Este trabalho foi publicado pela Revista da Fundação Liberdade e Cidadania - Democratas na edição de Abril-Maio de 2014, com o título Neopopulismo na América Latina - Anorexia institucional.
Fazer um balanço dos caminhos da América Latina no meio a
esta segunda década do século XXI não é tarefa simples. O cenário internacional
complicou-se sobremaneira, em decorrência da multiplicação dos centros de poder
que se seguiu à guerra contra o terror iniciada pelos Estados Unidos, após os
acontecimentos de 11 de Setembro de 2001. Na desarrumação universal do cenário
internacional, as variáveis se multiplicam. Mas tentarei elaborar uma síntese
do cenário latino-americano, tendo como ponto de vista a dupla realidade que,
nos últimos anos, tem-se apresentado como opção para os países desta área do
mundo: o fenômeno do Neopopulismo Bolivariano (no seio do MERCOSUL) e a Aliança
do Pacífico.
Estas duas opções terão como pano de fundo uma realidade
sociológica: o Estado patrimonial que vingou na formação histórica dos
herdeiros dos velhos Impérios espanhol e português. Analisarei a perspectiva
dos países, tentando mostrar que aqueles que se aproximam do eixo bolivariano,
fazem-no fortalecendo a tendência a confundir público com privado e a gerir o
Estado como se constituísse um bem patrimonial. Contrariamente, os países que
se aproximam da área do Pacífico, com o pacto que tem sido assinado pelo Chile,
o Peru, a Colômbia e o México, tendem a reagir contra a tradição do
patrimonialismo, dando um impulso modernizador às velhas estruturas herdadas de
séculos de paternalismo ibérico.
Analisarei essa complexa realidade, tendo como farol que me
guia nesta empreitada, a defesa da liberdade, que considero o norte civilizado
que pode nos remir do torpor da saga contrarreformista e de atraso em que nos
mantivemos ao longo dos séculos. Farei a minha análise com os olhos postos na
defesa da liberdade, nos cinco aspectos que lhe são essenciais, segundo a
análise que Constant fazia das perspectivas francesas em 1810, na sua obra Princípios
de Política :
a liberdade pessoal, a liberdade religiosa, a liberdade de opinião, o gozo da
propriedade e a garantia contra o arbítrio. Ora, a minha posição é clara: um
país – ou um conjunto de países – será tanto mais civilizado quanto mais se
aproximar dessa quíntupla benfazeja realidade que garante o exercício da
liberdade.
Não é difícil prever que a minha hipótese é a seguinte:
enquanto a área dos países bolivarianos se distancia da busca da liberdade sob
esse quíntuplo aspecto, a área conhecida como países da Aliança do Pacífico se
aproxima desse ideal. Dividirei a minha exposição em duas grandes partes, uma
dedicada aos países latino-americanos da Aliança do Pacífico, outra centrada
nos países do MERCOSUL que giram ao redor do eixo do Neopopulismo Bolivariano.
I – Os países da Aliança do Pacífico: Chile, Peru,
Colômbia e México.
Estes países construíram, ao longo dos últimos dez anos, um
círculo virtuoso: sanearam as suas economias, mantiveram taxas sustentadas de
crescimento, diminuíram sensivelmente o desemprego, melhoraram os parâmetros sociais
notadamente nos itens educação, segurança, transporte público e saneamento, e
colocaram as suas empresas no circuito do mercado mundial, mediante tratados de
livre comércio com vários países, inclusive com os Estados Unidos e a União
Europeia.
Paralelamente, as instituições republicanas foram
fortalecidas mediante a valorização da representação política, o controle do
gasto público e a maior participação da sociedade na gestão do Estado. Foi
concretizada, de outro lado, em todos eles, uma sensível modernização das
Forças Armadas e da Polícia, fator que foi decisivo para controlar os grupos
armados, notadamente na Colômbia e no Peru. O fator negativo ficou por conta do
avanço do narcotráfico no México, que tem ameaçado seriamente a sociedade
civil, tanto na fronteira com os Estados Unidos como na região
centro-americana.
A Aliança do Pacífico constituiu, desde o início, um bloco
comercial. Na Declaração de Lima, assinada em 28 de Abril de 2011, foi
anunciada a existência do mencionado bloco. A iniciativa originalmente partiu
do ex-presidente peruano Alan García Pérez. A finalidade que foi atribuída à
Aliança consistiu em “aprofundar a integração entre estas economias e definir
ações conjuntas para a vinculação comercial com Ásia Pacífico, sobre a base dos
acordos comerciais bilaterais existentes entre os Estados que formam parte da
Aliança”.
A República de Panamá também foi convidada a participar e se
vinculou na qualidade de membro observador. Ainda na Declaração de Lima eram
definidos estes objetivos complementares: “Estimular a integração regional, bem
como um maior crescimento, desenvolvimento e competitividade” das economias dos
países participantes da Aliança, e “avançar progressivamente em direção ao
objetivo de atingir a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas”.
Referindo-se à potencialidade econômica dos países
latino-americanos que se integraram na Aliança, o presidente peruano Alan
García, ao assinar o documento oficial, frisou que “(...) Os nossos quatro
países e, no futuro, Panamá, representamos 200 milhões de habitantes (...). Os
nossos países são responsáveis por 55% das exportações latino-americanas (...).
