.
A versão consensual da democracia foi sistematizada pelos pensadores liberais, notadamente Baruch Espinosa, John Locke, Immanuel Kant, Benjamin Constant de Rebecque, François Guizot, John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville. Os seus princípios são os seguintes: 1) a finalidade da vida em sociedade consiste em garantir aos indivíduos o gozo dos seus direitos inalienáveis à vida, à liberdade e às posses; 2) a partir da realização desses direitos os indivíduos podem construir, seguindo as suas tendências, o seu projeto de felicidade, não havendo, para esta, uma fórmula única; 3) o exercício dos direitos inalienáveis dos indivíduos, em sociedade, traduz-se num aspecto material concreto: a legitimidade da luta em prol dos próprios interesses, que são essencialmente diferenciados, sendo necessário respeitar o pluralismo e a tolerância em face dos interesses dos outros; 4) não há na sociedade interesses individuais espúrios, sendo o único limite, na defesa dos próprios interesses, o imposto pelo respeito aos dos outros; 5) na organização do Estado deve ser privilegiado aquele modelo que melhor se ajustar à representação dos interesses dos indivíduos, visto que, no mundo moderno, tornou-se praticamente impossível gerir os negócios públicos mediante a prática da democracia direta em assembléias; 6) nas sociedades modernas, de massas, a diferenciação de interesses evidenciou a inevitabilidade do conflito social, que passou a ser disciplinado superando-se a fase das guerras civis, mediante a prática da representação e a institucionalização dos partidos políticos; as decisões são tomadas, no seio da sociedade pluralista, de forma consensual; 7) a vida política consiste na construção de consensos, que se efetivam mediante a prática da representação política e , também, mediante a prática da democracia direta a nível local, sem que esta exclua a representação. Nos últimos dois séculos aperfeiçoaram-se os mecanismos eleitorais e a técnica parlamentar, visando a alargar a representação a todos os indivíduos da sociedade e a garantir a defesa dos interesses das minorias.
O mundo no qual Kant enxergava a possibilidade da paz perpétua era o da sociedade consensual, que possibilitasse a defesa dos interesses de todos. Somente haveria, para o pensador alemão, paz perpétua, quando imperasse nos diferentes países a República, ou seja, o governo representativo que respeitasse a liberdade e os interesses de todos os indivíduos, sem exclusão de ninguém e pondo em prática o imperativo categórico da transparência [cf. Kant, 1989].
É por todos conhecido o desfecho que tiveram esses dois modelos no último século: consolidou-se no leste europeu, no oriente, na África e em alguns países da América Latina, um modelo de democracia totalitária, de tipo unanimista, com todas as caraterísticas avassaladoras do indivíduo assinaladas pelo filósofo de Genebra. Diríamos que a humanidade viveu, entre 1917 e 1989, o século do totalitarismo, com os milhões de vítimas que causou a intolerância da vontade geral, posta em mãos de minorias fanáticas. Mas felizmente o modelo consensual sobreviveu à loucura totalitária, constituindo hoje o ideal que atrai as atenções em boa parte do mundo. A onda liberal, que se espraiou pelo globo afora, foi uma das caraterísticas marcantes na virada do milênio.
O sentido que para a tradição liberal sempre teve a representação, é o da preservação dos interesses dos cidadãos. A longa noite do autoritarismo republicano certamente escamoteou no Brasil a questão, deixando no ar o preconceito contra a representação de interesses e abrindo a porta para a prática da cooptação, tão do agrado dos espíritos totalitários. Todos sabemos a que conduziu esse preconceito, alimentado pelo castilhismo-getulismo: uma elite de burocratas passou a se considerar representante dos interesses dos cidadãos, dando ensejo a esse verdadeiro mostrengo que consiste no estatismo patrimonial, segundo o qual a nomenclatura tupiniquim sente-se dona do país e dirige os destinos da República ao seu bel-prazer, sem prestar contas a ninguém. Propostas rousseaunianas que desprezam a democracia representativa e que propõem a substituição dela pelo assembleísmo unanimista, certamente ajudarão a reforçar, no país, essa tradição patrimonialista.
Ora, no clima de agitação política que tomou conta do país nos últimos dois anos, juntaram-se as duas vertentes sociológicas do patrimonialismo e do rousseaunianismo, como se esta fosse a única maneira válida de se atingir a democracia no Brasil. O balão de ensaio para essa visão unanimista foi o Estado do Rio Grande do Sul, onde, no governo Olívio Dutra, o PT colocou em marcha ousada política para fazer ressuscitar o velho espírito castilhista do Partido único, da repressão desmedida à oposição, do amordaçamento da imprensa, da politização da Brigada Militar, enfim, da instauração de um modelo autoritário de República que já parecia coisa do passado. Convênios foram celebrados com Cuba, lídima representante continental do totalitarismo, para formar funcionários públicos do governo gaúcho na prática de táticas de domínio de massas e de amedrontamento, no terreno da segurança pública. A ascensão do Movimento dos Sem-Terra beneficiou-se dessa política autoritária, passando os militantes a ter campo aberto para a prática das invasões, sem que houvesse a adequada repressão à violação da lei.
É meu propósito caracterizar o Movimento dos Sem-Terra nesse contexto hodierno do avassalador crescimento do Estado patrimonial brasileiro. Os líderes do MST agem como se fossem sobranceiros à lei. Incorporaram o modelo ético totalitário, segundo o qual os fins justificam os meios. Agir com ideais democráticos torna justo qualquer meio para atingir os objetivos colimados. É assim como o mencionado Movimento semeia a instabilidade e o desrespeito às instituições, acobertado nessa cortina de fumaça de um governo que é meio stablishment, meio oposição. O governo do PT aplica a mais ortodoxa das legalidades na cobrança de impostos, na manutenção da política macroeconômica, no pagamento dos juros da dívida externa, na utilização ad nauseam do expediente das medidas provisórias, na legítima luta em prol de ver o Brasil representado no Conselho de Segurança da ONU, etc. Mas, ao mesmo tempo, age com tom de palanque como se oposição estalinista fosse, apresentando projetos malucos de controle estatal da mídia e da cultura, desconhecendo os direitos mínimos dos anciões numa máquina previdenciária injusta que tritura esperanças, fortalecendo a evidente ilegalidade do MST mediante visitas oficiais às invasões de terras produtivas e repassando religiosamente generosas verbas que alimentam a beligerância de militantes que, claramente, optaram pelo desrespeito à lei e às instituições democráticas.
O Movimento dos Sem-Terra suscitou, quando do seu surgimento, uma grande onda de esperança pelo país afora. Por fim aparecia uma organização destinada a dar voz aos que careciam de representação, na grande malha de interesses clânicos em que terminou se inviabilizando, em não pouca medida, a nossa vida parlamentar. Ora, era necessária a criação de um Partido que organizasse politicamente os camponeses pobres do interior, que ficaram boiando na hinterlândia existente entre as agroindústrias, no Norte, no Centro-Oeste, no Nordeste, no Sul, no Sudeste deste imenso país. O repto do MST era grande. Grandes eram também as suas chances de aglutinar, num agrupamento político de significativa densidade, esses interesses esquecidos. Mas, com o correr dos anos, a utopia foi-se esvaindo na prática da malandragem às custas do Tesouro. O MST deixou de ser Mito e se transformou em prosaica realidade de clientelismo, de violência, de abafamento da verdade, de desrespeito à lei e aos demais cidadãos. Poderia ter-se transformado em Realidade renovadora dos nossos costumes republicanos. Mas não aconteceu esse belo ideal.
Como foi possível chegar a esse estado de coisas? É o que tentarei explicar, na medida em que for analisando algumas das características mais marcantes do Movimento dos Sem-Terra.  Desenvolverei os seguintes itens: I – Origens do Movimento. II – Períodos de desenvolvimento do MST. III – Modelo estratégico (econômico, político e militar) do Movimento. IV – Modelo educacional dos Sem-Terra. V – O MST no contexto internacional. VI – Aspectos jurídicos do MST. Numa última parte deste estudo, à maneira de Considerações Finais, centrarei a atenção nas alternativas que se desenham para o Brasil a partir das variáveis estudadas, numa perspectiva estratégica, centrada na idéia de que o Brasil deve organizar, neste século que se inicia, um Estado moderno, pluralista e aparelhado com projetos viáveis e democráticos, que ajudem a torna-lo uma grande Nação.
Os nossos projetos estratégicos, no ciclo republicano, infelizmente foram pensados no contexto do autoritarismo tecnocrático, de inspiração comteana e saint-simoniana e de origem, mais imediatamente, castilhista. Isso aconteceu com o Estado Novo de Getúlio. Isso afetou, ainda, na segunda parcela do século passado, à proposta desenvolvida pelo ciclo militar. Regredimos claramente em relação ao que se tinha conseguido no Império, quando uma elite aberta à ciência e à cultura e conhecedora do que se passava no resto do mundo, concebeu projetos estratégicos abertos à defesa da liberdade e da modernidade, como Ubiratan Macedo lembra ao ensejo do estudo da obra do Visconde do Uruguai [cf. Macedo, 1978: 221-243]. Nunca é tarde para começar. Talvez tenha chegado a hora de dar início à formulação de um pensamento estratégico de longo curso, que pense o Brasil do século XXI a partir de uma perspectiva de Estado, abandonando de vez velhos complexos neocoloniais e patrimonialistas, e deixando para trás os estéreis radicalismos ideológicos.

