Se eu fosse conservador, os amigos leitores poderiam duvidar
da objetividade com que farei esta caracterização da mentalidade conservadora.
No entanto, justamente pelo fato de que sou um liberal de convicção, os meus
leitores podem estar seguros de que não farei "história participante"
segundo a expressão do filósofo paulista Luís Washington Vita (1921-1968), ou
seja, não farei uma apologia da mencionada atitude mental. Tentarei descreve-la
como quem observa friamente um fenômeno social, sem a paixão de quem está defendendo
um ponto de vista.
De outro lado, acho de grande importância abrir espaço, hoje,
para o estudo sistemático da mencionada mentalidade. Em primeiro lugar, porque
o predomínio da esquerda acadêmica terminou privando os alunos brasileiros
desse tipo de abordagem, ao longo da “Nova República” que emergiu com o fim do
ciclo militar. Em segundo lugar, pelo fato de o Brasil ser, majoritariamente,
um país conservador, dramaticamente polarizado por elites ditas “progressistas”
que se envergonham de reconhecer essa característica da nossa sociedade,
radicalmente ancorada em tradições sedimentadas ao longo dos séculos.
Tematizar a mentalidade conservadora é, contudo, tarefa
difícil. Como acertadamente frisa o historiador João Camillo de Oliveira Torres
(1915-1973) na sua obra Os construtores do Império - Ideias e lutas
do Partido Conservador [1],
"não é fácil definir o que seja o conservadorismo, antes um estado de
espírito do que um sistema racionalmente fundamentado, podendo dizer a mesma
coisa das posições que lhe são opostas. Muitos autores já o estudaram e
tentaram fixar em vários pontos descritivos a situação conservadora, mas que
dificilmente destacam a devida posição".
Apesar dessa dificuldade que provém, sem dúvida, da índole
não sistemática da mentalidade conservadora, tentarei uma caracterização dos
pontos que, a meu ver, tornam sui generis essa atitude,
notadamente no terreno político. De forma mais ampla tratei desse ponto no meu
livro intitulado: Liberalismo y conservatismo en América Latina.
[2]
Em quatro notas podem ser agrupadas as características
fundamentais da mentalidade conservadora: 1 - Ateorização e
antieconomismo, ou seja, a desconfiança em face do papel teórico atribuído
pelo liberalismo à razão e o menosprezo em relação às atividades do homo
oeconomicus. 2 - Reação, ou seja, a tendência a estruturar
uma anti-utopia que sirva para a própria orientação e a defesa. 3 - Identificação
da verdade com algo concreto, ou "com a ideia enraizada na realidade
viva do aqui e agora e se exprimindo concretamente nela". [3]
4 - Descoberta do tempo como criador de valor ontológico e de ordem.
I - Ateorização e antieconomismo.
O conservadorismo professa desconfiança em face do papel
teórico atribuído pelo liberalismo à razão e em face, também das atividades
do homo oeconomicus. Estas características concretizam-se
claramente naquilo que poderíamos denominar de "uma concepção
nobiliárquica da vida", que floresce na civilização ibérica e
ibero-americana.
Em relação à inserção do indivíduo no mundo, o Liberalismo destaca
dois ideais básicos, notadamente a partir da síntese efetivada por John Locke
(1632-1704) no final do século XVII nas suas obras fundamentais: Ensaio
sobre o entendimento humano (1689) [4]
e Dois tratados sobre o governo civil (1690) [5].
Em primeiro lugar, a razão joga um papel de primeira ordem na orientação do
indivíduo para cumprir com a missão de conquistar o mundo. Em segundo lugar, a
presença do homem no mundo possui uma única finalidade: se apropriar da
natureza mediante o trabalho, transformá-la e, dessa forma, fazer uma obra
digna da glória de Deus, que no contexto calvinista em que essa ideia surge,
constitui uma sinal da predestinação. Os proprietários são, para a filosofia
liberal clássica, "filhos de Deus", pois somente neles encarnou-se o
ideal de incorporar à corporeidade humana a natureza transformada pelo
trabalho.
A razão é, para a tradição liberal, uma luz natural que guia
o indivíduo sem necessidade de recorrer a uma iluminação sobrenatural, ao
contrário do que tinham salientado as grandes sínteses teológico-filosóficas da
Idade Média. A razão é, também, uma faculdade não especulativa e eminentemente
prática. No denominado "estado de natureza" corresponde à faculdade
ou ao poder de legislar do "estado de sociedade" e é a lei que
orienta o indivíduo na defesa dos seus direitos inalienáveis que, segundo John
Locke, se identificam com a vida, a liberdade e as posses. A razão natural é,
portanto um bom senso inato que guia o indivíduo ao longo da sua passagem pelo
mundo e que lhe assinala a forma de fazer valer os seus direitos inalienáveis.
Quando o indivíduo
entra em sociedade, mediante o pacto social, o bom senso originário que repousa
nos indivíduos, essa luz natural que a todos assistia no "estado de
natureza", converte-se na faculdade de legislar, que se realiza mediante a
sujeição da sociedade à vontade da maioria. É, pois, a maioria dos indivíduos
que se fazem representar, a depositária da racionalidade social, de tal forma
que resulta irracional se opor a ela. A racionalidade social, que Thomas Hobbes
(1588-1678) tinha concentrado no Leviatã,[6]
Locke a faz repousar na maioria daqueles que se fazem representar no
Parlamento. Mas, de uma ou outra forma, a razão do indivíduo se alargou deste
ao poder que dá unidade à sociedade. Essa concepção, que privilegia a razão
individual, na concepção hobbesiana ou lockeana, é adotada integralmente pelas
versões americana e francesa do liberalismo político.
Ecoando o primado da razão individual na filosofia
cartesiana, os filósofos franceses do século XVIII, Voltaire (1694-1778),
Diderot (1713-1784), Montesquieu (1689-1755), Rousseau (1712-1778) e todos
aqueles sob cuja inspiração se gesta e se desenvolve o complexo fenômeno
econômico-político-cultural que foi denominado de Revolução Francesa (1789),
destacam o papel orientador da razão, que é interpretada, como em Descartes
(1596-1650), não apenas como razão especulativa, mas basicamente como razão
prática que ilumina ao homem no processo de se assenhorear do mundo. Segundo este
pensador, no plano da temporalidade compete ao homem uma missão fundamental: se
apropriar da natureza, seguindo as leis que lhe são próprias, ou seja, as leis
do movimento. E é a razão prática a encarregada de guiar o homem nessa tarefa.
Dentro desse contexto situam-se também os pensadores da época
da Revolução Americana (1776). George Washington (1732-1799), Thomas Jefferson
(1743-1826), James Madison (1751-1836), John Jay (1745-1829), Alexander Hamilton
(1755-1804), etc., serão enfáticos ao reivindicar o posto que corresponde à
razão individual na vida do homem em sociedade. Ao longo dos anos que se seguem
à Convenção de Filadélfia (1786) e por causa da necessidade política de
ratificar essa Convenção nos diferentes Estados mediante a aprovação, pelas
Assembleias Provinciais, da Constituição votada em Filadélfia, desenvolve-se
uma intensa atividade jornalística que divulga as idéias fundamentais
inspiradoras dos constituintes americanos. É nessa série de artigos de
imprensa, especialmente nos compilados no livro denominado de O
Federalista,[7]
que condensa a discussão efetivada na área de Nova Iorque, onde encontramos de
novo as ideias lockeanas acerca do papel orientador da razão na organização da
sociedade. Aparece ali o princípio da maioria dos que se fazem representar,
como norma reitora da racionalidade social.