Esta não é uma integração romântica, uma integração poética, trata-se de uma
integração realista diante do mundo e em direção ao mundo”.Três requisitos foram assinalados como itens
essenciais para participar da Aliança: a vigência do Estado de Direito, bem
como da democracia e da ordem constitucional.
Deve-se destacar que os quatro países que integram a Aliança
do Pacífico representam aproximadamente 40% do Produto Interno Bruto da América
Latina. Se os membros da Aliança constituíssem um único país, este ocuparia o
sexto lugar na economia mundial. Dois países da Aliança, Chile e México, já
formam parte da OCDE (Organização para
a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, com sede em Paris), enquanto
que a Colômbia já solicitou formalmente o seu ingresso nesta organização.
Segundo dados da Organização Mundial do Comércio, os países que integram a
Aliança do Pacífico, em conjunto, exportaram em 2010 aproximadamente 445
bilhões de dólares, soma equivalente a quase 60% a mais do que as exportações
do MERCOSUL, no mesmo período.
Depois da Declaração de Lima, de 2011, foram
realizadas várias reuniões entre os governos dos países membros, com a
finalidade de chegar a um consenso acerca dos objetivos e exigências para
organizar a Aliança. O texto do acordo básico que dá vida à Aliança, destacando
os seus objetivos, foi aprovado na terceira cimeira dos presidentes, realizada por
videoconferência, em 5 de março de 2012. Os chefes de Estado concluíram a
negociação de Acordo Marco da Aliança (que constituiu o documento fundador da
entidade), em 6 de Junho de 2012, na cimeira realizada no norte do Chile, no
Monte Paranal, localidade situada no Deserto de Atacama. O documento
fundacional foi assinado pelos presidentes Sebastián Piñera (do Chile), Juan
Manuel Santos (da Colômbia), Felipe Calderón (do México) e Ollanta Humala (do
Peru).
O primeiro passo concreto no funcionamento da Aliança foi
constituído pela eliminação de vistos entre Chile, Colômbia, México e Peru,
medida que entrou em vigor em 1º de Novembro de 2012. A Secretaria de Relações
Exteriores (SER) do México, por sua vez, anunciou a eliminação de vistos para
cidadãos colombianos e peruanos, em 9 de Novembro de 2012, sendo que os
cidadãos chilenos já estavam isentos desse requisito. De outro lado, já está
funcionando o Mercado Integrado Latino-americano (MILA) formado pelo Chile,
Colômbia e Peru. O México finaliza os trâmites necessários para a sua
participação no MILA.
Na VII cimeira da Aliança do Pacífico, que teve lugar na
cidade de Cali (Colômbia), os países integrantes da Aliança acordaram a criação
de um fundo de cooperação de um milhão de dólares (tendo sido aportada, por
cada país, a importância de 250 mil dólares), com a finalidade de estimular a
criação de novos mercados no interior das economias dos países signatários da
Aliança.
Outro passo importante rumo à plena integração econômica dos
países da Aliança e a sua projeção na economia mundial, foi constituído pela
decisão de criar embaixadas e consulados comuns. Assim, foi criada a embaixada
comum de Chile, Colômbia, México e Peru em Ghana, na África. Foi assinado
também um acordo entre Chile e Colômbia, com a finalidade de compartir
embaixadas comuns na Argélia e no Marrocos. Documento semelhante foi assinado
entre a Colômbia e o Peru, com a finalidade de compartir uma embaixada no
Vietnam. Na Declaração de Cali são exortados os países membros da Aliança a
continuar avançando nesse tipo de iniciativas.
Quanto aos mecanismos políticos de integração, na reunião dos
presidentes dos Congressos do Chile, Colômbia, México e Peru, foi dado o
primeiro passo para a criação de um Parlamento da Aliança do Pacífico. Foi
prevista a configuração desse corpo colegiado com 10 representantes de cada um
dos Congressos dos países membros. O marco legal para a criação desse
parlamento colegiado foi assinado em 6 de Junho de 2012 em Antofagasta, Chile.
Ainda no contexto desta iniciativa parlamentar, foi criada, por
representantes dos quatro Congressos dos países membros, em Santiago-Chile, em
11 de Julho de 2013, a Comissão de Acompanhamento Parlamentar da Aliança do
Pacífico, com a presença de uma delegação observadora do governo espanhol. Foi
nomeado coordenador da mencionada Comissão o ex-presidente chileno Eduardo Frei
Ruiz-Tagle. A finalidade da Comissão consiste, segundo o coordenador, em
transformar em leis os acordos dos governos da Aliança, com a finalidade de que
a integração não se restrinja aos aspectos econômicos, mas abarque, também, os
aspectos culturais e políticos.
Passos importantes para a configuração do Mercado Integrado
Latino-americano (MILA) tem sido dados. Colômbia, Chile e Peru passaram a
operar, de forma integrada, através das respectivas Bolsas de Valores, a partir
de Novembro de 2010. Esse esforço tem dado lugar ao maior mercado de valores da
América Latina no que tange ao número de emissões, ao segundo mercado em
capitalização e ao terceiro em volume de negócios. A Bolsa Mexicana de Valores,
por sua vez, adquiriu um total de 3.79 milhões de ações da Bolsa de Valores de
Lima (BVL), equivalente a 6.7% dos títulos da Série A desse mercado. Espera-se,
para este ano de 2014, a plena integração da Bolsa Mexicana de Valores (BMV).