I - Origens do Movimento dos Sem-Terra

São nítidas as origens do MST, segundo os seus historiadores. Elas deitam raízes na pregação dos teólogos da libertação, que deram ensejo ao surgimento de inúmeras Comunidades Eclesiais de Base, ao longo do Brasil, no decorrer das décadas de 60 a 80 do século passado. O Movimento constituiu-se como organização de abrangência nacional em janeiro de 1984, após o primeiro encontro nacional, em Cascavel, Paraná. O seu centro de atuação foi a região sul do Brasil. Como frisa Émerson Silva, “a crise da agricultura familiar no norte do Estado do Rio Grande do Sul provocada pela modernização agrícola, pela alta densidade demográfica da região e pelas condições culturais (religião) e políticas (recrudescimento das mobilizações populares), transformou o Alto Uruguai numa região vital para a organização do MST” [Silva, 2004: 37-38]. Nessa influência religiosa foi de capital importância a releitura dos textos bíblicos, notadamente do Antigo Testamento, à luz de uma perspectiva política que privilegiava a ação dos pobres, destacando os ideais de autonomia, historicidade, democracia, participação e partilha.
Eis a forma em que o citado autor aglutina esses ideais ao redor do conceito político de direção coletiva do Movimento: “As influências do ideário do MST não se resumem à análise de experiências anteriores, mas também à intervenção dos agentes de pastoral vinculados à Teologia da Libertação. No processo constitutivo do movimento, valores intrínsecos ao trabalho pastoral da Teologia da Libertação, como autonomia, sujeito histórico, democracia, participação e partilha, foram relevantes na formação do movimento. A característica política do MST, que citamos anteriormente, em grande medida senta raiz na relação de setores da Igreja Católica e da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (IECLB), cuja práxis foi incentivar a luta à ação dos sem-terra para conquistarem terra no Estado de origem, não aceitando mais a política de colonização do governo militar da época. Esse trabalho de evangelização, orientado pelos conceitos de autonomia e participação política, de auto-organização baseada no Livro do Êxodo, da Bíblia, e de distribuição em oposição ao de acumulação, influenciou a composição teórica e organizativa do MST. Expressões dessa influência são o modelo de movimento de massas, a direção coletiva e o caráter político” (o destaque no texto é nosso) [Silva, 2004: 130-131].
Modelo de movimento de massas, direção coletiva, caráter político: eis três elementos essenciais à configuração do ideário do MST como corolário do messianismo político da Teologia da Libertação. Messianismo que, certamente, abrange não apenas a releitura dos textos bíblicos, mas também uma concepção estratégica de tomada do poder no seio das comunidades camponesas, por parte de ativistas formados ideologicamente nas teses do marxismo–leninismo. Trata-se de um messianismo vivenciado no contexto do que se denomina de militância, entendida como “um engajamento ativo pela efetiva realização dos objetivos implicados numa causa social, política, religiosa, à qual se aderiu voluntariamente. Ela é, portanto, uma forma de agir diferente da simples realização de uma determinada atividade, profissional ou benévola, com horários a cumprir, ainda que sejam flexíveis, ou com leis trabalhistas a respeitar” [Ferreira, 2001: 65]. Os três itens destacados anteriormente mostram essa presença da ideologia revolucionária no discurso dos formatadores ideológicos do MST. Após a pregação dos teólogos e dos seus discípulos os catequistas ou agentes de pastoral, os camponeses gaúchos já não seriam mais os mesmos.
A eficiência dos novos pregadores foi grande no esforço em prol de deitar por terra a velha ordem agrária, alicerçada no respeito à legalidade. A doutrina pregada não foi o cristianismo tout-court, mas uma versão eclética de um messianismo político que misturava cristianismo e marxismo. A respeito, frisa Émerson da Silva: “A ação de agentes de pastoral vinculados à Teologia da Libertação possibilitou os primeiros instrumentos teóricos para que os indivíduos saíssem da postura passiva e passassem a organizar o MST” [Silva, 2004: 102]. Facilitou esse trabalho político-pastoral, o fato de o interior do Estado do Rio Grande do Sul ser muito rico em vocações sacerdotais. Não são poucos os jovens camponeses que ali passam pelo Seminário. O próprio João Pedro Stédile reconhece isto, quando afirma que “a maioria dos militantes mais preparados do movimento teve uma formação progressista em seminários da Igreja. Essa base cristã não veio por um viés do catolicismo ou da fraternidade. A contribuição que a Teologia da Libertação trouxe foi a de ter abertura para várias idéias. Se tu fizeres uma análise crítica da Teologia da Libertação, ela é uma espécie de simbiose de várias correntes doutrinárias. Ela mistura o cristianismo com o marxismo e com o latinoamericanismo” [Stédile / Fernandes, 1999: 59].
É interessante destacar que há uma incoerência no discurso da liderança do MST. Enquanto que os teólogos da libertação destacavam que a finalidade das comunidades eclesiais de base consistia fundamentalmente em propiciar uma nova forma de vivência do cristianismo politizado, mas sem pretender uma organização centralizada do poder [cf.Boff, 1994: 29; Silva, 2004: 49-50], o que terminou acontecendo, de fato, foi a submissão das comunidades eclesiais a uma ação centralizada, pensada desde cima pelos dirigentes do Movimento, afinados com a Comissão de Pastoral da Terra da CNBB, que passou a agir não propriamente como instância pastoral ou evangelizadora, mas como partido político para a implantação do socialismo coletivista no Brasil.
O fenômeno não é novo e revela que, na estrutura mental dos Teólogos da Libertação, sem bem é certo que se falasse de formas locais e espontâneas de vivência do cristianismo, os próprios ativistas cristãos utilizaram uma estratégia de rigoroso centralismo, semelhante à dos comunistas. Já em 1981 o sacerdote português José Narino de Campos (ferrenho opositor ao salazarismo), frisava na sua obra intitulada Brasil: uma Igreja diferente: “A crise da Igreja Católica no Brasil acompanhou a crise da Igreja no resto do mundo, porém aprofundando-a sob vários aspectos. A primeira consideração que ocorre ao espírito do observador, numa visão retrospectiva de vinte anos, é a extrema velocidade com que os bispos evoluíram neste imenso país, do tradicionalismo que os distinguia para uma das mais avançadas posições do progressismo cristão. Outra característica do processo resulta de ter sido comandado, sistemática e firmemente, pelo órgão superior da hierarquia eclesiástica, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Dominada pelos radicais a complexa estrutura da Conferência, puderam em poucos anos ser impostos, de cima para baixo, os novos cânones de comportamento, de um modo que faz muito lembrar a rebelião coletiva do Episcopado holandês. Existe uma diferença: no Brasil a maior parte dos bispos não aderiu aos desvios da teologia, mas tornou-se prisioneira e, desejando-o ou não, conivente da atuação da CNBB. (...) Alguns dos instrumentos mais eficazes na imposição das mudanças foram as publicações de propriedade da Igreja, a substituição dos seminários por formas empíricas de formação dos novos padres, a promoção anual da Campanha da Fraternidade, os retiros e cursos de espiritualidade, o sentido de confronto dado às relações da Igreja com o poder civil, a deformação da liturgia e da educação nos colégios católicos, destinados em geral às classes ricas, etc.” [Campos, 1981: 3-4].
Em outros termos: um eficiente aparelho (no mais puro sentido leninista) apoderou-se da administração da CNBB e enquadrou sem escrúpulos todo mundo, na opção de cristianismo politizado que interessava a eles, embora essa não fosse a escolha pessoal da maioria. Este fenômeno foi, aliás, sob diversos matizes, elemento predominante na radicalização dos cristãos latino-americanos nos movimentos de ação católica (JUC, JEC, JOC), muitos dos quais terminaram descambando na opção guerrilheira que tanto sangue fez verter ao longo do nosso Continente, graças à ação eficiente de lideranças radicais, sobretudo sacerdotes que estudaram em centros europeus como Louvain.
Mas voltemos à ação do Movimento dos Sem-Terra. A centralização imposta ao MST pelos seus dirigentes, em acordo com a Comissão de Pastoral da Terra da CNBB possibilitou que, já no governo Lula, o Movimento indicasse como Ministro do Desenvolvimento Agrário um ativista vinculado à ação das comunidades eclesiais de base no Rio Grande do Sul (Miguel Rossetto). A opção coletivista que terminou assumindo o MST levou importantes estudiosos a concluírem que “esta proposta, transformada em diretriz oficial a partir de 1988, entrou em conflito com a realidade da produção agrícola e suas particularidades, com as características socioculturais dos assentados, com a dinâmica própria da vida rural e, também, com as dificuldades macroeconômicas impostas à atividade produtiva agropecuária” na década de noventa do século passado [Navarro/Moraes/Menezes, 1999: 51].
Em que pese esse processo de centralização, as comunidades eclesiais de base continuam sendo as células inspiradoras da ação revolucionária do MST. A respeito deste ponto, frisa Émerson da Silva: “O MST foi gestado a partir da conscientização política promovida pelas Comunidades Eclesiais de Base e grupos da Pastoral da Terra. Percebem-se, ainda hoje, na organização do movimento, elementos teóricos e objetivos identificados com a Teologia da Libertação, como, por exemplo, a democracia direta e a participação autônoma dos militantes. (...) A formação do MST, a partir do diálogo com a Igreja progressista, desenvolveu dois princípios organizativos: a ampla participação do militante na estrutura do movimento e a heterodoxia teórica, ou seja, o estudo da cultura popular, da realidade social e econômica como ponto de partida para a elaboração teórica” [Silva, 2004: 49-50].
Papel importante no trabalho ideológico desenvolvido pelas comunidades eclesiais de base no seio do MST, corresponde à denominada “mística” do Movimento. Uma ação de caráter revolucionário, a ocupação de uma fazenda, por exemplo, é precedida de um período de preparação doutrinária, em que a leitura de textos bíblicos interpretados pelos pregadores é fundamental. Desenvolve-se assim uma espécie de “liturgia revolucionária”, que não é nova, pois já tinha sido posta em prática pelos movimentos guerrilheiros nos países andinos, no decorrer das décadas de 60 e 70 do século passado, com sacerdotes oficiando “missas revolucionárias” antes do empreendimento de ações armadas (como acontecia, por exemplo, no Exército de Liberação Nacional da Colômbia, chefiado pelo padre-guerrilheiro Manuel Pérez). No caso do MST, ouçamos o seguinte testemunho: “Para ocuparem a fazenda Bacaraí (Rio Grande do Sul), em 1989, os sem-terra realizaram um período de preparação no ano anterior. Por meio do diálogo com agentes de pastoral vinculados com a Teologia da Libertação e com representantes do MST, optaram por organizar-se para conquistar a terra. O contato inicial com o movimento ocorreu em meio ao contexto histórico de ascensão dos movimentos sociais, sobretudo do próprio MST, no final da década de 1980” [Silva, 2004: 106].
A “mística”, para o MST, tem o caráter de amálgama subjetiva do Movimento para a realização das suas ações transformadoras da realidade. Novos missionários do cristianismo politizado pela Teologia da Libertação, os líderes das comunidades entram numa espécie de transe místico, que lhes dá coragem para as novas ações e que eles repassam para os seus subordinados. Algo semelhante ao que acontece nas madrassas muçulmanas no Oriente Médio e no Paquistão, onde a pregação radical dos Mulás antecede às ações terroristas dos militantes suicidas, como foi destacado por Naipaul na sua obra Entre os fiéis.
Surge, ao ensejo dessa “espiritualização revolucionária”, uma nova liturgia em que os paramentos são as roupagens do camponês militante, ou os utensílios do trabalho agrícola. Eis o testemunho de um estudioso em relação a este ponto: “Outro elemento presente no MST, decorrente da Teologia da Libertação, é o da mística. Para os agentes de pastoral identificados com a Teologia da Libertação, mística é sinônimo de mistério, daquilo que é revelado por intermédio da simbologia e que permite a identificação do indivíduo com o grupo (...). O MST realiza a mística para promover a identificação ideológica e cultural dos sem-terra. Nesse processo, a simbologia (danças, dramatização, cantos, rituais) representa aquilo que não é expresso corriqueiramente pelo diálogo verbal. O sentimento de crença na mudança da sociedade é socializado pela totalidade do grupo, (pelo) movimento, por meio de símbolos-sínteses, como uma música que fale da luta histórica do camponês, como as ferramentas de trabalho do camponês, ou por uma dramatização que remonta a uma passagem histórica do grupo ou de uma liderança relevante para o MST, como Paulo Freire ou Che Guevara. A mística, para o MST, é uma prática social que possibilita a unidade interna e é inovadora na sociedade brasileira. Acreditamos que o movimento adaptou a mística desenvolvida pelos agentes de pastoral à sua necessidade de expandir a capacidade de mobilização da militância para dar conta dos desafios enfrentados pelo MST” [Silva, 2004: 52].
Já o Che Guevara tinha dado à empresa revolucionária esse caráter de cruzada mística. É famoso o texto do ativista argentino, em que ele compara a luta armada para implantar o comunismo a um martírio consciente. Esse chamado revolucionário considerava o Che, deveria ser dirigido, sobretudo, à juventude. Eis as suas palavras: “Nós, os socialistas, somos mais livres porque somos mais plenos; somos mais plenos pelo fato de sermos mais livres. O esqueleto da nossa liberdade completa está formado, falta a substância protéica e a roupagem; criá-los-emos. A nossa liberdade e o seu fundamento cotidiano têm cor de sangue e estão cheios de sacrifício. O nosso sacrifício é consciente: quota para pagar a liberdade que construímos. O caminho é longo e desconhecido em parte: conhecemos as nossas limitações. Faremos o homem do século XXI: nós mesmos. Forjar-nos-emos na ação cotidiana, criando um homem novo com uma nova técnica. A personalidade joga o papel de mobilização e direção, enquanto encarna as mais altas virtudes e aspirações do povo e não se afasta do caminho. Quem abre o caminho é o grupo de vanguarda, os melhores entre os bons, o Partido. A argila fundamental da nossa obra é a juventude: nela depositamos a nossa esperança e a preparamos para tomar das nossas mãos a bandeira. Se esta carta balbuciante aclara alguma coisa, cumpriu o objetivo com que a envio. Receba a nossa saudação ritual, como um aperto de mãos ou um Ave Maria Puríssima. Pátria ou morte” [Guevara, 1977: II, 383-384].
A “mística” do MST tem a sua história, uma espécie de “saga libertadora”, que o faz entroncar com outros movimentos messiânicos já vivenciados por grupos radicais, que lutaram pela terra na história brasileira. “O MST, frisa Emerson Silva, identifica-se com a história do messianismo, (do) cangaço e das ligas camponesas. Conforme o olhar do movimento sobre a história social do Brasil, o MST classifica as disputas de terras no período de 1888 a 1964 em três tipos: as lutas messiânicas, que se deram entre 1888 e a década de 1930; as lutas radicais localizadas e espontâneas, entre 1930 e 1954; e as lutas organizadas, com caráter ideológico e de alcance nacional, entre 1950 e 1964. Este último nível de organização foi representado pelas Ligas Camponesas, pelo Movimento dos Agricultores Sem-Terra (MASTER) e pela União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (ULTRAB). E o MST considera-se herdeiro direto das Ligas Camponesas” [Silva, 2004: 54]. Essa saga libertadora não se circunscreve, contudo, ao Brasil. A Mística dos Sem-Terra vincula-se, ultrapassando o espaço e o tempo, à mística que animou, no século passado, aos cristãos pelo socialismo, que lutaram nos países hispano-americanos, notadamente no Chile, para implantar o regime coletivista na sua pátria [cf. Torres, 2001: 64].
Qual era o principal objetivo prático a ser atingido com essa “mística”? Ou, em termos mais especializados, seguindo a linguagem dos historiadores do MST, qual “a alteração subjetiva do ideário dos sem-terra” a ser atingida? O objetivo era claro: passar a entender a subordinação econômica como fruto da lógica da injustiça social. A perspectiva da visão imobilista tradicional “relativa à acumulação foi transferida para uma nova dinâmica que mobilizou os sem-terra: a distribuição” [Silva, 2004: 51]. Poder-se-ia explicitar esse processo da seguinte forma: “A Igreja começa a trabalhar o problema não na perspectiva da acumulação, mas na perspectiva da distribuição. É isso que vai marcar toda a posição dela até hoje, trabalhar com a idéia do pobre e da pobreza, e não com a idéia da acumulação” [Martins, 1985: 119].