Só que, como destacou Alexis de Tocqueville (1805-1859) [8],
na América se amplia o âmbito da representação. Enquanto que para John Locke,
que se inspira na mais pura tradição do puritanismo, somente se pode fazer
representar o proprietário, que é o único que recebeu um sinal da sua
predestinação, pelo fato de ter efetivado, mediante o trabalho, uma obra digna
da glória de Deus, para os americanos é válida uma ampliação do conceito de
representação, que termina por se cristalizar na instituição do sufrágio
universal. Agiram, aqui, as ideias do liberalismo posterior à era das
revoluções do século XVII na Holanda e na Inglaterra, como é, por exemplo, a
síntese de John Stuart Mill (1806-1873) [9],
que incorpora a mencionada ampliação do conceito de representação.
Para John Locke, somente o proprietário era o autêntico
detentor do bom senso que deveria reger a organização da sociedade. Para os
liberais posteriores ao século XVII, na Inglaterra, e para os liberais
americanos e franceses, todo indivíduo é potencialmente suscetível de encarnar
o bom senso, sendo necessário apenas um reto processo educativo, fato que é
destacado especialmente por Stuart Mill. Mas para todos os ideólogos liberais é
um princípio aceito que a racionalidade social encarna-se na vontade da
maioria. A razão da maioria constitui a fonte da organização social. O pensador
suíço-francês Henri-Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), precursor dos
doutrinários, considerava, no entanto, que a vontade geral expressa no
conceito de soberania, não podia ser entendida como algo
absoluto. Era limitada, por essência, se circunscrevendo apenas à organização
política da sociedade, sem que pudesse se apropriar de todos os aspectos da
vida individual. Constant de Rebecque fazia, na sua obra Princípios
de Política [10],
uma crítica severa à forma ilimitada em que Rousseau entendia a vontade geral.
Contrapondo-se ao papel preponderante que a filosofia liberal
atribui à razão do indivíduo e como reação contra a torta evolução do
liberalismo ao longo do século XVIII em todos os campos: filosófico, econômico
e político, sendo a principal manifestação desse processo a Revolução Francesa,
os ideólogos conservadores são unânimes ao manifestar a sua profunda desconfiança
em face da razão individual, geradora de tantos males.
Tal é a sincera reação dos pensadores que criticam a
Revolução Francesa como Edmund Burke (1729-1797), Joseph de Maistre (1753-1821)
ou o conde Louis de Bonald (1754-1840). Todos eles destacam a necessidade de
uma tutela para a razão individual que, deixada por si só, produziu tantas
aberrações. Essa tutela identificar-se-á com uma volta à tradição e com a
imposição de uma elite que é o seu fiel intérprete. E, em alguns casos, será
exigida, no contexto do regresso desse elemento tradicional, a presença da fé
como um dos elementos constitutivos fundamentais da civilização. É isso o que
encontramos no tradicionalismo francês de inspiração católica, que deita raízes
na obra de Maistre e de Bonald.
Um exemplo do tradicionalismo leigo é encontrado, na América
espanhola, na influência do krausismo com a sua insistência no controle da
razão individual pela tradição espiritualista contrária ao homo
oeconomicus e que se torna presente numa rígida hierarquia social, à
cuja testa devem estar os educadores e os artistas. Tal é, por exemplo, o
pensamento dos liberais espanhóis da década de 1890 na Espanha, um de cujos
principais expositores foi Francisco Giner de los Ríos (1839-1915) [11],
fundador da Instituição Livre de Ensino. A obra dos krausistas hispânicos foi
divulgada, na América espanhola, por José Enrique Rodó (1872-1917) e, no
Brasil, por Carlos Mariano Galvão Bueno (1834-1883).
Essa volta à tradição como epokhé da soberba
razão individual se reveste de um caráter de cruzada moral para salvar a
sociedade, na obra de Augusto Comte (1798-1857), [12]
que ensina que os males sociais serão curados na medida em que seja combatida a
desordem no terreno mental e no dos costumes, mediante a volta da tradição,
graças a um processo educacional: "os vivos devem ser governados pelos
mortos", defendia o filósofo de Montpellier. Tal afirmação conduziu, no
Brasil, à instauração da ditadura positivista que durou mais de três décadas no
Rio Grande do Sul (1891-1930) e que teve continuidade no governo autocrático de
Getúlio Vargas (1883-1954) entre 1930 e 1945, no plano nacional.
Uma original concepção conservadora do papel da razão foi
legado por Alexis de Tocqueville (1805-1859). Este pensador, com a sua obra
clássica: A democracia na América deu ensejo, na França, a uma nova
ciência política. Quais os contornos que a definem? Em primeiro lugar,
Tocqueville estava animado por uma autêntica modéstia epistemológica. Para ele,
se é verdade que o absolutismo, em política, é irmão gêmeo do dogmatismo em
filosofia, também podemos afirmar que essa atitude mental de modéstia é
pressuposto do liberalismo. Não pode haver autêntica defesa da liberdade e da
tolerância ali onde se professam verdades intocáveis, no que tange à concepção
do homem e do mundo.
Eis o que Tocqueville escrevia, em 1831, ao seu amigo Charles
Stöffels (1809-1886): “Para a imensa maioria dos pontos que nos interessa
conhecer, nós não temos mais do que verossimilhanças, aproximações.
Desesperar-se porque as coisas são assim é desesperar-se pelo fato de ser
homem; pois essa é uma das mais inflexíveis leis da nossa natureza (...).
Sempre considerei a metafísica e todas as ciências puramente teóricas, que de
nada servem na realidade da vida, como um tormento voluntário que o homem
consentia em se impor”. [13]
Em 1858, Tocqueville explicava ao filósofo Hervé Bouchitté
(1795-1861) [14]
que a mais refinada metafísica não era mais clara que o simples senso comum
acerca do sentido do mundo e, especialmente, em relação “(...) à razão do
destino deste ser singular que chamamos homem, ao qual foi dada justamente
tanta luz quanto era necessária para lhe mostrar as misérias de sua condição e
insuficiente para muda-la”. [15]
Passagem de verdadeira inspiração pascaliana segundo Françoise Mélonio, que
escreve a respeito: “Que miséria que é o homem... Tocqueville retoma a crítica
pascaliana dos limites da Razão, atualizando-a para dirigi-la contra todos
aqueles que identificam o discurso racional com o real. A hostilidade futura de
Tocqueville a Hegel não terá outra fonte diferente desta rejeição a um
providencialismo secularizado, junto com o desgosto dos espíritos finos em
relação às coisas especulativas, fora do uso comum”. [16]
Na trilha que acaba de ser mencionada, Tocqueville situa sua
crítica ao historicismo. Esta
tendência, para ele, termina sacrificando a liberdade e a pessoa no altar da
abstração histórica. Tocqueville considerava que esse era um vício próprio dos
historiadores que vivem em “séculos democráticos”, preocupados mais em serem
lidos com facilidade pelas grandes multidões do que em fazer uma análise
verdadeira dos fatos concretos. Antecipava-se
genialmente Tocqueville, destarte, da crítica que os neokantianos, com Heinrich
Rickert (1863-1936) à testa, deflagraram, na virada do século XIX para o XX, à
tendência abstrata da Escola Histórica alemã de Friedrich Carl von Savigny
(1779-1861). Crítica que, aliás, confronta Tocqueville com os românticos alemães
que farão, como mostrarei logo mais adiante, a apologia da Escola Histórica.
A respeito da historiografia que se pratica nos “séculos
democráticos”, Tocqueville escreve o seguinte, diferenciando-a da
historiografia que se pratica nos “séculos aristocráticos”: “Os historiadores
que vivem nos séculos democráticos mostram tendências inteiramente contrárias.