Do ponto de vista brasileiro, a imprensa tem destacado o
impressionante potencial da Aliança do Pacífico em face da realidade do
MERCOSUL. Editorial do jornal O Estado de São Paulo frisava
recentemente: “(...) Considerando-se que essa aliança existe formalmente há
menos de dois anos, os progressos são impressionantes - ainda mais se
comparados à letargia do MERCOSUL, cujos projetos de integração se arrastam há
mais de duas décadas. Em poucas palavras, a diferença entre um e outro está na
visão de mundo: enquanto os países do Pacífico apostam no livre mercado, os
parceiros do MERCOSUL dão cada vez mais ênfase ao estatismo - uma doença que
empobrece países importantes, como Argentina e Venezuela - e à ideologia, que,
em nome de um suposto resgate dos pobres e dos oprimidos, repele investidores,
criminaliza o lucro e condena a região ao atraso crônico. A intenção da Aliança
do Pacífico não é modesta: pretende ser o principal polo de atração de
investimentos na América Latina e quer ser a ponte para uma eventual integração
com a Ásia. - China, Coreia do Sul e Japão já são observadores do bloco. A
aliança reúne hoje 212 milhões de habitantes, e seu Produto Interno Bruto (PIB)
somado representa 36% do PIB latino-americano. Vários países da América
Central, como Costa Rica e Panamá, já manifestaram interesse em aderir, para
não perder a chance de integrar um projeto que tem sido visto no resto do mundo
como a mais importante iniciativa de comércio internacional no continente (...).
O MERCOSUL, por sua vez, está cada vez mais atado ao bolivarianismo, que
hostiliza os investimentos estrangeiros, ergue barreiras comerciais e reluta em
relacionar-se com os europeus e, principalmente, com os americanos. A presença
da Venezuela na presidência do bloco diz tudo sobre a prevalência da fantasia
sobre a razão no MERCOSUL. Como resultado, seus membros aparecem entre os
últimos colocados no ranking do Banco Mundial que analisa o ambiente de
negócios na América Latina. O Uruguai é o 12.º entre os 33 países analisados,
seguido do Brasil (23.º), da Argentina (26.º) e da Venezuela - a lanterninha.
Os da Aliança do Pacífico ocupam quatro das cinco primeiras posições (...)”.
A atividade conjunta dos países que integram a Aliança do
Pacífico deu ensejo a oito reuniões cimeiras. Resumirei brevemente a agenda de
cada uma delas:
A primeira, celebrada
em Lima, em 28 de Abril de 2011, teve como ponto central o convite do presidente peruano, Alan
García, feito aos presidentes da Colômbia (Juan Manuel Santos), do Chile
(Sebastián Piñera) e do México (Felipe Calderón), para criarem a Aliança.
Participou como membro observador o ministro panamenho para Assuntos do Canal,
Rómulo Roux.
A segunda reunião
cimeira da Aliança
teve lugar no dia 4 de Dezembro de 2011 na cidade de Mérida (Yucatán – México),
com a presença dos presidentes dos quatro países integrantes e também do
presidente da República de Panamá. Foram reconhecidos os avanços no processo de
integração, no terreno de acordos relativos à preservação do meio ambiente, ao
desenvolvimento científico e tecnológico, ao intercâmbio empresarial e
econômico (no que tange às questões da interconexão elétrica e energética) e à
mobilidade das pessoas. Acordou-se criar um sistema de bolsas para melhorar a
integração educacional entre os países membros. Os países membros
comprometeram-se a assinar um Tratado Fundacional da Aliança nos seis meses
seguintes a esta cimeira.
A terceira cimeira da
Aliança foi
realizada de forma virtual no dia 5 de Março de 2012 e teve a participação dos
presidentes dos quatro países membros, bem como dos presidentes de Panamá (na
qualidade de observador) e da Costa Rica (como convidado especial). Este país
passou a formar parte da Aliança como observador. Tanto Panamá quanto Costa
Rica comprometeram-se a agilizar os tratados de livre comércio com os países
membros da Aliança, a fim de se tornarem membros plenos.
A quarta cimeira realizou-se na cidade de
Antofagasta, Chile, no Observatório Astronómico de Paranal, no dia 6 de Junho
de 2012. Participaram os presidentes dos quatro países membros, bem como
representantes das chancelarias do Panamá e Costa Rica. Participaram, na
qualidade de convidados especiais, o ministro das relações exteriores do
Canadá, John Baird, bem como a embaixadora da Austrália na Colômbia e no Chile,
Virgínia Greville, e o embaixador do Japão no Chile, Hidemori Murakami. Os
presidentes dos países membros assinaram o Acordo Marco da Aliança do Pacífico.
Foi definida a presidência pro-tempore da Aliança e foram fixadas as condições
para a adesão de novos membros. Foram sublinhados os avanços dos países membros
no terreno do intercâmbio comercial. Foi destacada, também, a futura vinculação
da Bolsa Mexicana de Valores (BMV) e foi aprovada a colaboração do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Comissão Econômica para a América
Latina (CEPAL). Foi aprovada, igualmente, a eliminação de vistos para o
ingresso de cidadãos da Colômbia e do Peru no México.