II - Períodos de desenvolvimento do Movimento dos Sem-Terra

Os estudiosos identificam cinco períodos na evolução do MST. Os limites entre eles estão fixados pelas alterações no ideário político do Movimento. Acompanhemos a caracterização de cada uma dessas etapas.
1) O primeiro período corresponde à retomada das mobilizações pela terra em 1979. Os trabalhadores rurais sem-terra tornaram-se conscientes de que deveriam empreender caminho diferente ao escolhido pelos militares no Estatuto da Terra. Os planos de colonização propostos pelo governo deveriam ser rejeitados, pois tinham como finalidade desmobilizar o campesinato, integrando-o passivamente, à maneira getuliana, ao sistema produtivo capitalista. Nesta primeira etapa de denúncia e de rejeição ao modelo tecnocrático-militar, foi de grande valor a pregação dos teólogos da libertação e de seus auxiliares. “Eles difundiram valores tais como comunitarismo, sujeito histórico, autonomia, que foram ressignificados pela cultura e experiência histórica dos sem-terra, promovendo, dessa forma, a criação da subjetividade necessária para o desenvolvimento do MST” [Silva, 2004: 65]. Ou, como frisa João Pedro Stédile, “o trabalho da Igreja foi fundamental para despertar uma nova consciência nos camponeses. Talvez não foi tanto uma consciência de classe no sentido marxista, mas a consciência da necessidade de se organizar” [Stédile, 2001: 111].
Este primeiro período é marcado, de acordo com os historiadores do Movimento, pela retomada de um ideal antigo, acalentado pelas Ligas Camponesas: a Reforma Agrária como meio para acabar com o monopólio estabelecido pela classe dominante. A respeito, escreve conhecida historiadora: “O receio da reforma agrária proposta por João Goulart, sob a pressão das massas populares, gerou o golpe de Estado urdido pela classe dominante e assumido pelos militares. O MST foi buscar a ponta do novelo que ficou perdida desde o aniquilamento das Ligas Camponesas pelos militares em 1964 (...), principalmente porque defendiam uma reforma agrária, para acabar com o monopólio da terra pela classe dominante” [Morissawa, 2001: 120]. O MST tomaria emprestados aos movimentos populares pela terra anteriores a 1964, alguns elementos que são assim elencados por um dos estudiosos: “A experiência dos camponeses, positiva ou negativa, ocorrida no período pré-64, não determina diretamente a constituição do MST, mas alguns elementos são pinçados e ressignificados pelos sem-terra, tais como: ocupação como meio de luta e dependência política do Estado (Movimento dos Agricultores Sem-Terra – MASTER), radicalidade da proposta de reforma agrária, massificação da mobilização, direção centralizada por pessoas estranhas ao meio camponês (Ligas Camponesas)” [Silva, 2004: 57-58]. Um pouco mais adiante, ao tratarmos do modelo econômico-político dos Sem-Terra, desenvolveremos mais as implicações práticas desses empréstimos doutrinários.
2) O segundo período corresponde à unificação das lutas e surgimento do MST, nos anos 1984-1985. Os sem-terra e trabalhadores rurais chegaram à conclusão de que era necessário conferir à luta pela terra uma organização coletiva. Isso se deu no I Encontro Nacional do MST, realizado em Cascavel, Paraná, em janeiro de 1984. A propósito disto, frisa Emerson da Silva: “O surgimento do MST é síntese do processo de lutas locais dos camponeses e trabalhadores rurais, cuja organização nacional surgiu a partir da generalização do conflito pela terra no Brasil e da necessidade de aglutinar forças para disputar com o Estado uma política agrária alternativa (àquela) que estava sendo aplicada pelos militares” [Silva, 2004: 66].
3) O terceiro período caracteriza-se pela consolidação dos assentamentos e pela organização da produção por parte do MST, entre 1986 e 1988. O dilema enfrentado nesta etapa foi o de se deveriam sair do Movimento aqueles camponeses que tivessem conquistado a posse da terra. Foi elaborada, então, pelos diretores do MST, uma noção ampla do que seria um “sem-terra”. Este consistiria, fundamentalmente, num militante a serviço incondicional do Movimento. (Isto explica, aliás, o estranho fenômeno de militantes urbanos do MST, que pernoitam nas cidades, mas que, durante o dia, fazem uma pontinha no assentamento a eles assinalado). Ficou claro que os assentamentos não visavam apenas à produção a partir da posse da terra, mas a garantir a permanência de um movimento revolucionário no campo. A luta pela reforma agrária, segundo o MST, contempla a diuturna mobilização dos assentados, a fim de continuar lutando em prol da formulação e realização de políticas públicas que garantam a permanência dos Sem-Terra nas propriedades invadidas [cf. Stédile, 2001c: 112].
4) O quarto período é o da crise na produção, da repressão política e da “síntese produtiva”, entre 1989 e 1994. Os ativistas do MST chegaram à conclusão de que manter um modelo de agricultura familiar, de subsistência, não era suficiente. Tornava-se necessário integrar a agricultura familiar dos assentamentos ao mercado, mas evitando que surgisse, neles, a livre iniciativa capaz de fazer deslanchar uma produtividade não controlada pelo Movimento. Para manter o trabalho dos assentados numa dimensão coletivista que possibilitasse, além de comercializar produtos para subsistir, manter a sua permanente mobilização, foi criado o Sistema Cooperativista dos Assentamentos – SCA. Com a finalidade de fazer frente à repressão política do governo federal, que passou a “criminalizar” as invasões de terras, foi deflagrado amplo processo de formação de lideranças cooperativistas, mediante a instauração do Curso Técnico em Administração de Cooperativas (TAC), cujo centro irradiador foi a Escola José de Castro, em Veranópolis (Rio Grande do Sul).
5) O quinto período é o de superação dos efeitos do neoliberalismo, entre 1994 e 2005, e de tentativa de implantação, no país, de um modelo de socialismo coletivista. Em face da política econômica do governo de Fernando Henrique Cardoso, que deu continuidade à implantação do denominado “programa neoliberal no país” e no qual a agricultura brasileira modernizou o padrão tecnológico da agroindústria, provocando – no sentido dos analistas do Movimento - o desemprego e aumentando o poder de latifundiários e de empresas agropecuárias, notadamente as estrangeiras, o MST partiu para a mobilização nacional tendo realizado, em 1997, a Marcha Nacional por Terra com destino à Brasília, que durou dois meses. Além disso, o Movimento vestiu a camisa de luta de caráter internacional pela reforma agrária e inseriu-se na Via Campesina (de que trataremos mais adiante). O balanço das atividades revolucionárias do MST no período apontado é assim sintetizado em documento da Pastoral da Terra: os conflitos agrários tiveram um aumento considerável (no período 1995-1999). Em 1995, foram registradas 146 ocupações de terras no Brasil, ao passo que, em 1998, esse número subiu para 599 ocupações [CPT, 1999: 21].

III - Modelo estratégico (econômico-político-militar) do Movimento dos Sem-Terra

Sobre o pano de fundo ideológico acima descrito, os teóricos do MST desenvolveram um modelo estratégico de índole coletivista (com ênfase nos aspectos econômico e político), que visa à tomada do poder para transformar radicalmente a sociedade brasileira. As características marcantes desse modelo são as seguintes:
1) O modelo obedece a uma síntese heterodoxa de idéias, caracterizada por um discurso que mistura, numa espécie de caldo ideológico denominado de ecletismo teórico, conceitos provenientes do marxismo-leninismo, do maoísmo, da Teologia da Libertação, da pedagogia de Paulo Freire, da teoria política de Gramsci, da mística New Age, da reflexão sobre a realidade histórica brasileira, etc. Em que pese isto, estudiosos simpáticos ao movimento frisam que “não se importaram modelos externos e estabeleceu-se um diálogo reflexivo com a objetividade histórica” [Silva, 2004: 71].
É bem verdade que, além das influências ideológicas apontadas, os teóricos do Movimento privilegiam aqueles autores que, do ângulo marxista ou dos interesses das lutas populares, se debruçaram sobre a questão agrária na América Latina. A respeito, frisa Emerson Silva: “O MST tem como referência algumas experiências históricas e intelectuais da questão agrária na América Latina, tais como José Martí, Caio Prado Júnior, Che Guevara, a Revolução Cubana e as Ligas Camponesas. A identificação do MST com a cultura insurgente do campesinato latino-americano é consubstanciada, sobretudo, na constituição teórica do MST, cujo caráter criativo, não ortodoxo e adequado à realidade nacional está em harmonia com a tradição de lutas sociais agrárias, que recusa a importação de esquemas teóricos estranhos à realidade, tal como a reflexão de José Martí em Nossa América ou Caio Prado Júnior na Revolução Brasileira” [Silva, 2004: 129].

2) O modelo é definido como “uma estratégia de resistência ao capitalismo”, com dois objetivos econômicos: a) democratização do uso da terra, modernização e implantação definitiva da agricultura familiar, como alternativa para a agricultura vinculada ao grande capital, que deve ser combatida; b) a manutenção do sem-terra no campo, mediante trabalhos que lhe garantam a sobrevivência, de forma a torná-lo independente do grande capital.
A finalidade do MST não é, com certeza, a Reforma Agrária. Alude-se a esta como meio para efetivar a mobilização dos camponeses. Mas uma Reforma Agrária voltada para a produção capitalista, é simplesmente descartada. A finalidade buscada é a resistência ao capitalismo atrás apontada. É o que fica claro no seguinte texto de um dos historiadores do Movimento: “De fato, durante algum tempo, no governo, acreditava-se que assentando as famílias acampadas, o problema dos sem-terra estaria resolvido. Que as famílias que pleiteavam terra são somente as que estão acampadas. E que, afinal, não existiria tanto sem-terra. Todavia, o problema não se resolvia, mas se multiplicava. E isso acontece pelo fato de o assentamento não ser o fim da luta, mas sim o território de início de novas lutas, e porque pelas experiências históricas e (pela) consciência política, os sem-terra sabem que só colherão o que plantarem” [Fernandes, 2001: 42].
Manifestação importante da luta contra a Reforma Agrária capitalista consiste na sistemática ocupação de terras, não apenas de latifúndios improdutivos, mas também daqueles que, embora produtivos, estejam, no sentir dos ativistas do MST, a serviço das classes dominantes e do capitalismo internacional. A sistemática ocupação de terras, antes de qualquer outra medida, essa foi uma das heranças que o MST tomou dos movimentos contestatórios anteriores a 1964, como o MASTER (Movimento dos Agricultores Sem-Terra) e as Ligas Camponesas. O que se vê neste ponto é um enorme preconceito contra a iniciativa privada, a empresa capitalista e o enriquecimento daí decorrente. Certamente, são aspectos que o MST herda da antiga tradição contra-reformista, tão presente na nossa cultura.
Somente poderá se falar em Reforma Agrária quando tiver sido implantado no Brasil o modelo de socialismo marxista apregoado pelos teólogos da libertação. O Movimento dos Sem-Terra adotou esse pressuposto na sua proposta política. As mudanças estruturais que conduzirão à implantação do coletivismo agrário constituem a condição sine qua non da ação política do Movimento. “O MST, frisa Emerson Silva, caracteriza-se por propor mudanças estruturais na sociedade brasileira como única forma de efetivação da reforma agrária e justiça social para todos os segmentos subalternos, tanto da cidade como do campo, pois o diálogo conflituoso do MST com o Estado corporifica a estratégia política do movimento” [Silva, 2004: 130]. É da mesma inspiração o teor das seguintes palavras de um documento oficial do MST, que apregoa uma Reforma Agrária que substitua a atual estrutura capitalista por uma sociedade igualitária e socialista: “Essa proposta de reforma agrária se insere como parte dos anseios da classe trabalhadora brasileira de construir uma nova sociedade: igualitária e socialista. Desta forma, as propostas de medidas necessárias fazem parte de um amplo processo de mudanças na sociedade e, fundamentalmente, de alteração da atual estrutura capitalista de organização da produção” [MST, 1998: 19].
Como o capitalismo da agroindústria se materializou, na economia brasileira, no modelo agroexportador que possibilita ao governo negociar a dívida externa mediante a geração de superávits primários na economia, torna-se imperativo para o MST lutar frontalmente contra o agronegócio, que estaria vinculado exclusivamente ao benefício do latifúndio e das multinacionais. Nessa contestação, vale a prática da democracia direta plebiscitária, tão do agrado, aliás, dos ditadores. A democracia representativa simplesmente é ignorada. O Movimento, vale a pena lembrar, colaborou estreitamente com a CNBB e com outros organismos, na realização, em 2001, do Plebiscito Nacional da Dívida Externa, bem como na programação, no ano seguinte, do Plebiscito Nacional da Área de Livre Comércio das Américas. Nessas iniciativas destinadas a enfraquecer, no Brasil, o agronegócio, a fomentar o isolacionismo em relação à Alca e a estimular o calote internacional, o MST ganhou o apoio de entidades internacionais. No caso específico das manifestações contra a Alca, um representante da Christian Aid (agência britânica ligada ao Ministério de Desenvolvimento e Relações Internacionais, o antigo Gabinete Colonial) participou dos trabalhos do Tribunal da Dívida Externa, organizado pela CNBB e o MST. Além disso, em outubro de 1997, o viceministro George Fowles recebeu em Londres, com apoio dessa entidade, a visita de um dos principais líderes do MST, Delwek Matheus. A supracitada entidade organizou, de outro lado, a viagem de Deolinda Alves de Souza, esposa de José Rainha, pelas principais capitais da Europa [cf. MSIA, 1999: 8-10].

A adoção, pelos militantes do MST, da agricultura ecológica não corresponde propriamente a um critério para tornar lucrativa a produção dos assentamentos, melhorando a sua competitividade. O cerne desta opção é a contraposição ao sistema perverso do capitalismo, como se houvesse alternativas produtivas não-capitalistas, ou como se todas as formas de produção capitalista estivessem a priori comprometidas com a destruição da natureza. Contestação, essa é a palavra de ordem. A respeito, frisa Emerson Silva: “A ação política que representa a organização da produção e do trabalho em torno do cultivo ecológico estabelece um modelo alternativo ao capitalista, no qual a agricultura está direcionada à acumulação de capital das corporações industriais do ramo de máquinas, agrotóxicos e fertilizantes químicos. (...) A disputa pela manutenção econômica dos assentados não pode estar dissociada da contestação das estruturas sociais” [Silva, 2004: 118].