A maior parte deles quase não atribui influência alguma ao indivíduo sobre o
destino da espécie, nem aos cidadãos sobre a sorte do povo. Mas, em troca,
atribuem grandes causas gerais aos pequenos fatos particulares. Essas tendências
opostas são explicáveis. Quando
os historiadores dos séculos aristocráticos lançam os olhos para o teatro do
mundo, a primeira coisa que nele percebem é um pequeno número de atores
principais, que conduzem toda a peça. Esses grandes personagens, que se mantêm
à frente da cena, detêm sua visão e a fixam: ao passo que se aplicam a revelar
os motivos secretos que fazem com que ajam e falem, esquecem-se do resto. A
importância das coisas que veem alguns homens fazer dá-lhes uma ideia exagerada
da influência que pode exercer um homem e naturalmente os dispõe a crer que é
sempre necessário remontar à ação particular de um indivíduo para explicar os
movimentos da multidão (...) Quando, ao contrário, todos os cidadãos são
independentes uns dos outros, e cada um deles é frágil, não se descobre nenhum
que exerça um poder muito grande nem, sobretudo, muito durável, sobre a massa. À
primeira vista, os indivíduos parecem absolutamente impotentes sobre ela e
dissera-se que a sociedade marcha sozinha pelo concurso livre e espontâneo de
todos os homens que a compõem. Isso leva naturalmente o espírito humano a
procurar a razão geral que pode assim atingir a um tempo tantas inteligências e
volta-las simultaneamente para o mesmo lado”. [17]
O principal defeito que Tocqueville enxergava na
historiografia dos tempos democráticos consistia no fato de tal modelo se
alicerçar numa concepção fatalista da história, que pressupõe, em primeiro
lugar, uma concepção abstrata e determinista do homem. A respeito escreve: “Os
historiadores que vivem nos tempos democráticos não recusam, pois, apenas
atribuir a alguns cidadãos o poder de agir sobre o destino do povo; ainda tiram
aos próprios povos a faculdade de modificar a sua própria sorte e os submeterem
ora a uma Providência inflexível, ora a uma espécie de cega fatalidade. Segundo
eles, cada nação é invencivelmente ligada, pela sua posição, sua origem, seus
antecedentes, sua natureza, a certo destino, que nem todos os esforços poderiam
modificar. Tornam as gerações solidárias umas às outras e, remontando
assim, de época em época, de acontecimentos necessários em
acontecimentos necessários, à origem do mundo, compõem uma cadeia cerrada e
imensa que envolve todo o gênero humano e o prende. Não lhes basta mostrar como
se deram os fatos: comprazem-se ainda em mostrar que não podiam se ter dado de
outra forma. Consideram uma nação que chegou a certo ponto da sua história e
afirmam que foi obrigada a seguir o caminho que a conduziu até ali. Isto é
muito mais fácil que mostrar como teria podido fazer para seguir um melhor caminho”. [18]
Tocqueville, pensador definidamente liberal-conservador,
rejeita de plano tal historiografia por considerar que essa concepção nega a
liberdade humana, base da “dignidade das almas”. Tratava-se de superar as
desgraças da Revolução e do Terror, não de conduzir a Nação Francesa à sua
definitiva destruição. O nosso autor identificava, alto e bom som, o caminho
que deveria ser seguido: o da liberdade concreta, ou melhor, o da conquista da
efetiva liberdade para todos os franceses. Mais do que uma dádiva “revolucionária”,
a consolidação da liberdade dependeria de reformas conservadoras que não
rompessem com o passado, mas que o tivessem, sempre, presente, como pano de
fundo de garantia da continuidade das novas instituições.
O principal pecado da Revolução Francesa, segundo
Tocqueville, foi este: ter pretendido romper os vínculos com o passado, caindo
no abismo de uma abstração com o nome de “igualdade”. Não se trataria, pois,
para remediar esse mal, de renunciar à conquista da democracia liberal. Tratar-se-ia,
melhor, de conquistar este anseio, de forma segura, restabelecendo as pontes
com o passado mediante o aprofundado conhecimento das tradições francesas e, de
outro lado, partindo para a construção de instituições firmemente ancoradas
nesse legado. Esse é o cerne da obra de Tocqueville intitulada: O
Antigo Regime e a Revolução. [19]
Karl Mannheim (1893-1947), em Ideología y Utopía [20]
estudou a desconfiança da mentalidade conservadora em relação à razão
individual. Para ele, é claro que, segundo essa mentalidade, a razão não possui
nenhuma predisposição para teorizar. O homem, efetivamente, não é levado a
teorizar acerca das situações humanas reais em que vive, enquanto se encontrar
perfeitamente ajustado a elas. Nessas condições, a existência do ser humano
considera aquilo que o rodeia como parte de uma ordem universal natural que,
por tal motivo, não é problemática. Em virtude disso, Mannheim frisa que a
mentalidade conservadora não possui nenhuma utopia, entendida como construção
ideal que vai além daquilo que é dado na concreção do momento histórico.
"Idealmente - frisa - está, pela sua mesma estrutura, em completa harmonia
com a realidade que, no momento, dominou. Carece de todas aquelas reflexões e
iluminações do processo histórico que provêm de um impulso progressivo".
Por tal motivo, Mannheim destaca que o tipo conservador de conhecimento é
originalmente uma classe de saber que outorga um domínio prático.
Trata-se de uma série de orientações habituais e, algumas
vezes, reflexivas, acerca dos fatores que são imanentes à reflexão. Os
elementos ideais que, na nossa vida diária, se opõem ao concretamente dado são
restos da tensão dos períodos primitivos, quando ainda não havia completa
estabilização no mundo; mas a sua atuação no presente é apenas ideológica, como
crenças, mitos e religiões, que devem ser situados no campo que lhes
corresponde: para além da história. "Nesta etapa - frisa Mannheim - o
pensamento (...) inclina-se a aceitar o contorno total na concreção acidental
em que ocorre, como se essa fosse a ordem exata do mundo e tivesse que ser
pressuposta e não apresentar nenhum problema (...)." Nessa perspectiva, a
razão individual não possui nenhuma possibilidade para realizar uma construção
segundo os seus próprios desejos. Está encadeada à concreção do momento e daí
não pode sair. É uma tutela exercida pela dimensão ôntica.
O caráter débil da razão liberal, para os conservadores, é
expresso assim por Mannheim: "Os conservadores consideraram a ideia
liberal que caracterizou o período da Ilustração como algo vaporoso e carente
de concreção. E foi a partir desse ângulo por onde iniciaram o seu ataque
contra ela e a desvalorizaram. Hegel enxergava nela nada mais do que uma
simples opinião - uma pura imagem - uma possibilidade apenas
por trás da qual alguém se refugia, se salva a si mesmo e elude as exigências
do momento". [21]
A sujeição da razão humana à concreção histórica foi
caracterizada por Charles Wright Mills (1916-1962) da seguinte forma, ao
analisar o modo em que se dá no meio norte-americano contemporâneo: "(...)
Aquilo que (os intelectuais conservadores norte-americanos) descobriram é a
falta de inteligência e de moralidade na vida pública de nosso tempo e o que
conseguiram criar é uma simples elaboração do seu próprio estado de ânimo
conservador. É um estado de ânimo muito adequado para homens que vivem num
vazio político. No fundo dessa atitude há um sentimento de importância sem
angústia, e uma sensação de pseudo-poder baseada unicamente numa falsa
segurança. Quebrando a vontade política, esse estado de ânimo ou humor permite
que os homens aceitem a depravação pública sem nenhum sentido íntimo de
ultraje, e sem renunciar à meta essencial do humanismo ocidental, tão
fortemente sentida na experiência norte-americana do século XIX: o presunçoso
domínio do destino do homem pela razão" [22].
De outro lado, a mentalidade conservadora reage contra a
visão econômica do homem típica do liberalismo (que afirmava, como vimos, na
visão clássica de Locke inspirada no calvinismo, que o homem está na terra para
fazer, com o seu trabalho, uma obra digna da gloria de Deus). Os conservadores
reivindicam uma concepção do homem espiritualista e desinteressada. Trata-se de
uma nova epokhé em que o conservadorismo submerge o ser
humano, desta vez do ângulo da liberdade e do agir. Onde mais nitidamente
apareceu esta reação foi na Espanha; ali não houve influência do puritanismo
calvinista, tendo-se consolidado, ao contrário, um espiritualismo de inspiração
medieval.
