O Promotor Alberto Nisman, morto em Buenos Aires: pedra no sapato do governo populista de Cristina Kirchner. |
A “Dança macabra” do
compositor francês Camille Saint-Saëns (1835-1921) encontra repercussões nas
trapalhadas nada estéticas dos governos do Brasil e da Argentina. Para começar
com os “irmãos”, lembremos o rumoroso caso do “suicídio assistido” do promotor
Alberto Nisman (1963-2015), ocorrido em dias passados na sua residência no
exclusivo bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires. Nisman tinha se convertido
numa pedra no sapato do debilitado governo de Cristina Kirchner, ao denunciá-la
como cúmplice na tentativa de encobrimento dos iranianos responsáveis pelo
atentado contra a sede da AMIA (Associação Mutualista Israelense-argentina),
ocorrido em Buenos Aires em 1994, e que vitimou 85 pessoas, tendo deixado 300
feridos.
O atentado, ao que
tudo consta, foi uma vingança do governo dos aiatolás, pelo fato de a Argentina
ter suspendido na época o acordo de transferência de tecnologia nuclear ao Irã.
Nisman e a sua equipe investigaram durante dez anos esse ato terrorista e chegaram
à seguinte conclusão: o governo de Cristina Kirchner decidiu acobertar os terroristas
iranianos responsáveis pelo crime, em decorrência de um pacto negociado com o
Irã, que traria benefícios econômicos para a Argentina. O governo dos aiatolás ofereceria
petróleo em troca de cereais que a Argentina exportaria para aquele país. A
opinião pública argentina não engoliu as esfarrapadas razões da presidente
divulgadas pelas redes sociais, segundo as quais Nisman teria sido assassinado
por membros descontentes do serviço secreto argentino, que estariam interessados
em desestabilizar o governo da presidente. Isso após ela ter afirmado,
imediatamente depois de ter aparecido o cadáver de Nisman, que o promotor tinha
se suicidado.
As vítimas imediatas
das trapalhadas do governo argentino foram duas: a verdade e a democracia.
Ficou claro o descontento da opinião pública no comovido discurso que um amigo do
promotor, o filósofo Santiago Kovadloff, pronunciou durante o enterro de Nisman
e que foi publicado pelo jornal La Nación: “Não podemos estar bem
porque ser testemunha e participante, ao mesmo tempo, desta atmosfera e desta
tragédia e ter 72 anos, como tenho eu, é estar abrumado por uma eternidade
neste dia em que a Argentina vive à mercê do delito, com instituições frágeis e
que nos impedem sentir que o país tenha aprendido com a experiência. A sensação
de insegurança, não apenas do risco da individualidade, mas a orfandade de um
país, e a incapacidade que temos de aprender com a experiência. Tudo isso gera
uma atmosfera que vai unida à persistência que temos e que devemos ter e que a
dignidade nos exige. Mas ficamos entregues a uma sensação de perda, de
repetição infinita. Não me sinto bem. A Argentina não tem rumo”.
Gozado como as
palavras de Kovadloff poderiam ser repetidas, ipsis litteris, pelos brasileiros que assistimos, inermes, aos
desdobramentos do samba do Petrolão, nessas idas e vindas de delações premiadas
e de prisões de empresários e funcionários públicos corruptos. Após o Mensalão,
pensávamos que já tínhamos visto os capítulos mais fortes desse BBB de
safadezas em que se converteu a política do nosso país, desgovernado nestes
doze anos de domínio petralha. Mas não. Sempre tem uma nova história cabeluda a
ser revelada, num crescendo macabro que aumenta de cadência, como a batucada de
caveiras e esqueletos que genialmente Saint-Saëns conseguiu inserir na sua
magnífica composição.
O ritmo é de tirar o
fôlego. Foram primeiro os assassinatos de Celso Daniel e de Toninho do PT,
nunca esclarecidos a contento, mas que, no decorrer da história, aparecem hoje
como os alertas do que estava por vir, nesse clima de permissividade com o
dinheiro da Nação para financiar os planos petralhas. Foram, a seguir, as
confabulações de Dirceu et caterva
para dominar completamente o Legislativo, no conhecido Mensalão. Foi,
paralelamente, a eficaz ocupação dos cargos-chave do Judiciário, na tentativa
de aparelhar o STF. Foram as obras feitas sem licitação para garantir a
realização da Copa do Mundo de Futebol, obras que em muitos Estados mal saíram
do papel. Foram as generosidades incontidas de Lula e Dilma para com os “movimentos
sociais” e organizações não governamentais favoráveis ao PT, que receberam bilhões
e bilhões do tesouro, para que fizessem a vontade dos donos do poder. Foram as “bolsas”
de todos os calibres, distribuídas pelo país afora, para angariar votos e sem
que houvesse um mínimo de transparência. Foram as embaixadas abertas por Lula a
toque de caixa, notadamente nos países africanos, e que estão quase fechando as
portas por falta de recursos essenciais para pagar água e telefone. Foram as
obras internacionais mirabolantes via BNDES, como o porto de Mariel, em Cuba,
feitas com dinheiro dos brasileiros e sem que mediassem os controles legais. Ainda
está por ser aberta essa caixa de pandora, que revelará como os petralhas não
somente conseguiram fazer quebrar a Petrobrás, como também esvaziar os cofres
da Nação, fazendo bondades com governos amigos, na África e na América Latina. As
generosidades oficiais fizeram com que, pela primeira vez na história, o
governo conseguisse gastar em 2014 mais do que tinha, deixando um saldo
negativo que chega à incrível soma de mais de 20 bilhões de reais.
Nem tudo está
perdido. Temos, como na Argentina, funcionários públicos irreprocháveis que
cumprem a contento com a sua missão. Lembro dois dignos magistrados: o ministro
Joaquim Barbosa, que conseguiu levar o julgamento do Mensalão a bom termo e o
juiz Sérgio Moro que, em Curitiba, brilha na sua luta por desvendar todos os
segredos do Petrolão, em que pese as ameaças de que tem sido objeto. São
estrelas que se alçam nesse breu de incertezas e de sordidez em que os
populismos fizeram chafurdar a democracia no Brasil e na Argentina. No país
vizinho, em que pese as frustrações e as angústias do momento, brilham as luzes
do promotor Nisman e dos seus colaboradores. Pelo menos, contrastando com o
crescendo agoniante da “Dança Macabra” do patrimonialismo, se alçam, aqui e lá,
essas vozes de dignidade e patriotismo.
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