As políticas públicas dos últimos governos, incluindo a segunda administração de Fernando Henrique Cardoso, só serviram – no sentir dos teóricos do MST - para aumentar a concentração da riqueza e beneficiar a minoria dos que sempre se enriqueceram, as denominadas classes dominantes. “Nas últimas décadas, frisa documento do MST, as classes dominantes e seus governos aplicaram uma política econômica para a agricultura na busca permanente de quatro objetivos básicos: a) produzir para exportar; b) produzir para o mercado interno a preços baixos, com a finalidade de manter baixo o custo da reprodução da força de trabalho (...),  c) liberar mão de obra no campo para a cidade como pressão para baixar os salários; d) produzir matérias-primas baratas para a indústria” [MST, 1995: 6]. Convenhamos que tal caracterização, além de simplória, é falaciosa. Nem uma palavra se diz da política de assentamentos deflagrada pelos dois governos do PSDB. De outro lado, produzir para exportar não é nenhum crime econômico, muito pelo contrário, é a condição básica para gerar divisas, a fim de melhorar a situação das contas públicas e poder investir nas áreas essenciais da saúde e da educação.

3) O meio através do qual são conseguidos os dois objetivos mencionados, consiste na efetivação do cooperativismo coletivista de inspiração maoísta. Esta forma de associação é assim caracterizada: “um cooperativismo alternativo ao modelo econômico capitalista, demonstrando para a sociedade que é possível organizar a economia sobre outras bases e valores” [Silva, 2004: 62]. Tal modelo deve produzir dois efeitos correlatos: em primeiro lugar, educação coletivista dos produtores para que abandonem qualquer veleidade individualista e, em segundo lugar, capacidade para liberar lideranças para atuar no movimento. Decorre desse modelo cooperativo maoísta o fortalecimento do movimento. A propósito, frisa documento oficial do MST: “Esse paradigma produtivo privilegiava o trabalho coletivo. Os sem-terra que trabalhavam de forma individual serão incorporados, em grande parte, a partir da maturação desse modelo. Na primeira metade da década de 1990, ocorreu um período de crise das cooperativas implantadas. Como síntese desse processo, a cooperação agrícola passou a contemplar os assentados por meio do mutirão e da troca de serviço, dos grupos semicoletivos, das associações, dos grupos de trabalho coletivos” [MST, 1997: 29-30].

4) O modelo pressupõe, nos terrenos político e do planejamento econômico, o velho “centralismo democrático”, ao qual foi se chegando – segundo os analistas do MST - através das contradições sofridas pelas várias cooperativas isoladas, até que estas descobriram que somente na cooperação coletivista de todos era possível superar as contradições econômicas. O termo coletivo tem o sentido de identificar grupos de assentados que abandonaram uma cooperativa fechada e estabeleceram, com outras cooperativas, uma relação de produção cooperada ou de massas. Quem exerce, em última instância, o controle sobre o planejamento econômico das várias cooperativas integradas ao MST? Embora se fale em “participação de todos”, é claro que há uma elite burocrático-técnica que define políticas e assinala metas estratégicas. É isso que Zander Navarro identifica como “princípios coletivistas”, que dominam ao MST. Para este analista, “aos poucos o MST centralizou suas decisões (...) tornando-se menos democrático e aberto à participação de seus aderentes (...). Tornou-se, portanto, nos anos recentes, um movimento de quadros, em consonância com o manual leninista” [Navarro, 1996: 90].

Trata-se, portanto, de um movimento de massas administrado ferreamente à luz de princípios coletivistas. Que o MST responde a essa estrutura, ninguém oculta. Não se submete nem a um sindicato, nem a uma igreja. Surgido ao ensejo da pregação da Teologia da Libertação, o Movimento é autonomamente dirigido, de maneira leninista, pelos seus quadros. O seguinte trecho, de João Pedro Stédile e de Bernardo Mançano Fernandes, deixa claro esse caráter autônomo do Movimento: “O I Encontro Nacional do MST foi realmente fundamental porque definiu a concepção do movimento. Majoritariamente, acreditávamos que um movimento de luta pela terra, pela reforma agrária, só daria certo se fosse um movimento de massas. Não poderia ser nem um movimento de sindicato nem de Igreja. Por último, adotou-se a concepção de que o movimento deveria ser independente, manter sua autonomia” [Stédile/ Fernandes, 1999: 50]. Mas, trata-se de uma autonomia rigorosamente controlada pelos dirigentes do MST, que exercem sobre o Movimento uma direção coletiva. Tudo, desde o acampamento até a organização nacional, gira em torno de comissões. Mas estas devem obedecer ao que for determinado pelas comissões superiores, a nível estadual e a nível nacional. No topo da pirâmide, há uma direção nacional de 21 membros, que é a que dita as normas fundamentais [cf. Stédile, 2001c: 122].

5) Os ideólogos do MST ressuscitaram o velho modelo pombalino do Estado Empresário. Em decorrência do fato de o capital, o mercado e o lucro terem sido banidos do modelo coletivista apontado, o resultado econômico não poderia ser outro: a falência dos assentamentos. Para equacionar este problema, o Estado-Empresário garante a sobrevivência dos mesmos mediante a generosa distribuição, aos militantes, de auxílios e incentivos. O Movimento aproxima-se, assim, do modelo econômico defendido pelo PT antes do processo eleitoral de 2003 [Cf. Paim, “Ainda o socialismo petista”. In: Jornal da Tarde. 21/02/1994]. O raciocínio é o seguinte: contra a agroindústria poluidora (que deve ser esfacelada), fortaleça-se a agricultura ecológica familiar financiada pelo Estado. Para que isto se torne possível, é necessário que o Movimento dos Sem-Terra esteja sempre em atitude de luta, constantemente mobilizado em contínuas ações de agitação e de ocupação de terras. Garantir a presença do MST na mídia, na internet e demais instrumentos hodiernos de comunicação, é fundamental.

O que se tem visto nos últimos anos comprova realmente essa estratégia. Maciços e barulhentos movimentos de agitação no campo e nas cidades (“Abril Vermelho” e outros), acuam o governo federal que, para evitar maiores problemas e não ser alcunhado de neoliberal, termina transferindo vultuosas somas do orçamento da agricultura familiar para o Movimento dos Sem-Terra. Isso aconteceu no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e acontece mais explicitamente agora, incluindo visitas presidenciais e dos ministros de Estado aos assentamentos que invadiram terras produtivas. Recente levantamento feito pela revista Veja mostrou que o Governo do PT já pagou 22 milhões de reais, pelo menos, para três cooperativas de assessoria técnica e educacional ligadas ao MST e investigadas por suspeita de desvio de dinheiro para financiar invasões. Foram pagos, também, 7,2 milhões de reais para “programas de alfabetização” de assentados ou acampados que, na prática, “são cursos de doutrinação” do Movimento. Foram repassados, pelo Ministério da Educação, 300 mil reais para a expansão da Escola Nacional Florestan Fernandes, a universidade do MST, que tem como finalidade, segundo um dos dirigentes do Movimento, “formar quadros para ocupar terras” [Rizek, 2005: 43].
Existe uma paradoxal coincidência entre o repasse de verbas oficiais às cooperativas do MST sob suspeita de desvio de dinheiro e o aumento do número de invasões a propriedades: em 2001 foram repassados ao Movimento 2,3 milhões de reais e o número de invasões foi de 158; em 2002 o repasse caiu um pouco, para 1,8 milhão de reais e as invasões também caíram para 103; já em 2003, os repasses aumentaram para 7,3 milhões e as invasões, paradoxalmente, cresceram para 222; em 2004, para 11,2 milhões de reais recebidos pelas cooperativas, as invasões pularam para 327. Para facilitar as coisas, o MST plantou os seus representantes no próprio coração do Estado. Dos 29 superintendentes do Incra (que tem como função mediar nos conflitos agrários) 12 são ativistas diretamente ligados ao Movimento, ou simpatizantes dele [cf. Rizek, 2005: 43-44]. Estes dados revelam o funcionamento do mecanismo que apontávamos acima: agitação e invasões do MST, seguidas de repasse de verbas oficiais. Tudo facilitado pela privatização patrimonialista do Estado pela corporação dos militantes.

Esta é uma variante do que as FARC praticam na Colômbia, onde vige o denominado clientelismo armado. Para os guerrilheiros não bombardearem a cidade escolhida como objeto da chantagem, o município deve aprovar o repasse do 10% do orçamento à organização guerrilheira [cf. López/Rodríguez/Lesmes, 1992: 26-32]. Versão primorosa desse clientelismo “na marra”, decorrente da ocupação ilegal de terras ou prédios públicos pelos militantes, foi dada por José Rainha Júnior, em entrevista dada aos jornalistas Daniel Hessel Teich e José Luiz Longo: “Nossa tática é a mesma: ocupar. Como você acha que saiu essa verba do Procera? Quando nós ocupamos a agência do Banco do Brasil de Teodoro Sampaio e ocupamos a sede regional de Presidente Prudente. O dinheiro saiu em prazo recorde. O Estado é obrigado a nos dar esse incentivo, e ele vai ter que fazer isso, vai ter que construir casa para a gente, sim. Não adianta vir e falar que não tem dinheiro. Olha para a minha cara e vê se eu pareço um burro. Não pareço e não sou. Tenho pouca instrução, mas sei o que quero e sei o que acontece neste país” [Teich/Longo, “Conquistamos a atenção do país”. In: O Globo, 15/10/1995].

É evidente que a prática desse populismo agrário, de distributivismo irresponsável, tem trazido sérios entraves ao desenvolvimento agrícola do país. Roberto Campos, uma das vozes mais lúcidas do Brasil nas últimas décadas do século passado, afirmava em 1998: “Como fui o principal articulador do Estatuto da Terra, proclamado pelo governo Castelo Branco, no período 1964-67, considero-me com autoridade para falar sobre reforma agrária. Assente sobre o tripé da tributação progressiva sobre latifúndios improdutivos, colonização de novas áreas e, apenas excepcional e residualmente, a desapropriação em áreas de conflito agudo, o Estatuto, se implementado com a urgência que merecia, teria evitado a acumulação de pressões explosivas, que estão levando a um radicalismo ideológico, ineficaz como solução agrária e sangrento como instrumento político. (...) No momento vivemos um paradoxo. Terras foram desapropriadas, talvez em excesso. Lavradores desanimados não encontram compradores para suas terras. E pequenos e médios produtores reclamam que o governo gasta dinheiro demais para assentar os sem-terra de duvidosa vocação agrícola, enquanto faltam crédito e apoio para os que já produzem” [Campos, 1998: 15].

6) O modelo estratégico do MST tem o seu aspecto militar. Embora alguns grupos dissidentes (como o Movimento de Libertação dos Sem-Terra, MLST, dirigido por Bruno Maranhão, da ala Brasil Socialista do PT) tenham apelado para a necessidade de o confronto ser realizado à maneira das guerrilhas, a tática desenvolvida assemelha-se, no entanto, à utilizada pelas forças regulares.

Eis o relato que, dessa modalidade de luta, fez o jornalista Daniel Hessel Teich, que entrevistou o major Cavagnari, da Unicamp: “A tática empregada pelos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) em nada lembra a das formações guerrilheiras. A avaliação é feita pelo diretor do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, major Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, que compara as ações do MST à tática geralmente utilizada pelas forças regulares, mais precisamente aos ataques de infantaria dos grandes exércitos. – A guerrilha age em pequenos grupos, de forma oculta e clandestina, e sempre recua à primeira resposta mais potente do inimigo – diz o major Cavagnari. Especialista em estratégia militar, Cavagnari pondera que a comparação entre a tática do MST e das forças regulares não pode ser levada às últimas conseqüências, porque os sem-terra não constituem um grupo armado ou paramilitar. Mesmo que alguns de seus integrantes tenham armas, o grupo não se impõe pela violência. – O MST se apóia no grande número de famílias que executa as invasões e, em maior grau, na simpatia que setores da sociedade têm pela causa. Na opinião de Cavagnari, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra deve ser definido como um movimento de insurgência civil pacífico que tenta ganhar o apoio da sociedade para suas ações. O professor diz que o confronto armado é um risco aceito pelo MST, mas não desejado, pois os sem-terra sabem que, na maioria dos casos, não têm chance de vencer a polícia ou grupos paramilitares: - Eles fazem uma resistência ativa e não se intimidam com as pressões representadas pela reação dos fazendeiros ou da polícia. Na verdade, a morte de companheiros em confrontos desse tipo só aumenta a motivação dos sem-terra – assinala o professor da Unicamp, citando como exemplo o massacre de Corumbiara” [Teich, “Movimento age na contramão das guerrilhas”, O Globo, 15/10/95, p.13].

Vale a pena chamar rapidamente a atenção para algumas contradições presentes nas apreciações estratégicas do major Cavagnari: “os sem-terra não constituem um grupo armado ou paramilitar, mesmo que alguns de seus integrantes tenham armas”; “o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra deve ser definido como um movimento de insurgência civil pacífico; o confronto armado é um risco aceito pelo MST. Eles fazem uma resistência ativa e não se intimidam com as pressões representadas pela reação dos fazendeiros ou da polícia. Na verdade, a morte de companheiros em confrontos desse tipo só aumenta a motivação dos sem-terra (o grifo, em itálica, é da minha autoria). Seria santa ingenuidade pensar que, após a radical pregação dos teólogos da Pastoral da Terra e dos militantes contra qualquer tipo de empreendimento capitalista, não ocorresse, como resultado natural, a cupidez dos pobres arregimentados pelo MST, para se apropriarem democraticamente (ou seja, na marra ou com violência) das terras por eles almejadas. Grupos imensos de desempregados são tocados pelos militantes rumo ao confronto com os legítimos proprietários, ou com os grileiros de terras públicas, como está acontecendo no Pará. A intensidade do conflito aumenta, na medida em que são maiores as expectativas – deflagradas pelo populismo governamental – de ganhar terra de graça. A respeito desse fenômeno, escreve a jornalista Soraya Aggege, utilizando dados da Pastoral da Terra, do Incra e do Ministério do Trabalho: “(...) Os conflitos estão mais concentrados em Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Em 2003, foram 1.960 conflitos. No governo anterior, os números eram menores: 925 em 2002, 880 em 2001 e 660 em 2000. Os confrontos teriam aumentado por causa da expectativa da reforma agrária, em especial nas áreas com mais terras públicas (...)” [Aggege, “As muitas Anapus do Brasil”, O Globo, 27/02/2005].