O historiador
colombiano Jaime Jaramillo Uribe (1917-), na sua obra: El pensamiento
colombiano en el siglo XIX, analisou este fenômeno. Na Espanha surge, desde fins da Idade
Média, um tipo cultural diametralmente oposto ao homo oeconomicus,
que desde início da modernidade foi-se enraizando na Europa, acompanhando o
fenômeno do nascimento e expansão das cidades, origem da nascente burguesia. As
características do tipo castelhano, do cavaleiro cristão que Manuel García
Morente (1886-1942) define como defensor de uma causa e possuidor de virtudes
nobiliárquicas como ânsia de grandeza, coragem, altivez, palpite e não cálculo,
personalismo e culto à morte, modelaram-se ao longo da história da Espanha,
sobretudo durante o episódio tão decisivo na vida do povo espanhol que foi a
luta de vários séculos contra os muçulmanos, em defesa da sua própria
existência e da cristandade.
Essa defesa da cultura hispânica em face do invasor foi
apreendida pelo povo, desde o início, como a defesa de si próprio. "Ao
terminar essa contenda - escreve Jaramillo Uribe - e ao se iniciar a Época
Moderna, que já vinha se gestando e amadurecendo no Continente e nas Ilhas
Britânicas, tinha-se constituído na meseta castelhana um tipo de homens cujas
virtudes não eram as do homo oeconomicus. A descoberta da América e
a luta pelo Império que inesperadamente lhes doava a História firmaram o seu
caráter cavalheiresco e terminaram por frustrar, definitivamente, a formação em
Castela do tipo que construiu a economia moderna do capitalismo, e com isso a
possibilidade de que Espanha assimilasse o espírito das novas formas de vida,
sobretudo o moderno ethos do trabalho". [23]
Analisemos em detalhe duas notas que Jaramillo Uribe destaca
acerca do caráter espanhol, no texto que acaba de ser citado: a sua afirmação
por cima do invasor árabe e a sua afirmação sobre o Novo Mundo. Ao submeter o
elemento alienígena depois da Reconquista espanhola e ainda durante a última
parte da Idade Média, o espanhol encontrou dois grupos sociais, mouros e
judeus, que o substituíram nas fainas econômicas. O judeu, nos trabalhos
comerciais, bancários e financeiros e o mouro nos trabalhos agrícolas e
artesanais. "O trabalho - frisa Jaramillo Uribe - praticado assim por grupos
considerados inferiores religiosa e politicamente, recebeu os mesmos estigmas
que o caracterizavam naquelas sociedades onde era exercido por escravos. Foi
uma ocupação de párias e não de senhores".
Entre os historiadores houve muita discussão acerca das
implicações decorrentes da expulsão de árabes e judeus sobre a economia da
Espanha. Ocorreram controvérsias acerca da importância que alguns autores deram
aos elementos árabe e judeu e acerca do número de indivíduos que abandonaram a
Península quando se produziram os Editos de Estranhamento. No entanto, todos os
autores estão de acordo em afirmar que ambos, mouros e judeus, eram pilares da
atividade econômica na Espanha. Américo Castro (1885-1972) [24]
faz um balanço dos termos relativos a atividades urbanas e rurais provenientes
do árabe, nas línguas castelhana e portuguesa. A farta presença desses termos,
no vocabulário corrente, indica que mouros e judeus foram os fatores mais
importantes nesses campos dos quais, por outro lado, estiveram ausentes os
espanhóis e os portugueses.
Paralelamente à sua afirmação nobiliárquica sobre judeus e
mouros, o caráter espanhol firmou-se no Novo Mundo de uma forma que nega as
virtudes do homo oeconomicus. A conquista predatória do solo
americano, impulsionada pela mentalidade aventureira e a lenda do El Dorado,
foi o marco econômico que presidiu a obra da Espanha no Novo Mundo. O ouro e a
prata que chegaram a torrentes da América produziram inflação crescente numa
economia cuja produção de bens de consumo permanecia estática. Por isso é
lícito concluir com Jaramillo Uribe que, longe de ter constituído a saída dos
mouros e judeus da Espanha a oportunidade para que o espanhol mudasse a sua
atitude perante o trabalho, "(...) nessa conjuntura, a história lhe
deparou o Novo Mundo, continuou exigindo-lhe virtudes heroicas e colocou à sua
disposição uma nova classe pária: as populações indígenas americanas, classe
que continuou criando riquezas para o povo senhorial e conferindo à atividade
econômica um caráter não nobre". [25]
O espiritualismo de inspiração medieval que faz do cavaleiro
espanhol um conservador das tradições nobiliárquicas sobre o ethos do trabalho e que desconfia da
razão individual, foi muito bem caracterizado por Américo Castro no seguinte
trecho: "O cavaleiro espanhol (...) precisava se rodear de um halo de
transcendência, de um prestígio religioso, régio ou de honra. Tinha de se sentir
num além-mágico e como suspenso sobre a face da terra. Daí o desdém pelas
atividades mecânicas, comerciais ou de pura razão". [26]
2 - Reação, ou seja, a tendência a
estruturar uma anti-utopia que sirva para a própria orientação e a defesa.
A estruturação da mentalidade conservadora se dá como
anti-utopia que serve para a auto-orientação e para a defesa e como uma reação
contra a hierarquização – baseada na riqueza - da sociedade burguesa, numa
tentativa de revalorizar um espiritualismo de inspiração medieval, reconhecendo
uma hierarquização social de tipo espiritual. Analisarei aqui esses aspectos.
Para Mannheim, [27]
a mentalidade conservadora é obrigada a elaborar as suas reflexões
histórico-filosóficas, só a partir do contra-ataque em face das agressões perpetradas
pelas classes opostas, que pretendem derrubar a ordem existente. Isso é tão
certo que, se não se tivesse dado o prévio ataque das classes progressistas, os
conservadores teriam permanecido inconscientes em face da sua própria
ideologia, e “a concepção conservadora permaneceria no nível da conduta
inconsciente”. Portanto, a mentalidade conservadora descobre a sua própria
identidade só “ex post facto”. As
ideologias conservadoras, especialmente na Europa, aparecem como reação contra
a progressiva ascensão de agressivos grupos liberais, que já desde o início da
Idade Moderna foram tomando força graças ao desenvolvimento do comércio, na
luta que travaram contra as classes dominantes tradicionais, o clero e a
nobreza. Assim, o conservadorismo é uma reação contra a ascensão do liberalismo.
Desta forma, encontramos esse fenômeno na França e na Alemanha, e assim também
o podemos observar na América espanhola. Não é casual que na Nova Granada, a
primeira plataforma conservadora tenha aparecido em 1849, um ano depois de que
a burguesia comerciante e exportadora tivesse iniciado, em 1848, profundos
câmbios econômicos e sociais que afetavam às classes tradicionais: o clero e a
aristocracia latifundiária de origem colonial.
Mannheim destaca de que forma na Alemanha a classe social
conservadora que adquiriu estabilidade mediante a posse da terra, não conseguiu
estruturar uma interpretação teórica da sua própria existência, e que a
descoberta da ideia conservadora foi devida a um grupo de ideólogos que apoiaram
os conservadores. Tal foi o trabalho dos românticos, especialmente de Hegel,
que ofereceu às antigas classes conservadoras uma interpretação coerente do
sentido da existência. Por este motivo, frisa Mannheim que: “(...) A grande
realização de Hegel foi edificar, contra a ideia liberal, outra proposta
conservadora, não no sentido de purificar artificialmente certa atitude e certo
modo de conduta, mas no sentido de elevar uma forma de experiência já existente
até um nível intelectual e sublinhar as características distintivas que a
contrapunham à atitude liberal perante o mundo”. O mesmo Hegel dá testemunho da
sua valorização do conservadorismo, ao afirmar que a ideia de uma realidade
histórica consegue se tornar visível somente numa segunda etapa, quando o mundo
conseguiu adotar uma forma interna fixa e determinada.