A quinta cimeira teve lugar na cidade de Cádiz
(Espanha), em Novembro de 2012. Foi aprovada a participação (como membros
observadores), dos seguintes países: Espanha, Austrália, Canadá, Nova Zelândia
e Uruguai. Os presidentes dos países membros ratificaram a decisão de criar uma
união econômica muito mais forte com a eliminação das tarifas aduaneiras em
mais de 90% dos produtos.
A sexta cimeira foi realizada em Santiago de Chile,
no dia 27 de Janeiro de 2013. Assistiram à reunião vários mandatários da
América Latina e da Europa que participavam, em Santiago, da reunião da
CELAC-EU. O presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, destacou o
interesse suscitado pela Aliança entre os países europeus, com as seguintes
palavras: “As relações de integração no seio da Aliança do Pacífico vão
reforçar a posição deste grupo nos planos regional e internacional, o que os
torna atores ainda mais atraentes para os países europeus”.
A sétima cimeira da Aliança do Pacífico teve lugar
na cidade colombiana de Cali, de 20 a 24 de Maio de 2013. Participaram os
presidentes dos países membros da Aliança, Enrique Peña Nieto (México),
Sebastián Piñera (Chile), Ollanta Humala (Peru) e Juan Manuel Santos
(Colômbia). Como observadores assistiram Stephen Harper (primeiro ministro do
Canadá), Mariano Rajoy (presidente do governo espanhol), Laura Chinchilla
Miranda (presidente da Costa Rica), Ricardo Martinelli Berrocal (presidente do
Panamá), Otto Pérez Molina (presidente da Guatemala) e delegações ministeriais
de Uruguai, Austrália, Japão, Portugal, Nova Zelândia e República Dominicana,
além de 300 presidentes de companhias de vários países. Foi aprovada a
participação permanente, como países observadores, do Equador, El Salvador,
França, Honduras, Paraguai, Portugal e República Dominicana. Foi aprovada a
criação de um visto com a bandeira da Aliança do Pacífico, a fim de incrementar
o turismo na região. A Costa Rica iniciou o seu processo de adesão à Aliança.
Foi aprovada a criação de um fundo de cooperação de um milhão de dólares.
A oitava cimeira da Aliança realizou-se na cidade
colombiana de Cartagena de Índias entre 8 e 10 de Fevereiro de 2014, com a
participação dos quatro presidentes dos países membros e da presidente da Costa
Rica, Laura Chinchilla. Foi assinado o protocolo que prevê a extinção de
tarifas aduaneiras de 92% dos produtos. No caso da produção agrícola, a
extinção das mencionadas tarifas foi prevista para ser realizada ao longo dos
próximos 17 anos, com a finalidade de não criar problemas de abastecimento nas
regiões contempladas. Passaram a formar parte da Aliança, como observadores, os
seguintes países: Finlândia, Índia, Israel, Marrocos e Singapura. Colômbia e
Chile decidiram criar uma embaixada conjunta no Azerbaijão, bem como perante a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com sede em
Paris. Os presidentes da Colômbia e da Costa Rica assinaram o documento que
oficializa a entrada deste país na Aliança do Pacífico, uma vez tenha sido
concretizado o Tratado de Livre Comércio com o México e com a Colômbia.
Terminemos esta exposição
destacando o que os mandatários dos países membros esperam da Aliança do
Pacífico. O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, frisou na cimeira de
Antofagasta, em Junho de 2012: “Gostaria de destacar a rapidez e a facilidade
com que criamos este processo de integração, que eu não duvidaria em assinalar
como o processo de integração mais importante da América Latina. (...) Os
prognósticos da economia mundial para este ano (2012) é que o crescimento será,
no mundo, próximo de 3,5 por cento. América Latina, de acordo com os cálculos
do Fundo Monetário Internacional vai crescer 3,7, em média, ou seja, por cima da
média mundial. Mas estes quatro países vão ter um crescimento muito maior, de
4,5 por cento. Isso os torna especialmente atrativos para um dos objetivos
fundamentais, que consiste em atrair inversão para gerar mais empregos, para
criar mais prosperidade nas nossas sociedades. Estamos observando que
constituímos o grupo de países que mais cresce (...)”.
O presidente do México, Felipe
Calderón Hinojosa frisou, em visita a Singapura, em Dezembro de 2012, que a
Aliança do Pacífico tem estimulado alguns países da América Latina a
impulsionar as suas economias e que a economia mexicana avança por bom caminho.
“(...) Na América Latina criamos a Aliança do Pacífico entre México, Colômbia,
Peru e Chile e convidamos outros jogadores. A Aliança do Pacífico conta com
maior crescimento econômico, mais exportações e maior comércio do que a
iniciativa do MERCOSUL”.
No decorrer da IV cimeira da
Aliança do Pacífico, Sebastián Piñera, presidente do Chile, destacou, em Junho
de 2012, que a Aliança é “muito mais do que um acordo de livre comércio, é um
acordo de integração profunda e ampla que abarca o intercâmbio de bens,
serviços, inversões, pessoas (...)”.
Ollanta Humala, presidente do Peru, nessa mesma oportunidade frisou:
“Creio, também, que este é um espaço de não enfrentamento, nem ideológico, é um
espaço aberto que não procura ser espaço de oposição a outros espaços de
integração latino-americana. É, pelo contrário, um espaço que complementa e nos
integra ainda mais (...)”.