O líder sem-terra José Rainha tem também a sua versão da tática do Movimento. Vejamos a forma em que o ativista entende o processo de luta do MST, de acordo com a reportagem feita pelo jornalista José Luiz Longo, em 1995: “Embora se considere discípulo de frei Betto (um dos principais representantes da chamada ala progressista da Igreja Católica no Brasil), José Rainha Júnior já ouviu falar do chinês Tsun Zu, autor da obra A arte da guerra, um dos clássicos da estratégia militar. Com Tsun Zu aprende-se que a ação é a base de tudo e que não basta invadir territórios: é preciso ocupa-los. - Todas as nossas vitórias políticas foram resultado das ocupações. Sem elas, nunca teríamos conseguido abrir negociações e avançar – diz Rainha. Intuitivo, ele pratica a teoria de Tsun Zu com desenvoltura. A invasão da fazenda São Domingos [ocorrida no início de outubro de 1995] foi um exemplo. A área fora escolhida sete dias antes. Além de Rainha, apenas outras duas pessoas, de sua absoluta confiança, sabiam qual seria o alvo. – Uma vez cientes do acerto da decisão política, não faz sentido discutirmos detalhes específicos da invasão. Isso tem que ficar para alguns, para garantir a segurança de todos. A atenção com a segurança é rigorosa. Na véspera, assembléias foram convocadas nas fazendas Santa Clara e Washington Luiz e no Acampamento Primeiro de Abril. A equipe do Globo ficou no acampamento, mas foi avisada de que não poderia sair até a madrugada, quando seria dado o toque de acordar para os sem-terra entrarem em marcha. A comunicação entre as fazendas e o acampamento era feita por sinais de luz. Às 4 horas, Rainha e seus colaboradores mais próximos chegaram ao acampamento e deram ordem para começar a operação. Uma hora e meia depois, os  500 soldados recrutados já estavam sulcando as terras da Fazenda São Domingos, estratégica para o movimento avançar sobre latifúndios improdutivos na região” [Longo, “Estratégia é militar”, in: O Globo, 15/10/1995].

Cândido Mendes Prunes, vice-presidente do Instituto Liberal, escreveu um valioso depoimento acerca da tática empregada pelo MST, no que tange à ocupação das terras mais ricas do país e à preparação de ações visando à paralisação das mais importantes rodovias federais, com o propósito, possivelmente, de uma futura tomada do poder. Após percorrer mais de 8.000 quilômetros, do sul ao norte do Brasil, no início de 2004, eis a conclusão a que chega: “O MST está teoricamente em condições de paralisar todo o transporte rodoviário do Sul, Sudeste e Nordeste. Não há estrada (e entroncamento) importante onde não exista nas proximidades um acampamento do MST. Aliás, há mais acampamentos do MST do que postos da polícia rodoviária em determinadas estradas. Na hipótese de o MST ser um movimento revolucionário, como muitas vezes os seus próprios líderes reconhecem, ele ocupa uma situação única de poder rapidamente paralisar o País. Nem o Exército poderia a ele se contrapor rapidamente. Mesmo que não existam armas nesses acampamentos, não é difícil com uma ou duas centenas de pessoas rapidamente bloquear uma rodovia. Aliás, a existência de barracos fechados e a dificuldade de alguém de fora penetrar nos acampamentos permite levantar a suspeita de que possam existir armas para serem utilizadas em caso de confronto. (...) As Lideranças do MST estão usando um expressivo contingente de pobres e miseráveis como massa de manobra” [Prunes, 2004: 19-20].

Essa tática, aliás, não é nova. Ao longo dos anos 90 as FARC desenvolveram, na Colômbia, procedimento semelhante, que conduziu, sob o fraco governo Pastrana, à criação da “República Revolucionária de El Caguán” na região central do país. Tendo controlado previamente os principais entroncamentos rodoviários, os guerrilheiros passaram a seqüestrar facilmente políticos, profissionais liberais, comerciantes e fazendeiros, que eram levados à República guerrilheira, de onde não poderiam pensar em fugir. Isso explica por que a Colômbia tornou-se o paraíso dos seqüestros, com mais de 3 mil pessoas mantidas em cativeiro. El Caguán converteu-se num verdadeiro Estado dentro do Estado. Nesse território “liberado”, os narcoguerrilheiros organizaram grandes laboratórios para o refino da cocaína e da heroína (com campos de pouso para a exportação da droga), e a partir daí passaram a atacar de forma sistemática as instituições legitimamente constituídas da Colômbia, bem como a exercer o terrorismo em larga escala contra os cidadãos indefensos, dando guarida, no território controlado pelos militantes, a bandidos das mais variadas procedências (inclusive a terroristas do IRA, que passaram a dar cursos de fabricação de bombas), tornando esses lugares verdadeiros paióis de armamento pesado e centros de suprimentos para as colunas armadas da organização guerrilheira. Campos de treinamento foram abertos e as FARC passaram a alegar, a partir daí, que deveriam ser tratadas como forças beligerantes que controlavam já parte do território nacional, com direito a manter representação em outros países. Algo que, em menor escala, já acontece nos acampamentos do MST (onde se refugiam bandidos e onde há armamentos para a prática de crimes, como se tem sabido ao ensejo de assassinatos de camponeses e representantes da lei, como o que ocorreu recentemente em Pernambuco). Algo que já acontece, outrossim, nas favelas controladas pelos narcoterroristas, principalmente no Rio de Janeiro, mas também em outras cidades como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Vitória, etc. O projeto de criar uma “República do Pontal”, veiculado pelo líder do MST José Rainha Júnior, não estaria direcionado a fundar um Estado dentro do Estado, à semelhança de El Caguán?

Tentemos sintetizar a tática militar do MST, à luz dos textos citados e levando em consideração, também, o acontecido no país entre 1995 e 2005. Os passos da mencionada tática são os seguintes:

A – Arregimentação, pelos agentes da Pastoral da Terra e pelos militantes do Movimento, de famílias pobres e desempregadas de áreas rurais e urbanas, com a finalidade de engajá-las em grupos de doutrinação política, onde são ideologizadas pelos militantes em torno aos ideais do MST;

B – Organização dessas famílias em acampamentos provisórios, geralmente às margens de estradas, que possibilitem o seu rápido deslocamento;

C – Preparação, nesses acampamentos, das ações de invasão de terras (produtivas ou improdutivas, de acordo com as necessidades do Movimento em cada região). O relato que acabamos de citar de José Rainha Júnior dá detalhes da forma em que devem ser tomadas as decisões. Prevalece, nelas, a deliberação de um petit comité, integrado pela vanguarda do Movimento, que impõe, de maneira vertical, as suas determinações à massa. Há toda uma aparelhagem de logística para garantir a mobilização dos acampados, que evidentemente é cara (são comuns as caravanas de ônibus e caminhões que os transportam até o lugar a ser invadido). O financiamento de todo esse empreendimento é garantido por verbas internacionais que chegam ao MST através de ONGs com registro legal, pois o Movimento nunca o teve. Mas também contam os recursos recebidos do INCRA, bem como os pedágios cobrados pelo MST dos membros do Movimento que já foram assentados. Outro meio de financiamento são as expropriações democráticas, que, em algumas regiões do país como Pernambuco, infernizam a vida dos caminhoneiros, que são vítimas de constantes assaltos nas barreiras montadas pelos militantes;

D - Ocupação da propriedade escolhida e organização, nela, do assentamento correspondente, submetido ao rigoroso controle do modelo cooperativo coletivista descrito em páginas anteriores. Esse modelo cooperativo abarca a prestação de serviços de saúde e de educação no interior do assentamento, tudo condicionado à fidelidade incondicional às diretrizes do Movimento. Quem não se submeter é sumariamente expulso como inimigo da causa dos sem-terra. Assassinatos de camponeses refratários têm acontecido, no contexto desse processo disciplinador. O assentamento, já constituído, vira centro de intensa atividade propagandística do Movimento, com visitas programadas de políticos de esquerda, artistas da TV, jornalistas e intelectuais. Até um certo turismo militante de simpatizantes estrangeiros tem-se desenvolvido.

E – Elaboração e execução de uma política de mobilização do assentamento em questão, junto com os outros assentamentos já consolidados na região ou no Estado, a fim de fortalecer a presença do Movimento dos Sem-Terra. O caso mais bem-sucedido tem se dado no Rio Grande do Sul, onde, a partir da eleição de Olívio Dutra, o PT passou a trabalhar em estreita colaboração com o MST, mediante a politização, pela Secretaria de Segurança Pública, da Brigada Militar, a cooptação de alguns juízes (partidários do denominado direito alternativo) e a elaboração, pela Secretaria da Agricultura, de políticas claramente favoráveis ao Movimento e desfavoráveis aos que se lhe contrapuserem. Essa situação conduziu a uma marginalização crescente dos produtores tradicionais e à conseqüente organização de milícias para defesa das propriedades. Valha anotar que a tradição de caudilhismo ligada aos ensaios de Partido Único que foram deflagrados, no início do século XX, pelos castilhistas, pareceu ressuscitar no clima de crescente estatismo e intolerância, ensejado pela administração petista no Estado sulino. O atual governo Rigotto tenta fazer regredir esse clima perverso, para voltar aos trilhos de um republicanismo pluralista e tolerante. Em outros Estados, como em São Paulo, os ativistas do MST simplesmente passaram a apregoar a constituição de uma República dos Sem-Terra (semelhante à que consolidaram as FARC na Colômbia com a complacência do fraco governo Pastrana), que se denominaria “Estado do Pontal” [cf. Tomazela, “A última do MST: criar o Estado do Pontal”, Jornal da Tarde, 14/04/2002].

F – As ações do MST, a nível estadual e nacional, pressupõem uma liderança que se situa no topo da pirâmide do poder, com total controle ideológico e estratégico sobre os membros, embora possam variar, de maneira circunstancial, as modalidades de ação que se desenvolvem nos vários assentamentos ou nos acampamentos. O uso da Internet e dos demais meios de comunicação é corriqueiro no Movimento, na circulação de notícias e de ordens entre as lideranças nacionais e as dos assentamentos e acampamentos. Poder-se-ia falar, por isso, de um Movimento em rede, semelhante às FARC, ao Exército Zapatista de Libertação Nacional e, no plano mais geral, à rede Al-Quaeda, embora, certamente, o MST no tenha chegado aos excessos terroristas desta última organização.

7) A estratégia posta em marcha pelo MST é explicitada, pelos estudiosos simpáticos ao Movimento, numa linguagem recheada de termos típicos do marxismo tupiniquim, como se pode observar nos seguintes trechos: “Com o aprimoramento do modelo produtivo, o movimento passou a rediscutir alguns elementos centrais na configuração anterior, como, por exemplo, a convicção na possibilidade de o assentamento realizar a acumulação primitiva de capital, e passou a compreender que o assentamento deve disputar a mais-valia social por intermédio da luta política” [Silva, 2004: 74]. Ou neste outro: “A síntese produtiva avançou, no atual contexto, para a produção agroecológica e agroindustrial como meio de agregar valor aos produtos. Assim sendo, o que norteia, de fato, a construção do modelo de trabalho do movimento é a consciência do sem-terra de que conseguirá reproduzir-se socialmente na medida em que resistir ao capitalismo desagregador do seu cotidiano social. Portanto, no acampamento inicia-se a discussão acerca do paradoxo produtivo do sistema capitalista, possibilitando a participação dos acampados na construção do arcabouço teórico do MST” [Silva, 2004: 75].

IV - Modelo educacional dos Sem-Terra

O conceito de educação no MST surgiu ao ensejo da doutrinação dos camponeses, pelos Teólogos da Libertação e os seus auxiliares, os agentes de pastoral. Ponto central desse fenômeno pedagógico consistiu na releitura dos textos bíblicos, numa óptica de messianismo político e tendo como meta preparar gerações de militantes, que se comprometessem totalmente nas ações do Movimento, obedecendo com rigor às determinações das lideranças. A educação apregoada situa-se, certamente, para além da sala de aula, abarcando o meio no qual os educandos vivem o seu dia a dia, o acampamento e o assentamento.

Conhecido estudioso sintetizou da seguinte forma essa influência exercida pelos Teólogos Libertadores: “O Conceito de educação no MST tem significado amplo; não está circunscrito somente à escola. A análise simples das atividades de militância, de trabalho e de caráter social no acampamento ou assentamento, possibilita a recriação subjetiva do sem-terra. Sendo assim, a educação representa o exercício pedagógico de reflexão e construção da autonomia intelectual do sem-terra, a partir da leitura do contexto no qual está inserido. Essa prática é herança da intervenção dos agentes de pastoral, identificados com a Teologia da Libertação. A atividade dos religiosos, (...) foi no sentido de politizar a luta dos sem-terra, ou seja, de conscientiza-los da necessidade de constituir coletivamente uma organização capaz de enfrentar o Estado e os latifundiários, para conquistar a terra prometida. Para tanto, o livro Êxodo servia como exemplo nas reflexões dos religiosos e das religiosas nas Comunidades Eclesiais de Base que trabalhavam com os sem-terra. Era uma metáfora. Relacionava-se à busca da terra por parte dos judeus, que fugiam do Egito, com a disposição dos sem-terra em se organizarem para conquistar terra para trabalhar. Fez-se essa apreciação da trajetória histórica do MST, porque se entende ser a chave da concepção de educação do movimento. O objetivo central da metodologia empregada pelos agentes de pastoral era estimular valores tais como autonomia política e intelectual, organização comunitária e análise coletiva da realidade social e econômica” [Silva, 2004: 76-77. Cf. Zabatiero, 1996. Arango, 1996].