No famoso parágrafo final do prefácio de Hegel (1770-1831) à Filosofia
do Direito, o filósofo alemão frisa: “Só uma palavra mais relativa ao
desejo de ensinar ao mundo o que deveria ser. Para semelhante propósito, a
filosofia, pelo menos, chega sempre tarde demais. A filosofia, como pensamento
do mundo, não aparece até que a realidade tenha completado o seu processo
formativo e tenha se preparado a si mesma. Desse modo, a história corrobora
aquilo que ensina a concepção de que o ideal só aparece na maturidade da
realidade, como algo oposto ao real. Apreende o mundo real na sua substância e
o configura num reino intelectual. Quando a filosofia desenha com cores cinza
uma forma de vida, tornou-se velha e não pode ser rejuvenescida por esse cinza,
mas somente conhecida. A coruja de Minerva levanta o voo unicamente quando as
sombras da noite se aproximam”. [28]
Mannheim destaca, também, que enquanto a ideia liberal, traduzida em termos
racionalistas, insiste mais naquilo que é normativo ou no dever-ser, “(...) o
conservadorismo translada a ênfase à realidade existente, àquilo que é. O fato
da simples existência de uma coisa outorga-lhe o mais alto valor (...)”. [29]
No relacionado ao segundo aspecto da reação como
característica da mentalidade conservadora, dizíamos que nega a estratificação
da sociedade burguesa baseada no poder econômico e pretende levantar a bandeira
de um igualitarismo de inspiração medieval, que não se opõe ao reconhecimento da
hierarquização espiritual da sociedade.
Jaime Jaramillo Uribe [30]
destacou que a nobreza europeia foi reagindo, nos países do continente, em face
do avanço da burguesia. É claro que isso não aconteceu em um meio como as Ilhas
Britânicas, onde a própria nobreza assumiu a escala de valores da burguesia,
tendo-se tornado comerciante. Mas o romantismo alemão, por exemplo, que
aglutinava tantas figuras nobres, manifesta a sua desadaptação diante da
concepção burguesa do mundo. O protesto dos nobres franceses, de outro lado, se
manifestou no nobre aventureiro, no emigrado mercenário e no pensador
arcaizante e antidemocrático do tipo encarnado pelo combativo Joseph de
Maîstre. Mas onde mais clara se manifestou esse protesto nobiliário foi na
Espanha, o país nobre por excelência, digno das tradições de Dom Quixote.
Jaramillo Uribe não duvida em afirmar que este “(...) foi o
caso extremado desse protesto nobiliário contra o mundo que começava a
configurar o homem burguês. Com uma circunstância especial que constitui a
chave de toda a evolução posterior da nação espanhola e da sua dificuldade para
se adaptar às formas do viver moderno (...). Na Espanha, o próprio povo
adquiriu a concepção nobiliária da vida, e situada fora desta somente restou
uma burguesia minoritária que não conseguiu ter influência política nem
espiritual e que, por outro lado, esteve circunscrita aos contornos regionais
da Catalunha e da Vascônia. A fidalguia espanhola, presente até nos seus
vagabundos e mendigos, é integrada por categorias nobiliárias de vida,
particularmente por aquelas que, em relação à economia e ao trabalho, possuem
um forte conteúdo anticapitalista e antiburguês: a hospitalidade, a
prodigalidade nos gastos, a ausência de previsão para o amanhã, o menosprezo
pelo dinheiro e o amor ao ócio”.
Em contraste com essa concepção nobiliária que comporta um
igualitarismo da sociedade, é importante destacar que o “anarquismo” social
hispânico reconhece hierarquias espirituais. Se bem é certo que, como frisa
Ramiro de Maeztu (1874-1936), na sua obra La defensa de la hispanidad: [31]
“(...) aos olhos do espanhol, todo homem, qualquer que seja a sua posição
social, o seu saber, o seu caráter, a sua nação ou a sua raça, é sempre um
homem; mesmo com aparência humilde, ele é o rei da criação; mesmo desfrutando
de alta posição, ele é uma criatura pecadora e débil”, no entanto, o espanhol
reconhece as hierarquias espirituais que regem a sociedade: a Igreja e a
Monarquia, como expressões máximas da alma espanhola.
Isso para não falar em tendências doutrinárias altamente
hierarquizantes e espiritualistas, como os krausistas, por exemplo.[32]
Os krausistas espanhóis defendiam a denominada “selectocracia”, que reconhece a
superioridade das minorias de intelectuais e artistas, os únicos que, segundo
essa corrente, se elevaram definitivamente por cima da animalidade e que têm a
missão de educar as massas incultas no cultivo dos valores espirituais,
responsáveis pela humanização do homem. [33]
Alexis de Tocqueville considerava que, na França, a ação
deletéria da Revolução, do Terror jacobino e, já no século XIX, dos
socialistas, terminaram por erradicar progressivamente o ideal de uma
burocracia desinteressada que era integrada, como se sabe, pelos nobres no
Antigo Regime. A Monarquia restabelecida na França pelos Bourbons e, depois, a
Segunda República, deram ensejo a uma centralização cada vez maior e a uma
gestão despótica e corrupta dos negócios públicos, tendo sido banido o ideal do
serviço de qualidade. Tocqueville considerava que ficou um vácuo nesse espaço
antes ocupado pela nobreza, tendo-se instalado ali o reinado da mediocridade e
das benesses burocráticas. A República converteu-se no reino dos aventureiros
de todos os matizes, absolutamente descompromissados com o bem-estar do povo. A
respeito Tocqueville escrevia, ao ensejo dos eventos de 1848: “As revoluções
nascem espontaneamente de uma doença geral dos espíritos, induzida de repente
ao estado de crise por uma circunstância fortuita que ninguém previu; quanto
aos pretensos inventores ou condutores dessas revoluções, nada inventam ou
conduzem; seu único mérito é o dos aventureiros, que descobriram a maior parte
das terras desconhecidas: atrever-se a ir sempre em linha reta, para a frente,
com o vento a favor”. [34]
3 - Identificação da verdade com algo concreto,
ou, como frisa Mannheim, "com a ideia enraizada na realidade viva do aqui
e agora e se exprimindo concretamente nela". [35]
Esta morfofania da verdade encontra a
sua expressão, por exemplo, no tema do agrarismo
como leitmotiv da literatura e da
filosofia, na Espanha e em Iberoamérica. Aparece, também, na morfologia
goethiana, que insiste na utilização da percepção intuitiva como instrumento
científico, método que também utiliza a Escola Histórica, na Alemanha.
Detenhamo-nos nas duas expressões da morfofania
da verdade que mencionamos.
O agrarismo, ou
seja, o exprimir a problemática da vida do homem não em termos abstratos, mas
através de formas plásticas tiradas da natureza, é uma tendência profundamente
conservadora. Em primeiro lugar, porque é um intento de encadear a razão ao
dado imediato da experiência, é um esforço de concreção daquela no meio
circundante. Em segundo lugar, em decorrência do caráter não utilitarista de
apreciação da terra, fundamento da vida agrária. A terra reveste-se aqui de uma
áurea de mistério, parecendo que ocultasse em si uma realidade exemplar, jamais
esgotável nos estreitos limites da apreciação humana.
A morfofania caracteriza-se, assim, como a nota típica do conservadorismo.Para Espanha, a terra possui um valor sacro, porque é dela de onde provém e onde se dissolve toda forma biológica. [36] Aquele que possui a terra, em termos hispânicos, possui a vida. É a terra a única capaz de nos transmitir segurança. Para John Locke, também, a terra joga um papel essencial na vida humana: é a fonte da segurança e da liberdade. No entanto, há uma diferença abissal entre a forma em que Locke e a mentalidade espanhola interpretam a relação do homem com a terra. O pensador inglês a entende como posse por excelência, à qual o homem chega mediante o seu trabalho, que projeta o próprio corpo sobre a natureza tornando-a, assim, algo próprio.