II – Os países do MERCOSUL, influenciados pelo neopopulismo
bolivariano: Venezuela, Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai (governo Lugo) e
Uruguai.
O neopopulismo pode ser considerado
como um sarampo que tomou conta do mundo nas duas últimas décadas do século
passado e na primeira deste século, em várias regiões. Na Rússia apareceu este
fenômeno, logo após a queda do Muro de Berlim, dando ensejo a uma revivescência
da antiga tradição messiânica grã russa, que se perde nos confins da Idade
Média com Ivã IV O Terrível (1530-1584) e que, nos dias de hoje, volta a
assombrar o cenário internacional com Vladimir Putin e as suas aventuras
expansionistas.
Na América Latina, a tendência
neopopulista apareceu vinculada à do messianismo político, de que se tornaram
portadores líderes como o falecido presidente Hugo Chávez da Venezuela, o casal
Kirchner na Argentina,
Fernando Lugo no Paraguai, Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Evo Morales na
Bolívia, Rafael Correa no Equador. Isso para não mencionar a fonte de boa parte
da ideologia que acompanhou este surto, a Cuba dos irmãos Castro. O
neopopulismo latino-americano constitui a mais nova versão do velho
patrimonialismo ibérico, com a sua tendência a gerir o Estado como bem de
família, privatizando, em benefício de uma burocracia corrupta, o espaço
público.
Lembremos os aspectos essenciais do neopopulismo. Para Taguieff,
“o populismo, oscilando entre o autoritarismo e o hiper-democratismo, bem como
entre o conservadorismo e o progressismo reformista – não poderia ser
considerado nem como uma ideologia política, nem como um tipo de regime, mas
como um estilo político, alicerçado no recurso sistemático à retórica de apelo
ao povo e à posta em marcha de um modelo de legitimação de tipo carismático, o
mais adequado para valorizar a mudança.
É justamente porque se trata de um estilo, uma forma vazia preenchida do seu
jeito por cada líder, que o populismo pode ser posto ao serviço de objetivos
antidemocráticos, bem como de uma vontade de democratização” .
Alberto Oliva e Mário Guerreiro ,
fazem uma caracterização semelhante: “Longe de ser uma doutrina, o populismo é
um modo de fazer política e de exercer o poder”. Esse caráter de estilo do
populismo foi explicitado por Lula, quando foi indagado acerca das suas
tendências ideológicas: “o senhor é comunista?” – perguntaram-lhe. Lula
respondeu: “sou metalúrgico”.
O estilo político do neopopulismo
se encarna na figura do salvador do povo,
quando se juntam os aspectos da retórica fácil com os relativos à modalidade de
legitimação que Max Weber
identificava como carismática. A respeito, frisa Taguieff :
“a combinação do populismo-retórico com o populismo-legitimação carismática
encarna-se na figura do demagogo ou do tribuno do povo, personagem que é, ao
mesmo tempo, expressão, guia e salvador
do povo, e que se apresenta como
homem providencial e realizador de milagres – ou de um porvir maravilhoso”. O
povo, para o líder populista, é uma entidade mítica afinada misteriosamente com
o seu carisma pessoal. Essa feição arcaica do populismo é assim destacada por
Taguieff:
“É necessário não desconhecer a dimensão mitológica de todo populismo, que
reside na tese, sempre pressuposta, de que o
povo existe e de que ele é dotado de uma unidade que lhe confere a sua
identidade (ou a unicidade de sua figura), em face das elites ou das potências
ameaçadoras, ou contra elas”.
O líder populista trabalha somente para a sua causa pessoal
e, para isso, elabora um discurso em que esta aparece identificada com a causa
do povo, dando ensejo, assim, a uma deformação do princípio da soberania; ele é
um demagogo cínico. A respeito da
alteração que o princípio da soberania sofre nas mãos do líder populista,
escreve Taguieff:
“O princípio democrático da soberania, isolado e privilegiado em relação aos
princípios liberais da separação e limitação dos poderes, pode ser objeto de
interpretações diversas e inspirar múltiplas práticas, para as quais ele serve
de modo de legitimação. Nesse sentido, o populismo é definível como a demagogia
da época democrática, ou como a forma mínima assumida pela demagogia, quando o
povo é tratado como uma categoria que pertence ao domínio do sagrado e fazendo
parte de um culto”.
O líder neopopulista
apela para a vinculação direta entre ele e o povo, dispensadas mediações
institucionais, como as que dizem relação ao governo representativo. É uma
espécie de ação direta do líder
carismático sobre as massas, em que, certamente, são utilizadas as novas
tecnologias como a comunicação on line,
via chats, blogs ou foros de debate. A propósito, escreve Taguieff:
“Enquanto que, nas democracias pluralistas instaladas e tranquilas, a política
supõe mediações e contemporizações – sendo que os debates e as deliberações
requerem tempo, bem como mediadores e lugares de mediação -, o imaginário
antipolítico do populismo centra-se totalmente na rejeição das mediações,
consideradas inúteis ou nocivas. Os líderes populistas propõem-se a derrubar a
barreira ou a distância, ou seja, qualquer diferença entre governantes e
governados, representantes e representados, ou bem sugerem que eles possuem o
poder para abolir qualquer distância entre os desejos e a sua satisfação, de
suspender este aspecto do princípio da realidade que é constituído pela
inserção na duração, pelo respeito aos prazos, pela contemporização”. Trata-se,
certamente, da irrupção pura e simples da magia na vida política. O
líder-salvador tem o poder extraordinário de satisfazer instantaneamente os
desejos das massas, só com a dinâmica onipotente de sua vontade, e sem que
intermedeiem outras instâncias pessoais ou institucionais.