Os documentos oficiais do MST insistem em que o perfil educacional do Movimento deve privilegiar a formação dos futuros militantes para a ação. “Nossa educação deve alimentar o desenvolvimento da chamada consciência organizativa, que é aquela onde as pessoas conseguem passar da crítica à ação organizada de intervenção concreta na realidade. Para isso, os processos pedagógicos precisam ser organizados de modo a privilegiar esta perspectiva de ação” [MST, 1996: 7]. Outro elemento importante é a denominada “reformulação cultural”, que consiste numa espécie de conversão aos ideais coletivistas do Movimento, algo semelhante à conversão religiosa, que deve abarcar a pessoa por inteiro e a comunidade também. A reformulação cultural é algo comum aos assentamentos e deve ocorrer em dois níveis: individual (mudança de hábitos para se acomodar melhor às exigências do Movimento) e grupal, no terreno dos ideais do MST (através da reflexão do grupo sobre as contradições presentes no assentamento). Essa metodologia faz parte do arcabouço teórico do MST, sendo um fenômeno comum em todos os assentamentos. As fontes dessa pedagogia são variadas, mas situadas todas no paradigma da esquerda de inspiração coletivista: a herança gramsciana presente na obra de Paulo Freire e as idéias pedagógicas de Krupskaya, Pistrak, Makarenko e José Martí [Cf. Caldart, 2000: 168; Silva, 2004: 79].

Lenta e imperceptivelmente, nas duas últimas décadas, O MST criou, ao longo do país, financiado com os dólares provenientes de ajudas externas, notadamente dos católicos alemães e com total apoio da Pastoral da Terra da CNBB, uma rede muito bem estruturada de escolas de ensino básico, em que são repassados às crianças e jovens os ideais do marxismo-leninismo, que já pareciam coisa do século passado. Ora, está saindo da fornalha dessa rede de ensino radical a primeira leva de jovens que foram submetidos a um processo de lavagem cerebral pelos eficientes pedagogos do Movimento. Como informou a Revista Época (no. 268, 7 de julho de 2003) na matéria intitulada “MST: os filhos querem a revolução”, de autoria do jornalista Alexandre Mansur, “enquanto o MST é recebido por Lula – com direito a boné e biscoitinhos -, seus novos líderes acham que a solução para o país é a revolução”.
Filhos de uma geração de ativistas que não duvidava em colocar as suas crianças na linha de frente das invasões para constranger a polícia, os jovens do MST, formados no radicalismo político, constituem hoje uma massa de 50 mil militantes, perfeitamente disciplinados ao redor de um único propósito: implantar no Brasil, pela via revolucionária, o comunismo. Fenômeno novo? De forma nenhuma. Isso já se deu na Colômbia, onde as FARC e os demais movimentos guerrilheiros, a partir dos anos 70, começaram a montar uma eficaz rede de escolas de formação radical entre os jovens camponeses, de onde recrutam o seu exército. Ícone dessa geração de militantes dos Sem-Terra, como destaca Alexandre Mansur, é João Paulo Rodrigues, de 23 anos, que foi criado e educado no Pontal do Paranapanema e que estava presente na sessão de populismo explícito em que o Presidente Lula, num gesto imprudente, atiçou a fogueira do radicalismo rural ao colocar na sua cabeça o boné do MST. 
Com a miopia que caracteriza as elites que não valorizam as idéias, as lideranças do nosso país não somente relegaram para as calendas gregas a questão da formação dos mestres para o ensino básico, como deixaram que se instalasse entre nós essa aberração da educação para o caos. Vale lembrar aqui a advertência de John Maynard Keynes: “Estou convencido de que a força dos interesses escusos se exagera muito em comparação com a firme penetração das idéias. É natural que elas não atuem de maneira imediata, mas só depois de certo intervalo; isso porque, no domínio da filosofia econômica e política, raros são os homens de mais de vinte e cinco ou trinta anos que são influenciados por teorias novas, de modo que as idéias que os funcionários públicos, os políticos e mesmo os agitadores aplicam aos acontecimentos atuais têm pouca probabilidade de ser as mais recentes. Porém, cedo ou tarde, são as idéias, e não os interesses escusos, que representam um perigo, seja para o bem ou para o mal".
O cerne do cardápio acadêmico do MST é, com certeza, o velho marxismo-leninismo. O jornalista Alexandre Mansur resumia assim o credo radical dos jovens militantes: “João Paulo Rodrigues e seus colegas da nova geração do MST acreditam que o país só muda com uma revolução socialista. A força jovem dos Sem-Terra cresceu na roça, mais bem alimentada que seus pais, os primeiros a ser assentados. Segue os ensinamentos de Marx, Lênin e Mao-Tse-Tung e deixou a casa para conclamar as massas e tirar as elites do poder”. Referindo-se aos métodos de ensino na rede do MST, Mansur frisa: “Parte essencial dessa pedagogia são as chamadas místicas, peças de teatro que encenam passagens históricas das revoluções comunistas e do MST”, obviamente deixando do lado de fora a queda do Muro de Berlim, a democratização na Rússia e o desenvolvimento capitalista na China. Expressando essa confusa mistura ideológica do Movimento, editorial do jornal O Globo frisava que “não se deve esquecer que na essência a ideologia do MST é de transgressão à lei. Quando é assim, abre-se espaço para a criminalidade em geral” [O Globo, 10/02/2005: 5].
Formulemos a pergunta que se faziam os senadores romanos nos momentos de grandes agitações no Império: “Cui prodest?” (“A quem beneficia o fato?”) – Ora não sejamos ingênuos, essa onda de radicalismo pedagógico e de engajamento de toda uma geração jovem no movimento revolucionário, favorece a implantação de um modelo de socialismo coletivista no Continente sul-americano. Longe de o processo pedagógico do Movimento dos Sem-Terra se concentrar numa formação puramente teórica, a sua preocupação é com a aplicação dos princípios do marxismo e da Teologia da Libertação, num concreto processo de criação e consolidação do mencionado modelo coletivista. A pedagogia do MST é caracterizada por Roseli Salete Caldart como uma “pedagogia em movimento”, que tem duas “mentalidades”: a do acampamento e a do assentamento. Essas duas variantes respondem a necessidades materiais concretas, quer dos acampados, quer dos assentados. As necessidades dos primeiros concretizam-se em resistir às ações de despejo; as dos segundos são polarizadas pela preocupação em torno à produção e às moradias, a fim de garantir os meios econômico-sociais que possibilitem a sua permanência na terra [cf. Caldart, 1997: 163]. Maria Nobre Damasceno considera que o esforço em prol de responder a essas necessidades esbarra em limites internos, tais como a resistência do assentado em mudar a forma de produção tradicional, alicerçada na iniciativa individual. Erradicar essa mentalidade é coisa muito difícil [cf. Damasceno, apud Silva, 2004: 78]. 
É claro que a ação educativa do MST não se reduz à formação de quadros para a militância. Há uma preocupação concreta com a formação técnica que responda aos planos de produtividade fixados pelas lideranças para os assentamentos. Há, outrossim, uma preocupação, louvável, em alguns assentamentos, com a formação humanística. Para responder à necessidade de formação técnica dos assentados foi criado o Instituto de Educação Josué de Castro (que oferece os cursos de técnico em administração de cooperativas e o normal de nível médio). Outra iniciativa importante é o curso sobre realidade brasileira, oferecido pelo MST nos prédios da Unicamp para jovens provenientes de assentamentos de várias regiões do país, no período de férias acadêmicas. Até 2000 já tinham passado por essa experiência mais de mil jovens assentados. Além de conhecimentos técnicos, os alunos têm possibilidade de entrar em contato com manifestações da cultura universal (por exemplo, a Orquestra Sinfônica de Campinas executou peças clássicas, sendo explicadas aos assistentes as características dos vários instrumentos). Estes são aspectos positivos. Mas, infelizmente, estão enquadrados dentro da proposta, mais ampla, de fortalecer, antes de tudo, o Movimento. Diríamos que o dirigismo e a volúpia política do MST terminam contaminando iniciativas louváveis como as que acabamos de descrever. A tentativa de formação humanística nas escolas dos assentamentos é deglutida perversamente pela tendência ao dirigismo leninista. Afinal de contas, haverá coisa menos humanística do que educar para o coletivismo? 
Iniciativa importante no esforço de formação de quadros por parte do MST foi a criação da Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, São Paulo (em janeiro de 2005), cujo custo de 1,3 milhões de dólares foi financiado por entidades estrangeiras de orientação cristã (Frères des Hommes, da França e Caritas, da Alemanha), além de ter recebido, também, apoio financeiro do Banco do Brasil. O jornalista Roldão Arruda frisava o seguinte, se referindo às atividades de ensino superior do MST: “A escola nacional faz parte de um conjunto de iniciativas que a organização vem tomando nesse setor. Em universidades federais de diferentes Estados já estão em andamento convênios com o movimento, para a formação de pessoas originárias de seus acampamentos e assentamentos. Um exemplo são os cursos de agronomia voltados especificamente para esse público nas federais do Pará e de Sergipe. Se tudo correr como querem os líderes do MST, Guararema deve se tornar uma área voltada para cursos de pós-graduação e especialização” [Arruda, 2005: 4]. Embora a orientação da escola nacional Florestan Fernandes seja de oferecer cursos de pós-graduação em ciências humanas, se levarmos em consideração o caráter doutrinário e dogmático do MST nos seus anteriores ensaios de formação, mesmo os desenvolvidos nas Universidades federais, provavelmente a orientação não mudará no novo empreendimento, se perdendo, portanto, uma oportunidade excelente para o Movimento arejar as suas idéias, colocando-as em confronto com outras abordagens teóricas da problemática social, diferentes das suas.
Conhecedor da estrutura doutrinária e da ação política e cultural do MST (pois antes de fazer doutorado em sociologia na Inglaterra foi militante do Movimento), Zander Navarro caracterizou assim o dogmatismo dos quadros, em que pese o fato de muitos deles terem freqüentado os cursos programados especialmente para eles nas Universidades Federais: “A interdição do MST ao diálogo político com o chamado campo democrático e popular distancia-se de uma fantasiosa firmeza ideológica, mas demonstra, inversamente, uma nítida fragilidade, pois vem forçando seus dirigentes e militantes ao malabarismo retórico, à apologia da própria organização e à estreiteza analítica. A repetição de formas de ação coletiva e de visões de mundo esposadas por seus dirigentes, espantosamente únicas e pasteurizadas nos diversos estados, em um país, pelo contrário, tão diverso e heterogêneo, reflete, isto sim, insegurança ideológica e incerteza quanto aos caminhos a serem trilhados. Formando seus jovens militantes a partir de limitados quadros de referência, a organização recorre a uma visão instrumentalista da política, como meio de incidir, através de militantes que deveriam comandar seu próprio arbítrio e liberdade de interpretação, não na realidade sobre a qual atuam, mas servindo, antes de mais nada, a outros propósitos (...) nem sempre claramente manifestados a todos os membros do Movimento. Adicionalmente, como é notório, praticamente nenhum dos convênios celebrados pela organização com as universidades públicas (...) amplia realmente um conjunto de conhecimentos novos para os militantes sem-terra participantes, mas usualmente apenas chancelam a própria visão política do Movimento sobre o mundo rural. Desafortunadamente, em nome da disciplina e de incontáveis receituários comportamentais impostos, seus militantes sequer alcançam algum tipo de consciência política própria, pois são compelidos à repetição monocórdia do discurso dos dirigentes principais, retirando-lhes expressiva margem de especificidade de ação e interpretação de formas de lutas adequadas à diversidade regional do país, tolhendo talentos organizativos e cerceando a formação livre e genuína de novas lideranças” [Navarro, 2002: 262-263].
Isso sem falar do que acontece com a formação da arraia miúda do MST, os simples assentados. A dieta educacional à que são submetidos lembra muito a disciplina totalitária imposta por Pol-Pot aos camponeses cambojanos, ou a férrea diretriz estalinista ou maoísta que fez as desgraças do proletariado na Rússia ou na China. Eis a forma em que Zander Navarro caracteriza a educação popular do “Homem Novo” pelo MST: “Aproximam-se mais do bizarro e menos de normas organizativas os exemplos, que se repetem, da criação de códigos disciplinares para os militantes do MST e, ainda mais grave, para as famílias assentadas (neste último caso, imposição não apenas ilícita, mas ilegítima). Inicialmente, na segunda metade dos anos oitenta, difundiu-se a conhecida e infamante cartilha que descrevia os supostos vícios dos agricultores que não desejavam submeter-se aos coletivos instituídos pela organização, vícios estes que deveriam ser combatidos pelos militantes, a qualquer preço, para formar o Novo Homem. (...) Além da superação dos supostos vícios, as famílias sem-terra também passaram a ser cobradas, nos anos noventa, em função de novas receitas, como aquelas que exigem de todos adesão à cartilha dos sete valores principais e, também, ao estrito cumprimento do manual das dez lições que os chamados coletivos de formação devem considerar em suas atividades (...). Espremidas entre o peso da dominação política das oligarquias agrárias, de um lado, e as excentricidades propostas pelo MST, de outro, torna-se difícil imaginar quais são as chances reais de emancipação das famílias rurais mais pobres, mesmo no sentido restrito (...)” [Navarro, 2002: 263, nota 1].
Os aspectos educacionais do MST ancoram numa base axiológica identificada com o que Antônio Paim denominou de ética totalitária. Segundo este modelo, o comportamento ético não decorre dos meios, mas dos fins a serem atingidos. A formulação tradicional desse modelo expressa-se no princípio de que os fins justificam os meios [cf. Paim, 1994b]. A respeito do tipo de comportamento dos militantes, escreveram os jornalistas Eduardo Salgado e Leandra Peres: “Como trabalham em prol de multidões de pobres, os líderes desse movimento parecem acreditar que estão acima da lei. Qualquer solução duradoura para a questão agrária brasileira começa por manter as ações do MST dentro dos limites da legalidade” [Salgado/Peres, 2003: 78]. Ora, como a finalidade pretendida pelo Movimento é boa, ou seja, democratizar a propriedade rural, qualquer meio é válido: utilização de mecanismos coletivistas, desconhecimento da legislação vigente, intimidação, chantagem, roubo, seqüestro de funcionários de fazendas que estão na mira do Movimento, assassinato, cárcere privado, desobediência às ordens da Justiça, etc. Por ser popular, o MST pode tudo. Convenhamos que a onda de perplexidade desencadeada pelo Movimento ao longo do país decorre desse modelo de ética totalitária, que, casado com a mística dos militantes, termina desaguando no fundamentalismo, porta de entrada para o terrorismo.