A morfofania caracteriza-se, assim, como a nota típica do conservadorismo.Para Espanha, a terra possui um valor sacro, porque é dela de onde provém e onde se dissolve toda forma biológica. [36] Aquele que possui a terra, em termos hispânicos, possui a vida. É a terra a única capaz de nos transmitir segurança. Para John Locke, também, a terra joga um papel essencial na vida humana: é a fonte da segurança e da liberdade. No entanto, há uma diferença abissal entre a forma em que Locke e a mentalidade espanhola interpretam a relação do homem com a terra. O pensador inglês a entende como posse por excelência, à qual o homem chega mediante o seu trabalho, que projeta o próprio corpo sobre a natureza tornando-a, assim, algo próprio.
A mentalidade espanhola extasia-se na posse da terra, fazendo
dela algo representativo, como se o homem se relacionasse com ela não através
do trabalho apenas, mas mediante a contemplação. Para o espanhol, a terra é a
mãe da qual deriva o seu sustento e que o acolhe desde o nascimento até a
morte. Para o inglês, a terra é meio de sustento e base da comercialização, que
dá vazão aos interesses individuais. O espanhol não entende a terra em termos
comerciais, mas vitais. “O tráfico comercial – frisa Américo Castro – (...)
desenraiza o homem da própria terra, o desintegra, o afasta da natureza e o
induz a incorrer em fraude. Em tais sulcos cai a semente de que brotarão, mais
tarde, os sonhos da Idade de Ouro, o menosprezo do cultivo e do canto à vida
rústica, da novela pastoril, bem como o horror de Dom Quixote às armas de fogo.
Aqueles que não derivam toda a sua substância da terra em que vivem, esses
terminam por deixar de serem eles mesmos, se desintegram”. [37]
Por tal motivo, o ministro de Carlos III (1716-1788), Gaspar Melchor de
Jovellanos (1744-1811), dirá que a posse da terra, na Espanha, acontece
“somente como uma especulação de orgulho e vaidade”. [38]
O agrarismo espanhol passa a Iberoamérica. O elogio do
rústico é um dos leitmotivs da literatura colombiana do século XIX. O
sentimento rural fazia valorizar a literatura virgiliana entre as classes
cultas da Colônia e da República. A respeito deste ponto frisa Jaramillo Uribe:
“O sentimento a que fazemos referência é sentimento específico da terra, como
aquilo que não perece, aquilo que é autêntico. Não é sentimento da natureza à
maneira renascentista ou segundo o estilo exótico, de certo tipo de alma
romântica”. [39]
Essa morfofania do espírito ibérico que se exprime na posse
nobiliárquica da terra, é acompanhada de outras formas concretas para
representar um papel social. Elas são descritas da seguinte forma por Jaramillo
Uribe: “A burocracia, o serviço eclesiástico e o exército – as armas e as
letras – eram as formas de vida preferidas pelo espanhol. A superabundância de
empregados, o séquito nobiliárquico e os funcionários eclesiásticos, quer
dizer, as classes improdutivas constituíam, desde a Idade Média, um traço
característico da vida peninsular”. [40]
A morfofania como
expressão do espírito racional aparece também no Brasil, onde o espírito
conservador se manifestou durante o século XIX, numa valorização muito forte da
vida camponesa e da vinculação à terra, e no culto à figura do Imperador como
personificação viva da Nação. Eis as palavras com que João Camillo de Oliveira
Torres caracterizava este fenômeno: “(Os conservadores brasileiros) não negavam
a liberdade, nem a amavam menos do que os outros. Somente sabiam que a liberdade
não se preserva unicamente com palavras, gestos e hinos, mas que requer
condições efetivas e bem fundadas na realidade (...). Pelas suas relações mais
íntimas com as bases rurais da vida nacional, pelo seu realismo e a sua
objetividade, que os tornavam imunes ao lado perigoso do liberalismo, que é a
retórica, os Saquaremas, no fundo, defendiam uma política mais consistente,
mais autêntica. Lendo um Uruguai, sentimos literalmente o cheiro da terra. Eram
homens que viviam a realidade concreta do país em que estavam, não do país em
que gostariam de estar (...). Nada prova melhor a disposição mais fiel dos
conservadores em relação à realidade nacional, que a sua defesa do Poder
Moderador, quer dizer, da autoridade do Imperador. Os liberais queriam um parlamentarismo de estilo inglês,
que reduzisse o Imperador à posição de meio juiz do jogo, que governasse de
acordo com as maiorias parlamentares. Mas acontece que por força das condições
puramente sociais do país (densidade demográfica, população praticamente rural, etc.), a vida
eleitoral era impraticável. Faltava o que havia na Inglaterra: uma população
urbana densa, uma classe média sólida. Ora, o Imperador (além de ser um tipo de
autoridade sensível à imaginação popular, e respeitada), podia substituir como primeiro
representante da nação o corpo eleitoral, que de fato não tínhamos. E que
tampouco poderíamos ter”. [41]
Na Alemanha, a busca pela morfofania como meio de expressão
do espírito nacional foi efetivada por Johan Wolfgang von Goethe (1749-1832) e
a Escola Histórica. Contrastando com a pretensão liberal de identificar a ideia
com uma construção abstrata da mente e de buscar ali a racionalidade do mundo,
os conservadores alemães do século XVIII buscavam a racionalidade, ou melhor, o
sentido da realidade, em dois tipos de concreção morfológica: o espírito
subjetivo e as criações culturais.
A primeira tendência é representada, por exemplo, por Adam
Heinrich Müller (1779-1829), que afirmava que nada pode substituir o espírito
de um povo, como fonte de toda a vida social e cultural. A propósito, escrevia:
“A constituição dos Estados não pode ser inventada, o cálculo mais lúcido neste
assunto é tão fútil quanto a ignorância total. Não existe nenhum substituto
para o espírito de um povo, nada pode substituir a força e a ordem que dele
procedem, e não se pode encontrar nada de parecido nem sequer nos espíritos
mais brilhantes nem nos maiores gênios”.[42]
Esta ideia é expressada, em termos mais amplos, por Friedrich Carl von Savigny
(1779-1861), para quem o sentido da realidade humana provém do espírito que
está em nós como uma força que trabalha silenciosamente e que agiu, através de
nós, para realizar as nossas obras.
A busca alemã pelo sentido da realidade na concreção
morfológica das criações culturais é realizada por Hegel, mas principalmente é Goethe
quem se situa nessa perspectiva e a desenvolve. Segundo Mannheim, o espírito
humano, em tal perspectiva, está presente em nós como uma enteléquia[43],
“(...) que se desenvolveu a si mesma nas criações coletivas da comunidade, do
povo, da nação e do Estado, como uma forma interna que, na maior parte das
vezes, pode ser apreendida morfologicamente. A perspectiva morfológica,
focalizada em direção à linguagem, à arte e ao Estado, se desenvolve a partir
deste momento. E mais ou menos ao mesmo tempo em que a ideia liberal traduzia a
ordem existente em movimento e estimulava a especulação construtiva, Goethe
renunciava a esse método ativista para se dedicar à contemplação: à
morfologia”. [44] É
efetivamente com ele que começa a utilização da percepção intuitiva à maneira
de instrumento científico. Em alguns aspectos, o método seguido pela Escola
Histórica, na Alemanha, é semelhante ao de Goethe. Ambos vão rastreando a
emanação das “ideias”, mediante a observação de diferentes manifestações
culturais como a linguagem, os costumes, o direito, etc., e não através de
generalizações abstratas, “(...) mas preferentemente por intuição simpática e
descrição morfológica”.
4 - Descoberta do tempo como criador de valor
ontológico e de ordem.