Estilo eminentemente individual de relacionamento entre o
líder carismático e o povo, o neopopulismo é, paradoxalmente, antipolítico, na medida em que rejeita
qualquer institucionalização no exercício do poder; o líder populista
aproxima-se, destarte, do ideal da anorexia institucional, com a finalidade de
manter incólume a sua relação de prestígio pessoal em face do povo. García
Márquez,
em O
Outono do Patriarca, deixou clara esta característica, ao mostrar a
despreocupação do líder – Juan Vicente Gómez, encarnado no Autocrata solitário – para com a estrutura do Estado, reduzido aos
limites da sua casa. Qualquer
mediação que escape ao seu poder pessoal incomoda. Qualquer liderança que
apague a sua presença deve ser banida. Características semelhantes encontrou
Domingo Faustino Sarmiento no líder patrimonialista Facundo Quiroga, na
Argentina da segunda metade do século XIX. Facundo gostava de exercer o poder,
ou melhor, de influenciar sobre os que o desempenhavam em nome e em proveito
dele. Era um preguiçoso crônico em termos de rotinas administrativas.
O MERCOSUL, nos seus primórdios, representava uma instância
de integração continental e um âmbito ampliado de liberdade para os cidadãos
dos países que se acolheram à organização. Criado em 26 de Março de 1991 pelo
Tratado de Assunção, assinado pelos presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai
e Uruguai, o Mercado Comum do Sul
ampliou-se, passando a acolher os seguintes Estados
Associados: Chile (1996), Bolívia (1996) Peru (2003) Equador (2004) e
Colômbia (2004). Foram incluídos, na qualidade de Estados Observadores, os seguintes países: México e Nova Zelândia
(2010). Em 31 de Julho de 2012 foi incluída como Membro Pleno a Venezuela, sendo que o Paraguai apresentou o seu
veto a esta inclusão. O veto paraguaio fundamentou-se no fato de a Venezuela não
ter as condições institucionais para se tornar membro do MERCOSUL, em
decorrência das reformas ensejadas pelo presidente Chávez, que tornaram esse
país um regime de força, tendo atrelado os poderes Legislativo e Judiciário à
vontade do Executivo. O Paraguai, entretanto, terminou sendo excluído do
MERCOSUL pelos demais Membros Plenos,
em virtude de que este país estaria desconhecendo as exigências de adesão ao
regime democrático, pelo fato de ter sido destituído, por impeachment, o
presidente Lugo, em Junho de 2012.
Inserido o MERCOSUL no contexto neopopulista pelo predomínio,
nele, do Brasil e da Argentina (nos governos de Lula e do casal Kirchner,
respectivamente), terminou sendo esvaziado das suas características econômicas
ao longo dos últimos anos, especialmente após a admissão da Venezuela como Membro Pleno, para se converter em
aliança política de defesa de regimes patrimonialistas na America Latina. Após
a consolidação da “Revolução Bolivariana” na Venezuela chavista, esta passou,
lamentavelmente, a polarizar a inspiração das instituições regionais sul-americanas
ligadas ao MERCOSUL.
Em consequência, os
países membros dessa organização desenharam, ao longo da última década, um
círculo vicioso de privatização patrimonialista do Estado e de atraso. A saga
percorreu as mesmas etapas nos vários países: 1 - Tomada do poder pela via das
eleições. 2 – Atribuição, aos
mandatários eleitos, de um poder sem limites, pressupondo que eram os únicos
representantes da soberania popular e os salvadores das massas oprimidas. 3 – Centralização
de todas as instituições republicanas em mãos do executivo hipertrofiado, ao
qual foram submetidos os demais poderes públicos, mediante reformas
constitucionais efetivadas a toque de caixa. 4 – Hipertrofia do partido do
governo, que passou a ocupar todos os espaços do jogo político, banindo,
mediante o terror policial, o pluralismo partidário e o exercício da oposição.
5 – Ataques sistemáticos à imprensa livre, que passou a ser considerada como
instrumento das antigas elites. 6 – Desenvolvimento de uma política externa
pautada pela ideologia do confronto anti-imperialista e pela idéia da missão
salvadora em favor das massas, com a criação de novas instituições
internacionais que melhor representassem os anseios dos novos messias. Assim,
surgiram a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas) e a UNASUL (União de
Nações Sul-Americanas), contrapostas à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA),
ao North American Free Trade Agreement (NAFTA) e à Organização dos
Estados Americanos (OEA), embora esta tenha sido bastante infiltrada pelos novos
salvadores, lhe sugando a capacidade de mediação nos conflitos por eles
causados. 7 – Estatização progressiva da economia, sendo consideradas as
empresas privadas não tuteladas pelo Estado como inimigas dos interesses
populares. 8 Desvio de grandes somas de recursos públicos para apoiar a
fragilizada economia cubana; têm-se destacado nessa empreitada especialmente a
Venezuela (que entregou parte da sua soberania aos irmãos Castro, tendo
transferido para Cuba o Ministério venezuelano da Informação) e o Brasil (que
através de generosos empréstimos do BNDES financiou a construção do porto
estratégico de Mariel, por onde os cubanos alimentam o tráfico de armas para a
Coréia do Norte e outras ditaduras consideradas “populares”).