V - O MST no contexto internacional

Capítulo importante na caracterização do Movimento dos Sem-Terra é o relativo aos seus relacionamentos com outras entidades, nacionais e estrangeiras, e aos compromissos que daí decorrem. É amplo o leque de entidades com as quais o MST mantêm trocas de informações e com as que desenvolve projetos vinculados aos seus objetivos. As mais significativas parcerias do Movimento são efetivadas com Via Campesina (México), Caritas (Alemanha), Frères des Hommes (França), Christian Aid (Reino Unido), Anti-Slavery International (Reino Unido), Exército Zapatista de Libertação Nacional (Chiapas, México), Coordenação Latino-Americana de Organizações do Campo – CLOC (México), Fundo Mundial para a Natureza – WWF (Reino Unido), Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC, Foro de São Paulo, Foro Social Mundial (Porto Alegre), Comissão Pastoral da Terra da CNBB (Brasília), Conselho Indigenista Missionário – CIME (Brasília), União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN, Grupo Europeu de Trabalho da Amazônia – EWGA, Interfaith Peace Council (Reino Unido), Franciscans International (Itália), Développement et Paix (Canadá), Centro de Recuperação e Difusão da Memória Histórica do Movimento Popular Latino-Americano – MEPLA (Havana – Cuba), Grassroots International (USA), Frövänerna (Suécia), Conselho Mundial de Igrejas (Suíça), Mani Tese (Itália), Friends of the MST (USA), etc.

Parece de especial importância a vinculação do MST à Via Campesina. Por esse motivo, deter-nos-emos neste ponto. A mencionada entidade foi criada pelo MST, em parceria com a Coordenação Latino-Americana de Organizações do Campo (CLOC), em 1995. Via Campesina aglutina hoje organizações de mais de 80 países. A finalidade principal da entidade consiste em estimular o desencadeamento de ondas insurrecionais camponesas nos países em vias de desenvolvimento, notadamente na América Latina e na Ásia, contra as denominadas políticas econômicas neoliberais. O MST age como engrenagem principal de Via Campesina. Dela participam, também, organizações camponesas e indígenas de Honduras, Nicarágua, Cuba, México, Bolívia, Canadá e Índia, com forte apoio, no plano logístico, oferecido por organizações não-governamentais da Espanha.

No terreno das realizações, Via Campesina organizou, na década passada, uma série de eventos, dentre os que cabe destacar a Conferência Internacional de Tlaxcala (México), em abril de 1996. Os participantes deixaram sentadas as bases do que seria uma política ambientalista, cujos pontos centrais são os seguintes: 1) que a dívida internacional seja transformada em projetos de proteção ao meio-ambiente; 2) deve-se vincular as ações ecológicas às políticas indigenistas; 3) os projetos de geração de energia devem ser estritamente avaliados, em função dos impactos ambientais e sociais; 4) deve-se estimular a cooperação internacional em prol da agricultura orgânica. No final da reunião de Tlaxcala, os editores da revista espanhola Rebelión foram encarregados da secretaria operacional de Via Campesina. A mencionada publicação afirmou, numa das suas matérias sobre o citado evento: “Os anos 90 têm-se caracterizado, em muitos países, por um vasto movimento de ocupação de terras protagonizado por camponeses sem terras. O mais importante, pelo tamanho e significado, é o MST do Brasil”. Para os redatores da citada revista, as esquerdas internacionais percorreram três etapas, entre meados do século passado e os tempos atuais. A primeira etapa correspondeu às gestas revolucionárias dos anos 60, lideradas por Cuba. A segunda encontrou a sua manifestação no Foro de São Paulo, no início dos anos 90. A terceira onda, que corresponde ao atual clima insurrecional contra o neoliberalismo, é encabeçada pelo MST [MSIA, 1999: 9-10].

Outras realizações de Via Campesina foram a Conferência Internacional celebrada na Índia, em 1999, contra o uso de sementes transgênicas na agricultura, bem como a campanha deflagrada, em vários países latino-americanos, contra a adesão à Aliança de Livre Comércio das Américas (ALCA) e contra o pagamento da dívida externa. Essas ações foram planejadas, junto com o MST, no decorrer do Curso de Capacitação de Militantes de Base do Cone Sul, realizado em Sidrolândia (Mato Grosso do Sul), entre 19 de abril e 18 de maio de 1999, no qual participaram ativistas do Brasil, México, Cuba, Nicarágua e Honduras, que discutiram acerca dos passos que deveriam ser dados para provocar movimentos de desestabilização política no continente sul-americano. Em virtude desse fato, analistas qualificaram o evento de Sidrolândia como “uma reunião de terroristas”.

Mas o tema central do Curso desenvolvido em Sidrolândia foi projetar a imagem do MST, entre os ativistas latino-americanos, como líder dos movimentos sociais contestatórios. Os representantes do MST confirmaram que a bandeira de tomada de terras para a reforma agrária era apenas uma ação de resistência, visando um fim mais amplo. Uma das características do Movimento que mais impressionou foi a inspiração mística de líderes e militantes. Analistas internacionais frisaram a respeito: “Uma mescla de marxismo com valores relacionados à chamada Nova Era e um culto pagão à Mãe Terra, conjunto elaborado pelos gurus da Teologia da Libertação, Frei Betto e Leonardo Boff e ao qual atribuem conotações religiosas denominando-o a mística do MST, cuja doutrinação tomou boa parte do curso de Sidrolândia. Por conta desses traços culturais, o MST está sendo promovido como novo paradigma insurrecional em toda a Ibero-América” [MSIA, 1999: 8-9].

Terminemos este item fazendo referência a duas importantes organizações com as que o MST tem desenvolvido regulares contatos ao longo da última década: o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Em junho de 1996, o EZLN promoveu uma reunião internacional em La Trinidad (Chiapas – México), com a finalidade de coordenar ações conjuntas com outros movimentos latino-americanos. Dessa reunião o MST trouxe importante iniciativa: a idéia de criar zonas autônomas dentro do território nacional, como a chamada República do Pontal, proposta por militantes do Movimento. Idéia semelhante, aliás, à que as FARC realizaram na denominada República de El Caguán (uma área de 42 mil quilômetros quadrados, situada em pleno coração da Colômbia, que praticamente dividiu em dois o território desse país, tendo conduzido quase à balcanização do mesmo). A presença das FARC no MST é fato documentado pela imprensa nacional e estrangeira. Conforme tem sido noticiado, um importante guerrilheiro das FARC, Carlos Bernardes, o Comandante Bernal, desde 1998 tem visitado o Brasil de forma regular, com a finalidade de dar palestras e manter contatos com as lideranças do MST e de outros agrupamentos revolucionários do campo. Isso sem esquecer que a organização guerrilheira colombiana conseguiu estabelecer em Brasília escritório de representação [cf. MSIA, 1999: 2; Subcomandante Marcos,  1998].

VI - Aspectos jurídicos do MST

O Movimento dos Sem-Terra, do ângulo jurídico, age como uma espécie de ectoplasma, sem identidade definida, mas presente na sociedade. Como os dirigentes do Movimento tiveram sempre extremo cuidado para não conferir, ao mesmo, estatuto jurídico, não pode ser responsabilizado perante a lei. Mas, como necessita de apoio material e logístico para as suas iniciativas revolucionárias, vale-se da fachada de organizações legalizadas, que lhe garantem a base institucional para os seus empreendimentos. As entidades mediadoras são a Associação Nacional de Cooperação Agrícola – ANCA e a Confederação de Cooperativas de Reforma Agrária no Brasil – CONCRAB.

 Os professores Mario Losano, da Universidade de Milão, e Marcela Varejão, da Universidade Federal da Paraíba, estudaram detalhadamente a estrutura jurídica do Movimento. Eis a forma em que Mario Losano destaca as características atrás apontadas: “O MST não é uma pessoa jurídica reconhecida, mas é uma associação de fato (...). Isto, de um lado, torna o MST não punível pelas ocupações e pelos eventuais delitos conexos com elas, e, de outro lado, torna-o uma entidade economicamente invisível, com a qual é tecnicamente complicado empreender uma abordagem jurídica ou econômica direta, já que, à sua volta, não está obrigado a prestar contas a nenhuma entidade de controle. Os controles não faltam, mas eles são, quando muito, bilaterais, em face da entidade doadora e da entidade destinatária” [Losano, 2004: 154. Cf. Varejão, 2004: 165-226]. Ora, a entidade destinatária dos auxílios é, sempre, não o MST, mas alguma das associações mediadoras atrás apontadas. O Movimento possui, assim, uma situação jurídica semelhante à das FARC, na Colômbia, que sempre se mimetizaram por trás de entidades de fachada, o que as torna dificilmente imputáveis pelo mau uso que façam dos recursos recebidos, ou pelos crimes que vierem a cometer. Nisso, as entidades em apreço inspiraram-se nas atividades das máfias de narcotraficantes, muito criativas em matéria de montagem de empresas de fachada, que lhes possibilitam o lavado de dinheiros escusos e a prática dos mais variados crimes.

Quem da forma mais contundente tem colocado a nu o absoluto desprezo do MST pela ordem institucional e legal, é o professor Miguel Reale. O mestre paulista lembra que o fundamento da democracia é o respeito à ordem legal. “A obediência à lei, frisa, é o supedâneo primordial da democracia, a qual repousa sobre dois pilares expressamente proclamados pelo nunca assaz louvado Art. 5o da Constituição de 1988: o de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e o de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Ora, considera o pensador, o MST colocou-se por fora do arcabouço legal que dá embasamento à vida democrática no nosso país e, portanto, deve ser combatido como entidade à margem da lei. Esse fato, gravíssimo, revela a crise da legalidade na ordem social brasileira. Ouçamos as suas palavras a respeito: “Mas não é preciso volver ao passado para constatar a crise de legalidade por que passa o mundo contemporâneo, a começar pelo Brasil, onde o Movimento dos Sem-Terra, dia a dia, comprova seu espírito antidemocrático e subversivo. Não o faz só por palavras, em desafios afrontosos de seus chefetes, mas através de constantes invasões de propriedades produtivas ou não. Uma coisa que não perdôo ao governo tão capaz do presidente Fernando Henrique Cardoso é a inexplicável tolerância que tem tido quanto aos abusos do MST, mesmo quando este proclamou abertamente seus propósitos de derrubada do regime político vigente no país. Confesso que nada me revoltou tanto como o contínuo diálogo fraterno mantido por Ministros de Estado com os atrevidos líderes de um movimento que é a expressão viva da ilegalidade” [Reale, 2003: 67 e 69].
Que diria o ilustre pensador paulista, em face do quadro atual em que o Presidente da República prestigia com a sua presença o supracitado Movimento, visitando assentamentos consolidados em fazendas produtivas que foram invadidas pelos Sem-Terra? No caso do passado governo, o Chefe do Executivo foi vítima do que Robert Dahl denomina de “a tentação social-democrata”. Embora comprometido com a manutenção das instituições democráticas e convicto de que o sistema capitalista de livre iniciativa devia ser preservado, Fernando Henrique claudicou em face da aplicação da lei aos que sistematicamente a desconheciam, os líderes do MST. Isso para não ser denominado de autoritário ou neoliberal pelos revolucionários de plantão. Convenhamos que de pouco valeu essa claudicação, haja vista a saraivada de críticas e de injúrias proferidas, posteriormente, pelos líderes do Movimento contra o ex-primeiro mandatário.

Considerações Finais

Quais as alternativas que se descortinam para o país em face do Movimento dos Sem-Terra, notadamente no que diz respeito à consolidação da democracia e a atingir um autêntico desenvolvimento econômico no terreno da agricultura e da agroindústria?