No conservadorismo se dá a descoberta do tempo como criador
de valor óntico e de ordem. Uma frase de Giuseppe Salvioli (1883-1950) exprime
muito bem essa ideia: “O presente, mesmo depois das mais profundas revoluções
morais e sociais, se liga ao passado por vínculos de tal natureza que não se
poderiam romper sem torna-lo um enigma”. [45]
A mesma ideia acerca do tempo como gerador de valor óntico e
de ordem é formulada por João Camillo de Oliveira Torres desta forma:
“Poderíamos definir o conservadorismo da seguinte maneira: é uma posição
política que reconhece que a existência das comunidades está sujeita a
determinadas condições e que as mudanças sociais, para serem justas e válidas,
não podem quebrar a continuidade entre o passado e o futuro. Podemos afirmar
que o traço mais característico da psicologia conservadora consiste,
exatamente, no fato de que não considera viáveis as transformações e mudanças
feitas sem o sentido da continuidade histórica. Mais ainda: o conservador
considera impraticáveis e condenadas ao suicídio, todas as reformas fundadas
unicamente na vontade humana, sem respeito pelas condições preexistentes.
Podemos reformar, mediante um processo de cautelosa adaptação daquilo que
existe às novas condições. Mas não poderemos conseguir nunca o estabelecimento
de algo radicalmente novo”. [46]
O que pretende uma posição autenticamente conservadora? A
esta pergunta, responde Oliveira Torres: “(...) Uma política autenticamente
conservadora não pretende mais do que exigir que a história seja respeitada. Não
tomando a iniciativa de reformas, a menos que isso seja uma condição de
preservação, uma reforma para evitar uma revolução. O conservadorismo busca
acompanhar as transformações de forma a defender o princípio de que, como frisa
justamente Augusto Comte, o progresso seja o desenvolvimento da ordem. O
conservadorismo se justifica pela convicção, perfeitamente legítima, de que há
valores permanentes na vida social e de que certos bens devem ser preservados”.
[47]
Karl Mannheim enfatiza que o sentido do tempo para a
mentalidade conservadora é completamente oposto ao do liberalismo. Enquanto
que, para este, o futuro é tudo, “(...) a forma conservadora de experimentar o
tempo encontrou a melhor corroboração de seu sentido da determinação, na
descoberta da importância do passado, na descoberta do tempo como criador de
valor (...). Para o conservadorismo, tudo quanto existe possui um valor nominal
e positivo, simplesmente porque chegou a existir lenta e gradualmente. Em
consequência, ademais de que a atenção se volta para o passado e para o esforço
de resgatá-lo do esquecimento, aquilo que há de presente e de imediato no
conjunto do passado converte-se numa experiência real”. [48]
Essa valoração do passado como criador de valor óntico e de
ordem, leva a uma conclusão no plano da exigência de uma ordem hierárquica na
sociedade. Charles Wright Mills, ao comentar este aspecto da mentalidade
conservadora, frisa: “Se não destruirmos a ordem natural das classes e a
hierarquia dos poderes, teremos superiores e caudilhos” que nos orientem. [49]
Isto equivale a afirmar que, para a mentalidade conservadora, constitui um
princípio indiscutivelmente válido aceitar, com gratidão, a direção de uma
série de homens considerados como uma minoria consagrada, como frisa Russel
Kirk (1918-1994) na sua clássica obra intitulada: The Conservative Mind. [50]
Reforçando essa valoração do passado como garantia de ordem e
de sobrevivência, conservadores como Burke se levantam contra o “espírito de
novidade”, como muito bem sintetizou Robert Nisbet (1913-1996), na bela obrinha
intitulada Conservadorismo. A respeito escreve: “Aquilo que Burke e os
seus sucessores combateram é o que ele denominou de espírito inovador. Ou seja, a adoração vã da mudança em si mesma, a
necessidade superficial, mas penetrante, que sentem as massas de distração e excitação
através de novidades sem fim. O espírito de inovação é particularmente letal
quando se aplica às instituições humanas”. [51]
O filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), no clássico
livro intitulado: La rebelión de las masas, já tinha traçado um quadro bastante
amplo desse imediatismo, no contexto da caracterização do denominado homem-massa, que passou a ocupar todos
os espaços sociais após as grandes reformas econômicas e políticas acontecidas
na Europa ao longo do século XIX e que se espraiaram pelo mundo afora no
decorrer do século passado. A mais completa fotografia desse homem se dá no
seio da politização total que, à maneira gramsciana, tomou conta do universo
social ao longo do século XX.
Eis o quadro verdadeiramente trágico que Ortega desenha desse
ser humano massificado, imediatista e efêmero, no seu Prólogo para Franceses: “O politicismo integral, a absorção de todas
as coisas e de todo o homem pela política é a mesma coisa que o fenômeno da
rebelião das massas descrito aqui. A massa rebelde perdeu toda a capacidade de
religião e de conhecimento. Não pode conter mais que política, uma política
exacerbada, frenética, fora de si, visto que pretende suplantar a religião, a sagesse, enfim, as únicas coisas que por
seu conteúdo estão aptas a ocupar o centro da mente humana. A política priva o
homem de solidão e de intimidade, e por isso a pregação do politicismo integral
é uma das técnicas usadas para socializa-lo”. [52]
Quadro, aliás, bastante fiel do homem massa brasileiro,
moldado nos laboratórios do lulopetismo nestes últimos onze anos, no contexto
de uma nauseabunda degradação do espírito público ensejada pelo maior processo
de corrupção conhecido na história brasileira.
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[1]TORRES,
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1968.
[2]
VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Liberalismo y conservatismo en América Latina. Bogotá: Tercer Mundo / Ediciones
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"Universidad y Pueblo".
[3] MANNHEIM, Karl. Ideología y
Utopía, Madrid: Aguilar, 1966, p. 302.
[4]
LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. (Tradução, apresentação e
notas de Pedro Paulo Garrido Pimenta; revisão técnica de Bento Prado). São
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[5]
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. (Tradução de Julio Fischer;
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1988.
[6]
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil.
(Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva). 4ª. ed. São Paulo:
Nova Cultural, 1988.
[7]
HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. (Tradução
de A. Della Nina. Seleção de textos de Francisco Weffort). São Paulo: Abril
Cultural, 1973.
[8]
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. (Tradução de
Neil Ribeiro da Silva). Belo Horizonte: Itatiaia, 1977.
[9]
MILL, John Stuart. Ensaio sobre a liberdade. (tradução de Rita de Cássia Gondim
Neiva). São Paulo: Escala, 2006.
[10]
CONSTANT DE REBECQUE, Henri-Benjamin. Princípios de Política. (Tradução
espanhola de Josefa Hernández Junco, introdução de José Alvarez Junco). Madrid: Aguilar, 1970, p. 7-18.
[11] Cf. GINER DE LOS RÍOS, Francisco. Ensayos
sobre educación. Buenos Aires: Losada, 1945.
[12]
Cf. COMTE, Auguste. Apelo aos conservadores. (Tradução de Miguel Lemos). Rio de
Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1899. Do mesmo autor, Discurso
sobre o espírito positivo. (Tradução de José Arthur Giannotti). São
Paulo: Abril Cultural, 1973, coleção “Os Pensadores” e La science sociale.
(Apresentação e introdução de Angele Kremer-Marietti). Paris: Gallimard, 1972.
[13]
Apud MÉLONIO, Françoise. Tocqueville et les Français. Paris: Aubier, 1993, p. 31.
[14] Cf. BOUCHITTÉ, Hervé. Histoire
des preuves de l´existence de Dieu considerées dans leurs principes les plus
généraux jusq´au Monologium d´Anselme de Cantorbéry, Paris, 1846. Edição
fac-similar pela Universidade de Toronto:
https://archive.org/details/histoiredespreuv00bouc
[consulta em 01/05/2014].
[15]
Apud MÉLONIO, Françoise. Tocqueville et les Français. Ob.
cit., ibid.
[16]
Apud MÉLONIO, Françoise. Tocqueville et les Français. Ob.
cit., ibid.
[17]
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. (Tradução e
Introdução de Neil Ribeiro da Silva). 2ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Edusp, 1977, p. 375.