Para os Membros Plenos
da área do MERCOSUL passou a vingar essa ideologia messiânico-populista,
acompanhada por reformas nacionalistas, que passaram a ser interpretadas como
parte da missão salvadora dos novos donos do poder. Como a Venezuela foi a que
mais se destacou na construção dessa ideologia messiânica sob o comando do
carismático Hugo Chávez, que usou e abusou dos petrodólares para comprar
adesões, o novo clima afinou-se, na organização, com o populismo chavista. A
defesa incondicional da “Revolução Bolivariana” ocupou a ordem do dia. Tem sido
lamentável a atitude leniente dos Membros
Plenos do Mercosul em face dos desmandos autoritários do atual presidente
venezuelano Nicolás Maduro, cujo governo, nas protestas populares dos últimos
meses, já assassinou perto de meia centena de cidadãos do seu país.
No terreno econômico, os resultados têm sido trágicos nos
vários países do MERCOSUL, que terminou se convertendo, apenas, numa
organização político-ideológica, tendo sido esvaziado das antigas funções de
promover o desenvolvimento econômico e o intercâmbio sem barreiras entre os
países membros. A inflação disparou em todos eles, em decorrência das políticas
populistas de distribuição irresponsável de renda, nas várias “missões”,
“bolsas” ou “projetos”, que visavam a comprar o apoio popular para ganhar
eleições. Isso aconteceu na Venezuela chavista, no Brasil do lulopetismo, na
Argentina do velho tango do atraso dançado pelo casal Kirchner, no Paraguai nos
tempos do bispo-presidente Lugo, no Equador do falastrão Rafael Correa, na
Bolívia do telúrico líder cocalero Evo Morales. Na nova onda de salvacionismo
populista arrolar-se-iam pequenos países centro-americanos cativados pelos
dólares chavistas, como foi o caso da Nicarágua.
O Brasil mergulhou por inteiro na nova onda bolivariana. Não
é aqui o lugar para fazer um balanço do dramático saldo político e econômico da
era lulopetista. Faço apenas uma breve caracterização centrada no aspecto da
política econômica regional. Como gafanhotos famintos, ou à maneira de ávidos
cupins (para utilizar a imagem cunhada por lúcido crítico do neopopulismo
brasileiro, o saudoso Gilberto Ferreira Paim),
os militantes passaram a aparelhar as grandes empresas estatais e a coloca-las
a serviço do seu enriquecimento pessoal e da hegemonia partidária; assim, foi
quebrada a Petrobrás e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
virou instrumento político dos anseios internacionais do Lula que, diga-se de
passagem, após oito anos de governo, passou a formar parte da lista Forbes dos
milionários latino-americanos.
O números não mentem: a inflação, que tinha sido controlada
mediante reformas efetivadas nos vários países nas duas últimas décadas do
século passado, voltou a disparar na Venezuela, na Argentina, no Brasil, na
Bolívia, no Paraguai, no Uruguai, etc. Para garantir a continuidade das
eleições dos populistas de plantão, Hugo Chávez fez desfilar pastas repletas de
petrodólares pelos vários países sul-americanos. Assim aconteceu na Argentina,
no Equador, no Paraguai de Lugo e na Bolívia. Petrodólares chavistas
alimentaram movimentos sociais simpáticos ao lulopetismo no Brasil, inclusive
mediante o financiamento de escolas de samba com enredos bolivarianos no
carnaval. A refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que já custou bilhões de
dólares ao Brasil sem produzir uma gota sequer de hidrocarbonetos, foi
projetada para ser co-financiada pela estatal venezuelana PDVSA. Nenhum tostão foi desembolsado pelos “generosos”
vizinhos. A inflação, na Argentina, está na casa dos 20% ao ano, enquanto na
Venezuela supera o teto de 50%. O Brasil que, com o Plano Real (rejeitado pelos
petistas quando da sua implantação, nos anos 90) saneou as finanças públicas,
vê a inflação atingir preocupantes patamares que, neste ano, já superarão os
7%, sem que se veja, no horizonte, uma perspectiva de controle efetivo. Essa
foi a herança que receberam os países signatários do MERCOSUL, após as
prestidigitações bolivarianas, à luz do conhecido princípio macunaímico:
“privatização de lucros, socialização de prejuízos”.
Conclusão: os países da
Aliança do Pacífico e os do MERCOSUL (bolivariano), em face das garantias para
a liberdade.
Concluirei a minha análise realizando o confronto anunciado,
na parte inicial deste trabalho, entre o ideal da liberdade (como a entendia
Constant) e as garantias que, no contexto dos países da Aliança do Pacífico e
do MERCOSUL (bolivariano) foram postas em prática. Lembremos as cinco
instâncias em que o doutrinário francês entendia que se jogava o gozo da
liberdade: a liberdade pessoal, a liberdade religiosa, a liberdade de opinião,
o respeito à propriedade individual e a garantia contra o arbítrio.