1) Destaquemos, em primeiro lugar, que a posição do Movimento dos Sem-Terra em face da agroindústria é errada. Não se pode condenar, a priori, esse importante segmento da economia. Ele é responsável pelos repetidos superávits da nossa balança comercial. Lutar contra a agroindústria é cometer suicídio econômico. Estudos da FIPE/USP, efetivamente, mostram que, no Brasil, a agricultura familiar responde por 10% do PIB, ao passo que a patronal, ligada ao agronegócio, responde pelo 21%. Isso não significa que a agricultura familiar tenha de ser esquecida. Esta é importante, se colocada em harmonia com a agroindústria, não tida como algo contrário a ela. Ora, nos pronunciamentos dos líderes do Movimento, somente encontramos preconceito e ameaças à agroindústria. Nos países desenvolvidos, houve um equilíbrio entre ela e a agricultura familiar. Pretender que um país das dimensões e da diversidade econômica e cultural do Brasil vai solucionar todos os seus problemas de produção de alimentos com agricultura familiar, é uma infantilidade que está muito longe do conhecimento sério das nossas possibilidades. Deve haver políticas que melhorem o nível dos agricultores vinculados à agricultura familiar. Mas essas políticas têm de contemplar a forma em que deve ser feito isso, certamente integrando esses produtores ao mercado nacional e internacional e equilibrando a produção destes com a da agroindústria.
   2) Em segundo lugar, anotemos que há muito de romantismo de bon sauvage nas abordagens que intelectuais estrangeiros e brasileiros fazem acerca do movimento dos Sem-Terra, como, aliás, de outros movimentos sociais na América Latina e no mundo em desenvolvimento. O arrazoado é mais ou menos o seguinte: como a finalidade desses ativistas é boa (a luta contra a pobreza e as desigualdades sociais), também são boas a sua visão de mundo e a sua política, em geral. Nenhuma análise crítica acerca dos métodos violentos que esses ativistas utilizem. Nenhum reparo à estrutura altamente repressiva em que veiculam as suas novidades revolucionárias. Esse auto-engano foi praticado pelos intelectuais franceses em face da Revolução Cubana, sacralizada, num início, por pensadores como Jean-Paul Sartre.
Em relação à prática desse vício epistemológico (que poderia ser enquadrado na categoria dos Idola Fori de Francis Bacon) pelos admiradores dos Sem-Terra, escreveu Zander Navarro: “incluindo a maioria das referências acadêmicas até aqui produzidas, encontram-se os estudos norteados pelo encantamento ingênuo, fruto não necessariamente da incapacidade de investigação social de seus autores, mas derivados da análise que é antecedida de pressupostos falsos, qual seja, uma idealização do objeto de estudo e uma positividade a priori estabelecida, que santifica, antes mesmo de conhece-las, as organizações que representam as classes subalternas, tornadas virtuosas por definição prévia. Normalmente, são estudos realizados de forma apressada, quando implicam em visitas a campo e coleta de dados e, assim, permanecem na superfície dos fenômenos e processos sociais. Seus autores são, quase sempre, membros das classes médias urbanas e tal enfeitiçamento pode, muitas vezes, assumir feições patéticas, inclusive inesperadas aberrações antropológicas. Quando, por exemplo, espantam-se com as falas de sem-terra e de membros das famílias rurais mais pobres, as quais, se são consistentes em sua expressão, às vezes são banais opiniões sobre a vida cotidiana, porém cerimoniosamente incluídas em tais estudos, como provas do saber popular, como se tais pessoas, por mais humildes e marginalizadas que fossem, habitassem outro mundo e não uma sociedade que se transformou notavelmente nos últimos cinqüenta anos” [Navarro, 2002: 263-264].
Ora, a perspectiva de o Movimento dos Sem-Terra dar certo diminui, em proporção direta à ausência de análises críticas acerca das suas opções erradas. Tornou-se politicamente correto, no meio acadêmico brasileiro, tecer loas incondicionais aos Sem-Terra. Cursos são oferecidos aos Sem-Terra nas Universidades públicas, sem que um só arranhão sofra o dogmatismo das suas lideranças. A imprensa, devemos confessa-lo, tem cumprido corajosamente com a sua missão de manter a sociedade informada acerca das pretensões e ideais dos Sem-Terra. Essa função crítica e de esclarecimento tem estado ausente, infelizmente, do meio universitário, com raras exceções como a representada por Zander Navarro e os seus colegas pesquisadores.
3) Destaquemos, em terceiro lugar, que o caminho para resolver a problemática agrária consiste em retomar a política iniciada nos governos de Fernando Henrique Cardoso, no sentido de consolidar a Reforma Agrária dentro de um claro marco de legalidade, acabando com a insegurança jurídica da propriedade fundiária, com total respeito às propriedades produtivas e à legislação em vigor, com o auxílio de uma Justiça rápida e desconhecendo sumariamente a legitimidade de expropriações, pelo Incra, de terras invadidas. O Partido dos Trabalhadores está sentindo na pele, hoje, as dificuldades criadas pelos líderes dos Sem-Terra, ao observar a forma criminosa como eles têm incentivado as invasões de fazendas produtivas, a fim de pressionar o repasse de verbas da Agricultura Familiar para as cooperativas dominadas pelo Movimento. As recentes medidas do governo Lula, no sentido de rever o orçamento destinado à Reforma Agrária, talvez revelem a intenção de mudar de posição em face do MST, se desligando o governo federal do incondicional apoio que até agora deu ao Movimento. Esta entidade, as suas lideranças e os seus membros, precisam urgentemente serem enquadrados dentro da lei, que por outro lado é aplicada com rigor aos demais brasileiros. Terá o governo do PT coragem para tanto?
Não podemos desconhecer que as duas administrações sociais-democratas de Fernando Henrique realizaram o maior programa de reforma agrária num regime democrático no mundo atual. Num total de oito anos foram instaladas 635 mil famílias, o triplo do que se tinha conseguido no longo período de 1964-1994 (218 mil famílias). O erro do ex-presidente Cardoso foi duplo: não ter insistido de forma contundente na importância do agronegócio e, de outro lado, não ter tido suficiente pulso para enquadrar nos marcos da lei a ação criminosa das lideranças do MST. Isso, afora o fato de que Fernando Henrique não enxugou suficientemente o gasto público em áreas em que isso poderia ser feito (privatização da Petrobrás, por exemplo), a fim de carrear recursos para reconstruir a infraestrutura portuária e a malha rodoferroviária, de forma a diminuir o custo Brasil e aplainar o caminho para o escoamento das safras agrícolas.
Nunca será demais insistir em que não haverá Reforma Agrária válida sem o amparo legal correspondente. A violência no campo decorre, fundamentalmente, da “insegurança jurídica da propriedade fundiária”, como indicava recentemente, com muito bom senso, o deputado Francisco Graziano [“Insegurança fundiária”, O Globo, 01/03/2005]. “Nem o proselitismo político – frisa Graziano - nem a repressão militar (...) resolverão a encrenca. Imperioso, isso sim, será ir à raiz do problema: a fragilidade da estrutura agrária e a impunidade contra as invasões de terra. Aqui está o germe da violência no campo. Graúdos grileiros ou modestos sem-terra se equiparam no esbulho. Ambos descrêem no poder público e não temem represália do governo. Um se espelha no exemplo do outro, foices se equiparam a motoserras. (...) O Brasil, para se livrar do resquício medieval que mata no campo, precisa urgentemente de um moderno Código Agrário. Uma legislação nova, radical, que fixe definitivamente a estrutura fundiária do país (...). Seria fundamental titular, em processo sumário, todos os posseiros, que somam 500 mil produtores rurais precários. Na seqüência, seria a vez dos assentados da reforma agrária, quase 600 mil famílias. Capitalismo neles. Terras devolutas, nem pensar mais, chegou sua hora. Escritura nelas”.
4) Por último, vale a pena lembrar que, sem uma reforma política que dê chão firme à representação e à vida partidária, não teremos instrumentos capazes de nos conduzir, como nação democrática, rumo ao futuro. Precisa ser desmontada, o quanto antes, a tendência atual rumo à desvalorização total da representação parlamentar, e sua substituição por um regime de cooptação de tipo soviético. Essa pretensão equivale a crime de lesa pátria e, se triunfante, sepultará de vez a possibilidade de vermos a nossa economia se desenvolver como o país necessita, além de termos frustradas as esperanças democráticas. Somente a consolidação das instituições de governo representativo nos permitirá marchar com segurança pelo caminho do desenvolvimento e da paz.
O amadurecimento da democracia representativa pressupõe, no momento atual, o compromisso dos atores políticos em torno a determinados princípios, sem os quais tornar-sei-ia impossível o convívio democrático. Este repousa, certamente, na adoção de uma moral social ou ética de mínimos, que fixe, por consenso da Nação, o mínimo comportamental que deve ser observado para que a sociedade politicamente organizada não se desagregue. Acontece que, no fundo da crise de legalidade criticada pelo professor Miguel Reale, estabeleceu-se no nosso país uma crise de valores morais decorrente da perda de sentido da cidadania (pois o ensino básico não cumpre com o seu cometido fundamental de garanti-la a todos os cidadãos). Como decorrência disso, é comum observar que as pessoas, embora critiquem a violência e a anomia reinantes, não se sentem moralmente comprometidas com as instituições democráticas. Nesse contexto de vácuo axiológico formatou-se a reação da esquerda ao costumeiro autoritarismo e ao domínio da classe política tradicional, nos anos recentes. Moral da história: a nossa esquerda não se sente moralmente comprometida com o respeito às instituições, daí a oposição antipatriótica que tradicionalmente tem exercido em face dos governos. E, nos momentos atuais, o que encontramos? Repetição, por parte dos políticos que se consideravam progressistas, dos mesmos esquemas da “política alimentar”, tão criticada por Oliveira Vianna.
“A esquerda brasileira é burra” chegou a afirmar, há alguns anos atrás, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Diríamos que ela está, em termos gerais, tremendamente desatualizada. Os ideais que a movimentam ainda são os velhos chavões do nacionalismo radical, do culto ao estatismo tout-court, com idolatria por Cuba e os representantes ideológicos do marxismo-leninismo. A ideologia que movimenta aos líderes e militantes do MST é prova disso. A esquerda precisa, neste início de século, de um novo roteiro, a fim de não cair no arquétipo de “esquerda reacionária”, segundo o qual pautam o comportamento não poucos ativistas dos foros internacionais promovidos pelos arautos do denominado progressismo. Isso tem sido apontado como um fenômeno não exclusivo do Brasil, mas típico das esquerdas a nível internacional, por variados autores. Cito apenas um, Horacio Vasquez-Rial, autor da sugestiva obra intitulada La izquierda reaccionaria.
É possível, sim, termos no Brasil, hoje, políticas de Estado pensadas a partir de um socialismo democrático ou de uma posição social-democrata. Não faltam fontes de inspiração, como, por exemplo, Pierre Rosanvallon (na França), ou Anthony Giddens (Inglaterra), Norberto Bobbio e Massimo D’Alema (Itália). Não faltam exemplos, no nosso país, de esforços teóricos consistentes, desde os precursores do ideal socialista no início do século XX, com o denominado socialismo humanitário (Evaristo de Moraes, Joaquim Pimenta), até os dias atuais, nessa mesma vertente, com pensadores como Evaristo de Moraes Filho ou Wanderley Guilherme dos Santos, ou, no terreno das propostas sociais-democratas, com Fernando Henrique Cardoso, Carlos Henrique Cardim, Bolívar Lamounier, Hélio Jaguaribe, etc. Mas ainda é muito grande o número de intelectuais e ativistas que acham que deve ser revivido o velho marxismo-leninismo, como se essa fosse a única fórmula válida de fazer política, com exclusão de todas as outras posições.
Propostas de liberalismo social estão também sobre o tapete, a fim de serem discutidas e avaliadas, em face dos grandes problemas pelos que o país atravessa. O liberalismo equaciona sim a questão social. Inspirados em Tocqueville, Aron e nos autores do liberalismo clássico, temos hoje não poucos pensadores (arrolados pelos afoitos analistas de esquerda como neoliberais pura e simplesmente), que em muito contribuiriam para enriquecer o debate acerca das momentosas questões sociais. Miguel Reale, José Guilherme Merquior, Roque Spencer Maciel de Barros, Antônio Paim, Ubiratan Macedo, Roberto Campos, José Osvaldo de Meira Penna, etc. têm hoje ampla obra escrita, que ainda é, infelizmente, mal conhecida e, por incrível que pareça, patrulhada nas Universidades. Nos Institutos Liberais, outrossim, tem sido consolidada ampla e séria reflexão sobre os problemas da democracia contemporânea, à luz dos pensadores do neoliberalismo (Hayek, von Mises, etc.). Autores como Og Leme, Donald Stewart, Roberto Fendt, Ubiratan Iorio, Luis Alberto Machado, etc., têm dado importante contribuição nesse contexto de idéias. No âmbito das opções conservadoras, sobressai o trabalho desempenhado no Centro de Economia Personalista, no Rio de Janeiro, por Alex Catharino de Souza. Ora, os nossos centros de estudos superiores deveriam ser o núcleo por excelência de reflexão sobre os problemas nacionais, abrangendo todos os pontos de vista seriamente colocados, sem temor ao debate e ao confronto de idéias. 
Paralelamente, carece o Brasil de centros de estudos estratégicos que avaliem as potencialidades do país a médio e longo prazo. Louvável esforço têm empreendido algumas instituições militares de ensino e pesquisa como a ESG, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e o Instituto de Geografia e História Militar no Rio de Janeiro, em prol de manter um diálogo vivo com o meio acadêmico, em torno ao estudo das questões estratégicas. Mas ainda é grande o descaso no meio universitário, em face desta importante iniciativa. Certamente é difícil alguém empreender estudos estratégicos no que concerne às nossas políticas agrárias, por exemplo, animado pelo espírito de revolução marxista-leninista que ainda empolga aos militantes do MST. Seria necessário que estes depusessem o dogmatismo e se abrissem ao mundo das idéias e da valorização do diálogo acadêmico e pluralista.


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