[18]
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Ob. cit.,
p. 376.
[19] TOCQUEVILLE, Alexis de. L´Ancien
Régime et la Révolution. (Introdução, organização e notas de
Françoise Mélonio). Paris:
Flammarion, 1988.
[20] MANNHEIM, Karl. Ideología
y utopía. Ob. cit., p. 302-303.
[21] MANNHEIM, Ideología y
Utopía, ob. cit., p. 306.
[22] MILLS, Charles Wright. La
élite del poder, México: Fondo de Cultura Económica, 1973, p. 303.
[23] JARAMILLO Uribe, Jaime. El
pensamiento colombiano en el siglo XIX. 2ª edição. Bogotá: Temis, 1974,
p. 10.
[24] CASTRO, Américo. España
en su historia. Buenos Aires: Labor, 1950. Em relação à grande
quantidade de termos herdados do árabe pelas línguas castelhana e portuguesa,
frisa o autor español: "(...) Essas importações de termos referem-se a
muito diversas zonas da vida: agricultura, construção de prédios, artes e
ofícios, comércio, administração pública, ciências, guerra. Já é significativo
que tarea (tarefa, em português), seja árabe. Os
alarifes planejavam as casas e os albañiles (pedreiros) as
construíam; e por isso são arabismos alcácer, alcova, azulejo, azotea (terraço),
baldosa, saguão, aldrava, alfeizar, fivela; a grande técnica no manejo da água
aparece em acequia, aljube (que adota o francês com a forma de ogive),
alverca, e em multidão de outras palavras. Porque os sastres eram mouros se
chamavam de alfayates (português alfaiates); os
barbeiros eram alfajemes; as mercadorias eram transportadas
por arrieros (tropeiros) y recueros (recoveiros);
eram vendidas nos zocos (zoicos)e azoguejos (açougues),em
armazéns, alhóndigas e almonedas; pagavam direitos
nas aduanas, eram pesadas e medidas por arrobas, arreldes,
quintais, adarmes, fanegas, almudes, celemines, cahices,
azumbres, que eram inspecionados pelo zabazoque (azoque) e
o almotacén (almotacé); o almojarife (almoxarife)
recebia os impostos que eram pagos em maravedis, ou em meticales.
Cidades e castelos eram regidos por alcaides, alcaldes, zalmedinas
(almedinas) e alguaciles. As contas eram feitas com cifras e guarismos (algoritmos) ou
com álgebra; os alquimistas destilavam o álcool nos seus alambiques e
alquitaras, ou preparavam álcalis, elixires ou jarabes (xaropes),
que eram vertidos em redomas. As cidades constavam de bairros e arrabaldes, e
as pessoas comiam açúcar, arroz, laranjas, limões, toronjas, berinjelas,
cenouras, albaricoques, sandias, altramuces, alcachofres, alcauciles, albérchigos, alfónsigos,
almôndegas, escabeche, alfajores e muitas outras coisas. As
plantas antes mencionadas eram cultivadas em terras de regadio, e como na
Espanha chove pouco (exceto na região do Norte), a irrigação precisa de muito
trabalho e arte para canalizar e distribuir a água para lavar o corpo e para
fertilizar a terra. Mencionei antes alverca, aljube, acequia, mas o vocabulário
relativo à irrigação do campo é muito amplo; eis aqui uma amostra: nória, arcaduz,
açude, almatrixe, alcantilara, atarjes, atanor, alcorque, etc”.
[25] JARAMILLO Uribe, El
pensamiento colombiano en el siglo XIX, ob. cit., p. 11.
[26] CASTRO, Américo, España
en su historia, ob. cit., p. 34.
[27] MANNHEIM, Karl. Ideología
y utopía, ob. cit., p. 303-305.
[28] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Filosofia
do Direito, cit. por MANNHEIM, in: Ideología y utopía, ob. cit., p. 304.
[29] MANNHEIM, Ideología
y utopía, ob. cit., p. 308.
[30] JARAMILLO Uribe, El pensamiento colombiano en el
siglo XIX, ob.
cit., p. 3-7.
[31] MAEZTU, Ramiro de. La
defensa de la hispanidad. 5ª edição, Madri: Gráfica González, 1946, p.
64.
[32] Cf. MORILLAS, Juan López, El krausismo español, 1ª
edição, México: Fondo de Cultura
Económica, 1956; RÍOS, Francisco Giner de los, Ensayos, Madrid: Alianza,
1969.
[33] Cf. PIKE, Frederik B. “Making the
Spanish World safe from Democracy: Spanish Liberals and Hispanismo”, The
Review of Politics, julho 1971, pgs. 307-322. Escrevi uma
síntese das idéias educacionais e políticas dos krausistas na minha obra
intitulada: El Hispanismo o Liberalismo Conservador legado por los Krausistas
españoles. Medellín: Instituto de Integración Cultural, 1977.
[34]
TOCQUEVILLE, Alexis de. Lembranças de 1848 – As jornadas
revolucionárias em Paris. (Tradução de Modesto Florenzano; introdução
de Renato Janine Ribeiro; prefácio de Fernand Braudel). São Paulo: Companhia das Letras / Penguin,
2011, p. 73.
[35]
MANNHEIM, Karl. Ideología y utopía, ob. cit., p. 302.
[36] Cf. MANNHEIM, Ideología y utopía, ob. cit.,
p. 14-19.
[37] CASTRO, Américo. España
en su historia. Ob. cit., p. 35.
[38]
JOVELLANOS, Gaspar Melchor de. Informe sobre la Ley Agraria. Madrid: I. Sancha, 1820. Edição
digital
http://www.cervantesvirtual.com/obra/informe-sobre-la-ley-agraria--0/
[Consultada em 25-04-2014].
[39] JARAMILLO Uribe, Jaime. El
pensamiento colombiano en el siglo XIX, ob. cit., p. 19, nota 22.
[40] JARAMILLO Uribe, Jaime. El
pensamiento colombiano en el siglo XIX, ob. cit., p. 14-15.
[41]
TORRES, João Camillo de Oliveira. Os construtores do Império. Ob.
cit., p. XIV-XV.
[42] MÜLLER, Adam Heinrich. Uber
König Friedrich II, und die Natur, Würde, und Bestimmung der preussischen
Monarchie. Berlin:
Sander, 1810, p. 49, cit. por MANNHEIM, Karl, Ideología y utopía, ob.
cit., 307-308.
[43]
É em face desta entelequia,
interpretada (à maneira espinosana) como uma força supra individual que age nos
seres humanos, que se insurge Alexis de Tocqueville. Por esse motivo, o
pensador francês rejeita a Escola Histórica alemã.
[44] MANNHEIM, Karl, Ideología
y utopía, ob. cit., p. 306-308.
[45]
Apud MERCADANTE, Paulo. A consciência conservadora no Brasil.
2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972, epígrafe.
[46]
TORRES, João Camillo de Oliveira. Os construtores do Império. Ob.
cit., p. 1-2.
[47]
TORRES, João Camillo de Oliveira. Os construtores do Império. Ob.
cit., p. 5-9.
[48] MANNHEIM, Karl. Ideología
y utopía, ob. cit., p. 308.
[49] MILLS, Charles Wright. La
elite del poder. Ob.
cit., p. 303.
[50] KIRK, Russell. The Conservative Mind: from Burke
to Santayana. 1ª edição. Chicago: Henry Regnery Company, 1953.
[51]
NISBET, Robert. Conservadurismo. (Tradução espanhola de Diana Goldberg Mayo). Madrid:
Alianza Editorial, 1995, p. 46.
[52] ORTEGA Y GASSET, José. A
rebelião das massas. (Tradução de Marylene Pinto Michael; revisão da
tradução de Maria Estela Heider Cavalheiro). São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.
26.
Professor, o texto é excelente. Gostaria de saber se o senhor identifica no "a priori material" da culturologia axiológica de Miguel Reale uma forma de lastro com o pensamento de caráter conservador?
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