Os países alinhados com a Aliança do Pacífico garantem o
exercício da liberdade, mediante a preservação das cinco instâncias em que esta
se realiza. As várias declarações dos presidentes, bem como os documentos que
regem a Aliança e as políticas públicas executadas pelos governos, destacam que
o regime de liberdades é garantido pelos países membros, como condição sine qua non da participação
no pacto. A Aliança constitui uma ponte entre o leste e o oeste, justamente se
vinculando, através do Pacífico, às duas maiores economias do Planeta: os
Estados Unidos e a China, abrindo as portas, também, ao resto do mundo,
notadamente à América Latina.
Observa-se, inclusive, um fenômeno curioso: alguns países do
MERCOSUL, como é o caso do Paraguai e do Uruguai (justamente os menores, e que
deveriam ver protegidos com maior zelo os seus interesses no organismo regional
ao qual se vincularam) têm acenado com o desejo de formar parte da Aliança do
Pacífico, tendo participado, como foi mostrado, da 7ª cimeira da Aliança
realizada em Cali (Colômbia), em Maio de 2013. O clima social nos países
membros da Aliança do Pacífico é de franco crescimento das liberdades civis.
Isso apesar de que vários deles tiveram de enfrentar, nas últimas décadas,
sérios movimentos de contestação armada protagonizados por grupos radicais de
esquerda, como foi o caso da Colômbia e do Peru, e apesar da guerra das drogas
que assombra especialmente aos habitantes da região norte do México. Nesses
três casos, o combate à violência tem sido realizado, pelos governos,
rigorosamente dentro da ordem constitucional e com respeito aos direitos
humanos, tendo sido corrigidos os excessos dentro da vigência do Estado de
Direito.
Outro país, o Equador, Estado
Associado do MERCOSUL, que na última década circulou estreitamente
vinculado à órbita chavista, foi admitido como observador da Aliança do
Pacífico, na mesma cimeira. De outro lado, El Salvador, que foi cortejado pelo
chavismo e pelo lulopetismo, bateu às portas da Aliança, tendo-se tornado,
também, observador. Por último, o Uruguai, que é Membro Pleno do MERCOSUL, participou mediante representação
ministerial na cúpula de Cali da Aliança, em Maio de 2013. Ideologia,
certamente, não enche a barriga de ninguém e, quando a necessidade bate à
porta, os pequenos países preferem se alinhar com quem defende a liberdade.
Já o bloco do MERCOSUL, como foi mostrado nas páginas
anteriores, aderiu majoritariamente à retórica bolivariana, de forma
progressiva, ao longo dos últimos dez anos. Os governos petistas, no Brasil,
foram definitivos para que se consolidassem os descaminhos dessa organização
regional. A política internacional do lulopetismo favoreceu, de forma clara,
desde o início, o populismo bolivariano, fortalecendo os projetos de Chávez
para se consolidar na América do Sul. Não é exagero dizer que a política do
lulopetismo tem estado diuturnamente inspirada pelos princípios do Foro de São
Paulo, que Lula, ao lado de Fidel Castro, ajudou a fundar no início dos anos 90
do século passado. O conselheiro dos governos petistas para assuntos da América
Latina, Marco Aurélio Garcia, é um defensor claro do castrismo e do bolivarianismo.
Lula, ao longo dos seus dois mandatos, deu apoio estratégico
a Chávez, chegando a afirmar que na Venezuela não havia autoritarismo, mas
“democracia demais”, alicerçado no pífio argumento de que, porque foi eleito, o
coronel bolivariano tinha legitimidade, sem olhar para a forma absurda em que o
mandatário destruiu os fundamentos constitucionais do Estado, ao consolidar a
preeminência do Executivo sobre os outros poderes públicos e ao
institucionalizar um regime policial, que repassou parte da soberania a Cuba, permitindo
que o Ministério venezuelano da Informação fosse administrado desde Havana e
que 40 mil “assessores” cubanos se instalassem na Venezuela.
O governo de Dilma Rousseff não mudou a posição em face dos
descaminhos da administração venezuelana, ao apoiar de forma clara a violenta
repressão do governo de Nicolás Maduro sobre a população civil, valendo-se,
para isso, da força do Brasil nos colegiados internacionais (OEA, UNASUL). O
apoio do Brasil à Venezuela foi coroado, em 2012, com o ingresso deste país ao
MERCOSUL, como Membro Pleno, fato
que, como apontamos, terminou desvirtuando ainda mais o perfil econômico desta
organização, convertendo-a em foro ideológico e político de defesa do
socialismo bolivariano.
Se há uma característica que salta à vista hoje, no MERCOSUL,
é que a presença venezuelana e o apoio decidido da Argentina e do Brasil à
“Revolução Bolivariana” fizeram com que a organização se afastasse dos
princípios liberais de defesa da liberdade, na forma ampla em que tal visão política
foi entendida por Constant. Ora, hoje, no âmbito do MERCOSUL, torna-se difícil
reivindicar a defesa da liberdade de opinião, de livre imprensa, de
consciência, de ir e vir, de segurança no uso das próprias posses e de valorização
da livre iniciativa por parte dos cidadãos. O caminho que resta, para os países
que ainda prezam a liberdade, é abandonar o MERCOSUL e aderir a outras
instituições regionais (como a Aliança do Pacífico), em que as liberdades não
sejam agredidas. É o que, parece, terminará acontecendo, se os rumos do
MERCOSUL não mudarem, para voltar a ser o instrumento de integração econômica
que foi pensado inicialmente, com pleno respeito à ordem constitucional e aos
direitos civis e políticos dos cidadãos.
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